Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
204/12.3TTGDR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
PORTARIA DE EXTENSÃO
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
ESTABELECIMENTO DE ENSINO
ENSINO PROFISSIONAL
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º DA LRCT, 552º, Nº 1 DO CT DE 2003, E 496º, Nº 1 DO CT/2009.
Sumário: I – De acordo com o disposto nos artºs 7º da LRCT, 552º, nº 1 do CT de 2003, e 496º, nº 1 do CT/2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevam e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.

II – Decorre destes normativos o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.

III – Os regulamentos/portarias de extensão têm por destinatários quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatários das convenções colectivas ou de convenções arbitrais que tenham dado origem à decisão arbitral.

IV – A PE 1483/2007, de 19/11, veio estender no território do continente as condições de trabalho constantes de diversos contratos colectivos de trabalho celebrados entre a AEEP e diferentes federações sindicais.

V – Por sua vez, a PE 25/2010, de 11/1, alargou o leque de trabalhadores e entidades envolvidos, ao estender a aplicação de tal CCT às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante e não abrangidos pela Portaria nº 1483/2007, de 19/11, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais.

VI – Os estabelecimentos de ensino profissional, quando criados por pessoas, singulares ou colectivas, de natureza privada, devem qualificar-se como estabelecimentos de ensino particular – artºs 2º, 4º e 13º do D. L. nº 4/98, de 8/01 -, excluídos do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC) – Dec. Lei nº 553/80, de 21/11.

VII – Não sendo a Ré associada da AEEP, esta signatária da CCT outorgada entre a mesma associação e a FNE, publicada no BTE, 1ª série, nº 43, de 22/11/1999, e não se demonstrando filiação sindical da autora, não pode à relação entre as partes ser aplicável o referido CCT, seja directamente seja através de Portarias de Extensão.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A... intentou, no Tribunal do Trabalho da Guarda, a presente acção emergente de contrato de trabalho contra B..., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 7.076,76, a título de diferenças salariais, com juros, à taxa legal e até integral pagamento.

Alegou para tanto, em síntese e tal como consta da sentença recorrida:

Sempre a Autora foi paga, desde o início da sua prestação de trabalho para a associação Ré, e à imagem dos demais trabalhadores, em conformidade com o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho do ensino privado e cooperativo, pelo que lhe são devidas as importâncias correspondentes à sua classificação profissional, que a Ré não actualizou, desde Setembro de 2006, data em que era uma professora licenciada e profissionalizada, com 14 anos de serviço, e até à data da cessação do contrato, 30 de Novembro de 2011, tendo continuado a pagar-lhe como integrante da categoria “A-5” do citado instrumento de regulamentação.

Contestou a Ré, alegando que só por defeito da aplicação informática consta, nalguns documentos, a menção àquele contrato colectivo de trabalho, sendo a ré filiada na Associação Nacional de Escolas Profissionais, organismo que não subscreveu esse nem outro instrumento, e que a remuneração da autora – bem como a dos demais trabalhadores da associação – tem que estar em consonância com o seu orçamento, com as determinações governamentais sobre o seu funcionamento e com os financiamentos de que é beneficiária.

A Autora respondeu à contestação.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, decidindo o seguinte:

“Julgo a presente acção provada e procedente, pelo que condeno a ré, B..., no pagamento, à autora, A..., da quantia de sete mil e setenta e seis euros e setenta e seis cêntimos, acrescida de juros, à taxa legal, desde o vencimento das respectivas parcelas e até integral pagamento.

Sem custas, por delas estar isenta a ré que, de outro modo, as suportaria”.

x

Inconformada, veio a Ré interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

[…]

O Autor contra-alegou, progunando pela manutenção do julgado e entendendo que a Ré não está isenta de custas.

