Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1782/14.8TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: ARRESTO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 63º E 391º CPC.
Sumário: I – Configura-se o arresto (artigos 391º e segs. do CPC), no plano processual, como antecipação da penhora em vista da ulterior necessidade de adjectivação executiva, assegurando cautelarmente a conservação da garantia patrimonial do credor.

II – Existe, neste sentido, uma sobreposição funcional entre a garantia cautelar mediante arresto e a execução.

III – Assim, a colocação de uma questão de competência internacional para o decretamento de um arresto por um tribunal português deve ser resolvida em termos idênticos à da competência internacional para a acção executiva.

IV – A circunstância de a realização coactiva da prestação, por via da acção executiva, dever incidir sobre bens existentes no estrangeiro coloca uma questão de competência internacional dos tribunais portugueses, quando o alcance executivo pretendido incida sobre bens situados no estrangeiro, o mesmo valendo quando se pretende que esse alcance opere, cautelarmente, mediante arresto.

V – A adjectivação executiva está submetida ao princípio da territorialidade, no sentido de referenciação ao monopólio que cada Estado possui quanto ao desencadear de medidas coactivas (executivas) no seu território.

VI – Embora um direito, como objecto de uma penhora, no quadro de uma acção executiva (e isto vale para o arresto de um direito), seja de difícil localização espacial, deve entender-se referida essa localização ao “lugar de cumprimento da obrigação” quando se trata de determinar o local relevante para a adopção de medidas coactivas sobre o devedor respeitantes a esse direito, designadamente quanto à realização da prestação envolvida a um terceiro não credor (quanto à realização da prestação devida a um credor do credor).

VII – Assim, num quadro exterior à União Europeia e ao chamado “espaço Lugano”, onde são convocadas fontes específicas de Direito convencional relevantes em matéria de competência internacional, deve considerar-se internacionalmente incompetente um Tribunal português para decretar o arresto de um direito cujo lugar de cumprimento da obrigação se situe no estrangeiro.

VIII – Vale esta conclusão num quadro de bilateralização da competência internacional, no sentido em que, se os Tribunais portugueses se consideram exclusivamente competentes, por via da projecção interpretativa do artigo 63º, alínea e) do CPC, para execuções (arrestos) incidentes sobre bens situados em Portugal, devem referenciar essa competência como exclusiva de um Tribunal estrangeiro quando a execução (arresto) pretende alcançar um bem situado no estrangeiro.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. A…, Lda. (Requerente e Apelante no contexto deste recurso) requereu, preambularmente a uma acção declarativa de condenação, o presente procedimento cautelar de arresto [artigos 391º e segs. do Código de Processo Civil (CPC)] contra a sociedade F…, Unipessoal, Lda. (a aqui Requerida, que não foi ouvida nem tem intervenção no contexto processual que conduziu a este recurso[3]).

            1.1. Resumidamente, invocou a Requerente ter sido subempreiteira da Requerida numa obra a esta adjudicada no Estado de Israel por uma empresa israelita (consistiu essa obra na construção de um edifício na cidade israelita de Sderot)[4]. O valor dos trabalhos executados pela Requerente ascendeu a €1.095.554,61, dos quais a Requerida pagou €471.964,90, permanecendo em dívida €623.589,71 (€634.861,31 com juros), valor cujo pagamento a Requerida persistentemente vem omitindo desde Novembro de 2012. Ora, invocando a Requerente um justo receio de perda de qualquer possibilidade, alcançável através do património da Requerida, de realizar o seu crédito, vem solicitar o arresto – entre outros e focando-nos aqui nos elementos com interesse para este recuso – de dois créditos dos quais a Requerida é titular sobre duas sociedades israelitas, respeitantes ao pagamento por estas de parte do preço ajustado no âmbito de contratos de empreitada (construção de obras) celebrados entre a Requerida e essas empresas, identificadas como “D…R… (2000) 1989 LTD, como nº de registo …, com sede em …, em Israel” e “C… LTD, com número de registo …, com sede em …, em Israel[5].

            É esta incidência – pretender-se o arresto, determinado por um Tribunal português, de dois créditos da Requerida sobre duas sociedades estrangeiras (israelitas) cujo pagamento àquela ocorrerá em Israel – que apresenta relevância para o presente recurso.

            1.2. Com efeito, sem audiência da Requerida, foi o arresto decretado relativamente aos saldos bancários domiciliados em Portugal, também incluídos no pedido, e recusado quanto aos créditos da Requerida sobre as empresas israelitas, através da Sentença de fls. 258/280esta, quanto a esta última asserção decisória (está ela contida, fundamentalmente, a fls. 259/265), constitui a decisão objecto do presente recursoque considerou, quanto a esses dois créditos sobre empresas estrangeiras, incompetentes internacionalmente os tribunais portugueses:
“[…]
Deste modo, impõe-se conhecer a excepção dilatória de incompetência internacional absoluta dos tribunais portugueses, absolvendo a requerida da instância quanto ao arresto dos créditos que a requerente pretende levar a cabo em Israel.
No mais, o Tribunal é competente.
[…]” (fls. 265).

            1.3. Inconformada com este elemento da decisão, apelou a Requerente, adrede formulando as conclusões seguintes:
“[…]

II – Fundamentação

2. Caracterizado o desenvolvimento do procedimento cautelar que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a impugnação da Requerente, sendo que o âmbito objectivo desta foi delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente [artigos 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil (CPC)[6]]. Assim, fora dessas conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Prescindimos aqui de indicar os factos que a decisão recorrida, no trecho de fls. 265/271, considerou provados. É patente que os considerou em vista do decretamento do arresto incidente sobre os bens da Requerida sedeados em Portugal, e tais factos valem – valeriam, estendêssemos aqui o arresto ao crédito da Requerida a ser satisfeito em Israel –, valem tais factos, dizíamos, para outros objectos da pretensão de arresto de bens do devedor. Damos aqui por verificados, pois, os pressupostos de facto que conduziram a primeira instância ao decretamento do arresto. Referimo-nos à base fáctica do justo receio e da probabilidade séria da existência do crédito pretendido acautelar.

