Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
982/22.1T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
SUBSTITUIÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO PROCESSUAL EM CURSO
ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Data do Acordão: 03/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 16.º, 1, B); 20.º, 1; 24.º, 4 E 5; 25.º, 5, A); 30.º, 1; 31.º; 32.º E 34.º DA LEI N.º 34/2004, DE 29/7
Sumário: 1. - No âmbito do regime do apoio judiciário, concedida a nomeação de patrono, o subsequente pedido de substituição do patrono nomeado (formulado pela parte beneficiária) não determina a interrupção de prazo processual que se encontre em curso, diversamente do que ocorre em caso de pedido de escusa do patrocínio (deduzido pelo patrono, por entender não dispor de condições para o exercício do cargo/função).

2. - É que, não obstante o pedido de substituição, o patrono nomeado permanece no cargo/função, com os inerentes deveres, até que haja decisão que determine a sua substituição, altura em que a sua cessação na função coincide com o investimento/nomeação do novo patrono.

3. - Como a parte/beneficiário não deixa de ter patrono enquanto o prazo corre, posto o patrono originário somente cessar a função com a nomeação do patrono de substituição, não resulta comprometido o direito de acesso aos tribunais e de defesa na ação judicial, nem o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo e equitativo (cfr. art.º 20.º da Constituição), visto que não há hiato no patrocínio decorrente do apoio judiciário.

4. - A solução legal da interrupção do prazo processual em curso por efeito do pedido de escusa do patrocínio não é aplicável à figura da substituição do patrono (art.º 32.º da LAJ), nem por via de interpretação extensiva, nem de aplicação analógica.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

Por apenso aos autos de ação executiva, que lhe move AA, com os sinais dos autos,

veio o Executado, BB, também com os sinais dos autos,

deduzir oposição ([1]), mediante embargos de executado, a tal execução, pugnando pela compensação de créditos, «extinguindo-se a instância e dela absolvendo-se o Embargante».

Em decisão liminar, datada de 07/10/2022, foi, porém, decidido indeferir «liminarmente os embargos à execução (…), por intempestividade, ao abrigo do disposto na al. a), do nº 1, do art. 732, do Código de Processo Civil».

Inconformado, o Executado/Embargante veio interpor recurso, apresentando motivação e oferecendo as seguintes

Conclusões ([2]):

«1. O recorrente, executado/embargante, foi citado para a execução n.º 928/22.... no dia 22 de junho de 2022.

2. Por ofício junto em 8 de junho de 2022 pelo Conselho Regional De Coimbra da Ordem dos Advogados, os autos executivos foram informados de que ‘’na sequência do deferimento do pedido de apoio judiciário referente ao processo da segurança social, supra referido (respeitante ao executado) … foi nomeado para o patrocínio o(a) Senhor(a) Advogado(a) Dr.(a) CC…’’.

3. Após a sua notificação sobre a referida nomeação e enquanto decorria o prazo conferido por lei ao executado para se opor á execução ou á penhora, - prazo que terminaria a 02.09.2022; - o recorrente, executado/embargante requereu, nos termos do artigo 32.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, a substituição do patrono nomeado pela I. Sr.ª Dr.ª DD.

4. Após a sua aceitação, e por oficio remetido pela Ordem dos Advogados, a Dr.ª DD foi nomeada Patrona do recorrente executado/embargante no dia 18 de julho de 2022, no decurso das férias judiciais e com esta nomeação iniciou-se de novo o prazo de 20 dias concedido ao executado para se opor á execução ou á penhora, tendo o Executado através da nova I. Patrona nomeada, deduzido embargos de executado, os quais deram entrada em no dia 20 de setembro de 2022.

5. Os embargos de executado por este instaurados foram liminarmente indeferidos pela Douta Sentença de que agora se recorre, por se considerarem intempestivos nos termos e para os efeitos do artigo 732.º n.º1 a) do Código Processo Civil, fundamentação que não pode vingar.

6. Nos termos do artigo 32.º n.º 2 da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, ‘’deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes’’, referentes ao instituto do pedido de escusa do Patrono.