Foram colhidos os vistos legais, tendo a Exmª PGA promovido, na sequência do seu entendimento que se não verifica a isenção de custas da Ré, que se cumpra o disposto no artº 624º, nº 1, do CPC, com referência ao disposto nos artsº 1º, nº 1, 6º, nºs 1 e 2, e 7º, nº 2, do Regulamento das Custas Processuais.

x

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, e tendo em conta o defendido pela apelada e pela Exmª PGA, temos como questões a apreciar:

- se a Ré está isenta de custas;

- se a sentença decidiu bem quando à aplicabilidade do CCT invocado, como condicionante do reconhecimento do direito da Autora à reclassificação profissional e às correspondentes diferenças salariais.

x

A 1ª instância deu como provados os seguintes factos, não objecto de impugnação e que este Tribunal de recurso aceita:

[…]

x

- a isenção de custas:

Importa desde já abordar tal questão, dado que ela foi levantada não só nas contra-alegações como no parecer da Exmª PGA, e uma vez que a não considerar-se a Ré isenta de custas, teria a mesma de pagar a taxa de justiça devida pela interposição do recurso.

Dispõe o artº 4º, nº 1, al. f), do RCP que estão isentas de custas “as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

Trata-se, portanto, de saber se a apelante goza ou não da isenção subjectiva prevista em tal alínea.

É pacífico nos autos que a Ré se dedica em exclusivo ao ensino profissional. Sendo uma associação sem fins lucrativos- cfr. Diário da República III série, de 27 de Agosto de 1999,

O nº 4 do artº 14º do DL 4/98, de 8/1 (a que cujo regime jurídico a Ré se encontra sujeita, como mais adiante especificaremos), rege que:

“4 — A autorização de funcionamento a que se refere o presente artigo confere às pessoas colectivas de direito privado proprietárias de escolas profissionais o gozo das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública, desde que o respectivo fim ou objecto seja exclusivamente o ensino profissional”.

A isenção subjectiva em análise está sujeita a outros requisitos além da inexistência de fins lucrativos. A pessoa colectiva privada sem fins lucrativos tem de actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.

O Conselheiro Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2009, Almedina, pág. 146, refere o seguinte: “Trata-se de uma isenção de custas condicional, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo seu estatuto ou pela própria lei. Nesta perspectiva, pode parecer que esta isenção não abrange as acções que tenham por objecto obrigações ou litígios derivados de contratos que essas pessoas celebrem com vista a obter meios para o exercício das suas atribuições. Todavia, se o objecto de tais acções for instrumental em relação aos fins estatutários dessas entidades, propendemos a considerar serem abrangidas pela isenção de custas em análise”.

Ora, e salvo melhor opinião, a presente acção, em que está em causa a aplicação de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com todas as suas implicações e consequências, inscreve-se na defesa instrumental dos interesses e fins estatutários da Ré, na medida em que se dever ter por conexionada com as opções gestionárias tomadas para a exploração (mais eficiente) da escola que explora - cfr. Ac. desta Relação de 24/10/2013, proc. 972/12.2TTLRA.C1, em que foi relator o aqui primeiro adjunto.

Pelo que se considera estar a Ré isenta de custas.

Sem embargo de se referir que elas serão a cargo da Autora, por proceder o recurso.

- a aplicação do CCT:

A sentença recorrida considerou que à relação dos autos é aplicável o Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo outorgado entre AEEP, FENPROF e outros, publicado no BTE nº 11, de 22 de Março de 2007, e respectivas alterações e actualizações, entendimento rejeitado pela apelante.

De acordo com o disposto nos artºs 7º da LRCT, 552º, nº 1, do CT de 2003 e 496º, nº 1, do CT de 2009, a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes.

Decorre destes normativos o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias. Assim, é necessário, por um lado, que o empregador seja membro da associação de empregadores outorgante ou tenha sido ele próprio outorgante e, por outro lado, que o trabalhador esteja filiado na associação sindical signatária.

