Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANTÓNIO BEÇA PEREIRA | ||
Descritores: | CASO JULGADO SIGILO BANCÁRIO | ||
Data do Acordão: | 03/20/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ARGANIL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REJEITADA | ||
Legislação Nacional: | ART.ºS 78.º, N.ºS 1 E 2 E 79.º, N.º 2, AL. E) DO REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO, APROVADO PELO DL N.º 298/92, DE 31 DE NOV., 519.º, N.OS 3, AL. C) E 4 DO CPC E 135.º, N.º 3 DO CPP | ||
Sumário: | Havendo caso julgado sobre a questão da dispensa do sigilo bancário, por o tribunal a quo já ter proferido decisão sobre essa matéria, não pode relativamente a ela pronunciar-se, novamente, este tribunal da Relação; a existência de caso julgado impede que se conheça do objecto do incidente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I No processo de inventário, que corre termos na comarca de Arganil, em que é inventariado A..., o Meritíssimo Juiz, na sequência de um requerimento apresentado pela cabeça-de-casal[1], proferiu despacho[2] em que decidiu: "Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, declaro a dispensa do sigilo bancário e, em consequência, ordeno que o Banco B... forneça as informações solicitadas pela cabeça-de-casal constantes de fls. 547 a 552 destes autos, sob cominação das penas da lei previstas no art.º 519.º n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil." O B ..., após, pelo menos, duas intervenções no processo relativas a esta matéria[3], apresentou a resposta que figura na folha 21[4] onde afirma que: "Acusamos a recepção do v/ ofício n.511974, datado de 17.05.11, o qual nos mereceu a nossa melhor atenção. Sobre o mesmo cumpre-nos reiterar a informação prestada a V. Exas. mediante carta data de 10/05/2011, no sentido de que, atentos os deveres de sigilo bancário legalmente estabelecidos não se encontram actualmente reunidas as condições necessárias a que este Banco possa prestar as informações solicitadas. Assim, e para que possamos actuar de acordo com o solicitado, uma vez mais agradecíamos que nos remetessem cópia da decisão proferida pelo Tribunal da Relação no âmbito de incidente de quebra de sigilo, nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.ºs 1 e 2 e 79.º, n.º 2, al. e) do Regime Geral das Instituições de Crédito, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Novembro, 519.º, n.os 3, al. c) e 4 do Código de Processo Civil e 135.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, de acordo com a qual este Banco tenha sido dispensado do cumprimento do dever de sigilo bancário já mencionado." Face a essa resposta, o Meritíssimo Juiz proferiu despacho onde se diz que: "Perante a recusa reiterada do B ... em fornecer as informações solicitadas pelo cabeça de casal constantes de fls. 547 a 552 e fls. 711 a 715, no âmbito do presente inventário, mesmo a após a notificação do nosso despacho de fls. 560 a 562 que apreciou a questão suscitada e que concluiu pela dispensa do sigilo bancário, que aqui se dá por integralmente reproduzido, outra solução não resta que não seja lançar mão do disposto no artigo 519.º n.º 4 do Código de Processo Civil e artigo 135.º do Código de Processo Penal. Assim ao abrigo das disposições legais citadas, e de molde a que o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra se pronuncie sobre o incidente suscitado pela entidade bancária no que concerne à legitimidade da sua recusa em fornecer informações relativas ao inventariado solicitadas pela cabeça de casal, no âmbito do presente inventário, escudando-se, para tanto, no dever de sigilo bancário, determino a criação de um apenso, devendo o mesmo ser instruído com cópia deste despacho, do expediente de fls. 547 a 552 e de fls. 711 a 715, do despacho de fls. 560 a 562, bem como de todos os ofícios emanados do B ... donde conste a recusa em fornecer as informações solicitadas." Está, assim, suscitado, nos termos dos artigos 519.º n.º 4 do Código de Processo Civil e 135.º n.º 3 do Código de Processo Penal, o incidente de dispensa do dever de sigilo. II O n.º 1 do artigo 519.º do Código de Processo Civil estabelece o princípio de que "todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados." Porém, na alínea c) do seu n.º 3 admite-se que a recusa em colaborar é "legítima se a obediência importar a violação do sigilo profissional (…), sem prejuízo do disposto no nº 4." E neste n.