Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2519/15.0T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
ÓNUS DA PROVA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
NOMEAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - 1ª SEC.COMÉRCIO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 3, 20, 36, 52 CIRE, LEI Nº 32/2004 DE 22/7
Sumário: 1.- Através dos “factos-índice”, elencados nas alíneas do nº1 do art.20 do CIRE, o legislador estabeleceu presunções juris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor, pelo que, feita a prova pelo requerente, caberá ao requerido/devedor o ónus da prova da sua solvência.

2.- A existência de um activo contabilisticamente superior ao passivo, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, só releva se ilustrar uma situação de viabilidade económica, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento.

3.- O CIRE eliminou o primado da recuperação sobre a falência, transformando aquela (a recuperação), tão-só, numa possível finalidade, em alternativa à liquidação, do processo de insolvência, totalmente dependente da vontade dos credores.

4.- O novo paradigma da insolvência, assentando na primazia do interesse dos credores, e assumindo constituir “custo” destes a recuperação da insolvente, coloca nas mãos dos credores a opção entre a recuperação e a liquidação.

5.- Da conjugação do disposto nos arts. 36º, alínea d), 32º, nº1, 52º, nºs 1 e 2 do C.I.R.E. e art. 2º da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, impõe-se concluir que anomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz que, em regra, não tem de ter em conta as indicações feitas pelo requerente ou devedor, devendo a escolha recair em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência e processar-se por meio de sistema informático que assegure a sua aleatoriedade e a igualdade nos números de processos distribuídos aos administradores.

6.- Só não será de observar este regime geral quando seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, nomeadamente quando a massa insolvente integre estabelecimento em actividade, caso em que o juiz tem de efectuar a escolha de entre os administradores da insolvência especialmente habilitados para o efeito, sobre ele recaindo, para o efeito, o dever de atender às indicações feitas pelo requerente ou pelo devedor.

7.- E ainda que, nesta última situação, o juiz não esteja obrigado a segui-las, a verdade é que, se o não fizer, a falta de fundamentação da nomeação feita, bem como a omissão de pronúncia sobre a indicação feita pelo requerente ou pelo devedor relativamente à pessoa que deve exercer o cargo de administrador da insolvência, integram, respectivamente, as nulidades da decisão previstas nas alíneas b) e d) do art. 668º, nº1 do C. P. Civil (615º NCPC).

8.- Resultando dos elementos constantes dos autos não estarmos perante um processo em que não seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, sobre o juiz impende tão só o poder-dever ou o dever funcional, de fundamentar a não nomeação da pessoa indicada e as razões que o levaram a preferir a pessoa nomeada, por força do disposto nos arts. 158º, nº1 e 659º, nº3 do C. P. Civil (154º e 607º NCPC).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

C (…), Lda. insolvente nos autos à margem identificados, tendo sido notificada da sentença que decretou a insolvência e não se conformando com tal decisão, veio interpor recurso ordinário de Apelação, alegando e concluindo que:

A – A recorrente viu ser declarada a sua insolvência porque o Tribunal “a quo” entendeu que a antiguidade do crédito e o valor deste eram suficientes para se concluir pela impossibilidade de a recorrente satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

B – Com os factos provados jamais se poderia concluir que a recorrente está impossibilitada de satisfazer a generalidade das suas obrigações.

C – Nenhuma outra dívida da recorrente foi apurada.

D – Ao invés, está provado que a recorrente pagou, no decurso da acção, os impostos em dívida.

E – Assim como pagou e paga despesas correntes de sua responsabilidade.

F – Não está demonstrado que a recorrente esteja impossibilitada de satisfazer a generalidade das suas obrigações.

G – Está provado que recorrente não tem dívidas ao Estado, a trabalhadores ou a outros fornecedores.

H - O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão proferido em 04-12-2014, no processo nº 877/13.0YXLSB.L1-6, do Exmo. Sr. Desembargador António Martins, publicado em www.gde.mj.pt, decidiu que não se verifica a situação de insolvência quando um requerido tem um património que, a ser liquidado, voluntária ou judicialmente, é susceptível de satisfazer o pagamento das suas obrigações vencidas perante o requerente.

I – Decidiu ainda este Acórdão que por ter ficado provado que a requerida não vem efectuando o pagamento das prestações vencidas de um crédito não permite, por si só, concluir pela suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas.

J – Ao interpretar e aplicar o art.º 20º do CIRE no sentido em que o fez o Tribunal “a quo” violou a lei, designadamente esta disposição legal.

L – Deveria o Tribunal “a quo” ter interpretado e aplicado o art.º 20º do CIRE no sentido de não ter ficado provada a verificação de uma suspensão ou um incumprimento generalizado das obrigações da recorrente.

M – Por outro lado, ao nomear, sem fundamentar, o administrador de insolvência indicado pela requerente da insolvência o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 32º do CIRE, o art.º 607º do C. P. Civil e o art.º 205º da C. R. Portuguesa.

N - No requerimento inicial o (...) Banco limitou-se a propor a indicação do administrador de insolvência ora nomeado, sem que fosse indicada a previsibilidade da existência de qualquer acto de gestão que requeira especiais conhecimentos, como define o art.º 32.º, nº 1, do CIRE.

O – Tendo o Tribunal “a quo nomeado, sem qualquer fundamento, este indicado administrador.

P - O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 05-3-2013, em que foi relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Orlando Nascimento, no processo nº 13062/12.9T2SNT-A.L1-7, publicado em www.gde.mj.pt, pronunciou-se sobre esta matéria, decidindo que a indicação de um administrador de insolvência deve ser acompanhada de factos que permitam concluir ser previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos. Caso opte por nomear o indicado o juiz deverá explicitar os fundamentos da sua decisão.

Q– Existem assim, na sentença recorrida, violações legais que urge reparar por via do presente recurso.

NESTES TERMOS, nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e assim se fazendo JUSTIÇA!

*

O Recorrido N (…), SA, legal e tempestivamente notificado, no recurso de apelação interposto, veio apresentar as suas Contra Alegações, por sua vez concluindo que:

I - O recurso a que ora se responde apenas poderá ser admitido caso a Recorrente comprove nos autos -o que até à data não fez- o pagamento da taxa devida, acrescido da respectiva multa - vide artigos 7. II. o 2 do Regulamento das Custas Processuais, 154.º e 642.º do CP.C, todos aplicáveis ex vi art. o 17. º do CIRE.

