Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
281/13.0TBOHP-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
BENEFICIÁRIO
DEVEDOR
AVALISTA
PAGAMENTO
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º E 17º-A DO CIRE, 30º, 32º, 47º E 77º DA LULL
Sumário: As providências com incidência no passivo do devedor – designadamente a modificação dos prazos de vencimento das obrigações – previstas em plano de recuperação aprovado e homologado em processo especial de revitalização referente à subscritora de uma livrança não aproveitam aos respectivos avalistas e, como tal, não obstam à instauração e prosseguimento da execução onde lhes é exigido o pagamento da quantia titulada na livrança.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A..., B..., C..., D... e E... , melhor identificados nos autos, vieram deduzir oposição à execução que lhes é movida pelo Banco F..., S.A., alegando, em suma, que: a execução tem por base uma livrança subscrita pela sociedade G..., Ldª e avalizada pelos Oponentes, sendo que tal livrança foi entregue ao Exequente sem que estivesse preenchida quanto ao respectivo valor e data de vencimento; no âmbito de processo especial de revitalização referente à sociedade subscritora da livrança – iniciado em 24/09/2012 – veio a ser aprovado, em 13/02/2013, um plano de recuperação que veio a ser homologado por sentença judicial de 07/03/2013; nos termos desse plano, a subscritora da livrança só está obrigada a proceder ao pagamento do capital em dívida a partir do mês de Abril de 2014, beneficiando do perdão de juros vencidos; apesar de ter aposto como data de vencimento o dia 27/09/2012, o Exequente apenas procedeu ao seu preenchimento depois do dia 09/04/2013, sendo que, nessa data, já estava em vigor o plano de recuperação e as diferentes condições de pagamento que obrigavam a subscritora ao exequente.

Assim, sustentando que o disposto no art. 217º, nº 4, do CIRE não é aplicável à revitalização e sustentando que a livrança foi preenchida em desconformidade com a obrigação que vinculava a respectiva subscritora, concluem pedindo a extinção da execução que contra eles foi deduzida.

O Exequente contestou, alegando: que as responsabilidades dos Oponentes já se encontram em dívida desde Janeiro de 2012, tendo procedido à resolução do contrato em Junho de 2012; que procedeu ao preenchimento da livrança de acordo com o pacto de preenchimento que foi assinado pelos Oponentes em data anterior à apresentação do processo de revitalização, sendo que esse pacto previa o preenchimento logo que deixasse de ser cumprida a obrigação, o que sucedeu em Janeiro de 2012; que o plano de revitalização apenas se aplica à sociedade revitalizanda e em nada altera as obrigações assumidas pelos Oponentes que garantiram o cumprimento do contrato através de avais pessoais apostos na livrança, não podendo aquele plano ser invocado pelos avalistas para se eximirem ao respectivo pagamento.

Conclui pela improcedência da oposição.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador que, conhecendo imediatamente dos fundamentos da oposição, por considerar que apenas estavam em causa questões de direito, julgou improcedente a oposição, determinando o prosseguimento da acção executiva.

Inconformados com essa decisão, os Oponentes vieram interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

I. A douta sentença recorrida deveria ter dado como provado, por confissão, o facto alegado pelo banco exequente em 19 do articulado de contestação, nomeadamente na parte que se refere que a livrança deveria ser preenchida com o incumprimento da obrigação caucionada.

II. De igual modo, deveriam ter sido dados como provados, também por confissão, os factos alegados pelos executados em 19, 20 e 21 do articulado da p.i. de embargos quanto à circunstância de a livrança ter sido entregue ao banco exequente em branco e preenchida por este em 9.4.2013 com data de vencimento em 27.9.2012.

III. As obrigações da subscritora da livrança (apresentada como título executivo) foram disciplinadas em plano de recuperação (aprovado e homologado por sentença) na sequência do processo especial de revitalização n.º 493/12.2TBOHP que correu termos junto da Secção Única do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital.

IV. No âmbito do plano foram mantidas as garantias pessoas que já anteriormente vigoravam mas alargado o prazo de pagamento de capital e juros vincendos, com perdão dos juros vencidos.