Constitui tema exclusivo do recurso, assim, determinar a competência internacional dos tribunais portugueses para o decretamento de um procedimento cautelar de arresto cujo objecto – os bens do devedor na terminologia do artigo 391º, nº 1 do CPC – corresponda a créditos desse devedor “existentes”[7] no Estado de Israel (rectius, dos quais são devedoras sociedades israelitas, créditos cujo pagamento à Requerida ocorrerá nesse outro país).
2.1. Refere o artigo 391º, nº 1 do CPC que “[o] arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora […]”. Neste caso, tratando-se de “penhora” de créditos da Requerida, consistiria ela – consubstanciar-se-ia o arresto, portanto – “[…] na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução” (artigo 773º, nº 1 do CPC). Tratar-se-ia, pois, simplificando as coisas, de notificar as duas sociedades israelitas – notificá-las em Israel, como pretende a Requerente – de que não poderiam, existindo esses créditos, satisfazer à Requerida (aí credora delas) os mesmos, devendo realizar as prestações correspondentes (e continuaríamos a determinar injunções comportamentais a sociedades israelitas que deveriam ser acatadas em Israel), devendo estas realizar essas prestações, quando for o caso, a um agente de execução português. Tenha-se presente a este respeito, como correctamente se sublinha na decisão recorrida, o regime que decorre do artigo 777º do CPC[8]: vencida a dívida, não contestando o devedor a existência desta, fica obrigado a depositar o respectivo valor em instituição de crédito à ordem do agente de execução e a apresentar o correspondente documento de depósito. E, last but not least, o não cumprimento pelo devedor da injunção comportamental de cumprir não ao seu credor mas ao credor daquele de quem é devedor (portanto de cumprir ao credor do seu credor), pode gerar, em última análise (cfr. o nº 4 do artigo 777º do CPC), na própria execução, uma outra execução contra o terceiro devedor do executado (aqui contra as sociedades israelitas destinatárias da injunção envolvida no decretamento do arresto)[9]. E tudo isto, enfim, sem esquecer que, em última análise, a ordem jurídica portuguesa, confere às “suas” providências cautelares – a todas elas incluindo ao arresto – garantia penal referenciada ao crime de desobediência qualificada (artigo 348º do Código Penal), dirigida a “todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada” (artigo 375º do CPC)[10].

Esta associação do arresto à penhora é significativa e fornece-nos elementos decisivos na aproximação ao problema de competência internacional que o caso concreto nos coloca. Apresenta-se este, por via dessa sobreposição à penhora, pese embora ter na sua base um problema de tutela cautelar, em termos fundamentalmente idênticos àqueles que caracterizariam uma questão de competência internacional dos Tribunais portugueses[11] para uma acção executiva que pretendesse alcançar, no quadro da realização coactiva da prestação, bens existentes no estrangeiro, em concreto “bens” que, na configuração estabelecida no Direito português, originassem, em vista dessa realização coactiva, uma penhora de direitos.

Com efeito, funciona o arresto, no plano processual – no plano substantivo funciona como meio de conservação da garantia patrimonial do credor[12] – como antecipação da penhora, em vista de uma ulterior adjectivação executiva[13], projectando desde logo os efeitos desta (é o que decorre do artigo 622º, nº 1 do CC)[14], podendo afirmar-se – e é este o ponto aqui relevante – que esta especial feição (do arresto) nos transporta para um domínio coincidente com aquele em que uma execução que visasse penhorar um direito do devedor/executado colocaria um problema de competência internacional:
“[…]
Pode afirmar-se que uma execução coloca um problema de competência internacional quando os sujeitos e objecto processual chamam a aplicação de normas jurídicas que não apenas portuguesas.
Assim, tal sucede quando as partes são, uma ou ambas, de nacionalidade não portuguesa.
O mesmo acontece quando os factos que integram a causa de pedir, v. g. o contrato, tiveram lugar total ou parcialmente fora do nosso território.
Por fim, e independentemente da presença ou não de um elemento internacional no plano dos sujeitos e da causa de pedir, o próprio pedido pode ter uma conexão a outra ordem jurídica. Isso sucede se a realização coactiva houver de ser feita no estrangeiro – v. g., a penhora ou a apreensão de um bem – ou se a própria prestação tiver de ser cumprida no estrangeiro – o pagamento, a entrega ou o facto a prestar.
[…]”[15] (sublinhado acrescentado).

Foi este o problema que o Tribunal de primeira instância resolveu declarando-se internacionalmente incompetente para o arresto aqui almejado pela Requerente, na parte em que tal providência visava actuações coactivas cautelares pretendidas fazer repercutir – fazer actuar coactivamente – numa outra ordem jurídica.

Todavia, como elemento de especificidade de uma questão de competência internacional referida à tutela cautelar – aqui quanto à tutela cautelar mediante arresto –, deveremos ter presente o disposto no artigo 364º, nº 1 do CPC, relacionando-o, isto na procura de factores de atribuição de competência internacional, com a alínea a) do artigo 62º do CPC[16]. Ora, com base neste enquadramento, poderíamos dizer, abstraindo de outros factores aqui relevantes – e estamos apenas a argumentar formulando uma hipótese –, que a competência internacional dos tribunais portugueses para este procedimento cautelar de arresto decorreria da circunstância de tal acção cautelar dever ser proposta num tribunal português, em função da regra da dependência desta acção da outra acção referida ao direito pretendido acautelar, o que traduz a regra constante do artigo 364º, nºs 1, 2 e 3 do CPC (sublinha-se que no espaço da União Europeia e no chamado Espaço Lugano a questão poderia colocar-se diversamente quanto à competência internacional para a tutela cautelar, como veremos seguidamente; não é esse, todavia, o “espaço” do caso dos autos). Note-se, aliás, que a acção principal, a aqui configurada pela Requerente como uma acção de incumprimento contratual, se refere ao pagamento do preço num contrato de subempreitada (o contrato de fls. 28/33, v. a nota 4, supra) celebrado em Portugal, entre a Requerente (subempreiteira) e a Requerida (empreiteira), sendo ambas sociedades portuguesas, estando em causa o preço devido pelo empreiteiro ao subempreiteiro, preço que, nos termos do contrato, deverá ser pago em Portugal (v. a cláusula 4ª, nº 3 do contrato a fls. 30[17]). Neste enquadramento referido ao objecto da acção principal, a questão da competência internacional dos tribunais portugueses para essa acção (para a acção principal) sempre seria clara – esmagadoramente clara, mesmo – face à alínea b) do artigo 62º do CPC (“[t]er sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram”). Admitindo que a competência internacional para o decretamento de um arresto seria como que “arrastada” pela definição da competência internacional referida à acção principal, o problema reside aqui no carácter intuitivamente insatisfatório que essa (outra) definição de competência internacional apresenta relativamente à essência significativa própria da tutela cautelar quanto esta se traduz em ordenar um determinado comportamento a um ente domiciliado no estrangeiro, quando esse comportamento será observado ou não observado, será respeitada ou desrespeitada a ordem do Tribunal português envolvida no arresto, no espaço soberano de um outro país.