7. Consequentemente, ao abrigo do n.º 2 do artigo 34.º daquele diploma legal, o pedido de escusa interrompe o prazo que estiver em curso para a prática de qualquer ato processual; contando-se novo prazo a partir do momento da nomeação de novo Patrono.

8. Assim, harmonizando os preceitos legais supra mencionados é forçoso concluir que o requerimento de substituição de patrono interrompeu o prazo que se encontrava a correr para instaurar embargos de executado.

9. Prazo esse que, por aplicação da alínea a) do n.º 5 do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, iniciar-se-á ‘’a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação’’.

10. Ou seja, aplicando a legislação vigente, o prazo para o recorrente/executado embargante instaurar embargos de executado iniciar-se-ia no dia 18 de julho de 2022 porquanto foi essa a data em que o patrono substituto foi designado.

11. E uma vez que esse prazo teve início no decorrer das férias judiciais, v.g. artigo 28.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, por força do artigo 138.º n.º 1 do Código de Processo Civil encontrou-se suspenso até dia 01 de setembro de 2022.

12. Os embargos de executado instaurados no dia 20 de setembro de 2022 pelo recorrente/executado embargante não são, por tudo o exposto, intempestivos.

13. Os mesmos foram instaurados no dia 20 de setembro de 2022 tendo por base o integral respeito pela aplicação dos normativos legais da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, designadamente no que respeita aos prazos para prática de atos processuais.

14. O Tribunal a quo andou mal ao indeferir liminarmente, na Douta Sentença, os embargos de executado do recorrente/executado embargos com fundamento na sua intempestividade que, como se logrou demonstrar, não se verifica.

15. É manifesto que os embargos de executado instaurados pelo recorrente/executado embargante são tempestivos.

16. Qualquer outro entendimento coloca em causa o direito constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e os princípios e as finalidades que enformam o regime de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado na Lei n.º 34/2004 de 29 de julho

17. Deve a Douta Sentença em crise ser revogada por este Venerando Tribunal da Relação e, consequentemente, ser o Douto Despacho recorrido substituído por outro que admitindo os Embargos de executado deduzidos, mande notificar o Embargada para os contestar, assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA!».

Não se mostra junta contra-alegação de recurso.

Foi admitido o recurso, como de apelação, com o regime e efeito fixados no processo ([3]), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime fixado.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 660.º, n.º 2, 661.º, 672.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, constata-se que o thema decidendum, incidindo sobre a decisão de matéria de direito, consiste em saber, no essencial, se o deferimento do pedido de substituição de patrono, anteriormente nomeado, no âmbito do benefício do apoio judiciário – substituição essa, pois, a requerimento da parte (o aqui Executado/Embargante), com nomeação pela OA de novo patrono –, determina, no quadro do regime legal de acesso ao direito e aos tribunais, a interrupção, ou não, do prazo para dedução de embargos de executado.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

A materialidade fáctica relevante, a tomar em consideração para a decisão do recurso, é a descrita no relatório da decisão recorrida, que aqui se deixa, por isso, reproduzido ([5]):

«O executado BB foi citado para a execução na morada: “Largo ..., ... ... - ...” no dia 22 de junho de 2022.

Foi cumprido o disposto no art.º 233.º, do Código de Processo Civil.

A presente execução foi intentada sob a espécie “Exec Sentença próprios autos (Ag. Exec) s/ Desp Liminar”, com base em sentença judicial condenatória, e iniciou-se com a penhora de depósito bancário titulado pelo executado.

Por ofício junto em 8 de junho de 2022 pelo Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, os auto executivos foram informados que “Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social supra-referido (respeitante ao executado), comunicamos a V.Exª que foi nomeado(a) para o patrocínio o(a) Senhor(a)

Advogado(a):

Dr(a) CC

C.P. nº ...

com domicílio profissional sito na:

Pc ...

... ...

Contacto: (…)

Informamos que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 5 do artigo 24º e artigos 30º e 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, o(a) Senhor(a) Advogado(a) foi notificado(a), na presente data, da nomeação efectuada. “.

Ou seja, o executado solicitou apoio judiciário também na modalidade de nomeação de patrono antes da sua citação para a execução.

Deste modo, aquando da sua citação, em 22 de junho de 2022, o executado tinha já como I. Patrona nomeada a Sr.ª Dr.ª CC (…)».