V. Sendo a obrigação dos avalistas solidária, não podem vigorar para eles condições distintas das que vigoram para a subscritora avalizada, de onde resulta que os avalistas beneficiam da modificação operada nas condições de pagamento resultantes do plano. Aliás,

VI. O preenchimento da livrança ocorreu num momento em que já vigoravam as novas condições de pagamento razão pela qual não existia nessa data incumprimento por parte da subscritora dado que a obrigação não estava vencida.

VII. Isto é, a livrança foi preenchida em desconformidade com o que fora contratualmente fixado pelas partes, dado que o banco exequente só estava autorizado a preencher em contexto de incumprimento das obrigações da subscritora.

VIII. Não obsta à posição defendida pelo embargante a indicação de que o aval é autónomo e que, como tal, o avalista não pode defender-se com as exceções que o seu avalizado pode opor ao portador do título.

IX. É que a livrança foi entregue em branco e como tal da mesma não constava o valor ou a data de vencimento, sendo certo que, no momento em que foi preenchida, foi-lhe aposta uma data de vencimento que não coincidia com as regras relativas à exigibilidade da obrigação subjacente.

X. Isto é, no momento em que ocorreu o preenchimento não só não estavam reunidos os pressupostos da autorização de preenchimento, como também não foram respeitadas as regras relativas à exigibilidade que já vigoravam por causa do plano de recuperação.

XI. Decidindo como decidiu, violou a douta sentença recorrida os arts. 32.º da LULL e 17.º-F, n.º 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Conclui pedindo o provimento ao presente recurso, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a oposição procedente.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se devem ser considerados provados, por confissão, os factos alegados nos arts. 19º, 20º e 21º do requerimento de oposição e no art. 19º da contestação;

• Saber se a alteração das condições de pagamento decorrentes de um plano de recuperação aprovado e homologado no âmbito de um processo especial de revitalização referente à subscritora da livrança dada à execução aproveita ou não aos Oponentes/Apelantes – avalistas da subscritora – com vista a saber se o Exequente podia ou não ter preenchido a livrança e exigir o seu pagamento aos Oponentes num momento em que a obrigação ainda não era exigível à subscritora por força do aludido plano.


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III.

Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

1. Correm termos neste tribunal os autos de execução comum sob o n.º 281/13.0TBOHP, nos quais é exequente Banco F..., S.A., Sociedade Aberta, e executados E..., D..., B..., C... e A..., de que os presentes autos são apenso.

2. Nos autos referidos em 1. foi dada à execução uma livrança no valor de 102.813,52€, com data de 1/09/2011 e vencimento em 27/09/2012, subscrita por G..., Lda. e avalizada por E..., D..., B..., C... e A....

3. A sociedade G..., Lda. foi requerente no processo especial de revitalização que correu termos neste tribunal sob o n.º 493/12.3TBOHP.

4. No âmbito do processo referido em 3. foi aprovado um plano de revitalização – cfr. documento a fls. 22 e ss. dos autos que aqui se dá por reproduzido.

5. Tal plano foi homologado no âmbito do processo referido em 3. por sentença proferida em 7/03/2013 e transitada em julgado em 2/04/2013.

6. Nos termos do plano referido em 4., ficou acordado que o grupo de credores que integram a categoria “Banca” (no qual se inclui a exequente Banco F..., S.A.) receberia o pagamento integral do valor de capital em 120 prestações mensais, vencendo-se a primeira no 13.º mês posterior ao trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação, com juros calculados de acordo com a Euribor a 3 meses acrescida de 4,5%.


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IV.

Analisemos então as questões suscitadas no recurso.

A oposição deduzida à execução fundou-se, essencialmente, na circunstância de ter sido aprovado e judicialmente homologado um plano de recuperação da subscritora da livrança, no âmbito de um processo especial de revitalização, que alterou as condições de pagamento da sua dívida relativamente ao aqui Exequente. Diziam os Oponentes que, nos termos desse plano, a subscritora da livrança apenas está obrigada a proceder ao pagamento a partir do mês de Abril de 2014, beneficiando do perdão de juros e que, na qualidade de avalistas, apenas poderiam ser accionados na hipótese de a subscritora não cumprir a obrigação nos termos decorrentes do aludido plano, sustentando que o disposto no art. 217º, nº 4, do CIRE não é aplicável à revitalização. Concluem, por isso, que não pode prosseguir a execução uma vez que o Exequente procedeu ao preenchimento da livrança dada à execução – que lhe havia sido entregue em branco – num momento em que já estava em vigor o plano de recuperação e as diferentes condições de pagamento que obrigavam a subscritora ao Exequente.