2.1.1. Em busca de um possível argumento de identidade de razão que se mostre prestável na aproximação ao caso concreto, não deixaremos de sublinhar que a questão da competência internacional referida à tutela cautelar no espaço da União Europeia (e no quadro dos “Estados Lugano”), recebe, mercê da sua especificidade, um tratamento particular[18], por via do artigo 31º do “Regulamento nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial” (Regulamento Bruxelas I): “[a]s medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão de fundo[19]. Vale esta norma como atribuição, referida à adjectivação de medidas cautelares, de uma competência internacional especial a uma jurisdição diversa da da questão de fundo (diversa da jurisdição competente para a acção da qual o procedimento cautelar está dependente), mesmo entendendo-se o artigo 31º do Regulamento 44/2001 como permitindo uma escolha alternativa (portanto, como não fixando uma competência exclusiva), para a medida cautelar, entre duas jurisdições: a do Tribunal do Estado que prevê a medida visada ou a do Tribunal determinado segundo os critérios de competência do próprio Regulamento[20].

O argumento de semelhança que aqui apresentará interesse na aproximação ao caso concreto prende-se com a ideia, presente no Direito da União Europeia, de uma tendencial separação, em matéria de competência internacional, da questão da tutela cautelar subsidiária associada a uma outra acção, da questão da competência internacional especificamente referenciada a essa outra acção (à acção principal da qual o arresto está dependente, nos termos do artigo 364º, nº 1 do CPC). Porque essa tendencial separação assenta numa forte individualidade da questão da competência internacional referida às medidas cautelares, tem sentido – e cremos que tem um particular sentido aqui – centrarmo-nos nessa forte individualidade executiva do arresto (que o configura num quadro preambular de uma acção executiva e de grande sobreposição com esta: em rigor adianta-se por via do arresto, por razões de urgência, a penhora que teria lugar na acção executiva) e, em função disso, tratar a questão da competência internacional para o decretamento de um arresto fundamentalmente como uma questão de competência internacional referida à adjectivação executiva, fazendo algum descaso, na definição dessa competência, da circunstância do arresto constituir dependência de uma outra acção para a qual os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes. É este, no que se refere à competência internacional referida à tutela cautelar, o argumento de identidade de razão que, interessando à presente situação, colhemos desde logo no Direito da União Europeia.

Subsiste, assim, como acabamos de a caracterizar, a especificidade introduzida pela associação desta forma de tutela cautelar (o arresto) à acção executiva, desde logo por via do decalque deste na penhora, sendo relevante que a questão da competência internacional se refira a essa dimensão do problema e que seja aqui configurada como uma questão de competência internacional dos tribunais portugueses para uma acção executiva que pretendesse à partida alcançar, com o sentido de penhorar, um direito com as particularidades de localização espacial dos dois créditos da Requerida aqui pretendidos arrestar pela Requerente. Sublinha-se, quanto a este último aspecto – quanto à competência internacional referida à acção executiva no caso de pretensão de alcance executivo de um direito –, que colhemos, como adiante se verá, alguma abonação interpretativa referida ao Direito da União, reportada ao entendimento do já referido Regulamento Bruxelas I, quanto ao respectivo artigo 22º, nº 5, quando estabelece uma competência exclusiva, “[e]m matéria de execução de decisões, [dos] tribunais do Estado-Membro do lugar da execução”.  

2.1.2. É em função disto – com base num elemento de identidade de razão – que tem interesse fornecer aqui algumas indicações colhidas na Doutrina sobre a questão da competência internacional referida à acção executiva.

Esta questão era equacionada por Miguel Teixeira de Sousa em 1998 (portanto, fundamentalmente, no quadro da reforma do Processo Civil realizada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, complementado pelo Decreto-Lei nº 180/96, 25 de Setembro), nos seguintes termos:
“[…]
A competência executiva internacional dos tribunais portugueses pressupõe uma conexão relevante da acção executiva com a ordem jurídica portuguesa, porque os tribunais nacionais não podem (nem devem) ser competentes para toda e qualquer execução. A necessidade desta conexão é uma consequência do princípio da territorialidade ao qual estão submetidas as medidas através das quais se obtém a realização coactiva da prestação exequenda: segundo esse princípio, cada Estado possui o monopólio das medidas coactivas efectuadas no seu território. Por este motivo, o factor de conexão relevante para a aferição da competência executiva internacional dos tribunais portugueses não pode deixar de ser a circunstância de as medidas necessárias à realização coactiva da prestação poderem ocorrer em território português.
[…]”[21].

            Em 2004, já no quadro da chamada Reforma da Acção Executiva (decorrente do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), que introduziu o artigo 65º-A, alínea e)[22], correspondente ao actual artigo 63º, alínea d), observava o mesmo Autor:
“[…]
[H]á que referir que o artigo 65º-A, alínea e) do CPC deve ser interpretado de acordo com o princípio da territorialidade das medidas de execução, isto é, segundo o princípio de que apenas os tribunais do Estado da execução podem aplicar as respectivas medidas coactivas. A execução de uma obrigação pressupõe o exercício da função jurisdicional pelo órgão competente, pelo que cabe a cada Estado definir as condições em que admite o exercício do seu próprio poder soberano no seu território. É por isso que as medidas de execução não podem ser decretadas num Estado e efectivadas num outro Estado, mesmo que seja mediante solicitação daquele primeiro Estado. É também o princípio da territorialidade das medidas executivas que justifica que, depois de ter sido concedido o exequatur a uma decisão estrangeira, a execução siga as regras próprias do Estado da execução.
[…]”.

            E acrescentava Miguel Teixeira de Sousa, referindo a particularidade (que corresponde à particularidade que aqui se coloca) de estarem em causa direitos como objecto do alcance executivo pretendido accionar:
“[…]
Nesta perspectiva, há que afirmar que o artigo 65º-A, alínea e) do CPC deve ser interpretado com algumas cautelas. O preceito faz sentido quando aplicado a bens corpóreos, isto é, quando a execução respeite à entrega de bens localizados em território português ou quando nela sejam penhorados bens que se encontrem em Portugal. Pelo contrário, o artigo 65º-A, alínea e) do CPC não faz sentido quando aplicado a direitos, conforme pode ser demonstrado por duas ordens de razões. Uma delas é a de que os direitos dificilmente podem ser localizados no espaço: um crédito pode ser ‘localizado’, com a mesma justificação, tanto no domicílio do credor, como no domicílio do devedor, como ainda no lugar do cumprimento da obrigação. Em qualquer dos casos trata-se de uma localização puramente ficcionada.
[…]”[23] (sublinhado acrescentado).

            Este problema – a difícil referenciação espacial de um direito enquanto objecto do alcance executivo –, que, bem vistas as coisas, constitui o factor identitário do arresto visado pela Requerente e corresponde ao elemento que nos interpela no caso concreto, esta questão, dizíamos, é tratada por Paula Costa e Silva, observando o seguinte:
“[…]
O critério do artigo 65º-A/e suscita-nos uma dificuldade de aplicação. Ao atribuir competência exclusiva aos tribunais portugueses sempre que a execução recaia sobre bens existentes em território português terá o legislador pensado, tanto em coisas, quanto em direitos? Ambos os termos integram a expressão mais vasta ‘bem’. Mas será possível localizar os direitos susceptíveis de penhora pertencentes ao executado? Enquanto realidades jurídicas destituídas de substrato real, os direitos a uma prestação não têm um lugar em que se situem: Quanto a estes poderá, quando muito, falar-se em local do respectivo cumprimento. Mas já não fará sentido impor uma competência exclusiva dos tribunais portugueses, excludente da competência de tribunais estrangeiros, quando a execução deva recair, não sobre coisas, mas sobre direitos a uma prestação.
[…]”[24] (sublinhado acrescentado).