II - A situação de insolvência consiste na impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações vencidas – artº 3.º n.º 1 do CIRE.

III - Tal como confessado pela própria (vide contestação de fls ... ) e resulta da factualidade assente, a dívida da C (…), Lda para com o Requerente ascende a mais de um milhão de euros, desde meados de 2012 – cfr. sentença recorrida.

IV - Ficou também provado que, em violação das obrigações legais previstas nos artigos 70º do Código das Sociedades Comerciais, 3.º n.º 1, alínea n) e 15.º n.º 1 do Código do Registo Comercial, a última prestação de contas entregue pela Requerida diz respeito ao ano de 2011.

V - Os factos apurados e julgados provados integram as presunções de insolvência previstas nas alíneas b) e h), in fine, do nº 1 do art: 32º. do CIRE.

VI - Que a Requerida, como lhe cabia, não logrou ilidir - sibi imputet.

VII - A nomeação do Administrador de Insolvência na pessoa indicada pelo Requerente credor consubstancia um poder discricionário do juiz e não uma decisão vinculada - cfr: artigos 32.º n. º 1 e 52.º n.ºs 1 e 2 do CIRE.

VIII - Nessa medida, a escolha do A.I. está exclusivamente dependente do prudente arbítrio do Juiz não carecendo de ser fundamentada.

IX - Deve, consequentemente, manter-se inalterada a sentença recorrida que declarou a Insolvência da C (...) , Ld.ª

NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que V. Exas. certa e muito doutamente sempre suprirão, deve o recurso a que ora se responde ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a Sentença Recorrida, com todas as consequências legais.

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa as que decorrem do elemento narrativo dos Autos, em decorrência da sua própria revelação, designadamente, no que importa fazer ressumar, que:

1-A requerida é uma sociedade comercial que tem por objecto a construção civil e obras públicas, arrendamento e gestão de bens imobiliários, urbanização e loteamento de terrenos, compra e venda, administração e avaliação de bens imobiliários e compra e venda de materiais de construção.

2º- O capital social é de €100.000,00 dividido em duas quotas de €50.000,00 cada, de que são titulares A (…) e R (…)

3º- O requerente é titular de três livranças:

a)- uma emitida em 04.09.2003 e com data de vencimento em 18.07.2014 com o valor de €762.929,41, subscrita pela requerida.

b)- uma emitida em 01.08.2006 e com data de vencimento em 18.07.2014 com o valor de €287.071,84, subscrita pela requerida.

c)- uma emitida em 30.07.2010 e com data de vencimento em 18.07.2014 com o valor de €186.311,70, subscrita pela requerida.

4º- As livranças foram entregues pela requerida ao então Banco (...) , SA em branco para garantia do cumprimento das obrigações emergentes dos seguintes contratos:

- Contrato de Compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado em 30.09.2003, pelo montante de €600.000,00, junto a fls. 21 e ss cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

- Contrato de Mútuo com hipoteca, celebrado em 15.09.2006, pelo montante de €225.000,00, junto a fls. 38 e ss e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

- Contrato de Financiamento nº 5984/10, celebrado em 30.07.2010 até ao montante máximo de €150.000,00 e destinado a fazer face a compromissos anteriormente assumidos e para apoio à construção, junto a fls. 68 e ss e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

5º- Como garantia a requerida constitui hipotecas a favor do requerente sobre os seguintes imóveis:

- Prédio Urbano, sito da Rua (...) , freguesia de (...) , concelho de Coimbra, inscrito sob o artigo matricial 8096 (actualmente 13653-P) e descrito na 1ª CRP de Coimbra com o nº 5376.

- Prédio urbano, sito na rua (...) , freguesia de (...) , concelho de Coimbra, inscrito sob o artigo matricial 8131 (actualmente), descrito na CRP de Coimbra sob o nº 5377 da freguesia de (...).

6) - Em face ao incumprimento dos contratos referidos em 4), por cartas datadas de 31.05.2012, 15.09.2012 e 31.10.2012 respectivamente, o requerente interpelou a requerida para proceder à regularização das prestações de juros vencidas. 7º- Por cartas datadas de 25.06.2014 o requerente procedeu à denúncia dos contratos; exigiu o pagamento da totalidade do valor do contrato, aí se incluindo os valores em atraso e o montante do capital em dívida até final do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais e informou do preenchimento das livranças.

8º- O requerente informou a requerida que a livrança referida em 3 a) seria preenchida pelo montante de €762.926,41:

- capital €600.000,00; juros mais imposto de selo devidos desde 31.03.2012 à taxa de 11,345% no montante de €165.183,20; menos os juros mais imposto de selo amortizados no período no valor de €2.256,79;

9º- O requerente informou a requerida que a livrança referida em 3b) seria preenchida pelo montante de €287.071,84:

- capital €224.250,00; juros mais imposto de selo devidos desde 16.03.2012 à taxa de 11,345% no montante de €62.839,67; menos juros mais imposto de selo amortizados no período no valor de €17,84;

10) - O requerente informou a requerida que a livrança referida em 3c) seria preenchida pelo montante de €186.311,70:

- capital €150.000,00; juros mais imposto de selo devidos desde 01.05.2012 à taxa de 10,358% no montante de €36.311,70;

11) - A requerida é titular da conta de depósito à ordem nº 007157800139, aberta em 4.05.1998 no requerente.

12) - A requerida movimentou a conta à ordem, tendo originado, em 11.03.2014, um saldo devedor no montante de €3.145,88.

13) - A última declaração de prestação de contas individual depositada pela requerida respeita ao ano de 2011.

14) – Nessa declaração a requerida lançou na conta do passivo não corrente “financiamentos obtidos” a quantia de 1.286.310,25.

15) - A requerida não exerce qualquer actividade nem tem qualquer trabalhador ao seu serviço.

16) - Os empréstimos concedidos pelo requerente à requerida foram com o objectivo de financiar e apoiar a construção de quatro moradias unifamiliares em dois lotes de terreno.

17) - Imóveis que a requerida construiu e que se destinam a venda.

18) - As moradias estão à venda pelo valor total de 1.620.000,00 euros.