Considerou, porém, a sentença recorrida que a argumentação dos Oponentes não poderia proceder, porquanto o aludido plano de recuperação não é aplicável aos Oponentes e não pode ser invocado por estes.

E, na nossa perspectiva, decidiu-se correctamente.

Vejamos porquê.

O art. 217º, nº 4, do CIRE determina que “as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação…”.

Sustentam os Oponentes que tal disposição não é aplicável ao processo de revitalização, já que o plano de insolvência a que alude a norma citada é coisa diversa do plano de recuperação.

É verdade que, formalmente, o plano de insolvência e o plano de recuperação aprovado no âmbito de um processo especial de revitalização são realidades jurídicas distintas; mas, na prática, a diferenciação entre essas duas realidades decorre apenas da circunstância de se inserirem em processos distintos (processo de insolvência ou processo de revitalização), sendo que, no primeiro caso, o plano incide sobre um devedor já declarado insolvente, incidindo, no segundo caso, sobre um devedor que está em situação de insolvência meramente iminente. A verdade é que, no que toca ao seu conteúdo e objectivos, tais realidades são muito semelhantes, visando essencialmente a adopção de um conjunto de providências que se destinam a satisfazer os direitos dos credores pela forma que se entenda necessária para permitir a efectiva recuperação e viabilidade económica do devedor (cfr. arts. 1º e 17º-A do CIRE) e é por isso que o art. 17º-F, nº 5, do CIRE determina que o juiz, na decisão a proferir sobre a homologação ou não do plano de recuperação, deve aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, importando notar que, nesse título IX, estão incluídas as normas referentes ao conteúdo do plano, bem como o art. 217º supra citado.

De qualquer forma, ainda que se considere que o citado art. 217º do CIRE não é directamente aplicável ao plano de recuperação aprovado no âmbito do processo especial de revitalização, a verdade é que a solução consagrada na 1ª parte do seu nº 4 não poderá deixar de ser aplicável ao aludido plano por força de outras regras e princípios.

De facto e como decorre do disposto no art. 17º-A do citado diploma legal, o processo especial de revitalização tem como objectivo a negociação e a conclusão de um acordo entre a pessoa que aí figura como devedora e os seus credores, tendo em vista a recuperação ou revitalização da devedora. Ora, como parece evidente, esse acordo apenas vale entre as partes envolvidas (o devedor e os respectivos credores), não tendo aplicação a outros condevedores que, enquanto tal, nele não tiveram intervenção e relativamente aos quais os credores nada acordaram e a nada se vincularam. O processo de revitalização e o plano de recuperação nele homologado visam apenas a revitalização do concreto devedor a que se reporta e não a revitalização de qualquer outro devedor que responda solidariamente pela mesma obrigação, não podendo este – como decorre do disposto no art. 514º do C.C. – opor ao credor um meio de defesa que é pessoal do seu condevedor, como é o caso da modificação do crédito decorrente do plano de recuperação aprovado e homologado em processo de revitalização a este respeitante.     

Reportemo-nos agora à situação dos avalistas, uma vez que é nessa qualidade – e com fundamento no aval que prestaram na livrança dada à execução – que os Oponentes/Apelantes são demandados.

Como decorre do disposto no art. 30º da LULL – aplicável às livranças por força do disposto no art. 77º do mesmo diploma – o aval é o acto pelo qual alguém garante o pagamento da letra (ou livrança) por parte de um dos seus subscritores; o dador do aval assume, portanto, uma obrigação cambiária que, como tal, é autónoma e independente da relação jurídica subjacente ou fundamental, assumindo, perante o titular da letra ou livrança a obrigação de pagar a quantia nela titulada, obrigação que se mantém ainda que a obrigação que garantiu seja nula por qualquer razão que não seja um vício de forma (cfr. art. 32º da LULL). E, como decorre do disposto no art. 47º do citado diploma, o avalista responde perante o portador do título solidariamente com os demais obrigados, assistindo ao portador o direito de accionar todas essas pessoas, individualmente ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem pela qual elas se obrigaram.