O regulamento/portaria de extensão tem por destinatário quem não esteja filiado nas associações sindicais e de empregadores signatárias da convenção colectiva ou da convenção arbitral que deu origem à decisão arbitral, surgindo, assim, como forma de suprir a inércia daqueles que não quiseram filiar-se em associações sindicais ou de empregadores existentes - cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 12/5/2012, in www.dgsi.pt

No referido contrato colectivo de trabalho a que se reportam os autos estabelece-se (artº 1º) que o mesmo é aplicável, em todo o território nacional, aos contratos de trabalho celebrados entre os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, representados pela Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), e os trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações sindicais outorgantes, definindo-se para o efeito como estabelecimento de ensino particular e cooperativo a instituição criada por pessoas, singulares ou colectivas, privadas ou cooperativas, em que se ministre ensino colectivo a mais de cinco crianças com três ou mais anos.

Conforme se provou, a Ré é filiada na Associação Nacional de Escolas Profissionais, entidade que não subscreveu tal instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

Por outro lado, e como é pacífico entras partes, a Ré dedica-se em exclusivo ao ensino profissional.

A PE 1483/2007, de 19/11, veio estender no território do continente as condições de trabalho constantes de diversos contratos colectivos de trabalho, celebrados entre a AEEP e diferentes federações sindicais, incluindo aquele a que se reportam os autos, às “relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante, que beneficiem de apoio financeiro do Estado, para despesas de pessoal e de funcionamento, mediante a celebração de correspondentes contratos, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais neles previstas” - al. a) do seu artº 1º - e às “relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior filiados na associação de empregadores outorgante e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas nas convenções, não filiados ou representados pelas associações sindicais outorgantes” - al. b).

No preâmbulo da aludida portaria salienta-se que a extensão se circunscreve aos empregadores filiados na AEEP com trabalhadores não representados por associações sindicais outorgantes, bem como – e na parte que aqui interessa – a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante que tenham como denominador comum a comparticipação financeira do Estado em despesas de pessoal e de funcionamento através, nomeadamente, de contratos de associação, contratos simples, contratos de patrocínio e contratos de cooperação assegurando-se, assim, condições de concorrência equivalentes.

Por sua vez, a PE 25/2010, de 11/1, alargou o leque de trabalhadores e entidades envolvidos, ao estender a aplicação de tal CCT “às relações de trabalho entre estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior não filiados na associação de empregadores outorgante e não abrangidos pela Portaria n.º 1483/2007, de 19 de Novembro, e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais” - sublinhado nosso.

No artº 75º da CRP, e sob a epígrafe
”Ensino público, particular e cooperativo”, estabelece-se:

“1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população.

2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei”.

Assim, este princípio constitucional consagra dois tipos de ensino- o público e o particular e cooperativo.

Segundo o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 553/80, de 21/11, “As escolas particulares que se enquadrem nos objectivos do sistema educativo, bem como as sociedades, associações ou fundações que tenham como finalidade dominante a criação ou manutenção de estabelecimentos de ensino particular, gozam das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública” - artº 8º, nº 1.

Acontece que é o próprio EEPC que, no seu artº 3º, nº 3, alínea g), exclui expressamente do seu âmbito de aplicação o ensino profissional:

“3 - O presente decreto-lei não se aplica:

(…)

g) Aos estabelecimentos em que se ministre ensino intensivo, que será objecto de regulamentação própria, ou o simples adestramento em qualquer técnica ou arte, o ensino prático das línguas, a formação profissional ou a extensão cultural”.

Assim, os estabelecimentos de ensino profissional, atentas as suas características próprias, estão sujeitos a um regime jurídico específico, expressamente excluído, como vimos, do EEPC, e que consta do DL nº 4/98, de 8 de Janeiro.

E atenta a distinção constitucional a que fizemos referência, parece-nos inquestionável que os estabelecimentos de ensino profissional, quando criados por pessoas, singulares ou colectivas, de natureza privada, devem qualificar-se como estabelecimentos de ensino particular - cf. artºs 2º, 4º e 13º e seguintes desse DL 4/98.

A convenção colectiva tem uma faceta negocial e uma faceta regulamentar (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, 2005, pág. 111).

A primeira respeita às regras que disciplinam as relações entre as partes signatárias da convenção, nomeadamente no que toca à verificação do cumprimento da convenção e aos meios de resolução de conflitos decorrentes da sua aplicação e revisão; a segunda corresponde às normas que regulam os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e dos empregadores.