A tais factos adita-se, apenas, o seguinte ([6]):

Consta dos autos de execução comunicação/notificação da OA, datada de 18/07/2022, dirigida ao processo executivo, referente a «Apoio Judiciário», em que é Requerente BB, com o seguinte teor:

«Na sequência do deferimento do pedido de Apoio Judiciário referente ao Processo da Segurança Social referido, comunicamos a V.Exª que foi nomeado(a) para o patrocínio o(a) Senhor(a) Advogado(a):

Dr(a) DD

R ...

... ...

em substituição do(a) Senhor(a) Advogado(a):

Dr(a) CC

Informa-se que, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 24.º e artigos 31.º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, o(a) patrono noeado(a) foi notificado(a), por via simples, na presente data, da nomeação efectuada.».

          B) O Direito

Da interrupção do prazo para dedução de embargos de executado por força do deferimento do pedido de substituição de patrono nomeado

Pretende o Apelante que houve erro decisório do Tribunal a quo, pois que, a seu ver, o Julgador desconsiderou a comunicação da OA de deferimento do pedido de substituição de patrono, não obstante tal comunicação ter sido apresentada no âmbito dos autos executivos quando se encontrava em curso o prazo para dedução de oposição à execução.

Assim, invoca que aquele Tribunal sabia – por estar comprovado mediante tal comunicação da OA – que a patrona originariamente nomeada foi substituída, a requerimento do Executado, tendo sido nomeada nova patrona (de substituição), implicando que, a partir da nova nomeação, e por força dela, ocorresse interrupção e reinício do prazo para dedução de embargos de executado, razão pela qual os embargos devem ter-se por tempestivos.

No plano jurídico, defende que, «harmonizando os preceitos legais» aplicáveis, haverá de concluir-se «que o requerimento de substituição de patrono interrompeu o prazo que se encontrava a correr para instaurar embargos de executado», prazo esse «que, por aplicação da alínea a) do n.º 5 do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho, iniciar-se-á ‘’a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação’’».

A questão jurídica relevante é, então, a de saber se, em caso de deferimento, na pendência do processo, do pedido (deduzido pela parte beneficiária do apoio judiciário) de substituição do patrono anteriormente nomeado, tal evento implica, por aplicação das normas referentes ao pedido de escusa – pelo patrono nomeado, nos termos do disposto no art.º 34.º da LAJ ([7]) –, a interrupção do prazo processual em curso (com reinício de contagem integral de tal prazo).

Caso se responda afirmativamente a esta questão, então o recurso procederá, com aproveitamento, por tempestivos, dos embargos.

Na hipótese inversa (resposta negativa), os embargos serão extemporâneos, com a necessária confirmação da decisão em crise.

Que dizer?

Dir-se-á que a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores não é unânime, embora se surpreenda, tanto quanto vemos, a formação de uma tendência maioritária atual.

Mas comecemos pelo quadro legal.

É sabido que a competência para a decisão sobre a concessão de proteção jurídica cabe a entidade administrativa: nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1, do LAJ, tal decisão «compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social».

Todavia, em caso de nomeação de patrono [cfr. art.º 16.º, n.º 1, al.ª b), da LAJ], ao abrigo da proteção jurídica/apoio judiciário, a nomeação de advogado cabe à OA (cfr. art.º 30.º, n.º 1, da LAJ).

Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 31.º da LAJ (quanto à «Notificação da nomeação»):

«1 - A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal.

2 - A notificação da decisão de nomeação do patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado».

Dispõe, quanto ao que agora importa, o art.º 24.º da LAJ que:

«4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.» (itálico aditado).

Porém, o que está agora em causa nos autos não é um pedido de nomeação de patrono, o qual já anteriormente havia sido deduzido e concedido, mas de substituição do mesmo.

É sabido que, após aquela decisão de concessão/nomeação de patrono, podem ocorrer vicissitudes tendentes à cessação da intervenção do patrono nomeado, com decorrente nomeação de outro patrono, seja por via de «Substituição do patrono» (art.º 32.º da LAJ), da iniciativa do beneficiário do apoio judiciário, seja por «Pedido de escusa» (art.º 34.º do mesmo diploma legal), formulado pelo patrono.