º 4 diz-se que "deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado." O n.º 4 deste artigo 519.º remete-nos, assim, para o artigo 135.º do Código de Processo Penal, onde se dispõe que: "1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos. 2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. 3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento. 4 - Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável. 5 - O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso." Perante este quadro, quando for invocado o direito de escusa, o juiz terá que, desde logo, decidir se essa escusa é, ou não, legitima. E, se concluir que ela é legítima, poderá, nos termos do n.º 3 deste artigo 135.º, suscitar, junto do tribunal que, em termos hierárquicos, lhe é imediatamente superior, a quebra do segredo, nomeadamente quando entender que esta se mostra imprescindível para a descoberta da verdade. Assim, como facilmente se percebe, este incidente tem objecto decidir-se se há, ou não, motivos para que se levante um certo sigilo. Ora, no caso dos autos verifica-se que, na sequência de um requerimento da cabeça-de-casal, o Meritíssimo Juiz proferiu despacho em que apreciou a questão do sigilo bancário[5] e em que decidiu pela sua "dispensa" e "em consequência," ordenou "que o Banco B ... forneça as informações solicitadas pela cabeça-de-casal constantes de fls. 547 a 552 destes autos". Portanto, é manifesto que já há decisão relativa à dispensa, quebra ou levantamento do sigilo bancário por parte do B .... Se essa decisão respeita na forma e na substância o quadro legal existente é questão diversa que não está aqui em apreciação. Quer isto dizer que já se decidiu o que se pretende que agora se decida neste incidente, o mesmo é dizer que já há caso julgado sobre esta questão. O Meritíssimo Juiz a quo já proferiu decisão que "dispensa do sigilo bancário" o B ... e que impõe a este a obrigação de prestar "as informações solicitadas pela cabeça-de-casal constantes de fls. 547 a 552 destes autos". Se o B ... discorda da decisão das folhas 560 a 562, nomeadamente por considerar necessário haver uma "decisão proferida pelo Tribunal da Relação no âmbito de incidente de quebra de sigilo, nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.ºs 1 e 2 e 79.º, n.º 2, al. e) do Regime Geral das Instituições de Crédito, aprovado pelo Decreto-lei n.º 298/92, de 31 de Novembro, 519.º, n.os 3, al. c) e 4 do Código de Processo Civil e 135.º, n.º 3 do Código de Processo Penal", tinha que, naturalmente, ter atacado aquele despacho, nomeadamente recorrendo[6] dele, sob pena de ter que o acatar. E se o Meritíssimo Juiz a quo entendia que a questão devia ser resolvida através deste incidente, que ele próprio veio a suscitar, fica por perceber por que motivo se antecipou e a decidiu no despacho das folhas 560 a 562. Mas, é certo que resulta dos autos que essa decisão não foi objecto de recurso, tendo, assim, transitado em julgado. E havendo caso julgado sobre esta matéria, não pode, obviamente, relativamente a ela pronunciar-se, novamente, este tribunal; a existência de caso julgado impede que se conheça do objecto do incidente. Agora só resta cumprir o que se encontra decidido. De qualquer forma, parece oportuno lembrar que, por um lado o beneficiário do sigilo bancário é o cliente e não a instituição financeira e que, por outro lado, falecido o titular "de uma conta bancária (…), os seus herdeiros passam a ser os beneficiários do segredo bancário, podendo, para conhecer o património hereditário, pedir informações e conhecer a evolução das contas bancárias antes e depois do óbito."[7] Deve, assim, ter-se por pacífico que "os herdeiros de um depositante não podem ser tidos como terceiros, relativamente às contas do mesmo, razão porque não lhe pode ser oposto o segredo bancário," pois, "o direito à informação e, designadamente, o direito à obtenção de informações documentadas sobre os movimentos bancários resulta directamente da lei e do contrato bancário celebrado com vista à abertura da conta. Tal direito deverá considerar-se transmitido aos herdeiros, uma vez que os depósitos, enquanto bens, passam a fazer parte do acervo da herança aberta por morte do depositante."[8] III Com fundamento no atrás exposto, não se conhece do objecto do presente incidente.
Sem custas.
António Beça Pereira (Relator) Nunes Ribeiro Hélder Almeida
|