19) – Em 6 de Agosto de 2015 a requerida devia à Autoridade Tributária a quantia de €6.20869, sendo €143,65 referente a IMI com data de vencimento de 30.11.2013; €1.222,94 referente a IMI com data de vencimento de 30.04.2014, €108,35 referente a IRC com data de vencimento em 5.06.2014; €1206.98 referente a IMI com data de vencimento em 31.07.2014; €1.185,82 referente a IMI com data de vencimento em 1.215.72; €251,44 referente a IRC com data de vencimento em 27.03.2015; €1.067,91 referente a IMI com data de vencimento em 30.04.2015 e o restante referente a custas e coimas.

20) – No dia 16 de Setembro de 2015 a requerida não era devedora de qualquer quantia à Autoridade Tributária.

21) - A requerida tem a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social.

22)- A requerida não tem dívidas a fornecedores.

23)- A licença de utilização das moradias foi emitida pela Câmara em 28.01.2015.

24)- Contra a requerida corre termos uma acção executiva instaurada pelo (...) , SA (actualmente (...) Banco, SA) a correr termos na Comarca de Coimbra, Instância Central, 1ª Secção de Execução, sob o nº 918/14.3TBCBR para pagamento da quantia exequenda no valor de €1.236.309,95.

25)- E outra a correr termos na 2º Secção de execução da Comarca de Leiria com o nº 938/15.T8PBL para pagamento da quantia exequenda no montante de €3.899,76.

26)- A requerida tinha de contratar os serviços de um advogado para se opor à presente acção.

27)- Após a instauração da presente acção a requerida passou a constar das pautas públicas de distribuição como empresa contra a qual foi requerida insolvência.

*

Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente decisão, nomeadamente que:

1º- As licenças de utilização das moradias deveriam ter sido emitidas pela Câmara em 2012.

2º- E por essa razão a requerida se viu impedida de comercializar as moradias que construiu.

3º- A requerida gozasse de crédito bancário até à instauração da presente acção.

4º- A requerente tenha deduzido o pedido de insolvência sabendo que não tinha fundamento.

5º- A requerida tivesse de informar as instituições bancárias com quem trabalha da presente acção e que por esse facto passaram a ter argumento para recusar o crédito.

*

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art° 608º, do mesmo Código.

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em apreciar se:

I.

A – A recorrente viu ser declarada a sua insolvência porque o Tribunal “a quo” entendeu que a antiguidade do crédito e o valor deste eram suficientes para se concluir pela impossibilidade de a recorrente satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.

B – Com os factos provados jamais se poderia concluir que a recorrente está impossibilitada de satisfazer a generalidade das suas obrigações.

C – Nenhuma outra dívida da recorrente foi apurada.

D – Ao invés, está provado que a recorrente pagou, no decurso da acção, os impostos em dívida.

E – Assim como pagou e paga despesas correntes de sua responsabilidade.

F – Não está demonstrado que a recorrente esteja impossibilitada de satisfazer a generalidade das suas obrigações.

G – Está provado que recorrente não tem dívidas ao Estado, a trabalhadores ou a outros fornecedores.

H - Não se verifica a situação de insolvência quando um requerido tem um património que, a ser liquidado, voluntária ou judicialmente, é susceptível de satisfazer o pagamento das suas obrigações vencidas perante o requerente.

I - Por ter ficado provado que a requerida não vem efectuando o pagamento das prestações vencidas de um crédito não permite, por si só, concluir pela suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas.

J – Ao interpretar e aplicar o art.º 20º do CIRE no sentido em que o fez o Tribunal “a quo” violou a lei, designadamente esta disposição legal.

L – Deveria o Tribunal “a quo” ter interpretado e aplicado o art.º 20º do CIRE no sentido de não ter ficado provada a verificação de uma suspensão ou um incumprimento generalizado das obrigações da recorrente.

Apreciando, diga-se que o ónus da prova (art. 342° Código Civil) traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que - adiante-se desde já e por mero confronto - todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pela recorrente, foram levados em conta, na decisão proferida.

Continuando a vincular que, tendo o credor, requerente da insolvência, alegado factos integradores da impossibilidade de cumprimento pelo devedor das suas obrigações vencidas, sendo este citado, impende sobre ele o ónus de alegar e de provar factos integradores da sua solvência.

E sem que se possa deixar de levar em consideração - conceitual e originariamente - até, que a própria e eventual penhora e suficiência dos bens são conceitos distintos; aquela significa a susceptibilidade de certos bens serem (total ou parcialmente) apreendidos confinando com a noção de bens impenhoráveis; esta, pressuposta a penhorabilidade, confronta o valor desses bens susceptíveis de apreensão com o valor do crédito e a impossibilidade de satisfazer este pelo valor daqueles.

Ora, o art. 3° no 1 do CIRE considera em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Sob tal abrangência, “o que verdadeiramente releva para a insolvência é a de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos” (Cfr. Carvalho Fernandes J. Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, vol. 1, p. 70-71).

E é sabido, pela experiência da vida, haver factos que manifestam a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, estes factos estão enunciados nas diversas alíneas do n° 1 do art. 20° e são correntemente designados por factos da insolvência, através dos quais a situação de insolvência se manifesta ou exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer um deles permite presumir a situação de insolvência do devedor, legitima a verificação de, pelo menos, um deles a iniciativa processual com vista à declaração de insolvência; logo, a verificação de qualquer desses factos é condição necessária para tal iniciativa.

Sendo certo que a requerente invocou a falta de cumprimento de obrigação reveladora da impossibilidade de satisfação pontual das obrigações (art. 20° n° 1 b) do CIRE). Perante tal impulso processual, podendo deduzir-se oposição com fundamento na inexistência da situação de insolvência, seja pela impugnação dos fundamentos invocados, seja pela excepção de factos impeditivos, modificativos ou extintivos dos fundamentos invocados ou da sua eficácia jurídica (art. 30° n° 3), tal implica ónus específico da alegação e prova da sua solvência, como se depreende do n°4 do art. 30° do diploma citado.

Logo, não é o credor que está onerado com a prova da insolvência, facto constitutivo do direito que invoca, como, em tese geral, decorreria do n° 1 do art. 342° do CC. Ao invés, a lei resolveu expressamente a dúvida sobre o tratamento como constitutivos do direito dos factos alegados na petição inicial e sobre a consequente oneração da requerente com a respectiva prova (art. 342° n° 3 CC); assim, em vez de impor à requerente o ónus da prova da insolvência, carregou sobre os ombros do devedor o ónus da prova da sua solvência, operando, assim, uma verdadeira inversão do ónus de prova (art. 344° n° 1 CC); logo, provando o requerente a sua dívida, passa a competir à requerida provar a possibilidade de a solver, isto é, cabe ao devedor/a ilidir a presunção que emana do facto-índice, trazendo ao processo factos e circunstâncias probatórias dos quais se conclua que não está insolvente. O que, circunstancialmente, não aconteceu (Cf. Ac. RC.nº2491.11.5TBPLBL.A. C1).

