Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
94/08.0GCLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: MEIOS DE PROVA
RECONHECIMENTO DE PESSOAS
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 11/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 147CPP
Sumário: Quando em audiência de julgamento, uma testemunha relata os actos que viu o arguido praticar, não está a proceder ao reconhecimento deste, mas unicamente a prestar depoimento, a valorar apenas, no âmbito da prova testemunhal, não fazendo sentido, neste contexto, invocar a inobservância das regras impostas no art. 147º do CPP, como forma de invalidar a prova testemunhal produzida.
Decisão Texto Integral: No Tribunal Judicial da comarca da Lousã, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido A..., com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1, e 204º, nº 2, e), do C. Penal.
A demandante Cooperativa Agrícola de XX..., CRL deduziu pedido de indemnização contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 3.428,83 e juros de mora à taxa legal desde a data dos factos e até integral pagamento, por danos patrimoniais sofridos.

Por acórdão de 20 de Dezembro de 2010, foi o arguido condenado pela prática do imputado crime, na pena de três anos de prisão, e no pagamento à demandante civil da quantia de € 2.932 e juros de mora à taxa legal de 4%, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

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Inconformado com a decisão, dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
A. Sofre o acórdão, dos males de Direito e de Facto, apontados os quais ficaram explicitados na motivação oferecida e para o conteúdo da qual se reporta nestas "Conclusões" e no seu detalhe, a saber
B. É nulo o julgamento por grave e insanável deficiência da gravação, em particular no que respeita ao depoimento de uma testemunha essencial para a descoberta da verdade.
C. Sendo certo assim que, nessas condições é impossível à defesa em sede de impugnação da matéria de facto aferir com rigor os factos dados como provados no acórdão e a prova efectivamente produzida em audiência.
D. O que configura um grave prejuízo para o arguido e uma limitação intolerável do direito ao recurso e às garantias da defesa.
E. É também nulo o acórdão porque omitiu de produzir uma real análise crítica da prova.
F. Limitando-se a enunciar de forma limitada e por vezes não condizente com a prova efectivamente produzida, o que as testemunhas disseram.
G. Sem ter em conta que o depoimento da principal testemunha C... é ininteligível na gravação.
H. Mas ainda que o não fosse, acolhendo sem mais uma única tese condenatória apoiada num juízo presuntivo, em clara insuficiência e sem ponderação das demais hipóteses plausíveis considerados os elementos probatórios que indicou.
I. Em especial não valorando nem indicando de forma rigorosa o que o arguido explicou em julgamento, conjugado com as declarações da testemunha B... que o acompanhou à localidade.
J. Nem alvitrando um juízo crítico sobre as contradições do conjunto das provas testemunhais obtidas que nem sequer permitem com rigor dizer se sim ou não ocorreu verdadeiramente o furto da aludida quantia.
K. Ou se tudo não passou de um embuste destinado a encontrar um bode expiatório na pessoa do arguido só pelo facto de ter o mesmo sido condenado no passado.
L. Sendo assim certo em todo o caso que o tribunal errou na apreciação da prova quando aferida àquela efectivamente produzida e na conjugação do todo, porque não atendeu a elementos fundamentais – falta de revista ao veículo e ao corpo do suspeito no acto de identificação pela GNR após um chamado de urgência por indícios de crime.
M. Assim como não atendeu ao factor – medida rigorosa do tempo – que mediou entre a chamada da GNR e a identificação do arguido.
N. Nem se ateve um só instante no facto inexplicado de não ter a testemunha C... quando sentiu o vulto no exterior da porta de vidro, gritado ou perguntado a partir do interior das instalações o que é que se passava.
O. O que de imediato e num juízo de razoabilidade poria em fuga ou pelo menos alertasse quem tivesse a veleidade de forçar a porta e cometer um crime de furto.
P. Motivos pelos quais a defesa impugna formalmente esses elementos de prova porque viciados e não aferidos criticamente à prova efectivamente produzida.
Q. Finalmente errou o tribunal ao acolher um reconhecimento produzido por uma única testemunha – ainda assim inaudível na gravação – sem cumprir ou fazer cumprir em audiência qualquer dos pressupostos de validade processual previstos para a figura formal do reconhecimento.
R. Incorrendo desse modo não só em ilegalidade processual que produz como produziu prova proibida.
S. Mas também em inconstitucionalidade e iniquidade porque aplicou efectivamente uma interpretação inconstitucional dos artigos 8°, 18° nº 1, 20° n° 4 in fine, 22°; 32° nºs 1 e 8 e 204° da Constituição da República Portuguesa e artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem conjugados a saber, que não restringe e limita de forma intolerável o direito do arguido à protecção dos seus direitos fundamentais e ao processo justo e equitativo, a sua condenação através de reconhecimentos feitos de forma contrária e sem ter em conta, nem cumprir rigorosamente o disposto no art. 147° do CPP.
T. No cumprimento do disposto no art. 412° n° 3 do CPP o recorrente entende que foram erradamente julgados os seguintes pontos de "A) Factos Provados": 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 11.
U. Impõem a absolvição do arguido as seguintes provas concretas: ininteligibilidade do depoimento da testemunha C...; nulidade do reconhecimento por incumprimento da lei; desconhecimento de elementos probatórios sobre o furto, a sua existência e a hora exacta do mesmo caso tenha ocorrido; omissão de diligência obrigatória essencial para a descoberta da verdade a seguir ao chamamento da GNR, a saber, revista pessoal e à viatura do arguido na altura suspeito; declarações idóneas do arguido e da testemunha B...; declarações da testemunha D... que confirmou que o furto só foi detectado quando foi atendida pelo funcionário C..., por conseguinte já depois das 13h:00 – reabertura das instalações ao público.
V. Devendo como tal serem ouvidos os registos áudio correspondentes segundo o que consta na acta e nos termos legais.
W. Feriu assim o acórdão, os arts. 97 n° 5; 147°; 363; 374° nºs 2 in fine; 379° n° 1, als. a) e c); 410° nºs 1, 2, als. a) e c) e 3; e 412° nºs 2, 3 e 4 do CPP; arts. 8°; 18° n° 1; 20° n° 4 in fine; 22°; 32° nºs 1 e 8; 204° e 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa; e art. 6° n° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Termos em que, deve o acórdão em crise ser revogado e o julgamento anulado; sem prescindir, deve o arguido ser absolvido nos termos sobreditos.
Ao decidir assim, farão V. Exªs. JUSTIÇA!
(…)”.
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Respondeu ao recurso o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pronunciando-se no sentido de estar o acórdão devidamente fundamentado, não padecer de contradição, ter sido feita correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do Direito, e concluindo pela confirmação do acórdão recorrido e consequente não provimento do recurso.
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Na vista a que refere o art. 416º, nº 1, do C. Processo Penal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a gravação da audiência pode ser ouvida e compreendida, que o acórdão não padece de vícios nem nulidades, e concluiu pela improcedência do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões da motivação constituem pois, como é unanimemente entendido, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Ed., pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, pág. 103).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A nulidade do julgamento por deficiente gravação da prova;
- A nulidade do acórdão por falta de fundamentação;
- A prova proibida decorrente da ilegalidade do reconhecimento;
- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto, tendo por objecto os pontos 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 11 dos factos provados.
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Para a resolução das questões propostas importa ter presente o que, de relevante, consta da decisão recorrida. Assim:

A) No acórdão foram considerados provados os seguintes factos:
“ (…).
1. No dia 02 de Abril de 2008, de manhã, o arguido dirigiu-se às instalações da Cooperativa Agrícola de XX..., sitas na Rua …, em XX..., usando o veículo de matrícula …, marca Citröen, modelo C4, de cor preta.
2. O arguido sabia que era dia de mercado e que, por isso, havia afluência de clientes à dita Cooperativa.
3. Durante a manhã o arguido rondou as instalações da Cooperativa, ora espreitando por uma das janelas, ora permanecendo sentado num muro existente à frente da respectiva porta, vigiando as instalações e os movimentos dos clientes e funcionários, esperando pela melhor oportunidade para se introduzir nas instalações e subtrair o dinheiro da respectiva Caixa Registadora.
4. Cerca das 13,00 horas a Cooperativa encerrou para o almoço, tendo ficado, no entanto, no seu interior, a almoçar, o funcionário C... e a Engenheira F....
5. O arguido, desconhecendo esse facto, dirigiu-se a dada altura à porta de entrada para os produtos fitofarmacêuticos e começou a abaná-la na tentativa de a abrir e de entrar nas instalações da Cooperativa,
6. Com tal barulho o funcionário C..., que já havia achado estranha a permanência daquele individuo durante a manhã no exterior da Cooperativa, e a Engenheira F..., aperceberam-se que o arguido procurava forçar a abertura daquela porta, que se encontrava fechada, e dirigiram-se de imediato ao escritório, o qual fica situado na parte oposta ao local onde o arguido se encontrava, e telefonaram para a GNR a comunicar a situação e a pedir a sua comparência no local.
7. Nesse entretanto o arguido, com um objecto não identificado, logrou forçar a fechadura da referida porta de acesso aos produtos fitofarmacêuticos, assim conseguindo abri-la, entrou nas instalações da Cooperativa e dirigiu-se à Caixa Registadora, que abriu, e dela retirou o dinheiro que havia sido obtido durante toda a manhã, em valor total não concretamente apurado, mas não inferior a 2.932,00 euros, deixando apenas dois cheques e algumas moedas.
8. Com o dinheiro em seu poder, o arguido saiu a correr das instalações da Cooperativa, segurando o casaco que vestia pelo bolso do lado direito, em direcção ao mencionado veículo, que se encontrava a cerca de 100 metros de distância, abriu a porta do lado direito e baixou-se, escondendo o dinheiro.
9. O arguido veio a ser interceptado pouco depois pela GNR junto desse veículo e foi identificado, numa altura, porém, em que ainda não tinha sido descoberta a subtracção de dinheiro da dita Caixa Registadora, o que só foi detectado quando o funcionário C... atendeu a cliente D..., cerca das 13h e 30m, na Cooperativa.
10. O dinheiro não chegou a ser recuperado, não tendo sido revistado o veículo do arguido, por não se saber então da ocorrência da subtracção.
11. Ao actuar como descrito, o arguido agiu voluntária, consciente e deliberadamente, no propósito conseguido de integrar no seu património aquele dinheiro, que levou consigo e utilizou em seu proveito, bem sabendo que não era seu e que actuava contra a vontade e sem o conhecimento do seu proprietário e que tal conduta era proibida por lei.
12. O arguido é casado e tem 52 anos de idade.
13. A sua profissão é a de empregado da indústria hoteleira.
14. Encontra-se recluso, em prisão preventiva, à ordem de outros autos, no EPR de Braga.
15. Do seu CRC constam condenações por crimes de furto, furto qualificado (decisão de 02/07/1980 e pena de oito anos e dois meses de prisão maior), injúrias, desobediência, furto, introdução em lugar vedado ao público e furto qualificado, furto qualificado (factos de 01/10/1991, decisão de 22/05/1992 e pena de sete anos de prisão), furto qualificado (factos de 07/12/1995, decisão de 12/06/1996 e pena única de quatro anos de prisão, com posterior novo cúmulo jurídico, com pena unitária de oito anos e dez meses de prisão, sendo a respectiva decisão datada de 24/09/1998), furto qualificado (factos de 01/09/2000, decisão transitada em 12/07/2001 e pena de dois anos e dez meses de prisão), furto qualificado (factos de 08/11/2000, decisão transitada em 10/10/2001 e pena de cinco anos de prisão), com cúmulo jurídico de nove anos de prisão (decisão transitada em julgado em 16/07/2003), vindo a ser-lhe concedida a liberdade condicional, por decisão de 06/12/2007, até ao fim da pena, a ocorrer em 14/05/2011.
(…)”.