Quanto a tal pedido de escusa, prescreve o art.º 34.º da LAJ que:

«1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos.

2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos respectivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º.

3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.

4 - A Ordem dos Advogados (…) aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias.

5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim.

(…)» (destaques aditados).

Já em matéria de «Substituição do patrono», resulta do dito art.º 32.º da LAJ que:

«1 - O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.

2 - Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes.

3 - Se a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono.» (destaques aditados).

Daqui resulta que, uma vez deferido o pedido de substituição, colhe aplicação, a partir de então, a disciplina normativa referente ao pedido de escusa, com as devidas adaptações.

Neste plano, já foi entendido nesta Relação que:

«Tendo o tribunal tomado conhecimento (ainda que implicitamente) de que tinha havido um pedido de substituição do patrono nomeado, deverá entender-se que, com a junção aos autos do deferimento da substituição, ocorreu também a junção de documento comprovativo do pedido de substituição, que é susceptível de, nos termos do art. 34, nº 2 e 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, aplicável com as devidas adaptações, por força do art. 32, nº 2 da mesma lei, fazer interromper o prazo já iniciado e de o fazer voltar a correr daí em diante.» ([8]).

Para assim ser entendido, deixou-se exarado na fundamentação jurídica da respetiva decisão sumária o seguinte:

«(…) tomou o tribunal conhecimento de que tinha havido a substituição do patrono nomeado pela Dr.ª B... , aludindo-se, no ofício, ao art. 32 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, que se reporta à substituição do patrono, a requerimento do beneficiário, o que significa que o tribunal tomou conhecimento (ainda que implicitamente) de que tinha havido um pedido de substituição do patrono.

E, por isso, deverá entender-se que, com a junção do deferimento da substituição, ocorreu também a junção de documento comprovativo do pedido de substituição, susceptível de, nos termos do art. 34, nº 2 e 3 da Lei nº 34/2004, aplicável com as devidas adaptações, por força do art. 32, nº 2 da mesma lei, fazer interromper o prazo iniciado em 30 de Setembro em 29 de Outubro e de o fazer voltar a correr daí em diante.

E não se argumente que, no caso, não ocorreu a substituição a requerimento do beneficiário mas a substituição por motivo de escusa, o que só agora se detectou. É que, como se viu, às duas situações se aplicam os mesmos termos.» (itálico aditado).

Quer dizer, esta perspetiva jurisprudencial – em que se ancora o Apelante – propende para um tratamento similar, para efeitos interruptivos de prazo processual (que esteja em curso), das situações de pedido de substituição (pelo beneficiário) e de escusa (pelo patrono nomeado), admitindo, por isso, em ambos os casos (em que ocorra nomeação de novo patrono), a interrupção do prazo (com nova contagem integral do mesmo).

Todavia, outras decisões existem que assumem o entendimento contrário, recusando a interrupção do prazo em caso de deferimento de pedido de substituição de patrono.

Assim, o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 24/10/2019 ([9]), sumariando que:

«I. O patrocínio oficioso, ao contrário do contrato de mandato judicial, não se baseia na confiança pessoal (que justifica a composição voluntária de direitos e deveres, e a livre escolha dos seus concretos titulares), mas sim em direitos e deveres institucionalmente reconhecidos e impostos (a categorias pré-definidas, de requerente de apoio judiciário e de profissional forense).

II. Com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente fica desde logo assistida; e a apresentação posterior de pedido seu de substituição do dito patrono não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar – ou meramente suspender – o patrocínio oficioso que lhe fora deferido (…).

III. Só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese).».

Quanto a tal diversa «ponderação de interesses», pode ler-se nesse aresto, relativamente ao pedido de escusa, que «é o próprio patrono oficioso a quem foi cometida a defesa da pretensão do requerente de apoio judiciário, que entende que não se mostram reunidas as condições objectivas para o efeito (isto é, para o seu exercício, ou para a respectiva eficácia); e, se o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correr-se-ia o risco de, não obstante a escusa vir a ser deferida, ser prejudicada, se não mesmo inviabilizada, aquela defesa».

