Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
379/03.2TBOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: CONDOMÍNIO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
LEGITIMIDADE
DÍVIDA
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DE FRADES.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 6º, AL. E) DO CPC; 1430º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Na acção declarativa em que um credor peça o pagamento de dívidas contraídas pelo condomínio, apenas deve estar, como réu, o condomínio, a quem a lei atribui, para o efeito, personalidade judiciária nos termos do: art. 6.º al. e) - agora artigo 12º - do Código do Processo Civil, parte legítima representada pelo administrador, e não também, em litisconsórcio voluntário passivo com o condomínio, cada um dos condóminos.

II - É que a parte é o condomínio e o administrador é o órgão executivo da administração, a par da assembleia dos condóminos que é o órgão deliberativo colegial, integrado por todos os condóminos e onde cada condómino tem tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou na permilagem do valor total do prédio – ver a norma do art.º 1430º do Código Civil.

III - Como sabemos, e decorre de tais normas, a personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal já que os condóminos é que são “partes” na causa, embora debaixo da “capa” do condomínio representado em juízo pelo administrador.

IV - Assim, a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes – relembramos que assim o entendeu o julgador na instância declarativa, ao julgar os condóminos partes ilegítimas, prosseguindo a acção contra o condomínio, porquanto este representa a globalidade dos condóminos reunidos nos termos legais.

V - Por isso, as dívidas são dos condóminos e não do condomínio, sendo que a sentença que condene o condomínio a pagar determinada quantia vale, enquanto título executivo, contra todos os condóminos.

VI - Ou seja, a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual – condomínio -, pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica que não é parte processual – condóminos .

Decisão Texto Integral: A questão dos autos apresenta manifesta simplicidade – atento o seu estudo doutrinal e jurisprudencial -, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 656.º (antes 705.º) do Código do Processo Civil, passamos a decidir sumariamente.

1.Relatório
Foi proferida, pela Sr.ª Juiz do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, a seguinte decisão:
“Requerimentos de 10.01.2013, 04.02.2013, 05.03.2013 e 12.03.2013:
O credor tem o direito de executar o património do devedor (artigo 817.º do Código Civil).
O devedor/executado é o Condomínio T… - e não o Administrador do Condomínio ou os Condóminos, pelo que não pode ser penhorado o vencimento destes.
Pelo exposto, indefere-se o requerimento de penhora do vencimento do Administrador do Condomínio e dos condóminos.
No que concerne à penhora de bens móveis reitera-se: apenas podem ser penhorados bens que pertençam ao Condomínio T… (e não a qualquer outra pessoa, seja esta singular ou colectiva)”.
O exequente F…, não se conformando tal decisão dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

2. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções do recorrente cumpre apreciar a seguinte questão:
Ao não permitir a penhora dos bens dos condóminos - dentro dos limites dos valores de cada fracção - o Tribunal da 1.ª instância violou ou interpretou incorretamente as disposições dos artigos 817.º; 818.º; 1418.º e 1424.º, todos do Código Civil?
O que nos dizem os autos:
A sentença dada à execução teve origem em ação declarativa proposta pelo aqui exequente contra o executado condomínio e contra todos os seus condóminos, proprietários das várias frações.
Na ação declarativa foi proferido douto despacho que julgou os condóminos partes ilegítimas, prosseguindo a ação contra o condomínio, porquanto este representa a globalidade dos condóminos reunidos nos termos legais, ser dotado de personalidade e capacidade jurídica e judiciárias.
Na sentença dada à execução foi o executado condomínio condenado a pagar ao exequente F… a quantia de 21.376,19 € acrescidos de juros vencidos desde a citação do réu na acção e até integral pagamento.
Por não ter sido pago, o ali A. e aqui exequente deu à execução tal sentença requerendo a penhora de bens dos condóminos “dentro (até) ao valor das suas frações autónomas” (aplicação do valor da permilagem ao valor da dívida para cálculo da quota parte de responsabilidade de cada condómino).
O A. E. designado procedeu, com autorização judicial, à penhora de contas bancárias de condóminos (acordo já feito nestes autos com um dos condóminos e autorização de penhora por despacho judicial de 12.03.2012), à penhora de frações autónomas de condóminos e a outras diligências de penhora.
O exequente, interpretando o disposto no artigo 1424º do Código Civil veio sucessivamente a requerer a penhora de bens dos condóminos, ressalvando sempre que estas deveriam sempre ser feitas na proporção do valor das suas frações (aplicação de regra de “três simples” entre o valor global da dívida e a permilagem de cada condómino para se obter o valor da responsabilidade solidária de cada um dos condóminos).
Adiantamos, desde já, que o recorrente tem razão.
Na acção declarativa em que um credor peça o pagamento de dívidas contraídas pelo condomínio, apenas deve estar, como réu, o condomínio - a quem a lei atribui, para o efeito, personalidade judiciária nos termos do: art. 6.º al. e) (agora artigo 12.º) do Código do Processo Civil -, parte legítima, representada pelo administrador, e não também, em litisconsórcio voluntário passivo com o condomínio, cada um dos condóminos.
De facto, excepcionalmente, a lei atribui personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade jurídica.
Entre esses casos, conta-se “o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
Deste modo, esta alínea e) “concede personalidade judiciária ao condomínio, relativamente às acções em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos dos arts. 1433º, nº 6 - como réu - e 1437º, ambos do Código Civil - como autor ou réu -, o que já resultava, pelo menos, desta última disposição”.
Com efeito, o último normativo acabado de citar estabelece que:
“1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador”.
Este artigo, que prevê uma forma de suprimento da incapacidade judiciária do condomínio, nada tem a ver com a questão da legitimidade “ad causam” do administrador, a qual nem se pode colocar, visto que, enquanto órgão do condomínio, age em sua representação.
É que a parte é o condomínio e o administrador é o órgão executivo da administração, a par da assembleia dos condóminos que é o órgão deliberativo colegial, integrado por todos os condóminos e onde cada condómino tem tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou na permilagem do valor total do prédio – ver a norma do art.º 1430.º do Código Civil -.
Como sabemos, e decorre de tais normas, a personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal já que os condóminos é que são “partes” na causa, embora debaixo da “capa” do condomínio representado em juízo pelo administrador.
Como escreve Miguel Mesquita - A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos - anotação ao Acórdão do TRL de 25.06.2009, 4838/07.0TBALM.L1-8, Cadernos de Direito Privado, nº. 35, Julho/Set 2011, págs. 50 e 51 -,“o condomínio é a face processual dos condóminos (…) não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a “máscara” do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância.
O condomínio é a ‘capa’ processual dos condóminos, uma ‘capa’ que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação (…)”
“A personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da ‘capa’ do condomínio.”
(…) A parte permanece o conjunto dos respectivos membros.
Por isso é que o depoimento de um condómino tem de ser visto como um depoimento de parte e jamais como um depoimento testemunhal.
(…) A pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas.
Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial” – fim de citação.
Por isso, a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes – relembramos que assim o entendeu o julgador na instância declarativa, ao julgar os condóminos partes ilegítimas, prosseguindo a acção contra o condomínio, porquanto este representa a globalidade dos condóminos reunidos nos termos legais -.
As dívidas são dos condóminos e não do condomínio – neste mesmo sentido, o Acórdão de 20.6.2013 da Relação de Lisboa, retirado do site www.dgsi.pt , que cita Sandra Passinhas e o seu escrito, “A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, 2000, pág. 330), invoca M.ª del Carmen González Carrasco (Representación de la comunicad de proprietários y legitimación individual del comunero em la propriedad horizontal, Bosch, Barcelona, 1997, págs. 167 e 168)”.
Aí se diz que “sentença que condene o condomínio a pagar determinada quantia vale, enquanto título executivo, contra todos os condóminos.” Ou, dito de outro modo, “a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes.”
No mesmo sentido, Sandra Passinhas - obra citada, pág. 339- escreve que, “…da qualidade do administrador como representante do condomínio resulta que a sentença de condenação emitida contra o administrador constitui título válido para a execução contra os condóminos singulares, ainda que os nomes dos condóminos não venham nela individualizados”.