B) Foram considerados não provados os seguintes factos:
“ (…).
Não resultaram provados quaisquer outros factos – dentre os alegados – que tenham interesse para a decisão da causa e que estejam em contradição com a factualidade provada e supra elencada, sendo que resultou provada no essencial a factualidade constante da acusação.
Não resultou provado, porém, designadamente, que o montante total retirado da dita caixa registadora ascendeu a 3.428,83 euros.
(…)”.

C) E dele consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
O Tribunal baseou a sua convicção, quanto aos factos provados e não provados, no conjunto das provas produzidas em audiência de julgamento, analisadas de forma crítica e conjugada, e, bem assim, de harmonia com as regras da lógica de experiência comum.
Foram elementos essenciais de prova:
As declarações do arguido quanto aos factos e quanto às suas condições pessoais, sendo que, no concernente aos factos, tal arguido reconheceu ter-se encontrado nas condições de tempo e de espaço descritas na acusação no local dos factos, negando sempre, porém, ter praticado tais factos;
As declarações da demandante cível, através da sua representante Lina Maria Neves . (presidente e membro da respectiva direcção), que relatou os danos sofridos pela dita demandante em consequência dos factos, assim explicitando ter visto a porta de entrada das instalações da demandante forçada, a caixa registadora aberta, faltando o dinheiro em causa, sendo que anteriormente, na manhã desse dia, viu o arguido no local, manhã essa que havia sido de muito movimento de clientes na Cooperativa;
- Prova testemunhal:
Depoimento das testemunhas inquiridas (indicadas pela acusação e pela demandante cível), cujo depoimento foi objecto de gravação em audiência de julgamento:
- C..., de 39 anos de idade, empregado de armazém ao serviço da demandante cível desde há 15 anos, pessoa que trabalha nas instalações daquela demandante, na secção fitofarmacêutica, tendo observado o arguido durante a manhã do dia dos factos junto daquelas instalações, nomeadamente sentado num muro ali existente e a espreitar para o interior de tais instalações, vindo a Cooperativa a encerrar as suas instalações, fechando as portas, para almoço cerca das 12,30 horas, mantendo-se o arguido no local, após o que a testemunha viu ainda o arguido a espreitar por uma janela para o interior das ditas instalações, colocando-se de seguida junto da porta, abanando-a com força (sendo a porta em causa em vidro "martelado", era possível ver o vulto do arguido, pessoa que momentos antes espreitara), na sequência do que a testemunha foi alertar por telefone a GNR (para o efeito, deslocou-se para o local do escritório da Cooperativa), vendo, contudo, que o arguido, posteriormente, e na sequência de ter sido ouvido um estrondo, se afastava a correr, com as mãos nos bolsos e óculos escuros colocados, chegando, assim, junto de um veículo automóvel, cuja porta do lado direito abriu, vindo depois a ser interceptado por elementos da GNR, que comunicaram ter procedido à identificação do mesmo arguido, só depois, quando o arguido já não se encontrava no local, tendo testemunha, deslocando-se ao local da dita caixa registadora, constado que a mesma estava aberta e que dela havia sido retirado o recheio em dinheiro, do que foi dado conhecimento telefónico à GNR, cujos agentes de novo se deslocaram ao local, constatando a situação; esclareceu também quanto a valores subtraídos, ao movimento de vendas nessa manhã na aludida Cooperativa e aos sinais detectados na porta aludida, que mostravam ter aquela sido forçada, no sentido da sua abertura pelo exterior;
- F..., de 35 anos de idade, engenheira técnica florestal, ao serviço da demandante cível desde há 05 anos, pessoa que também trabalha nas instalações daquela demandante, tendo ali almoçado no dia dos factos, assim tendo presenciado o telefonema da testemunha anteriormente mencionada de alerta à GNR, bem como a surpresa daquela testemunha ao detectar, ainda na hora de almoço, que a caixa registadora se encontrava aberta e dali havia sido retirado o respectivo recheio em dinheiro, após o que foi efectuado o apuramento do que havia sido retirado; esclareceu também, assim, quanto a valores subtraídos e ao movimento de vendas nessa manhã na aludida Cooperativa;
- G..., Cabo da GNR de XX..., de 34 anos de idade, e H..., Cabo da GNR de XX..., de 41 anos de idade, que se deslocaram ao local da dita Cooperativa, após a GNR ter sido alertada pela testemunha C... para a existência de pessoa a empurrar pelo exterior a porta das ditas instalações da Cooperativa, testemunha aquela que mencionou onde se encontrava o indivíduo em causa, tendo os agentes da GNR abordado então tal indivíduo, o aqui arguido, que se encontrava junto de um veículo automóvel, com a porta do lado direito do veículo aberta e inclinado para o interior do mesmo (a mexer), após o que foi identificado, e seguidamente se ausentou do local, indo os ditos agentes da GNR seguidamente dar conhecimento àquele C... que havia sido colhida a identificação da dita pessoa; tendo-se os agentes da GNR afastado então do local, foram posteriormente informados pelo mesmo aludido C... de que o dinheiro da caixa registadora havia sido subtraído, pelo que voltaram ao local, constando então que a porta mostrava ter sido forçada pelo exterior, no sentido do forçar da sua abertura (alumínio da porta forçado), e a caixa registadora estava mexida, tendo então sido efectuado apuramento de valores retirados; esclareceram ainda que na hora de almoço não havia afluência de pessoas ao local;