Em contraponto, entendeu-se que «um pedido de substituição de patrono oficioso não replica esta ponderação de interesses, como não replica aquela outra ínsita no pedido de nomeação (inicial) de patrono.

Com efeito, o que está em causa no pedido de substituição de patrono é um qualquer motivo do requerente de apoio judiciário (lendo-se singelamente no art. 32.º, n.º 1 «fundamenando o seu pedido»), incluindo os de natureza puramente subjectiva, isto é, sem qualquer repercussão no exercício ou eficácia do patrocínio oficioso (ao contrário do pressuposto na escusa), que já lhe foi deferido e se encontra em vigor (ao contrário do pressuposto no pedido de nomeação inicial de patrono).

Compreende-se, por isso, que o n.º 2 do art. 32.º citado determine que só após o deferimento do pedido de substituição se aplicarão, «com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes», ou seja, os aplicáveis à escusa.

Crê-se, assim, estar arredada a possibilidade de qualquer interpretação extensiva dos preceitos citados (previstos para a nomeação inicial de patrono, e para a sua escusa), por forma a aplicar a interrupção de prazo processual em curso, pela apresentação do requerimento de substituição, à hipótese de substituição do patrono oficioso; e estar igualmente arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2.

(…)

Dir-se-á, porém, considerar que nem mesmo existe qualquer lacuna da lei (de Acesso ao Direito e aos Tribunais) que se imponha integrar, já que o seu silêncio, neste particular, não deixa sem norma algo que a exigisse.

Com efeito, com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente ficou desde logo assistida. A apresentação posterior de pedido seu, de substituição do dito patrono, não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora concedido (…)

Logo, só com a nomeação de novo patrono (por decisão autónoma de entidade terceira) cessará o patrocínio oficioso antes conferido ao inicial patrono (depois substituído).» (sublinhado aditado) ([10]).

Neste mesmo sentido se pronunciou o Ac. desta Relação de 03/11/2020 ([11]), defendendo, no aspeto em apreciação, que:

«5.- Só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese).

6. Está arredada a possibilidade de qualquer interpretação extensiva por forma a aplicar a interrupção de prazo processual em curso, pela apresentação do requerimento de substituição, à hipótese de substituição do patrono oficioso; e estar igualmente arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2. da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho.» (citação de parte do respetivo sumário, com itálico aditado).

E também no Ac. deste TRC de 11/10/2022 ([12]) se considerou que «O pedido de substituição de patrono nomeado não interrompe o prazo em curso, por ao patrono nomeado, enquanto não for substituído, incumbir assegurar o patrocínio».

A ponderação foi ali a de que cabe «(…) ao patrono nomeado e enquanto não for substituído praticar o acto em causa, uma vez que até à sua substituição mantém todos os deveres inerentes à nomeação, podendo ser responsabilizado, a nível disciplinar e em sede de responsabilidade civil, pelo seu não cumprimento e pelos eventuais danos que resultem dessa omissão. (…)

Diversamente, o pedido de escusa formulado interrompe o prazo em curso, pois que os fundamentos para a escusa são precisamente a impossibilidade de praticar o acto.

(…)

Por outro lado, não se vê que esteja restringido o direito dos requerentes de apoio judiciário, pois que satisfeito pela efectiva nomeação de patrono.».

Cabe, então, dizer que se concorda com a substância em que se funda esta orientação jurisprudencial, aliás, reiterada nesta Relação, razões não se vendo para a não seguir.

Com efeito, as situações de escusa pedida pelo patrono nomeado e de substituição do patrono, pedida pelo beneficiário, são de matriz muito diversa, impedindo uma assimilação ou uniformização de regime, que o legislador não sufragou.

Enquanto a escusa é pedida pelo patrono – um profissional forense, investido no papel de defender no processo os interesses da parte/beneficiário –, que só recorrerá a essa figura legal como última ratio, num quadro, pois, de impossibilidade de prossecução do patrocínio, designadamente por considerada inviabilidade da pretensão ou defesa ou por total falta de colaboração da parte, a impedir a prática dos atos processuais necessários, o pedido de substituição de patrono é formulado pelo beneficiário, apenas se lhe impondo que «fundamente o seu pedido».