Tanto mais que a insuficiência do património penhorável, como indício da impotência económica determinativa da insolvência, isto é, da situação de impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas (art. 3° n° 1 do CIRE), pode ser demonstrada por outros meios que não só através de acções executivas (art.20° n° 1, e) do CIRE) (Cf. Ac. RE, de 25 de Outubro de 2007, CJ Ano XXXII,Tomo IV, 2007, pp. 259-261). Como igualmente decorre da matéria considerada provada, por isso tida por verdade intra-processual acontecida no caso em apreço (e que não sai impugnada), a pretexto - acrescido - de que, tal como se fez destacar em decisório:

«A verificação do facto-índice a que alude o art. 20º, nº 1, al. b) do CIRE é, em princípio, condição suficiente da declaração de insolvência, só a podendo impedir a sua ilisão pela requerida, como já supra se referiu.

Para o efeito a requerida alega que o seu activo é superior ao seu passivo.

Todavia, importa referir que a impossibilidade de cumprir constitui uma realidade diversa da simples superioridade do activo relativamente ao passivo. O devedor pode estar impossibilitado de pagar aos seus credores e, no entanto, ter um activo superior ao passivo.

E o inverso também é verdadeiro: o devedor pode, em dado momento, ter um activo inferior ao passivo, mas dispor de crédito, i.e., da possibilidade de mobilizar, por recurso a terceiros, disponibilidades monetárias que lhe permitam os compromissos para com os seus credores, à medida que se vão tornado exigíveis (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 110).

Como se refere no Ac. do RC de 20.11.2007, no proc. nº 1124/07.9TJCBR in www.dgsi.pt a existência de um activo contabilisticamente superior ao passivo, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, só releva se ilustrar uma situação de viabilidade económica, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento, sendo por isso, verdadeiramente decisivo, neste aspecto a ponderação do valor do activo disponível por contraposição ao do passivo exigível.

Também Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda ob. cit. pág. 87 refere que pode “a escrita revelar um activo superior ao passivo e no entanto o devedor estar impossibilitado de cumprir as suas obrigações por não dispor de meios líquidos para o efeito.”

Ou, como sustenta, Maria João Coutinho dos Santos citada no Ac. da RL de 9.07.12, proc. nº 1122/07.2TYLSB.L1-2, a “situação de insolvência sendo, conceptualmente, um fenómeno de índole económica manifesta-se sob a forma de uma insuficiência de liquidez para solver as obrigações financeiras contratuais, a qual é resultante da incapacidade, não necessariamente transitória, da empresa gerar excedente económico” (Algumas Notas sobre os Aspectos Económicos da Insolvência da Empresa”, in “Direito e Justiça”, 2005/tomo II, pág. 182).

Ora, no caso em apreço, ainda que se considere que as vivendas que a requerida construiu e se encontram para venda têm um valor superior à da dívida ao requerente, o certo é que, a requerida não logrou demonstrar que possua meios financeiros nem que consiga obter crédito para solver a dívida que tem para com o requerente e que já se encontra vencida desde o ano de 2012 ou que consiga em breve a venda das moradias. E, como já se referiu antes, o requerente não tem obrigação de aguardar.

Na verdade, só o activo líquido, disponível, vale para aferir a verificação da situação de insolvência, pois só ele pode dar satisfação às obrigações vencidas da requerida.

Deste modo porque da factualidade alinhada resulta demonstrado o pressuposto objectivo essencial consagrado nº 1 do art. 3º, por força da verificação do facto índice previsto na al. b) do nº 1 do art. 20º, forçoso será concluir que a requerida se encontra em estado de insolvência.

O requerente invoca ainda a alínea h) última parte.

Na verdade, o atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, quando a sociedade a tal está obrigada, como é o caso, é um dos factos indicadores da situação de insolvência. Na verdade, a requerida é uma das entidades referidas no nº 2 do art. 3º do CIRE, ou seja, uma pessoa colectiva.

E, no vertente caso, decorre da factualidade dada como provada que a requerida não aprova as contas nem as deposita desde 2011. Deste modo, forçoso será concluir pelo preenchimento do facto índicie invocado.

Donde, não provada a sua solvência e verificadas as hipóteses previstas no art. 20º, nº 1, al. b) e h) última parte do CIRE, impõe-se declarar que a requerida se encontra efectivamente impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas e está, por isso, nos termos do art. 3º, nº 1 do mesmo diploma, em situação de insolvência».

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Pode, assim, do mesmo modo dizer-se que a situação da Apelante, caracterizada nos termos acabados de indicar – que são os que emergem dos factos provados –, recentra a teleologia do CIRE, enfaticamente a expressar, «no respectivo artigo 1º: “[o] processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

Assinalando-o - vem destacado no Ac. de 20-11-2007, com o nº 1124/07.9TJCBR-B.C1, Relator:     TELES PEREIRA - ser:

«o que se qualifica de “novo paradigma da insolvência” [A expressão é usada por Catarina Serra em O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, 2ª ed., Coimbra, 2007, p. 9.] e corresponde, entre nós, à evolução do direito concursal do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e da Falência (o CPEREF, aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril) para o CIRE que o substituiu. Tal evolução, à qual não é estranho um olhar crítico sobre o passado do instituto [Nas palavras de Menezes Cordeiro: “[…] aquando das reformas vintistas das leis de falência, a problemática socio-económica ligada aos temas concursais levou os legisladores a privilegiar soluções que permitissem a recuperação das empresas […]. A prática do sistema mostrou ser mau caminho. As empresas em dificuldades não se recuperam, pela natureza das coisas, só por si. A obrigatoriedade de percorrer o calvário da recuperação para, depois, encarar a fase concursal, traduziu-se, em regra, num sorvedouro de dinheiro, com especiais danos para os credores e os próprios valores subjacentes à empresa” (“Introdução ao Direito da insolvência”, in O Direito, 2005/III, p. 499).], assenta, nos termos em que a caracteriza Catarina Serra, na consideração de que “[o] regime da falência passa a ter [com o CIRE] a missão principal de saneamento da economia («falência-saneamento») e a tarefa fundamental de identificar os agentes económicos capazes e viáveis, que merecem ser apoiados, mas também os agentes económicos […] incapazes, que devem ser eliminados” [O Novo Regime…, cit., p. 10.]. É com base nesta teleologia que o CIRE eliminou o primado da recuperação sobre a falência, transformando aquela (a recuperação), tão-só, numa possível finalidade, em alternativa à liquidação, do processo de insolvência, totalmente dependente da vontade dos credores [“ A primazia do interesse dos credores – cfr. artigo 46º/1 [do CIRE] – pretende afastar o óbice da recuperação: esta deixa de ser o fim último do processo; surge à frente, como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores” (Menezes Cordeiro, “Introdução…”, cit., p. 500).].