- D..., cliente da aludida Cooperativa, que foi atendida pelo aludido funcionário C..., altura em que foi detectada a subtracção de dinheiro da dita caixa registadora, o que a testemunha também constatou;
- J..., empregada de escritório, ao serviço da demandante cível desde há 10 anos, pessoa que também exerce funções nas instalações daquela demandante, tendo ali trabalhado no dia dos factos, assim tendo deposto, designadamente, sobre a forma como foi detectada a subtracção de dinheiro da dita caixa registadora e montante assim subtraído;
sendo que tais testemunhas revelaram, pelos motivos apontados, conhecimento pessoal e directo dos factos a que prestaram o seu aludido depoimento e, outrossim, mostraram a necessária isenção, assim contribuindo para a convicção o Tribunal Colectivo;
considerado foi ainda, em sede de prova testemunhal, o depoimento da testemunha B..., empregada de hotelaria, de 32 anos de idade, que afirmou que mantinha, ao tempo, relação afectiva com o arguido, e confirmou que com o arguido se deslocou, na manhã dos factos, para XX..., em veículo automóvel, tendo tal arguido deixado a testemunha na feira daquela vila (minutos após as 11,00 horas), após o que se voltaram a encontrar e seguiram, naquele veículo automóvel, para Coimbra (tendo-lhe o arguido contado que a GNR lhe havia pedido a identificação);
- Prova documental:
- Teor dos documentos de fls. 07, 08, 46 a 49, 53 e 53-A;
- Teor do CRC do arguido, de fls. 194 e segs.
Da conjugação de todos estes elementos de prova resultou a convicção do Tribunal Colectivo de que foi o aqui arguido quem, pela forma e modo de execução supra descritos, levou à prática os factos mencionados na factualidade dada como provada, procurando, pois, subtrair bens/dinheiro existentes naquelas instalações da demandante Cooperativa, logrando mesmo realizar os seus intentos de subtracção desse dinheiro.
Quanto à identidade do autor dos factos – o aqui arguido – foi relevante o reconhecimento do dito arguido de que se encontrou no local na dita manhã dos factos, conjugada com os depoimentos das aludidas testemunhas C..., G... e H..., que confirmaram a presença do arguido no local, inclusive na hora de almoço, seja junto das instalações da demandante (a testemunha C...), seja junto do veículo utilizado pelo arguido (as três testemunhas aqui mencionadas);
A testemunha C... relatou, de forma pormenorizada e coerente, a forma como o arguido se foi mantendo no local (desde cerca das 10,00 horas e até depois das 12,30 horas, hora esta de encerramento para almoço), no exterior das instalações da Cooperativa, ao longo da manhã desse dia, como olhou para o interior dessas instalações, como espreitava, já no período de encerramento para almoço, através de uma janela daquelas instalações, após o que se deslocou de imediato para a porta em causa – na qual, ainda nesse período de almoço, foram detectados sinais de ter sido forçada a sua abertura pelo exterior –, a qual passou a abanar com força (por forma a forçar a sua abertura), sendo depois ouvido um estrondo, após o que o arguido correu na direcção do veículo que utilizava, estacionado nas proximidades, com óculos escuros e as mãos nos bolsos, abrindo a porta do lado direito do veículo, onde foi abordado pelos dois agentes da GNR que se deslocaram ao local, que o encontraram inclinado para o interior do veículo a mexer em algo – sendo que o arguido, embora identificado, não foi objecto de outras diligências, designadamente revista ou busca, já que então ainda não se sabia do desaparecimento do dinheiro da aludida caixa registadora, do que apenas houve conhecimento quando, logo após, o arguido já se ausentara do local no dito veículo, não sendo já viável interceptá-lo, pois que também se desconhecia para onde se deslocou.
Donde que, nesse contexto, tendo também estas testemunhas relatado a forma como ao local não afluíam outras pessoas naquela hora (era hora de almoço, encontrando-se o local deserto de pessoas, que se encontravam a almoçar), não tenham restado dúvidas a este Tribunal Colectivo de que foi o arguido o autor da factualidade descrita supra no elenco dos factos provados, apesar de este sempre ter negado a autoria da subtracção.
Quanto ao valor subtraído, a respectiva factualidade provada resultou dos depoimentos das testemunhas (supra aludidas) que sobre essa matéria se pronunciaram (não só o volume de vendas nessa manhã, ante a grande afluência nesse dia de clientes da Cooperativa, mas também o apuramento de valores que havia na caixa registadora, o que foi feito na presença dos aludidos agentes da GNR), conjugados com os documentos juntos, também supra referidos, sendo que foram atendidos, por forma a descontá-los, os comprovados pagamentos por via electrónica.
Quanto a factos dados como não provados, na ausência de prova concludente em audiência de julgamento em sentido positivo/afirmativo.
(…)”.
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Da nulidade do julgamento por deficiente gravação da prova