Segundo o entendimento maioritário sustentado na doutrina (Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 112, e Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2ª edição, págs. 212 a 214 e 1085, entre outros) e a jurisprudência firme e uniforme do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 28/09/2005, processo nº 1165/05 da 4.ª secção, Diário da República, I Série-A, nº 216, de 10 de Novembro de 2005, págs. 6484-6493), na interpretação das convenções colectivas deve aplicar-se o disposto nos artºs 236º e seguintes do Cod. Civil, quanto à parte obrigacional, e o preceituado no artº 9º do Cod. Civil no respeitante à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros.

E, no caso concreto, sendo de presumir que os outorgantes souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados, a interpretação que deve ser feira do CCT que nos ocupa não pode ser outra senão a de que as partes, ao aludirem “a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior” e certamente conscientes da expressa exclusão das escolas profissionais do âmbito de aplicação do EEPC, e sendo certo que a associação onde se encontra filiada a Ré o não outorgou, quiseram regular as relações de trabalho para vigorar entre elas deixando de fora o ensino profissional.

E, assim sendo, e porque as portarias de extensão não podem estender aquilo que não consta do CCT ao qual se referem, nomeadamente o universo da das actividades ali previstas, facilmente se intui que as citadas PE´s não são aplicáveis à relação dos autos.

Foram, a nosso ver, tais fundamentos que ditaram o decidido no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do recurso 2565/08-4, em 25 de Fevereiro de 2009, e cujo sumário está disponível em “http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2009.pdf”, na página na internet daquele Supremo Tribunal (ainda que reportando-se a diferente contrato colectivo, enquanto outorgado por diferente federação sindical):

“(…)

XII – Não sendo a ré associada da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), signatária da convenção colectiva de trabalho (CCT) outorgada entre a mesma associação e a Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e Outros [(FNE), publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 43, de 22 de Novembro de 1999] – sendo, sim, signatária da Associação Nacional do Ensino Profissional (ANESPO) – e não se demonstrando filiação sindical da autora, não pode à relação entre as partes ser aplicável o referido CCT, seja directamente, seja através de Portaria de Extensão, uma vez que esta apenas contempla empresas que exerçam a sua actividade em Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a ré dedica-se, em exclusividade, ao ensino profissional.” (Realce nosso).

Debruçando-se sobre a referida PE 1483/2007, refere-se no Ac. da Rel. de Évora de 17/1/2012, disponível em www.dgsi.pt, que os termos da mesma, ao reportarem-se aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo não superior, sem menção expressa dos estabelecimentos de ensino profissional, associados a tais especificidades, admitem a interpretação restritiva subjacente ao acórdão do STJ mencionado.

Como tal, não se verificam os pressupostos que legitimam a aplicação do CCT em questão por força das analisadas portarias de extensão.

Mas, em abstracto, não é de afastar a aplicação de qualquer IRCT nos casos que as partes, apesar de não estarem filiados em qualquer entidade subscritora do mesmo e não haver PE a determiná-lo, expressa ou tacitamente quiseram adoptar o seu clausulado, em termos de o fazerem incluir, assim se vinculando, no âmbito do contrato individual de trabalho, no tocante à sua aplicação em bloco ou tão só no que diz respeito às tabelas salariais e condições de acesso às mesmas.

No contrato de trabalho, e desde que se não vá contra disposições de natureza imperativa, vigora o principio da liberdade contratual, no âmbito do qual as partes podem livremente estipular os seu termos, condições e especificidades. Assim, nada impede à partida que, pese embora não lhes seja aplicável, empregar e trabalhador acordem na sujeição da relação laboral ao clausulado em qualquer IRCT, naturalmente conexionado com a actividade desenvolvida pela entidade empregadora.

Assim, põe-se a questão se, no caso que nos ocupa, a Ré teve, como defende a Autora, o CCT em causa como referência na fixação da classificação profissional e retribuições dos seus trabalhadores, quer docentes, quer administrativos, e respectivos escalões retributivos, com a correspondente aceitação pela mesma Ré.