Significa isto, que a pretensão de manutenção de actividade da Apelante deve passar pela ponderação dos seus credores, através da possível consideração, constatada e declarada a insolvência, da aprovação de um “plano de insolvência” (artigos 192º e seguintes do CIRE). Com efeito, se é sobre os credores que incidirá fundamentalmente o “custo” da recuperação, importando esta, desde logo, o protelamento da satisfação dos respectivos créditos, é aos credores que compete avaliar a possibilidade, que a Apelante antevê como factível, de relançar a sua actividade económica. Ao Tribunal competia tão-só – e foi o que ele fez – determinar se a situação da apelante correspondia à facti species do artigo 3º, nº 1 do CIRE».

É esta, como se disse, a teleologia do CIRE, sendo evidente que a Sentença apelada a captou correctamente, na consideração que fez da situação da Apelante como correspondente a uma impossibilidade de cumprir as suas obrigações vencidas. Resta, pois, confirmar tal entendimento, convocando, subsequentemente, formulação equivalente à síntese conclusiva do percurso argumentativo seguido em tal referenciado Acórdão (Ac. de 20-11-2007, com o nº 1124/07.9TJCBR-B.C1, Relator:TELES PEREIRA), aqui, também, com perfil de enquadramento. A saber:

«I – Os “factos-índice” elencados no nº 1 do artigo 20º do CIRE constituem “exemplos-padrão” que, como tal, correspondem a situações prototípicas de insolvência.

II – A sua relevância, porém, depende da circunstância deles corresponderem, em concreto, ao “conceito-base” de insolvência constante do artigo 3º, nº 1 do CIRE: impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas.

III – Esta impossibilidade, enquanto pressuposto da situação de insolvência, não tem de se referir a todas as obrigações vencidas, bastando que se refira à generalidade das obrigações vencidas.

IV – A existência de um activo contabilisticamente superior ao passivo, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, só releva se ilustrar uma situação de viabilidade económica, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento.

V – O novo paradigma da insolvência, assentando na primazia do interesse dos credores, e assumindo constituir “custo” destes a recuperação da insolvente, coloca nas mãos dos credores a opção entre a recuperação e a liquidação».

Assim, pois, em tais termos, e a pretexto de os factos enunciados no artigo 20º/1 do CIRE […] serem meros indícios ou presunções de insolvência, podendo demonstrar-se que não obstante a respectiva verificação se não está perante uma hipótese de insolvência (artigo 3º/3 do CIRE)” (Pedro de Albuquerque, “Declaração da situação de insolvência”, in O Direito, 2005/III, p. 514).

No mesmo sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, anotando o artigo 20º do CIRE, indicam estarem em causa o “[…] que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto” (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, reimpressão, Lisboa, 2006, p. 131).]

Tal, em função de o ónus de prova (art. 342º Código Civil) se  traduzir, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta. Assim, exactamente, pois que todos os elementos considerados deficitários, neste horizonte problemático, alegadamente inconsiderados, pela Recorrente, foram levados em conta, na decisão proferida.

O que, como se fez notar, decorreu, por inevitabilidade processual, de o ónus de alegação da prova, como elemento pressuponente principiológico actuante e vinculador, consistir em cada uma das partes, que quer ver vingar as suas pretensões, ter de cuidar de que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levadas ao tribunal mediante as afirmações correspondentes (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, cd., 1981, 1.°-70). Deste modo, se a parte a quem incumbe o “ónus probandi” fizer prova por si suficiente, o adversário terá, por seu lado, de fazer prova que invalide aquela; que a naturalize, criando no espírito do juiz um estado de dúvida ou incerteza; não carece de persuadir o juiz de que o facto em causa não é verdadeiro (M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2.ª ed., 193; ed. 1979, 207). Em todo o caso, tal ónus respeita aos factos da causa, distribuindo-se entre as partes segundo certos critérios. Traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, como quer que seja, sofrer tais consequências, se os autos não contiverem prova bastante desse facto – trazida, ou não, pela mesma parte (M. Andrade, Noc. Elementares Proc. Civil, 1979, 196).

Tal, pois que não tem apenas a faculdade de fornecer a prova; ele deve provar, se quiser fazer reconhecer o seu direito. Não é obrigado a fornecer a prova; mas do não exercício do ónus depende a renúncia ao reconhecimento do direito que carece de prova. São perfeitos ou imperfeitos, consoante o resultado que asseguram depende somente da prestação que forma o conteúdo do ónus, ou essa prestação é, por si só, insuficiente. São ainda formais e materiais. O primeiro consiste no dever para as partes de produzir a prova; o segundo consiste na sujeição às consequências desfavoráveis resultantes da falta de prova (Cavaleiro de Ferreira, Curso, 1956, 11-304).

Noutra formulação, a decisão colhe a sua justeza na conformidade integral como sistema jurídico que a propicia. A complexidade dos elementos que, nela depondo, a informam, torna-a possível, apenas, através do funcionamento da Ciência Jurídica que, assim se afirma como prudencial. E à Ciência do Direito compete ainda assegurar o controlo das decisões, numa operação fundamental para alargar o consenso e, daí, a sua eficácia. Nenhuma norma jurídica resolve, por si, problemas concretos ainda quando, no caso considerado, ela possa surgir como o argumento decisivo no modelo de decisão. A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode corromper. Reside aqui, o harmonizar das soluções desavindas ou disfuncionais dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou paradoxais existentes numa individualizada praxis judicial, que haverá de atender à singularidade de qualquer caso (Cf. Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, 1, 1987, págs. 236 e s.).