Estando em causa, portanto, uma obrigação cambiária assumida perante o titular da letra ou livrança, autónoma e independente, nada obsta a que o avalista seja demandado individualmente para o efeito de lhe ser exigida a obrigação cambiária que assumiu (o pagamento da quantia incorporada no título) sem que lhe seja lícito invocar as excepções pessoais que o seu avalizado poderia opor ao portador do título decorrentes de eventuais alterações na relação subjacente que entre estes se estabeleceu e que apenas a estes respeitam.

Escreve-se a este propósito no Acórdão do STJ de 26/02/2013[1], citando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 11/12/2012, proferido na revista nº 5903/09.4TVLSB.L1.S1, o seguinte:

A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra.

A circunstância da relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária.

A relação cambiária constituída permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal”.

Por via dessa autonomia, o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento (Vaz Serra, R.L.J, Ano 113, pág. 186, nota 2; Ac. S.T.J. de 23-1-86, Bol. 353, pág. 485; Ac. S.T.J. de 27-4-99, Col. Ac. S.T.J., VII, 2º, 68; Ac. S.T.J. de 19-6-2006, Col. Ac. S.T.J., XV, 2º, 118)”.

 E, com base nessas considerações, conclui o citado Acórdão que a aprovação de um plano de insolvência da sociedade subscritora de uma livrança, onde passou a existir uma moratória para o cumprimento das suas obrigações, quanto ao pagamento dos seus débitos, não é invocável pelos respectivos avalistas, acrescentando que:

Na verdade, o plano de insolvência é constituído por um conjunto de medidas que só se aplicam à sociedade insolvente.

Ao votar a favor de tal plano, o credor fá-lo apenas por se tratar de medidas aplicáveis a uma sociedade que está numa particular situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações para com os credores.

Não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são insolventes, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram.

Com efeito, o credor do insolvente, ao votar favoravelmente um plano de insolvência, fá-lo apenas em relação ao insolvente.

Os garantes estão fora do âmbito da insolvência e do que nesta se delibera”.

E tais considerações são inteiramente válidas relativamente ao plano de recuperação aprovado e homologado em processo de revitalização.

No caso sub judice, os Apelantes/Oponentes, através da prestação do seu aval, assumiram a obrigação cambiária de pagar ao titular da livrança a quantia nela titulada e é essa obrigação que lhes está a ser exigida na presente execução. Essa obrigação cambiária não é afectada por eventuais alterações da relação jurídica subjacente, na medida em que é uma obrigação abstracta e autónoma que se destaca da relação subjacente e que dela é independente.

É certo, no entanto, que, enquanto o título não entra em circulação e se encontra ainda no domínio das relações imediatas, os obrigados cambiários podem discutir a relação subjacente que entre eles se estabeleceu e, como tal, podem invocar qualquer excepção fundada na relação causal.

 Mas ainda que a livrança aqui em causa esteja no domínio das relações imediatas, a verdade é que os Oponentes não invocaram qualquer excepção baseada na relação causal que tivesse a virtualidade de extinguir ou alterar a obrigação que assumiram.

Com efeito, na oposição que vieram deduzir, apenas invocaram o plano de recuperação que havia sido aprovado e homologado no âmbito de um processo especial de revitalização referente à sociedade subscritora da livrança e nos termos do qual o aludido crédito foi alterado, no que toca, designadamente, aos prazos de vencimento, razão pela qual não seria ainda exigível. A verdade é que esse meio de defesa é exclusivo da subscritora da livrança e não aproveita aos Apelantes, porquanto essa alteração do crédito decorreu de um plano de recuperação que assenta num acordo que foi celebrado entre a subscritora da livrança e os seus credores, que tem em vista um determinado objectivo (a recuperação da devedora) e que não envolve as obrigações de outros condevedores ou garantes que, nessa qualidade, não tiveram intervenção naquele acordo e relativamente aos quais os credores não deram o seu assentimento para a alteração das suas obrigações. Refira-se, aliás, que o plano de recuperação em causa refere expressamente que não ficam prejudicadas as garantias, pessoais ou reais, que vigoravam antes do processo de revitalização, evidenciando, dessa forma, que não existiu qualquer vontade ou acordo de introduzir qualquer alteração às obrigações assumidas pelos avalistas, ora Oponentes.