1. Invoca o arguido a nulidade do julgamento por deficiência grave da gravação da prova que tornam os depoimentos registados inaudíveis ou muito dificilmente compreensíveis, em especial, no que respeita ao depoimento da testemunha C... e que foi essencial quanto ao desfecho da decisão. Mais alega que [o seu Ilustre Mandatário] apenas se apercebeu da deficiência em 15 de Janeiro de 2011 quando procedeu à audição do respectivo suporte, que havia recebido a 3 do mesmo mês, e logo a arguiu, por requerimento apresentado no mesmo dia 15 de Janeiro de 2011, via fax, não obstante entender que sempre o poderia fazer até ao termo do prazo do recurso.
Vejamos se lhe assiste razão.

1.1. Com relevo para a questão proposta, colhem-se dos autos os seguintes elementos:
a) O acórdão recorrido foi publicitado a 20 de Dezembro de 2010 e depositado a 23 do mesmo mês.
b) Em 2 de Janeiro de 2011 o arguido requereu, além do mais, cópia da gravação, informando que se deslocaria ao tribunal no dia imediato, para a recolher.
c) No dia 15 de Janeiro de 2011, via fax, o arguido vem aos autos dizer que a cópia da gravação recebida a 3 contém um depoimento inaudível, que é o da testemunha C..., e invoca, nos termos do art. 363º do C. Processo Penal, a respectiva nulidade.
d) A 20 de Janeiro de 2011, é proferido o seguinte despacho:
Tendo ouvido as gravações no sistema informático, constata-se que os mesmos são perfeitamente audíveis, pelo que não existe qualquer deficiência referida donde resulte a nulidade invocada.
Nestes termos, improcede o requerido, podendo o ilustre mandatário constatar in loco a regularidade das mesmas.”.
e) Este despacho foi notificado ao arguido via fax, no dia 20 de Janeiro de 2011, e por via postal registada, com a mesma data.
f) O recurso tem carimbo de entrada da secção central da comarca da Lousã de 25 de Janeiro de 2011.
g) Em 30 de Janeiro de 2011, via fax, o arguido vem aos autos dizer que a deficiência da gravação se verifica nas duas cópias fornecidas em momentos distintos, a diferentes mandatários, não colocando por isso em causa, a afirmação do tribunal, sendo certo que o recurso foi já interposto e em tempo, e que aguarda que o Tribunal da Relação se pronuncie, comprometendo-se a enviar os registos que possui.
h) Após, foi proferido despacho que admitiu o recurso e ordenou a subida dos autos.

Dispõe o art. 363º do C. Processo Penal, na redacção da pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, aplicável aos autos, que, as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade.
A documentação é efectuada, em regra, através da gravação magnetofónica ou audiovisual das declarações prestadas (art. 364º, nº 1 do C. processo Penal), sendo por esta via que o tribunal ad quem controla a prova, no âmbito do recurso amplo da matéria de facto (art. 412º, nºs 4 e 6 do C. Processo Penal).

Raras serão hoje as situações em que a audiência de julgamento decorreu com completa omissão do registo das declarações nela prestadas designadamente, por o tribunal tal ter determinado.
Frequentes são, porém, as situações em que, tendo sido efectuada a documentação isto é, tendo sido realizadas as operações materiais de registo das declarações, tal registo sofre de deficiências, seja em relação a todas as declarações ou a alguma delas, que impedem o seu entendimento. Estes casos devem ser equiparados àqueles outros de omissão de documentação, e sancionados igualmente com a prevista nulidade, uma vez que também aqui o tribunal de recurso fica impossibilitado de o apreciar quando tenha por objecto a decisão proferida sobre a matéria de facto (cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 2007, pág. 906 e Ac. do STJ de 24 de Fevereiro de 2010, proc. nº 628/07.8S5LSB.L1.S1, in http://www.dgsi.pt).
Situação completamente distinta destas duas, é já aquela em que tendo sido efectuada a documentação e detectando-se deficiências na gravação, elas não são, contudo, impeditivas da apreensão do sentido das declarações gravadas. Aqui existirá apenas, e quando muito, irregularidade processual, a ser apreciada nos termos do art. 123º do C. Processo Penal.
A nulidade de omissão da documentação das declarações orais prevista no art. 363º do C. Processo Penal, porque não integra o rol previsto no art. 119º do mesmo código e não é cominada como insanável, é uma nulidade sanável.
Como nulidade sanável, a omissão da documentação de declarações orais está sujeita ao regime de arguição e sanação previsto nos arts. 105º, nº 1, 120º, nº 1 e 121º, do C. Processo Penal. A aplicação deste regime não está, no entanto, isenta de dificuldades, atentas as especificidades que a nulidade em questão apresenta.
Assim, quanto ao início do prazo de arguição, há quem entenda que o prazo da sanação da nulidade se conta a partir da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo interessado ao funcionário, e a entrega da cópia do suporte técnico ao mesmo interessado, com a particularidade de tendo havido várias sessões da audiência, o prazo se conta a partir de cada uma delas (cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 906) posição esta que, e ressalvado sempre o devido respeito, se nos afigura desproporcionada na medida em que, destinando-se a documentação das declarações orais a possibilitar o efectivo recurso da matéria de facto, dela decorre a imposição a todo e qualquer interveniente processual do controlo da qualidade da gravação das declarações, ainda antes de conhecer sequer o sentido da decisão e portanto, ainda antes de saber se pretende e tem ou não legitimidade para recorrer, quando é ao Estado a quem cabe assegurar os meios técnicos necessários e aos seus funcionários a quem cabe o controlo das respectivas operações. Acresce que os intervenientes processuais não dispõem de meios para, na audiência e até ao seu termo, procederem à verificação da gravação. E o que é certamente expectável para o cidadão medianamente diligente, é que o Estado e os seus agentes cumpram de forma competente as incumbências que a lei põe a seu cargo.

Assim, para nós, a questão não comporta uma solução unitária, havendo que distinguir, em função da situação concreta.
Quando a gravação das declarações foi pura e simplesmente omitida pelo tribunal, e no pressuposto de que a omissão é aparente para todos os intervenientes processuais, tem plena aplicação a regra prevista no art. 120º, nº 3, a), do C. Processo Penal isto é, a nulidade deve ser arguida até ao termo da audiência, ou da sessão da audiência, onde ocorrer.
Nos casos em que tendo sido feita a gravação das declarações, nada ficou de facto gravado ou, ficou gravado mas tão deficientemente que torna imperceptível o sentido das declarações, afectando de forma relevante o recurso da matéria de facto, o prazo para a arguição da nulidade é precisamente, o prazo para a apresentação da motivação do recurso (cfr. Acs. da R. de Coimbra de 01/07/2008, proc. nº 120/06.8JAGRD e da R. de Lisboa de 14/04/2010, proc. nº 1156/07.7PSLSB.L1-3, in http://www.dgsi.pt). É que, cabendo a cada interveniente processual eleger a forma como pretende exercitar os seus direitos, não podem estabelecer-se balizas, que a lei, aliás, não fixou, a observar na audição dos suportes magnéticos quando se pretenda recorrer de facto [a audição pode, no limite, ter lugar no último dia do prazo para a apresentação da motivação, sem que possa afirmar-se sequer a existência de conduta negligente].
Posto isto.