Assim se fixando a questão, nos termos pré-ditos, no referencial condicionador de específico ónus de prova como obrigação que recai sobre uma pessoa de provar algum facto ou alguma circunstância com interesse para um determinado fim. Exactamente porque, em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se - haverá de dizer-se, agora e sempre -, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova (Anselmo de Castro, Proc. Civil, 1966, 3.°-259).

O que determina resposta negativa para as questões em I.

*

II.

M – Por outro lado, ao nomear, sem fundamentar, o administrador de insolvência indicado pela requerente da insolvência o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º 32º do CIRE, o art.º 607º do C. P. Civil e o art.º 205º da C. R. Portuguesa.

N - No requerimento inicial o (...) Banco limitou-se a propor a indicação do administrador de insolvência ora nomeado, sem que fosse indicada a previsibilidade da existência de qualquer acto de gestão que requeira especiais conhecimentos, como define o art.º 32.º, nº 1, do CIRE.

O – Tendo o Tribunal “a quo nomeado, sem qualquer fundamento, este indicado administrador.

P - O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 05-3-2013, em que foi relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Orlando Nascimento, no processo nº 13062/12.9T2SNT-A.L1-7, publicado em www.gde.mj.pt, pronunciou-se sobre esta matéria, decidindo que a indicação de um administrador de insolvência deve ser acompanhada de factos que permitam concluir ser previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos. Caso opte por nomear o indicado o juiz deverá explicitar os fundamentos da sua decisão.

Nesta específica rubrica, o Ac. RL de 05-3-2013, Relator Orlando Nascimento, no Proc. nº 13062/12.9T2SNT-A.L1-7, in www.gde.mj.pt, baliza a questão:

 «- a saber, se a decisão de nomeação do administrador (a) comunga da natureza jurídica da sentença em que se insere, nomeadamente, quanto ao dever de fundamentação estabelecido pelo art.º 158.º, n.º 1, do C. P. Civil, ou se tem (b) a natureza de despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, nos termos e com os efeitos previstos nos art.ºs 156.º, n.º 4 e 679.º do C. P. Civil, apesar de o conceito de poder discricionário ter aqui o conteúdo de prudente arbítrio do julgador (art.º 156.º, n.º 4, in fine).

Quanto a nós, a dificuldade da resposta está apenas na existência de jurisprudência divergente, que não na questão em si mesma, uma vez que, decisão proferida por prudente arbítrio do julgador ou decisão fundamentada em face dos elementos presentes nos autos, divergem entre si apenas no que respeita à admissibilidade de recurso da decisão de nomeação», mais assinalando que, «sem preocupação de exaustão, sobre a matéria incidiram já os acórdãos da: Relação de Lisboa, de 19/6/2012, 6/3/2012, 15/12/2011, 15/11/2011, 17/5/2011, 19/4/2011 (acórdão e decisão sumária), 11/4/2011; Relação de Coimbra, de 11/7/2012, 26/6/2012, 6/3/2012; Relação de Évora, de 11/10/2012 e 31/5/2012; Relação de Guimarães, de 27/9/2012, 24/1/2012, 20/10/2011, 6/10/2011; Relação do Porto, de 26/4/2012, 11/5/2010».

É pacífico que a nulidade de falta de fundamentação prevista no art.º 668.º, n.º 1), al. b) do C. P. Civil (615º NCPC) só ocorre quando a fundamentação seja omitida, inexistindo, e não quando a mesma seja parca ou mesmo insuficiente [Cf. RT, ano 86, pág. 38; Ac. S. T. J. de 1/3/1990, B. M. J. n.º 395, pág. 479 e Ac. R. L. de 1/10/1992, in Col. J. 1992, tomo 4, pág. 168 e de 10/03/1994, in Col. J. 1994, tomo 2, pág. 83, entre outros]. 

E a razão de ser deste entendimento jurisprudencial é óbvia, pois, só neste caso – omissão de fundamentação – existe clara violação do princípio geral estabelecido pelos art.ºs 205.º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa (CRP) e 158.º do C. P. Civil (154º NCPC), nos termos do qual as decisões judiciais devem ser fundamentadas.

Em todos os outros, tratando-se de uma graduação quantitativa ou qualitativa dessa fundamentação, a mesma só poderá ser apreciada na sua valia, mas não na sua ausência, como geradora de nulidade.

Improcede, pois, a apelação quanto a esta questão.

-

No mais, diga-se - tal como no Ac. RC, de 26.02.2013, Relatora Regina Rosa, www.dgsi.pt -, que «escolhendo o administrador no uso de um poder discricionário, o juiz não tem de fundamentar a sua opção quando essa escolha não coincida com a proposta que tenha sido feita pelo próprio devedor, quando não seja ele o autor do processo, ou pela comissão de credores.

Aliás e de acordo com a actual redacção do citado art.32º/1, a proposta de nomeação do administrador eventualmente feita na petição inicial é restringida aos “processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”. Esta limitação não estava prevista na anterior redacção e a ela se faz referência no preâmbulo do DL 282/07 nestes termos: “Finalmente, em quarto lugar, é restringida a possibilidade de designação de um administrador da insolvência na petição inicial aos casos em que seja exigida a prática de actos que requeiram especiais conhecimentos.

Segue-se então que a recorrente/insolvente só podia indicar administrador na situação aludida - previsibilidade de existência de actos que requeiram especiais conhecimentos - o que não se verificou.

            Por tudo isto, e no caso em análise, o juiz não tinha de justificar a nomeação de pessoa diferente daquela que lhe fora proposta, cabendo-lhe apenas, como fez, designar pessoa inscrita na lista oficial (…). Pelo que não estamos a ver onde é que a decisão peca por falta de fundamentação a acarretar a nulidade prevista na al. b) do nº1 do art. 668º/C.P.C (615º NCPC).

            Em resumo: na nomeação do administrador judicial ou do administrador da insolvência (arts.32º/1 e 52º/2) o juiz dispõe de um poder discricionário, escolhendo-os segundo o prudente critério, podendo ter em conta a proposta feita pelo próprio devedor, quando não for requerente, ou pela comissão de credores, se existir. Mas se não tomar em conta essas propostas, não tem de fundamentar a sua opção».

-

Como elemento de confluência à matriz decisória que ora se exercita, mais se convoque o Ac. RG, de 24.01.2012, Relatora: Rosa Tching, www.dgsi.pt, aí, a fazer consignar que:

«Nesta matéria, estabelece o art. 36 º, al. d) do CIRE, que, na sentença que declara a insolvência, o juiz nomeia o administrador da insolvência, com indicação do seu domicílio profissional.