            Abordando esta questão, observa Luís de Lima Pinheiro:
“[…]
[P]or força do Direito Internacional Público geral [v. a nota 29, infra e o texto que para ela remete] a realização de actos de execução no território de um Estado é, em princípio, da exclusiva competência dos órgãos deste Estado (ou dos particulares em que esse poder seja delegado). Daí parece decorrer que são exclusivamente competentes para a acção executiva os tribunais do Estado onde devam ser praticados os actos de execução. Quando os actos de execução tenham por objecto bens corpóreos são exclusivamente competentes os tribunais do Estado da situação dos bens. Já quando os actos de execução tenham por objecto direitos se suscitam outras dificuldades que […] se deverão resolver com base em critérios fundados em valorações específicas, e não nos critérios de competência internacional estabelecidos para a acção declarativa.
[…]”[25] (sublinhado acrescentado).

            Divergindo destas asserções, entende José Lebre de Freitas que:
“[…]
Incidindo a execução sobre coisa móvel ou direito, não há preceito especial em matéria de execuções, pelo que se aplicam tão-só as normas gerais de competência internacional (não exclusiva) do artigo 62º do CPC.
[…]”[26].

            Já no quadro introduzido pelo Novo Código de Processo Civil (o quadro introduzido pela Lei nº 41/2013 que aqui se aplica nos termos indicados na nota 2 supra), Rui Manuel de Moura Ramos, caracteriza nos seguintes termos a competência internacional exclusiva dos Tribunais portugueses referida à acção executiva:
“[…]
Na alínea d) do [artigo 63º do CPC], a nossa lei inclui, considerando-a igualmente de competência exclusiva dos tribunais portugueses, a «matéria de execuções sobre imóveis situados em território português». Trata-se de um preceito introduzido com o Decreto-Lei nº 38/2003, que o inseriu enquanto alínea e), referindo-se na altura às «execuções sobre bens existentes em território português», formulação que a Lei nº 52/2008 viria a restringir (agora na alínea b)) às execuções sobre bens imóveis situados em território português, e que passou para a presente lei. Uma vez que a competência exclusiva dos tribunais do lugar da execução para proceder a esta, consagrada nos instrumentos de direito comunitário […], constitui uma aplicação do princípio geral de direito internacional público de que a competência para a realização de actos de execução no território de um Estado pertence exclusivamente aos tribunais respectivos, nada há a objectar à primeira formulação referida (a introduzida em 2003) […].
[…]”[27].

            Centrando-nos agora na questão do alcance executivo, particularizando as incidências do caso especial configurado quando esse alcance executivo visa penhorar direitos (trata-se aqui da obtenção do mesmo efeito por via de um arresto), quando actuante num quadro transnacional, ou seja, quando essa questão coloque um problema de competência internacional, interessa reter a dificuldade que, fora de um quadro de direito convencional que expressamente venha a resolver essa questão, se nos depara em sede de localização espacial desse tipo de “bem”, como sublinha a maioria da Doutrina reflectida nas antecedentes citações. A este respeito, um pouco por referência ao que cremos ser a solução aflorada por Paula Costa e Silva para as situações em que a execução vise o alcance de direitos do executado[28] (enquanto bens de conteúdo patrimonial aptos a propiciar a satisfação coactiva da prestação), propendemos a utilizar como factor determinante da competência internacional executiva, estando em causa, como aqui sucede, o direito a uma prestação (que a execução visa desviar do seu destinatário natural – o credor – para o exequente, enquanto credor desse destinatário), propendemos a referenciar nesta situação, dizíamos, o local do cumprimento da prestação devida ao executado como factor de atribuição da competência internacional. Local de cumprimento este que aqui será, relativamente aos direitos identificados pela Requerente do arresto como dívidas de sociedades israelitas, o Estado de Israel. Com efeito, é nessa outra ordem jurídica que o efeito aqui pretendido obter deverá ser feito actuar, não tendo sentido um Tribunal português ordenar uma medida executiva cujo sentido é o de determinar uma determinada actuação a um sujeito domiciliado no estrangeiro, quando essa injunção visa um comportamento que ocorrerá num outro país e, por isso mesmo, o Tribunal português não está em posição de verdadeiramente condicionar, a partir de cá, o comportamento desse sujeito. Dizer-se que isso se resolve com uma notificação (com a transmissão de uma ordem com origem num Tribunal português) é fechar os olhos à realidade da adjectivação executiva, é aceitar que essa adjectivação se baste com a criação de uma espécie de obrigação natural (estamos, obviamente, a fornecer uma imagem) sem possibilidade de assegurar verdadeiramente um cumprimento coactivo da prestação devida.

            É a este respeito que o Direito da União contém, por via da interpretação do artigo 22º, nº 5 do Regulamento Bruxelas I (“Regulamento nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000) – que estabelece a competência exclusiva, “[e]m matéria de execução de decisões, [dos] tribunais do Estado-Membro do lugar da execução” –, contém o Direito da União, dizíamos, argumentos transponíveis para a presente situação. Com efeito, ilustrando uma discussão que também vem sendo mantida entre nós (como resulta do anteriormente exposto), é significativo sublinhar a abonação colhida na interpretação do referido nº 5 do artigo 22º do Regulamento feita por Peter Mankowski, em anotação ao Regulamento Bruxelas I:
“[…]
Os créditos do devedor [do executado] devem ser localizados, em princípio, no domicílio do terceiro devedor.
[…]”[29].

Ora, a este respeito notar-se-á que o problema do alcance executivo de um direito, como caso especial, acresce ao problema geral da competência internacional para a acção executiva, em função do elemento coactivo necessariamente envolvido em toda a adjectivação executiva (elemento coactivo que sai substancialmente amplificado na tutela cautelar mediante arresto). Com efeito, é logo na tutela executiva geral, fora de um quadro convencional que expressamente se lhe refira (quadro que não corresponde, seguramente, como veremos no item 2.1.3.1., infra, ao quadro em causa na Convenção da Haia de 1965 indicada pela Apelante[30]), que é difícil ultrapassar a dimensão nacional (chamemos assim à dimensão que expressa uma forte ligação da adjectivação executiva ao exercício concreto da soberania de um Estado) necessariamente convocada pelo elemento coactivo envolvido na adjectivação executiva, no sentido em que esta sempre pressupõe, na falta de cumprimento voluntário da obrigação, a realização coactiva da prestação, envolvendo necessariamente, no que expressa a verdadeira essência dos chamados actos de execução, a possibilidade prática (efectiva) dessa realização coactiva. Expressa este factor condicionante da competência internacional uma intensificação da ligação à soberania de um Estado da tutela jurisdicional, correspondendo a um elemento de relevância do Direito Internacional Público na questão da competência internacional[31]. Ora, esta sobrevalorização da dimensão coactiva (rectius, o poder de condicionar o comportamento de entidades actuantes num determinado Estado, compelindo-as a actuar de determinada forma), envolvida pela tutela executiva, aparece-nos igualmente presente, por total identidade de razão, na tutela cautelar mediante um procedimento cautelar de arresto.