Naquela situação de escusa, por o patrono entender que não tem condições para exercer o patrocínio, os interesses da parte/beneficiário reclamam que o prazo em curso, designadamente – como no caso –, para dedução da defesa, não corra, sob pena de o tempo processual expirar e, assim, resultar precludida a possibilidade de prática do ato, no caso o exercício da defesa contra a execução.

Já no caso – como vertente nestes autos – de substituição de patrono, estamos perante situação em que a parte se encontra patrocinada efetivamente (por via de nomeação anterior), sem que o patrono encontre, pelo seu lado, obstáculo ao prosseguimento do cargo para que foi nomeado. Doutro modo, seria ele a pedir escusa, o que não ocorreu.

Ora, essa «cobertura» pelo patrono nomeado mantém-se apesar do pedido de substituição, posto aquele só cessar a função em que foi investido se e quando ocorrer a concessão da substituição, incumbindo-lhe, até lá, assegurar o patrocínio.

Enquanto não houver decisão de substituição – e se a substituição não for deferida –, o patrono permanece no cargo, pelo que, correndo o prazo para defesa, caber-lhe-á ser diligente a respeito, não deixando ultrapassar o prazo para tal sem apresentação, sendo o caso, da defesa/oposição que, na sua avaliação técnica, entender adequada.

Concorda-se, pois, que, formulado pedido de substituição, cabe, ainda assim, ao patrono nomeado, enquanto não for substituído, praticar o ato cujo prazo esteja em curso, de molde a não deixar que tal prazo se esgote, uma vez que até à sua substituição mantém todos os deveres inerentes à nomeação, podendo ser responsabilizado por inércia sua, se lesiva para os interesses da parte, de cuja defesa ainda não foi desinvestido.

Mas, se assim é, então, pelo lado da parte/beneficiário, continua a dita «cobertura» pelo profissional forense anteriormente nomeado e ainda não afastado. Isto é, mantém-se o patrono nomeado, a quem cabe praticar os atos inerentes ao cargo, pelo que não se justifica a interrupção de prazos processuais.

Assim, haverá esse patrono de decidir, em tempo, quanto à dedução dos embargos de executado, não deixando que o prazo expire sem praticar o ato que se imponha, de acordo, obviamente, com a vontade da parte/beneficiário, sabido que a sua função cessa apenas com a nomeação de outro/novo patrono, se tal ocorrer.

Se a substituição, com nomeação de novo patrono, ocorrer quando o prazo ainda não expirou, caberá aos dois profissionais forenses (o patrono substituído e o de substituição) entrarem em contacto entre si para que tal substituição decorra adequadamente, sem prejuízo para a parte, em termos de o novo patrono poder ainda praticar tempestivamente o ato.

Como quer que seja, a parte/beneficiário não deixa de ter patrono enquanto o prazo corre, posto o patrono originário somente cessar a função com a nomeação do patrono de substituição ([13]).

Por isso, em nada resulta comprometido, nesta interpretação, o direito de acesso aos tribunais e de defesa na ação executiva, nem o direito a um processo justo e equitativo (cfr. art.º 20.º da Constituição), visto que não há hiato no patrocínio decorrente do apoio judiciário, apenas a cessação de funções de um patrono no momento em que, em sua substituição, é nomeado outro, por iniciativa da parte/beneficiário ([14]).

Com o que improcede a invocação de inconstitucionalidade por ofensa ao direito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, também não se vislumbrando, do mesmo modo, salvo o devido respeito, ofensa aos princípios e finalidades do regime da proteção jurídica/apoio judiciário (cfr. conclusão 16.ª do Recorrente).

Em suma, não tendo ocorrido interrupção do prazo para dedução de embargos de executado, à luz do regime do apoio judiciário, não pode inverter-se a conclusão de extemporaneidade a que chegou a decisão impugnada de indeferimento liminar.

Por isso, com todo o respeito devido, tem de improceder a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

                                                   ***

(…)

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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.