Dispõe o nº1 do art. 52º do CIRE que “A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz”, estabelecendo o seu nº2 que “Aplica-se à nomeação do administrador da insolvência o disposto no nº1 do artigo 32º, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência”.

Por sua vez, estabelece o art. 32º, nº1 do CIRE que “ A escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, a redacção actual do nº1 deste art. 32º bem como do nº2 do citado art.52, introduzida pelo DL nº 282/2007 veio alargar «o poder decisório do juiz nesta matéria por duas vias: quando passou a dizer-se que o juiz pode ter em conta a proposta eventualmente contida na petição inicial; e sobretudo, quando limita a atendibilidade dessa proposta aos casos de processos “em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos”.

E segundo estes mesmos autores, na interpretação do nº2 do citado art. 52º, há ainda que atender ao disposto no art. 2º do Estatuto do Administrador da Insolvência (Lei nº 32/2004, de 22 de Julho), o qual estipula que:

“1. Sem prejuízo do disposto no artigo 53º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, apenas podem ser nomeados administradores da insolvência aqueles que constem das listas oficiais de administradores.

2. Sem prejuízo do disposto no nº2 do artigo 52º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a nomeação a efectuar pelo juiz processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos.

3. Tratando-se de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, nomeadamente quando a massa insolvente integre estabelecimento em actividade, o juiz deve proceder à nomeação, nos termos do número anterior, de entre os administradores da insolvência especialmente habilitados para o efeito”.

Mas, se assim é, impõe-se concluir do conjunto das normas citadas que:

1º- A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz que, em regra, não tem de ter em conta as indicações feitas pelo requerente ou devedor, devendo a escolha recair em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência e processar-se por meio de sistema informático que assegure a sua aleatoriedade e a igualdade no números de processos distribuídos aos administradores.

2º- Só não será de observar este regime geral quando seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, nomeadamente quando a massa insolvente integre estabelecimento em actividade, caso em que, por força do disposto no art. 2º, nº 3 do Estatuto dos Administradores da Insolvência, o juiz tem de efectuar a escolha de entre os administradores da insolvência especialmente habilitados para o efeito, sobre ele recaindo, para o efeito, o dever de atender às indicações feitas pelo requerente ou pelo devedor, em conformidade com o disposto nos citados arts. 32º, nº1 e 52º, nº2.

Esta distinção assume particular relevância pois que a falta de fundamentação da escolha de pessoa diversa da indicada pelo requerente ou pelo devedor para exercer o cargo de administrador da insolvência bem como a omissão de pronúncia sobre o requerimento que contém tal indicação tem consequências distintas conforme se esteja perante um processo em que seja previsível, ou não, a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência.

Na primeira situação, estamos perante um dever imposto ao juiz de ter em consideração as indicações feitas.

E ainda que, nesta última situação, o juiz não esteja obrigado a segui-las, a verdade é que, do dever imposto ao juiz de ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimento, decorre, desde logo, a obrigação de fundamentar a sua escolha por pessoa diversa da indicada pelo requerente ou pelo devedor.

Se o não fizer, a sua falta de fundamentação bem como a omissão de pronúncia sobre a pessoa indicada pelo requerente ou pelo devedor para exercer o cargo de administrador da insolvência, integram, respectivamente, as nulidades da decisão previstas nas alíneas b) e d) do art. 668º, nº1, al. b) do C. P. Civil (615º NCPC).

Diferentemente acontece sempre que se esteja perante um processo em que não seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência.

É que, nesta situação, mesmo que o requerente ou o devedor tenham feito indicação da pessoa que, no seu entender, deve exercer o cargo de administrador da insolvência, sobre o juiz impende tão só o poder-dever ou o dever funcional, de fundamentar a não nomeação da pessoa indicada e as razões que o levaram a preferir a pessoa nomeada, por força do disposto nos arts. 158º, nº1 e 659º, nº3 do C. P. Civil (154º e 607º NCPC).

Tratando-se, porém, de um despacho de fundamentação não vinculado, a sua omissão não tem qualquer sanção, não acarretando, por isso, nenhuma das invocadas nulidades».

Revertendo à situação dos Autos, não se trata de um processo em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram conhecimentos especiais por parte do administrador da insolvência, tal como resulta dos factos evidenciados e provados.

Mas se assim é, evidente se torna que a alegada falta de fundamentação bem como a omissão de pronúncia sobre a pessoa indicada pelo requerente ou pelo devedor para exercer o cargo de administrador da insolvência, não integram nenhuma das nulidades da decisão previstas nas alíneas b) e d) do nº1 do art. 668º do C. P. Civil (615º NCPC). Tanto mais que, nesta conformidade, e ao abrigo do disposto no art. 36º do CIRE – no que tange fazer ressumar -, em conformidade, se decidiu: “Nomear como administrador da insolvência o Dr. Rubem Jardim de Freitas, com domicílio profissional na Rua das Aranhas, nº 5, 1º andar, sala D, Funchal, sugerido pelo requerente”.

Como epílego - tudo visto e ponderado -, assim se revela plena compatibilidade do decidido com o art. 205º da CRP, pois que a exigência de fundamentação não constitui uma simples exigência formal desprovida de sentido. A fundamentação cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões - e uma função de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários. Em todo o caso, a importância estrutural da fundamentação para o cumprimento integral do modelo de Estado adoptado pela Constituição leva a revisão constitucional de 1997 a consagrar um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, remetendo para o legislador ordinário unicamente a fixação da forma pela qual aquele dever se concretiza em relação a cada tipo de decisão. Depois, porque o conteúdo essencial do dever de fundamentação analisa-se na comunicação das razões que justificam a decisão. Todavia, como já foi afirmado pelo Tribunal Constitucional, as exigências de fundamentação não são iguais relativamente a todo o tipo de decisões judiciais (Acórdão n.º 680/98). Desde logo, o conteúdo da fundamentação é condicionado pelo objecto de cada tipo de decisão. Assim, por exemplo, a fundamentação de um despacho de pronúncia não requer a exposição de motivos relevantes para a condenação, mas tão-só a exposição dos indícios bastantes para a realização do julgamento. Depois, para além desta diferença estrutural que separa cada tipo de decisão, pode afirmar-se, como princípio, sem prejuízo designadamente das decisões interlocutórias susceptíveis de bulir com direitos fundamentais, que o grau de intensidade exigível para a fundamentação de um despacho interlocutório não é tendencialmente o mesmo daquele que se justifica em relação a uma decisão final, na qual se jogam decisivamente os interesses materiais das partes (em processo civil) ou da defesa do arguido (em processo penal). O alcance da fundamentação também há-de depender da novidade da questão com a qual se defronta o tribunal e da originalidade da sua decisão, tendo em conta o entendimento comum até aí firmado, tanto na jurisprudência, como na doutrina (Cf. Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, 2007, pp. 70-72).