É com este sentido que aqui afirmamos – e corresponderá a culminar este Acórdão à decisão da questão colocada no recurso – a incompetência internacional dos Tribunais portugueses para o decretamento de um arresto referido a um direito (do qual seja titular o Requerido nesse arresto) que implique a efectivação de uma prestação cujo local de cumprimento se situe num outro Estado, aqui no Estado de Israel. Para esse acto de arresto – para obtenção do efeito que se expressa entre nós por via da penhora de um direito – serão competentes os Tribunais desse Estado, no sentido em que são esses órgãos jurisdicionais que podem obrigar – designadamente associando consequências desvaliosas ao não acatamento de uma injunção comportamental – as duas sociedades israelitas indicadas a realizar as prestações devidas à Requerida à sociedade ora Requerente e aqui Apelante.

Vale neste contexto a ideia de bilateralização da competência, nos termos em que esta é caracterizada por Miguel Teixeira de Sousa na anotação indicada na nota 23, supra (e que entendemos valer para o arresto e, especificamente, para o arresto de um direito[32]):
“[…]
Uma consequência directa desta competência exclusiva é a seguinte: [da competência exclusiva estabelecida no artigo 65º-A, alínea e) do CPC, actual artigo 63º, alínea d)] os tribunais portugueses não são competentes para uma execução relativa a um bem situado no estrangeiro. Esta consequência decorre da bilateralização da competência exclusiva dos tribunais portugueses estabelecida no artigo 65º-A, alínea e) do CPC: se os tribunais portugueses se consideram exclusivamente competentes para as execuções relativas a bens situados em Portugal, então há que concluir que, para a ordem jurídica portuguesa, os tribunais dos outros Estados também são exclusivamente competentes para as execuções relativas a bens neles situados. Disto decorre que, por exemplo, os tribunais portugueses não possuem competência para penhorar um bem situado no estrangeiro; do mesmo modo, não é possível instaurar em Portugal uma execução para entrega de uma coisa que se encontra no estrangeiro.
[…]”[33].

2.1.3. Como notas finais, encarando vertentes argumentativas nas quais a Apelante coloca particular ênfase, sublinharemos duas incidências adicionais suscitadas pela apelação.

2.1.3.1. Referimo-nos – e constitui a primeira dessas incidências – à inadequação, contra o que pretende a Apelante, da Convenção da Haia de 1965[34] à resolução de questões de competência internacional. Basta a este respeito ter presente a própria designação dessa Convenção: “Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil ou Comercial […]” e atentar no objecto fixado à mesma Convenção logo no respectivo artigo 1º: “[a] presente Convenção é aplicável, em matéria civil ou comercial, a todos os casos em que um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido a país estrangeiro para aí ser objecto de citação ou notificação […]”.

A transmissão de um acto judicial neste contexto convencional está para além – é até diferente – da questão da competência internacional, pressupondo a resolução prévia desta questão de acordo com as regras processuais aplicáveis no Estado de origem. A Convenção limita-se a regular o procedimento de transmissão de decisões cuja emissão por uma autoridade judicial de determinado Estado foi precedida, explícita ou implicitamente, da fixação da respectiva competência internacional. A Convenção não fixa, pois, quaisquer regras de competência internacional operantes no contexto dos Estados abrangidos, não dá nem tira competência internacional. Aliás, lendo o texto integral da Convenção não encontramos qualquer regra que minimamente aparente essa natureza (a de regra de competência internacional).

Carece de qualquer valor, pois, a convocação à resolução do caso concreto, como pretende a Apelante, da Convenção da Haia de 1965.

2.1.3.2. Por outro lado, tendo presente que a Apelante a fls. 247, quando ouvida sobre a questão da competência internacional, invocou, como precedente persuasivo o Acórdão da Relação de Lisboa de 13/06/2005[35], esquecendo estar em causa neste o relacionamento competencial entre Portugal e a França (Estados membros da União Europeia) no qual são relevantes, desde logo por via da aplicação de Regulamentos, pressupostos de competência internacional completamente distintos dos aqui convocados, quando o caso concreto até é – até foi na referida decisão da Relação de Lisboa – resolvido com base na aplicação desses Regulamentos.

Seja como for, parece-nos útil a este respeito, tratando-se de procurar situações com verdadeira relevância indicativa na nossa jurisprudência, citar o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/06/2012[36], ou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/07/2013[37], ambos confirmando, por verdadeiro paralelismo das situações base respectivas, o entendimento aqui assumido quanto à incompetência internacional dos tribunais portugueses fora de um contexto que convoque o Direito da União.

2.2. Vale isto, e tudo mais que se disse ao longo deste Acórdão, como confirmação da decisão recorrida quanto ao pronunciamento de incompetência internacional dos Tribunais portugueses para proceder ao arresto de créditos (de direitos) da Requerida cujo local de cumprimento se situa no Estado de Israel.

2.3. Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663º, nº 7 do CPC:
I – Configura-se o arresto (artigos 391º e segs. do CPC), no plano processual, como antecipação da penhora em vista da ulterior necessidade de adjectivação executiva, assegurando cautelarmente a conservação da garantia patrimonial do credor;
II – Existe, neste sentido, uma sobreposição funcional entre a garantia cautelar mediante arresto e a execução;
III – Assim, a colocação de uma questão de competência internacional para o decretamento de um arresto por um tribunal português deve ser resolvida em termos idênticos à da competência internacional para a acção executiva;
IV – A circunstância de a realização coactiva da prestação, por via da acção executiva, dever incidir sobre bens existentes no estrangeiro coloca uma questão de competência internacional dos tribunais portugueses, quando o alcance executivo pretendido incida sobre bens situados no estrangeiro, o mesmo valendo quando se pretende que esse alcance opere, cautelarmente, mediante arresto;
V – A adjectivação executiva está submetida ao princípio da territorialidade, no sentido de referenciação ao monopólio que cada Estado possui quanto ao desencadear de medidas coactivas (executivas) no seu território;
VI – Embora um direito, como objecto de uma penhora, no quadro de uma acção executiva (e isto vale para o arresto de um direito), seja de difícil localização espacial, deve entender-se referida essa localização ao “lugar de cumprimento da obrigação” quando se trata de determinar o local relevante para a adopção de medidas coactivas sobre o devedor respeitantes a esse direito, designadamente quanto à realização da prestação envolvida a um terceiro não credor (quanto à realização da prestação devida a um credor do credor);
VII – Assim, num quadro exterior à União Europeia e ao chamado “espaço Lugano”, onde são convocadas fontes específicas de Direito convencional relevantes em matéria de competência internacional, deve considerar-se internacionalmente incompetente um Tribunal português para decretar o arresto de um direito cujo lugar de cumprimento da obrigação se situe no estrangeiro;
VIII – Vale esta conclusão num quadro de bilateralização da competência internacional, no sentido em que, se os Tribunais portugueses se consideram exclusivamente competentes, por via da projecção interpretativa do artigo 63º, alínea e) do CPC, para execuções (arrestos) incidentes sobre bens situados em Portugal, devem referenciar essa competência como exclusiva de um Tribunal estrangeiro quando a execução (arresto) pretende alcançar um bem situado no estrangeiro.