Ou seja, a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual, pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica que não é parte processual.
Por outro lado, como argumenta o recorrente, “…não se admitindo esta situação (incidência da execução sobre bens dos condóminos) estar-se-ia a admitir a possibilidade de as dívidas dos condomínios serem incobráveis, pois que, o condomínio não é detentor de bens penhoráveis, antes administrador de partes comuns em bens (telhados, escadas, elevadores, terraços, varandas, portas, clarabóias, halls e corredores…) que estão adstritos ao funcionamento e funcionalidade dos bens privados (as frações autónomas) de cada condómino” - A título de exemplo, o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 14.5.2013, retirado do site www.dgsi.pt, decidiu que, “…sendo os elevadores componentes da essencialidade do imóvel, não é possível a respectiva execução mobiliária ou penhora, separada do imóvel que integram…” -.
Por isso, sendo a propriedade horizontal um conjunto incindível de um direito de propriedade exclusivo sobre uma fracção autónoma e de um direito de (com) propriedade sobre as partes comuns do edifício onde aquela fracção se insere, o peso de cada condómino no conjunto do edifício corresponde à proporção entre o valor de cada fracção e o valor de todas elas, sendo tal proporção necessariamente definida no título constitutivo da propriedade horizontal - artigo 1418.º n.º 1 do Código Civil -.
E, acordo com o disposto no art.º 1424º, n.º 1, do Código Civil, “Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.”
Note-se que o transcrito normativo não visa indicar quem responde pelas despesas do condomínio, que, como já resulta da natureza e finalidade de tais despesas – as necessárias à conservação e fruição das partes comuns – devem, naturalmente, ficar a cargo dos condóminos, enquanto proprietários das fracções pertencentes a cada um e comproprietários das partes comuns do edifício, cfr. art. 1420º, n.º 1.
O que aquele tem em vista é antes definir a medida em que cada um dos condóminos responde, ou seja e salvo disposição em contrário, cada condómino responde em proporção ao valor da sua fracção.
E, como teoriza Henrique Mesquita -“A Propriedade Horizontal no Código Civil Português”, RDES, XXIII, pág.130 e Nota 119 -, “…a obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação “propter rem” uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio.”
Sendo que “…mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do título constitutivo (e não directamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um acto de aceitação por parte daqueles”.
Significa isto, salvo o devido respeito, que a julgadora da 1.ª instância, ao escrever o despacho recorrido, interpretando o disposto no artigo 817.º do Código Civil no sentido de que “apenas podem ser penhorados bens que pertençam ao condomínio T… e não a qualquer outra pessoa, seja singular seja colectiva”, não o fez convenientemente, até porque, consideramos que os condóminos não são, rigorosamente, terceiros para aplicação da norma do artigo 818.º do citado diploma, como a dado momento desta decisão já o referimos.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela – no seu Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição, pág. 431 -, “a responsabilidade dos condóminos pelas despesas de conservação e fruição e uma responsabilidade “ex lege” e subsiste mesmo nos casos em que tais despesas tenham sido originadas por facto imputável apenas a um deles ou a terceiro”.
Mais, para apuramento da responsabilidade individual de cada consorte ou condómino, devemos “recorrer à estipulação das partes, valendo o que estiver estabelecido no título constitutivo ou em estipulação adequada, aplicando-se a regra supletiva do critério da proporcionalidade, contribuindo (pagando) cada condómino na proporção do valor da sua fração, sendo tal valor o que resultar da aplicação do disposto na parte final do artigo 1418.º do C.C.” (aplicando-se o valor da percentagem ou permilagem do valor de cada fração ao valor total da despesa a suportar), tendo sempre e assim por presente o “princípio geral da repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum.
Por isso, julgamos procedente o recurso apresentado pelo exequente.
Alinhavamos as seguintes conclusões:
1.ª Na acção declarativa em que um credor peça o pagamento de dívidas contraídas pelo condomínio, apenas deve estar, como réu, o condomínio - a quem a lei atribui, para o efeito, personalidade judiciária nos termos do: art. 6.º al. e) (agora artigo 12.º) do Código do Processo Civil -, parte legítima, representada pelo administrador, e não também, em litisconsórcio voluntário passivo com o condomínio, cada um dos condóminos.
2.ª É que a parte é o condomínio e o administrador é o órgão executivo da administração, a par da assembleia dos condóminos que é o órgão deliberativo colegial, integrado por todos os condóminos e onde cada condómino tem tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou na permilagem do valor total do prédio – ver a norma do art.º 1430.º do Código Civil -.
3.ª Como sabemos, e decorre de tais normas, a personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal já que os condóminos é que são “partes” na causa, embora debaixo da “capa” do condomínio representado em juízo pelo administrador.
4.ª Assim, a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes – relembramos que assim o entendeu o julgador na instância declarativa, ao julgar os condóminos partes ilegítimas, prosseguindo a acção contra o condomínio, porquanto este representa a globalidade dos condóminos reunidos nos termos legais -.
5.ª Por isso, as dívidas são dos condóminos e não do condomínio, sendo que a sentença que condene o condomínio a pagar determinada quantia vale, enquanto título executivo, contra todos os condóminos.
6.ª Ou seja, a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual – condomínio -, pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica que não é parte processual – condóminos -.
3.Decisão
Assim, na procedência da instância recursiva, revogamos a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, podendo o apelante/exequente requerer a penhora de bens dos condóminos, dentro dos limites dos valores de cada fracção ou frações autónomas de cada condómino.
Custas a cargo dos executados.

Coimbra, 15 de Outubro de 2013
(José Avelino Gonçalves - relator -)