1.2. Tendo em conta o que supra se deixou exposto, dúvidas não subsistem de que a arguição da nulidade foi tempestiva.
Todavia, o recorrente arguiu-a, em 15 de Janeiro de 2011 portanto, em primeiro lugar, junto da 1ª instância. E a 1ª instância, como era devido, sobre ela se pronunciou no despacho de 20 de Janeiro de 2011, indeferindo-a.
Deste despacho não foi interposto recurso pelo que, com o respectivo trânsito, formou-se caso julgado [formal] relativamente ao indeferimento da nulidade.
É claro que o arguido, no recurso que interpôs do acórdão condenatório, e como questão prévia, arguiu de novo a nulidade decorrente da deficiente gravação dos depoimentos prestados em audiência.
Sucede que, e além do mais, o caso julgado formado impede que o Tribunal da Relação conheça de novo, de tal nulidade.

Ainda assim, dir-se-á que, tendo este tribunal de recurso procedido à audição da cópia das declarações prestadas na audiência que acompanha os autos, nela são perfeitamente audíveis e perceptíveis as declarações do arguido, da representante da demandante civil e das testemunhas, com a excepção que de seguida se passa a referir. Quanto à gravação do depoimento da testemunha C..., fosse por deficiência técnica, fosse devido à distância a que esta se encontrava do microfone quando proferiu as suas declarações, fosse porventura, por este acessório do equipamento de gravação ter estado momentaneamente desligado, reconhece-se que ela não é a melhor, até porque foram frequentes as sobreposições de vozes dos interlocutores da testemunha. Mas não deixa de ser verdade que, com algum cuidado e concentração, é possível ouvir e entender integralmente o depoimento da testemunha [como adiante se verá]. Ora, seguramente que as duas gravações que o recorrente tem em seu poder não enfermarão de outro escolho que não seja o que afecta a reprodução que acompanha os autos e que, como se disse, é superável, sem esforço exorbitante.

Improcede pois, quer por força do caso julgado, quer porque ela efectivamente não se verifica, a invocada nulidade.
*

Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação

2. Invoca o arguido a nulidade do acórdão por entender que consta da respectiva motivação de facto o depoimento da testemunha C... cuja gravação é inaudível e imperceptível devendo, por esta razão, daí ser retirado, e ainda porque o exame crítico da prova com o acolhimento unilateral de uma só tese, que redundou na absoluta desconsideração da versão por si apresentada, sem que tenham sido criticamente apreciadas circunstâncias como, a ausência de revista por parte da GNR, a ausência de reacção dos funcionários da cooperativa ofendida face ao aparecimento do vulto no exterior das instalações, e a incongruente constatação da subtracção do dinheiro efectuada pela cliente da ofendida, a testemunha D... .
Vejamos.

2.1. O dever de fundamentação das decisões judiciais imposto pelo art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa tem reflexo, ao nível do processo penal, no princípio geral do art. 97º, nº 5 do C. Processo Penal e, no que especificamente respeita à sentença, no art. 374º, nº 2 do mesmo código.
E a violação deste último preceito determina, nos termos do art. 379º, nº 1, a), do C. Processo Penal, a nulidade da sentença.

Dispõe o art. 374º, nº 2, do C. Processo Penal:
Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.

A fundamentação integra assim dois grandes segmentos, a saber:
- Um, que tem por objecto a enumeração dos factos provados e não provados;
- Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
A enumeração dos factos provados e dos factos não provados, como da própria designação se intui, mais não é do que a narração metódica, dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base, os que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda os factos provados que, com relevo para a decisão, e não constando de nenhuma daquelas peças processuais, resultaram da discussão da causa. E é esta enumeração que permite saber se o tribunal conheceu ou não, de todas as questões de facto que constituíam o objecto do processo.
A exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão deve ser completa e concisa, contendo e enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal – o que não aconselha e, muito menos, exige, relativamente à prova por declarações, que sejam feitas assentadas dos depoimentos produzidos – bem como a análise crítica de tais provas.
A análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada através da indicação das razões pelas quais determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram. Dito de outra forma, é através da análise crítica que o tribunal explica os motivos que o levaram a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, com referência à explicação dos critérios, lógicos e racionais que utilizou na apreciação efectuada.

A fundamentação é assim uma exigência da total transparência da sentença já que, para além de proporcionar o auto-controlo de quem a proferiu, permite aos respectivos destinatários directos e a comunidade compreender os juízos de valor e de apreciação nela levados a cabo, e abre a via de controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, quanto à validade da prova e à impugnação da matéria de facto.
Posto isto.

2.2. Relativamente à parte em que a nulidade se funda na deficiente gravação de depoimento de testemunha que contribuiu para a formação da convicção do tribunal colectivo no que aos factos provados respeita, é evidente a falta de razão do recorrente.
Com efeito, e sem prejuízo do que foi dito no ponto que antecede, a motivação de facto da sentença é feita pelo tribunal com base as impressões colhidas pelo julgador na audiência, através da oralidade e imediação da prova, impressões que, normalmente, constam das notas que o julgador toma ao longo da diligência. É pois completamente alheia a esta tarefa de elaboração da motivação de facto a documentação das declarações prestadas em audiência, através da respectiva gravação. Por isso, a falta ou deficiência da gravação apenas relevará para os efeitos do art. 363º do C. Processo Penal e para a impugnação ampla da matéria de facto, prevista no art. 412º do mesmo código, mas não em sede de nulidade da sentença.