Custas da apelação, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, pelo Recorrente – parte vencida no recurso (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 14/03/2023

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro



([1]) Em 20/09/2022.
([2]) Cujo teor se deixa transcrito, com destaques retirados.
([3]) Foi estabelecido efeito meramente devolutivo, indeferindo-se o requerimento do Recorrente de atribuição de efeito suspensivo, o que foi mantido pelo Relator no despacho inicial/liminar nesta Relação.
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Com destaques retirados.
([6]) De acordo com o que pode retirar-se dos autos executivos, consultados pela Relação na versão eletrónica desse processo.
([7]) Lei do Apoio Judiciário, tratando-se da Lei n.º 34/2004, de 29-07, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28-08.
([8]) Assim consta do sumário da decisão singular deste TRC de 07/02/2017, Proc. 6726/15.7T8CBR-A.C1 (Rel. António Magalhães), disponível em www.dgsi.pt, aliás, citada na motivação de recurso do aqui Apelante.
([9]) Proc. 14/03.9TBCRZ-A.G1 (Rel. Maria João Matos), disponível em www.dgsi.pt.
([10]) E insiste-se que: “(…) não tem aqui aplicação o disposto no art. 47.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC (segundo o qual a revogação de mandato judicial, pela parte que dele beneficia e antes o outorgou, produz efeitos a partir da respectiva notificação ao mandatário, prévia e voluntariamente escolhido por quem agora, livre e voluntariamente, o repudia), já que não «existe igualdade substancial entre o regime da Lei nº 34/2004, de 29.7, no que se refere ao patrocínio através de advogado nomeado pela Ordem dos Advogados, e o regime do contrato de mandato (forense)». // Com efeito, «a lei que assegura o acesso ao direito e aos tribunais pela via do apoio judiciário (…) não é uma lei de auto-regulação como o é o contrato de mandato. Neste o advogado é escolhido livremente por quem solicita os seus serviços de aconselhamento e patrocínio; no regime de acesso ao direito a pessoa carenciada solicita a protecção jurídica dispensada pelo Estado, estando dependente, no que ao patrocínio concerne, da nomeação oficiosa de advogado, que pode nem sequer conhecer, nem é da sua escolha» (Ac. do STJ, de 12.11.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1).”.
([11]) Proc. 1097/19.5T8PBL-A.C1 (Rel. António Carvalho Martins), em www.dgsi.pt.
([12]) Proc. 2372/20.1T8CBR-B.C1 (Rel. Cristina Neves), em www.dgsi.pt.
([13]) Reitera-se, com todo o respeito devido, que a norma do art.º 32.º, n.º 2, da LAJ não contempla, nesta perspetiva, aplicação (direta) à situação dos autos, em termos de estabelecer a interrupção do prazo em caso de pedido de substituição do patrono, ao dispor que, uma vez deferido o pedido de substituição, serão aplicáveis, com as devidas adaptações, os termos dos art.ºs 34.º e segs.. É que, no pedido de escusa, o prazo interrompe-se por força desse pedido, mediante a junção aos respetivos autos de documento comprovativo (do referido pedido), aplicando-se o disposto no n.º 5 do art.º 24.º da LAJ, pelo que o prazo em curso sofre paragem com a apresentação do pedido/comprovativo e começa a correr novo prazo a partir da notificação ao novo patrono nomeado da sua designação.
Como apenas se aplica ao pedido de substituição de patrono o regime da escusa após o «deferimento do pedido de substituição» (com nova nomeação), a normação não se harmoniza para as duas situações, posto a causa de interrupção, na escusa, ser o comprovativo do pedido, que é anterior à nova nomeação. Isto é, a causa interruptiva (na escusa) não é a nova nomeação, mas a comprovação do pedido de escusa, ficando o prazo interrompido até à decisão de deferimento da escusa, com nova nomeação. Porém, no caso de pedido de substituição, não parece que possa ser esta a causa interruptiva, pois o art.º 32.º da LAJ não o prevê e só determina a aplicação do regime da escusa após a nova nomeação (por deferimento do pedido de substituição). Assim, a remissão da lei (art.º 32.º, n.º 2, da LAJ) valerá, de forma útil, para as seguintes disposições (art.º 34.º): «4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias. // 5 - Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono».
([14]) O que poderá obrigar, em caso de prazo processual então em curso, à conjugação, como visto, da atuação entre ambos os patronos, o substituído e o de substituição.