III – Decisão

            3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se confirmar a decisão apelada.

            Custas do recurso a cargo da Requerente/Apelante.

 (J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] Recurso com origem no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria.

[2] Referimo-nos ao chamado Novo Código de Processo Civil (doravante CPC) aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, sendo que estamos perante processo iniciado em 05/05/2014 (fls. 244) cuja decisão recorrida (corresponde esta à referência Citius 9114095, estando certificada a fls. 258/280) foi proferida em 30/05/2014 (v., conjugadamente, os artigos 5º, nº 1, 7º, nº 1 e 8º da Lei nº 41/2013, cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, 2013. p. 15). 
[3] Situação que, portanto, se manterá neste recurso.
[4] A qualificação aqui feita, que nos remete para o regime do artigo 1213º do Código Civil (CC), é da responsabilidade desta Relação e corresponde, não obstante a denominação do contrato junto a fls. 28/33 (Contrato de Empreitada) à integração jurídica (face ao Direito português) do tipo de relacionamento contratual estabelecido entre a Requerida, como empreiteira de uma obra a realizar no Estado de Israel (que aí lhe foi adjudicada por uma empresa israelita), e a Requerente, no sentido em que esse contrato se traduziu, preenchendo assim a facti species do artigo 1213º, nº 1 do CC, na vinculação da aqui Requerente para com a Requerida à realização de parte da obra que a esta havia sido adjudicada em Israel por um terceiro (que entre nós seria designado o dono da obra). Aliás, a própria Requerente no artigo 26º do requerimento inicial (a fls. 11) usa essa designação de subempreitada, embora use a denominação das partes decalcada do contrato de empreitada em si mesmo. Esta designação – que até tem a virtualidade de captar a essência do relacionamento entre as partes numa subempreitada – não altera a configuração que efectuámos do contrato.
Com efeito, a particularidade desta situação reside, no que tange às relações dos contraentes da subempreitada, na consideração do empreiteiro originário (aqui a Requerida) como investida numa qualidade aparentada à de “dona da obra”, ou seja como portadora desse estatuto, face ao subempreiteiro (aqui a Requerente), funcionando esta última como “empreiteira” daquele.
Como referia o Professor Adriano Vaz Serra, caracterizando a subempreitada no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil, “[s]e o empreiteiro confiar a outrem a execução da obra, mediante um contrato de empreitada, haverá uma subempreitada. Nesta, o empreiteiro primitivo figura como comitente, transferindo para terceiro (subempreiteiro) a execução da obra […]. A subempreitada não se confunde com a cessão da empreitada, na qual o empreiteiro cede a terceiro a sua posição contratual, e o terceiro (cessionário) se substitui ao cedente nos direitos e nas obrigações derivados do contrato de empreitada, ficando, por isso, em relação directa com o comitente; diversamente, a subempreitada é um contrato que cria apenas uma relação obrigacional entre o empreiteiro originário e o subempreiteiro […]” (“Empreitada”, BMJ, 145, 65/66).
[5] Formulou no arresto a Requerente o seguinte pedido:
“[…]

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vª Ex.ª doutamente suprirá, deve o presente procedimento cautelar ser admitido e julgado procedente, por provado, e em consequência, dispensando-se a audiência prévia da Requerida por esta fazer perigar o fim e a eficácia do procedimento e, deferindo-se a inversão do contencioso, deverá ser ordenado o ARRESTO dos bens da Requerida seguidamente identificados, para garantia do pagamento do crédito que a Requerente detém sobre esta, até ao montante de 634.861,31 € (seiscentos e trinta e quatro mil, oitocentos e sessenta e um euros e trinta e um cêntimos).

BENS CUJO ARRESTO SE REQUER:

i) Saldo da conta bancária da titularidade da Requerida na … com o nº …, até ao limite do crédito aqui em causa, nos termos aplicáveis do art. 780º do C.P.C. relativo à penhora de depósitos bancários aplicável ex vi do art. 391º, nº 2 do C.P.C.;
ii) Após consulta às bases de dados do Banco de Portugal disponível aos Agentes de Execução, nos termos do art.780º do CPC e em função das demais instituições bancárias registadas em Portugal em que se venha a determinar que a Requerida é titular de contas bancárias, Requer o arresto dos respectivos saldos bancários e aplicações financeiras;

iii) Créditos de que é titular a Requerida junto das seguintes entidades, que deverão ser notificadas através da autoridade central designada pelo Estado de Israel, nos termos das cláusulas 2ª, 3ª e 5ª da Convenção da Haia relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, de 15 de Novembro de 1965, a fim de efectuar o pagamento dos créditos arrestados à ordem dos presentes autos:

a) D… LTD, com o número de registo …, com sede em …, em Israel;

b) C… LTD, com o número de registo …, com sede em …, em Israel.
[…]”.
[6] Vale aqui como precedente, com contínua relevância no CPC actual, o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[7] As aspas expressam o carácter convencional tributário da dificuldade em situar no espaço um direito, questão que abordaremos adiante neste texto e que assume um papel central na economia decisória do presente recurso. Desde já indicamos, porém, que a referenciação de um direito de crédito como “existente” no estrangeiro, identifica o lugar do seu cumprimento.
[8] É o regime que a Apelante pretende referenciar, por via da decisão de um Tribunal português, ao espaço soberano de actuação de um outro Estado, condicionando nesse âmbito a conduta de dois entes jurídicos actuando nesse espaço exterior à ordem jurídica portuguesa.
[9] E, já agora, poderíamos ainda equacionar, no quadro das consequências de um possível acatamento pelas duas sociedades israelitas da injunção comportamental determinada por um Tribunal português, o que sucederia em Israel – o que faria um Tribunal israelita – se essas sociedades, vencidas as respectivas obrigações, fossem confrontadas por uma acção de incumprimento movida pela aqui Requerida.
[10] A desobediência à ordem judicial consubstanciada no decretamento de uma providência cautelar, assume-se, desde há muito, como o único caso em que o Direito português confere tutela penal ao desrespeito intencional de uma decisão judicial em matéria cível.