E não se diga – como dizem os Oponentes na sua oposição – que os avalistas apenas poderão ser accionados na hipótese de a subscritora não cumprir os termos em que está obrigada à luz do plano de recuperação em vigor. Com efeito, e como já assinalámos, o portador da livrança tem o direito de accionar qualquer um dos obrigados no título, individualmente, sem estar adstrito a observar qualquer ordem, nada obstando, por isso, a que o portador demande apenas os avalistas quando não queira ou não possa demandar a subscritora.

Ainda que a livrança tivesse sido entregue em branco e ainda que o Exequente a tivesse preenchido num momento em que já estava em vigor o plano de recuperação, nem por isso se poderá afirmar – como afirmam os Apelantes – que a livrança foi preenchida em desconformidade com o que havia sido contratualmente fixado.

Com efeito, o que releva para efeitos de eventual preenchimento abusivo é a desconformidade desse preenchimento com as condições previamente acordadas no momento da subscrição da livrança e, portanto, o que releva para esse efeito é o momento de vencimento da obrigação que, nessa ocasião, ficou estabelecido, sendo, para tanto, irrelevante a alteração do prazo de vencimento que, posteriormente, vem a ser efectuado apenas no que toca a um dos obrigados.

Assim, apesar de não poder exigir o cumprimento dessa obrigação à subscritora da livrança – por força do plano de recuperação a que estava vinculado – nada obstava a que o Exequente procedesse ao preenchimento da livrança para efeitos de exigir o pagamento aos demais obrigados cambiários – os avalistas – cujas obrigações não haviam sofrido qualquer alteração e nesse preenchimento apenas tinha que respeitar as condições que haviam ficado estabelecidas no pacto de preenchimento que com eles havia estabelecido.

Ora, a verdade é que os Oponentes não invocaram qualquer desconformidade concreta entre o preenchimento da livrança e o pacto ou convenção que, no momento da sua subscrição, haviam estabelecido com o Exequente; os Oponentes limitaram-se a invocar a alteração dos prazos de vencimento que resultavam do plano de recuperação – aí fazendo assentar o preenchimento abusivo do título – quando é certo que tal alteração apenas se reporta à obrigação da subscritora da livrança, sendo que as suas obrigações, na qualidade de avalistas, mantêm-se nos precisos termos que haviam sido estabelecidos no momento da subscrição da livrança, seja no que toca ao seu valor, seja no que toca ao prazo de vencimento.

Acrescente-se apenas que os Acórdãos do STJ de 04/12/2007 e da Relação do Porto de 12/02/1996, que são citados pelos Apelantes em abono da sua tese, não se reportam à legislação actualmente vigente, importando esclarecer que a legislação anterior (CPEREF) – ao contrário do que acontece com a actual – dispunha que as providências de recuperação da empresa afectavam os direitos dos credores contra os co-obrigados e terceiros garantes sempre que os titulares desses créditos tivessem aceitado ou aprovado as providências tomadas.

Improcede, portanto, o presente recurso, sendo irrelevantes para a decisão os factos a que aludem os Apelantes nos pontos I e II das conclusões das suas alegações e que pretendiam ver inseridos na matéria de facto provada.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

As providências com incidência no passivo do devedor – designadamente a modificação dos prazos de vencimento das obrigações – previstas em plano de recuperação aprovado e homologado em processo especial de revitalização referente à subscritora de uma livrança não aproveitam aos respectivos avalistas e, como tal, não obstam à instauração e prosseguimento da execução onde lhes é exigido o pagamento da quantia titulada na livrança.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes.
Notifique.

Maria Catarina Ramalho Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro

  


[1] Proc. nº 597/11.0TBSSB-A.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.