Assim, ainda que algum depoimento de testemunha não tivesse ficado gravado, tal circunstância não determinaria nunca que da formação da convicção do tribunal ficasse arredado este meio de prova.

2.3. A propósito da falta de real exame crítico da prova, diz o arguido que o tribunal confundiu tal exame com o acolhimento unilateral e sem discussão de uma tese, moldando a realidade à presunção pré estabelecida de condenação do único suspeito identificado, isto porque, relativamente às suas declarações, não se limitou à mera negação, tendo admitido a sua presença nas imediações da feira mas não toda a manhã, tendo admitido que por ali tenha deambulado a pé e, eventualmente, passado diante da cooperativa, e negado ter forçado a porta e praticado o crime. E, continua, o tribunal, por outro lado, não cuidou de fixar o conteúdo da chamada feita para a GNR que, na sua sequência e chegada ao local, não faz uma revista ao arguido, nem controlou o seu tempo de chegada, não estabeleceu a continuidade entre o avistamento do arguido sentado no muro e os acontecimentos ulteriores, não valorou a circunstância de os funcionários da ofendida – entre eles, a testemunha C..., jovem de 39 anos – vendo o vulto no exterior, nada terem questionado ou aberto a porta, conduta que certamente levaria à desistência de qualquer propósito criminoso, nem atendeu à circunstância de, tendo a cooperativa fechado para almoço, não ser possível que a subtracção do dinheiro tenha sido constatada por uma cliente, a testemunha D..., que estaria a ser atendida pela testemunha C..., sendo certo que este só iria telefonar para a GNR depois de se ter apercebido da subtracção do dinheiro e nunca antes. E, conclui, a descrição feita na motivação de facto é confusa e não credível, ficando a sua condenação a dever-se apenas ao passado criminal.

Como se vê, o arguido, invocando embora a falta de um real exame crítico da prova, o que efectivamente faz é discordar da valoração probatória efectuada pelo tribunal colectivo e da convicção com base nela, alcançada. Mas isto nada tem a ver com a falta ou não de tal exame crítico.
Como é evidente, na motivação de facto é dada notícia da existência de duas versões. A do arguido, que admitiu ter estado no local onde se situam as instalações da cooperativa ofendida e negou ter praticado os factos.
E a versão que veio a ser dada como provada, com base essencialmente, no depoimento da testemunha C... que, de acordo com a mesma motivação, estando nas instalações da cooperativa onde trabalha, na secção fitofarmacêutica, viu o arguido durante a manhã sentado num muro existente no local e a espreitar para o interior das instalações, viu o arguido no local pelas 12h30 quando as instalações da cooperativa fecharam para o almoço, viu o arguido espreitar por uma janela para o interior das instalações, viu o arguido colocar-se junto à porta [através do vidro martelado desta] e abaná-la violentamente altura em que se deslocou para o escritório da cooperativa para telefonar à GNR, tendo ouvido depois um estrondo e visto o arguido a afastar-se, correndo, em direcção a um automóvel cuja porta abriu e onde, posteriormente, foi abordado e identificado pelos militares da GNR, e que depois disto, quando o arguido já não se encontrava no local, se apercebeu de que tinha sido retirado o dinheiro da caixa registadora, o que o levou a novamente telefonar à GNR que mais uma vez se deslocou ao local.
Apoiam, em alguns aspectos, este depoimento, as declarações da representante da cooperativa e demandante civil K… – que viu o arguido no local durante a manhã em que ocorreram os factos – o depoimento da testemunha F... – igualmente trabalhadora da cooperativa e que, tendo almoçado nas respectivas instalações, presenciou o telefonema feito para a GNR e depois, ainda no intervalo do almoço, a surpresa do C... quando se apercebeu da subtracção do dinheiro da caixa registadora – os depoimentos das testemunhas G... e H..., ambos militares da GNR – que se deslocaram ao local no seguimento do telefonema feito pelo C... a alertar para a existência de alguém que empurrava a porta das instalações da cooperativa pelo exterior, que por indicação deste, abordaram o arguido junto a um automóvel e procederam à sua identificação após o que, dando conhecimento do que haviam feito ao C..., abandonaram o local, o mesmo tendo feito o arguido, vindo depois a ser informados pelo mesmo da subtracção do dinheiro, pelo que aí regressaram e constataram que a porta tinha sido forçada – e o depoimento da testemunha D... – que estava a ser atendida pelo C... quando este constatou a subtracção do dinheiro.
A razão de ciência de cada uma das testemunhas relativamente aos factos, por cada uma, relatados, é evidente, e o tribunal colectivo, que beneficiou da imediação da prova, a todas qualificou como isentas.
Mostra-se pois devidamente explicado, sendo por todos perceptível, o processo de formação da convicção do tribunal, sem que nele se revele qualquer violação de normas da experiência comum. Com efeito, se é certo que a testemunha C..., de acordo com aquela explicação, não presenciou a subtracção do dinheiro contido na caixa registadora, tendo o arguido estado nas imediações das instalações da cooperativa – como o próprio admitiu e aí foi avistado pela testemunha C... e depois abordado e identificado pelas testemunhas G... e H... – tendo espreitado para o interior das instalações, antes e durante o seu encerramento à hora de almoço, tendo abanado com violência a porta exterior – como foi visto pela testemunha C... – tendo, depois, e em seguida a um estrondo, corrido em direcção ao automóvel – como foi visto pela testemunha C... – e tendo depois sido constatada a subtracção do dinheiro e o arrombamento da porta – como foi visto pelas testemunhas C..., G... e H... – mostra-se perfeitamente razoável a conclusão de que, de acordo com o normal acontecer, foi o arguido o autor da subtracção. E não se veja obstáculo a esta conclusão a circunstância de os militares G... e H... não terem procedido à revista do arguido e a busca no automóvel pois, na sua primeira intervenção, ainda era desconhecido que a subtracção do dinheiro já havia sido levada a cabo [da mesma forma que o arguido terá permanecido no local por não se ter apercebido da existência de pessoas no interior das instalações]. Muito menos pode proceder a afirmação de que só faria sentido telefonar à GNR depois de cometido o furto, quando existiram dois telefonemas para esta força militarizada, e a objecção de que o jovem C... – dificilmente alguém com 39 anos de idade como tal pode ser classificado – não reagiu à presença de estranhos nas proximidades e à tentativa de entrada nas instalações, é de todo irrelevante [deixando-se no entanto a nota de que a testemunha, no depoimento que prestou e ficou gravado, indica a razão de nada ter feito no sentido pretendido pelo arguido]. Finalmente, também não descortinamos a apontada incongruência entre a circunstância de estar a cooperativa encerrada para almoço, e ter sido atendida a testemunha D..., na medida em que existe uma sequência de acontecimentos, tendo a testemunha apenas intervenção na fase derradeira dos mesmos [deixando-se também aqui nota de que a testemunha C..., no depoimento que prestou e ficou gravado, explicou convenientemente esta situação].