O que, também, atribui resposta negativa às questões em II.

*

Podendo, assim concluir-se, sumariando (art. 632º,nº7 NCPC) que:

1.

Não é o credor que está onerado com a prova da insolvência, facto constitutivo do direito que invoca, como, em tese geral, decorreria do n° 1 do art. 342° do CC. Ao invés, a lei resolveu expressamente a dúvida sobre o tratamento como constitutivos do direito dos factos alegados na petição inicial e sobre a consequente oneração da requerente com a respectiva prova (art. 342° n° 3 CC); assim, em vez de impor à requerente o ónus da prova da insolvência, carregou sobre os ombros do devedor o ónus da prova da sua solvência, operando, assim, uma verdadeira inversão do ónus de prova (art. 344° n° 1 CC); logo, provando o requerente a sua dívida, passa a competir à requerida provar a possibilidade de a solver, isto é, cabe ao devedor/a ilidir a presunção que emana do facto-índice, trazendo ao processo factos e circunstâncias probatórias dos quais se conclua que não está insolvente. O que, circunstancialmente, não aconteceu.

2.

O CIRE eliminou o primado da recuperação sobre a falência, transformando aquela (a recuperação), tão-só, numa possível finalidade, em alternativa à liquidação, do processo de insolvência, totalmente dependente da vontade dos credores [“ A primazia do interesse dos credores – cfr. artigo 46º/1 [do CIRE] – pretende afastar o óbice da recuperação: esta deixa de ser o fim último do processo; surge à frente, como mera eventualidade, totalmente dependente da vontade dos credores”].

3.

Significa isto, que a pretensão de manutenção de actividade da Apelante deve passar pela ponderação dos seus credores, através da possível consideração, constatada e declarada a insolvência, da aprovação de um “plano de insolvência” (artigos 192º e seguintes do CIRE). Com efeito, se é sobre os credores que incidirá fundamentalmente o “custo” da recuperação, importando esta, desde logo, o protelamento da satisfação dos respectivos créditos, é aos credores que compete avaliar a possibilidade, que a Apelante antevê como factível, de relançar a sua actividade económica. Ao Tribunal competia tão-só – e foi o que ele fez – determinar se a situação da apelante correspondia à facti species do artigo 3º, nº 1 do CIRE.

4.

A existência de um activo contabilisticamente superior ao passivo, enquanto elemento de exclusão da situação de insolvência, só releva se ilustrar uma situação de viabilidade económica, passando esta pela capacidade de gerar excedentes aptos a assegurar o cumprimento da generalidade das obrigações no momento do seu vencimento.

5.

O novo paradigma da insolvência, assentando na primazia do interesse dos credores, e assumindo constituir “custo” destes a recuperação da insolvente, coloca nas mãos dos credores a opção entre a recuperação e a liquidação».

-

6º.

 Da conjugação do disposto nos arts. 36º, alínea d), 32º, nº1, 52º, nºs 1 e 2 do C.I.R.E. e art. 2º da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, impõe-se concluir que:

a) A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz que, em regra, não tem de ter em conta as indicações feitas pelo requerente ou devedor, devendo a escolha recair em entidade inscrita na lista oficial de administradores de insolvência e processar-se por meio de sistema informático que assegure a sua aleatoriedade e a igualdade no números de processos distribuídos aos administradores.

b) Só não será de observar este regime geral quando seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, nomeadamente quando a massa insolvente integre estabelecimento em actividade, caso em que o juiz tem de efectuar a escolha de entre os administradores da insolvência especialmente habilitados para o efeito, sobre ele recaindo, para o efeito, o dever de atender às indicações feitas pelo requerente ou pelo devedor.

7º.

 E ainda que, nesta última situação, o juiz não esteja obrigado a segui-las, a verdade é que, se o não fizer, a falta de fundamentação da nomeação feita bem como a omissão de pronúncia sobre a indicação feita pelo requerente ou pelo devedor relativamente à pessoa que deve exercer o cargo de administrador da insolvência, integram, respectivamente, as nulidades da decisão previstas nas alíneas b) e d) do art. 668º, nº1 do C. P. Civil (615º NCPC).

8º.

 Resultando dos elementos constantes dos autos não estarmos perante um processo em que não seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, sobre o juiz impende tão só o poder-dever ou o dever funcional, de fundamentar a não nomeação da pessoa indicada e as razões que o levaram a preferir a pessoa nomeada, por força do disposto nos arts. 158º, nº1 e 659º, nº3 do C. P. Civil (154º e 607º NCPC).  Tratando-se, porém, de um despacho de fundamentação não vinculado, a sua omissão não tem qualquer sanção, não acarretando, por isso, a nulidade da decisão.

9.

A fundamentação (art. 205º CRP) cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo - pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões - e uma função de carácter subjectivo - garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários. Em todo o caso, a importância estrutural da fundamentação para o cumprimento integral do modelo de Estado adoptado pela Constituição leva a revisão constitucional de 1997 a consagrar um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, remetendo para o legislador ordinário unicamente a fixação da forma pela qual aquele dever se concretiza em relação a cada tipo de decisão. Depois, porque o conteúdo essencial do dever de fundamentação analisa-se na comunicação das razões que justificam a decisão.

10.

Todavia, como já foi afirmado pelo Tribunal Constitucional, as exigências de fundamentação não são iguais relativamente a todo o tipo de decisões judiciais (Acórdão n.º 680/98). Desde logo, o conteúdo da fundamentação é condicionado pelo objecto de cada tipo de decisão. O alcance da fundamentação também há-de depender da novidade da questão com a qual se defronta o tribunal e da originalidade da sua decisão, tendo em conta o entendimento comum até aí firmado, tanto na jurisprudência, como na doutrina.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3UC, muito embora relevando o Benefício do Apoio Judiciário atribuído.

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António Carvalho Martins ( Relator)

Carlos Moreira

Moreira do Carmo