[11] Aqui referenciada ao espaço exterior à União Europeia e aos “Estados Lugano”.

Não tem aqui aplicação, pois, o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (designadamente os artigos 22º, nº 5 e 31º deste; estamos aqui fora do âmbito da questão tratada no Acórdão desta Relação 08/11/2011, proferido pelo ora relator no processo nº 1037/10.7TBACB-B.C1, disponível em:

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/4e62593d9bee9df580257950003e5e2). Tal como não tem aqui aplicação o âmbito mais alargado da Convenção de Lugano.  
[12] Observe-se a este respeito a sua inserção sistemática no Código Civil (artigos 619º a 622º) na Secção respeitante à conservação da garantia patrimonial (a Secção II, do Capítulo V, do Título I ,do Livro II do Código).
Como referiu o Professor Vaz Serra no âmbito dos trabalhos preparatórios do Código Civil:
“[…]
[A] integração do arresto na figura genérica do processo cautelar não obsta a que se destaque a sua função de meio de conservação da garantia patrimonial dos credores.
Se bem que ele tenha em vista impedir que se frustre praticamente a execução da decisão a proferir no processo principal (porque entretanto o devedor pode ter dissipado os seus bens), sempre será certo que é um meio com que os credores podem evitar a diminuição do património do devedor e, portanto, a lesão da garantia patrimonial dos seus créditos.
[…]” [“Realização Coactiva da Prestação (Execução) (Regime Civil)”, BMJ, 73, p. 47].
[13] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2º ed., Lisboa, 1997, p. 235.
[14] V. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2014, p. 243.
Aliás, na ulterior acção executiva, cumpre o arresto a sua função, consumindo-se o seu objecto, com a conversão deste em penhora, nos termos do artigo 762º do CPC. Esta disposição refere-se à penhora de imóveis, mas não deixa de ainda ter a vocação de generalidade, adaptável a arrestos de direitos, que lhe era apontada por Anselmo de Castro (cit. por Baptista Lopes, A Penhora, Coimbra, 1968, p. 201), referindo-se ao artigo 846º do Código de 1939: “[s]e tiver havido prévio arresto, não haverá lugar à nomeação de bens nem à fase autónoma da penhora, mesmo que o arresto esteja feito a favor de credor diferente do exequente” (esta citação deve ser colocada no contexto de uma tramitação pretérita, já longínqua, da acção executiva, embora a disposição também aí estivesse inserida especificamente na parte relativa à penhora de imóveis).
[15] Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra, 2013, pp. 253/254.
[16]
Artigo 62º
Fatores de atribuição da competência internacional
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
[17] A designação de “dono da obra” refere-se no contrato à aqui Requerida (à FE3+, que na economia expositiva deste Acórdão é designada como a empreiteira), como decorre do preâmbulo do contrato contendo a identificação das partes (v. fls. 28).
[18] É a questão tratada no Acórdão desta Relação do ora relator indicado na nota 11, supra.
[19] Reproduz esta disposição, exactamente, o conteúdo do artigo 24º da Convenção de Bruxelas (Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, assinada em Bruxelas em 27 de Setembro de 1968): “[a]s medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado Contratante podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força da presente Convenção, um tribunal de outro Estado Contratante seja competente para conhecer da questão de fundo”.
[20] Lateralmente, sublinharemos agora – e continuamos a referir-nos ao espaço da União Europeia – que com a edição do “Regulamento (EU) nº 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio de 2014 (que estabelece um procedimento de decisão europeia de arresto de contas para facilitar a cobrança transfronteiriça de créditos em matéria civil e comercial”, com aplicação a partir de 18/01/2017 (v. o artigo 54º do Regulamento), ocorrerá uma alteração dos pressupostos de competência dos Tribunais de um Estado-Membro para arresto de contas bancárias domiciliadas num outro Estado-Membro (v. o artigo 6º do Regulamento).