A matéria de facto à nossa disposição é claramente insuficiente no sentido de legitimar semelhante conclusão.

Assim, e em primeiro lugar, o que resulta do regulamento interno da Ré, junto aos autos e referente ao ano lectivo de 2000/2001, é que neste, e tal como aí expressamente se refere, se “elencam os direitos e deveres do pessoal não docente, remetendo para o previsto no Contrato Colectivo de Trabalho do Ensino Particular e Cooperativo”. Semelhante remissão, se bem lemos tal regulamento, não é feito em relação ao pessoal docente.

Sendo que sempre seria de equacionar a sua eficácia, face ao disposto nos artºs 39º, nºs 2 e 3, da LCT, dado que, e como ficou provado, esse regulamento interno da Ré não foi nunca depositado na ACT- facto 19.

Por outro lado, da consideração dos factos 3 e 4 apenas se retira que o vencimento da Autora, à data da cessação do contrato, era igual ao vertido no CCT para o nível A-5 deste. Como é bom de ver, daqui não é legítimo que tenha sido intenção da Ré equiparar os níveis salariais às tabelas daquele contrato colectivo, e muito menos pretendido aplicar, em bloco, o clausulado em tal contrato, e designadamente quanto às classificações profissionais e níveis de retribuição daí decorrentes.

De outra banda, e com referência ao documento / "memorando" de fls. 215-217, enviado pela Ré a diversas entidades, incluindo a Ministra da Educação, conforme fls. 214 e 218 a 223 , e que não foi objecto de impugnação, podendo, como tal, ser considerado pelo tribunal, temos que nele se escreve, a determinado passo, que se aplica “ao pessoal docente e não docente deste Escola o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo não Superior, e por via deste, toda a regulamentação colectiva do trabalho vigente para o sector”.

Contudo, e contrariamente ao pretendido pela Autora, daquele não se pode extrair qualquer vontade negocial da Ré no sentido da aplicação, ao pessoal docente, do CCT em questão.

Isto por diversas ordens de razões.

Em primeiro lugar porque essa declaração negocial, como declaração receptícia, teria de ser dirigida e sempre teria de chegar ao poder ou ser conhecida pelo seu destinatário - artº 224º, nº 1, do Cod. Civil, e não é o caso: não só lhe não foi direccionada, como não ficou provado que a Autora tivesse tido conhecimento desse documento antes da cessação do seu contrato de trabalho.

Desse memorando resulta que a Ré pretende um reforço de verbas, sendo perfeitamente plausível que, com a inclusão da menção do pessoal docente como sujeito à aplicação do EEPC, quisesse traçar um cenário económico-financeiro mais “negro”, com vista a convencer as entidades a quem o dirigiu da bondade da sua pretensão.

No memorando, enquadra-se juridicamente como aplicável o EEPC, sendo certo que, como já vimos, este expressamente exclui as escolas profissionais, e encontrando-se esse enquadramento em contradição com o afirmado no parágrafo imediatamente anterior, de que o estatuto remuneratório dos professores é o resultado do DL 4/98.

Faz-se uma referência genérica a “toda a regulamentação colectiva de trabalho vigente para o sector”, sem concretamente a especificar.

E o que é certo é que toda a actuação da Ré foi no sentido de não aplicar ao pessoal docente, aliás de harmonia com o citado regulamento interno, o CCT em questão.

Por último, e quanto às invocadas, pela Autora, declarações que o director da Ré terá produzido na Assembleia Municipal de Trancoso, elas não constam do elenco dos factos provados, pelo que não podem suportar o que quer que seja.

Procedem, assim e por fundamentos parcialmente diversos dos vertidos nas mesmas, as conclusões do recurso

x

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a Ré do pedido.

Custas em ambas as instâncias pela Autora.

Coimbra, 30/01/2014

(Ramalho Pinto - Relator)

(Azevedo Mendes)

(Joaquim José Felizardo Paiva)