[21] A Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998, pp. 124/125. O antecedente deste entendimento residia, de alguma forma, na posição de Anselmo de Castro (A acção executiva singular, comum e especial, Coimbra, 1970, p. 64), que afirmava a inadequação ao processo executivo das regras do artigo 65º do CPC de 1961 (62º do CPC actual), defendendo entender-se a competência internacional dos tribunais portugueses, restritivamente, para “[…] as execuções baseadas em sentença aos casos em que os bens a executar se encontrem em Portugal, e aplicar, como princípio geral para as execuções baseadas noutro título, a norma estabelecida no nº 3 do artigo 94º: sempre e só quando a execução deva correr sobre bens sitos em Portugal”.
[22]
Artigo 65º-A
Competência exclusiva dos tribunais portugueses
Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, os tribunais portugueses têm competência exclusiva para:
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------.
e) As execuções sobre bens existentes em território português.
[23] Miguel Teixeira de Sousa, “A competência internacional executiva dos tribunais portugueses: alguns equívocos” (anotando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/02/2003), nos Cadernos de Direito Privado, nº 5, Janeiro/Março 2004, pp. 55/56; v., também do mesmo Autor, A Reforma da Acção Executiva, Lisboa, 2004, pp. 80/82.
[24] A Reforma da Acção Executiva, 3ª ed., Coimbra, 2003, p. 22.
[25] Direito Internacional Privado, Vol. III (competência internacional e reconhecimento de decisões estrangeiras), 2ª ed., Coimbra, 2012, p. 271. Recentemente, Rui Manuel Mo
[26] A Acção Executiva. À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., Coimbra, 2014, p. 134. Situando esta citação no seu exacto contexto sublinharemos que este Autor aceita ser “[conveniente] atender na acção executiva a elementos de conexão distintos dos utilizados na acção declarativa, dada a especificidade funcional da primeira quando se dirige à realização coactiva do direito a uma prestação” (ob. cit., p. 133). E acrescenta:
“[…]
A esta mesma especificidade atendeu a reforma da acção executiva, ao introduzir a norma hoje constante, com restrição aos bens imóveis, da alínea d) do artigo 63º.
[…]
Mas a norma de competência exclusiva do artigo 63º, d) não afasta as normas de competência (não exclusiva) do artigo 62º, pelo que a competência do tribunal português para uma execução a incidir sobre bens imóveis não localizados em Portugal pode resultar do critério da coincidência (artigo 62º, a)), do critério da causalidade (artigo 62º, b)) ou do critério da necessidade (artigo 62º, c)).
[…]” (pp. 133/134).
Esta é a posição actual de Rui Pinto (Manual da Execução e Despejo, cit., pp. 260/261) revendo posição anterior (a que expressara em A Acção Executiva Depois da Reforma, Lisboa, 2004, pp. 51/53).
[27] “O Direito Processual Civil Internacional no Novo Código de Processo Civil”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 143º, Novembro-Dezembro de 2013, nº 3983, pp. 95/96. Refere este Autor a preferência pela formulação mais ampla presente no artigo 65º-A, alínea e) na versão original introduzida pelo DL 38/2003 – “[…] execuções sobre bens existentes em território português” – “[…] porque a competência exclusiva para a realização de actos de execução em Portugal, sobre imóveis como sobre móveis, para além de se impor por si própria, resultava já da versão anterior do preceito […]”.
[28] Na citação para a qual remete a nota 24, supra.
[29] Europäisches Zivilprozeβrecht Kommentar, Vol. I, Thomas Rauscher (org.), 2ª ed., Munique, 2006, Art 22 Brüssel I-VO, comentário 62, p. 387. Em nota a este comentário (nota 435 da mesma página) cita-se como abonação, entre outros, um Julgamento da House of Lords de 12 de Junho de 2003, no caso Société Eram Shipping Company Limited (Respondents) and others v. Hong Kong and Shanghai Banking Corporation Limited (Appellants), disponível em:
http://www.publications.parliament.uk/pa/ld200203/ldjudgmt/jd030612/soci-1.htm.
Refere-se esta decisão à possibilidade de um tribunal do Reino Unido emitir transnacionalmente uma injunction designada “Third Party Debt order” [“A third party debt order, formerly called a ‘garnishee order’ is an order of the court granted to a judgment creditor, which attaches to funds held by a third party (eg a bank) who owes money to the judgment debtor (eg the bank’s customer). Once a interim order is served on the bank, it must not make any payment from its customer’s account that reduces the balance bellow the amount specified in the order. Should the court make the order final, the bank will be ordered to pay over the amount specified in the order to the judgment creditor. Compliance with the final order discharges the banks indebtedness to it’s own customer.” (English Private Law, 3ª ed., Oxford, 2013, p. 809, disponível em:
http://books.google.pt/books?id=sUvcAwAAQBAJ&pg=PA1382&lpg=PA1382&dq=third+party+debt+order+in+international+private+law&source=bl&ots=wdjvEqfUSS&sig=faXz1t629AMyCba3qfxzWrk_NtA&hl=pt-PT&sa=X&ei=_aYRVNa4FdDqaMGFgegO&ved=0CB0Q6AEwAg#v=onepage&q=third%20party%20debt%20order%20in%20international%20private%20law&f=false].
Sublinha-se que nesta decisão da House of Lords, cuja semelhança à situação aqui colocada nos parece clara, foi entendido carecer o Tribunal inglês de jurisdição para emitir uma ordem deste tipo, visando compelir um devedor (terceiro/third party debtor) a cumprir ao credor do seu devedor em termos que, em termos práticos, não o desonerariam da sua responsabilidade face ao seu credor na respectiva ordem jurídica. É neste contexto que a opinião do Juiz Lord Hobhouse of Woodborough enfatiza o domicilio do terceiro devedor como local natural de obtenção de uma injunction desse tipo.
[30] Que é a “Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matérias Civil ou Comercial, concluída na Haia em 15 de Novembro de 1965”, da qual são partes Portugal e Israel.
[31] O que é enfatizado por Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, cit., p. 22. Diz este Autor, antecipando o que refere no texto citado para o qual remete a nota 25, supra, que, “[p]or força do Direito Internacional Público geral, os tribunais de um Estado só têm jurisdição para a realização de actos de coerção material no seu território. Por conseguinte, são, em princípio, exclusivamente competentes para a acção executiva os tribunais do Estado onde devem ser praticados os actos de execução” (ibidem). No mesmo sentido Rui Manuel de Moura Ramos na citação para a qual remete a nota 27 supra.
[32] Dado o elemento de coacção que a efectivação deste assume, em si mesmo e por decalque da penhora.
[33] Esta ideia de bilateralização da definição de uma competência internacional como exclusiva, nos termos caracterizados por Miguel Teixeira de Sousa, é justamente indicada como central na decisão do caso da House of Lords de 2003, Société Eram Shipping Company Limited (Respondents) and others v. Hong Kong and Shanghai Banking Corporation Limited (Appellants), acima indicado na nota 29, de forma particularmente expressiva no voto concorrente do Juiz Lord Hoffman:
“[…]
Just as the English court would not regard a foreign court as being a court of competent jurisdiction to discharge a debt recoverable here, so a foreign court would not regard our court as competent to discharge a debt recoverable there; and that was sufficient in itself to preclude the making of the order in respect of a foreign debt. Although in places this was described as a matter of discretion and in other places as a matter of principle, I think that the rationale was based on principle.
[…]
However that may be, I have no doubt that the issue should be regarded as one of principle. Our courts ought not to exercise an exorbitant jurisdiction contrary to generally accepted norms of international law and expect a foreign court to sort out the consequences.
[…]” (considerandos 108 e 109 da decisão na localização indicada na noto 29).
Cremos ser este o sentido profundo da ideia de bilateralização da exclusividade da competência internacional.
[34] Todos os elementos respeitantes à Convenção podem ser obtidos através do seguinte endereço correspondente ao sítio da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado: http://www.hcch.net/index_en.php?act=conventions.status&cid=17.
[35] Proferido no proc. nº 5636/2005-4 (Maria João Romba), decisão que está disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f521ffb485e682e4802570840052f75c.
[36] Proferido no processo nº 749/11.2YYPRT.P1 (Ondina Carmo Alves), decisão que está disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/667c0142c255869180257a2a0046ae22.
“[…]
I - Estando em causa uma execução, e ainda que o título executivo seja uma sentença, o factor de conexão relevante para aferir da competência executiva internacional dos tribunais portugueses reside na circunstância de as medidas necessárias à realização coactiva da prestação poderem correr em território português, prevalecendo, portanto, a regra da territorialidade da execução.
II - Os tribunais portugueses não têm competência internacional para a execução para entrega de coisa certa, cujos bens a entregar não se situam em território português.
[…]”.
[37] Proferido no processo nº 323-A/1998.L2-7 (Luís Espírito Santo), decisão que está disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/daab3e24989cf12880257c360082c8b1.
“[…]
IV - Não dispõem os tribunais portugueses de competência internacional para ordenar a entidades bancárias que se situam em território estrangeiro, regidas por ordenamento jurídico específico e diverso, diligências que bulem materialmente com o giro comercial dessas instituições, afectando-o em termos substantivos e económicos. O mesmo é dizer que,
V - Não podem ordenar os actos coercivos necessários ao arrolamento de contas bancárias cuja respectiva instituição se situe em país estrangeiro
VI – Trata-se, no fundo, de uma questão inultrapassável de soberania e reserva de jurisdição.
[…]”.