Em síntese conclusiva do que antecede, a motivação de facto do acórdão recorrido contém o exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, e sem omissão dos critérios lógicos utilizados na apreciação feita, permitindo desta forma perceber ao cidadão médio o que foi decidido e por que foi decidido, pelo que, tendo sido dado estrito cumprimento ao disposto no art. 374º, nº 2, do C. Processo Penal, não enferma o acórdão da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, a), do mesmo código.
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Da prova proibida [decorrente da ilegalidade do reconhecimento]

3. Invoca o arguido a nulidade da prova por reconhecimento porque, segundo afirma, o tribunal a quo formou a sua convicção com base num reconhecimento que não encontrou feito no processo e que por isso, só pode decorrer do depoimento, inaudível, da testemunha C..., prova esta que é nula pois, para além de o Ministério Público não ter fundamentado a não necessidade da sua realização na fase do inquérito e também o tribunal não ter sentido necessidade de na audiência ordenar a realização da prova por reconhecimento, o constantemente aludido reconhecimento que tenha sido feito não respeitou o disposto no art. 147º do C. Processo Penal, constituindo, por isso, prova obtida através de meio proibido o que, se traduz também na violação dos arts. 8º, 18º, nº 1, 20º, nº 4 in fine, 32º, nºs 1 e 8 e 204º da Constituição da República Portuguesa e o art. 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Vejamos.

3.1. Começaremos por dizer que, e ressalvado sempre o devido respeito, é desajustada a referência feita pelo recorrente à alusão constante no acórdão ao pretenso reconhecimento pois que, nesta peça processual apenas uma vez é utilizada a palavra «reconheceu» e a palavra «reconhecimento», a fls. 237 e 240, respectivamente, e ambas em contexto relativo às suas próprias declarações.

Não se duvida de que a prova por reconhecimento de pessoas tem que obedecer ao formalismo estabelecido no art. 147º do C. Processo Penal, sob pena de estarmos perante um meio de prova proibido e portanto, absolutamente inválida a prova dele resultante (cfr. nº do artigo citado).
Mas a questão suscitada pelo arguido quanto à invalidade da prova por reconhecimento não se coloca nos autos porque, pura e simplesmente, este meio de prova não foi produzido em qualquer das fases do processo.
Como o próprio arguido, ao menos implicitamente, reconhece, o Ministério Público não ordenou a sua realização no inquérito. Também na fase da instrução, requerida por si [mas onde não solicitou a realização do reconhecimento, como resulta de fls. 96] ela não teve lugar, e o mesmo sucedeu na audiência de julgamento.
E facilmente se compreende que assim tenha sido. É que, como o arguido não ignora, foi abordado e identificado no local, pela GNR e por indicação do C... (cfr. auto de notícia de fls. 2 e verso), num momento em que ainda ninguém se tinha apercebido da subtracção do dinheiro. Ora, tendo sido identificado no local, nestas concretas circunstâncias, por um órgão de polícia criminal, é evidente que, face a uma identificação cabal, nenhuma razão subsistiria para posteriormente, se proceder à realização do reconhecimento de pessoas.

Aliás, o que o arguido pretende, ainda que o não diga claramente, é que o depoimento da testemunha C..., quando lhe atribui a autoria dos factos que presenciou, se traduz num reconhecimento irregular. Mas não é assim.

É certo que a testemunha C... contribuiu relevantemente para a formação da convicção do tribunal colectivo, face à decisão de facto tomada, pois que é a única testemunha que disse ter visto o arguido várias vezes durante a manhã nas imediações da cooperativa, disse tê-lo visto a espreitar para o interior da mesma, através de uma janela, mais do que uma vez, disse tê-lo visto a abanar com violência a porta de entrada das instalações, através do vidro fosco da mesma, e disse ter saído do local para ir telefonar à GNR, altura em que ouviu um estrondo e depois, ter visto o arguido a correr em direcção ao automóvel.
Como é evidente, quando a testemunha, na audiência, diz que viu o arguido assumir estes comportamentos, apela à sua memória e ao que nela retém quanto à figura deste e portanto, o relato que faz implica a identificação da pessoa que viu num certo local e num determinado contexto, com a pessoa que vê estar a ser submetida a julgamento. Mas isto não significa um reconhecimento que deva obedecer ao disposto no art. 147º do C. Processo Penal, tratando-se antes e apenas de um segmento do próprio depoimento, a incluir e valorar no âmbito da prova testemunhal. A não se entender assim, inutilizar-se-ia o valor da prova testemunhal, por não poder valer autonomamente isto é, sem a prova por reconhecimento, sempre que uma testemunha diga ter presenciado o arguido a praticar determinado facto.

3.2. Em síntese conclusiva do que antecede:
- Não existe nos autos prova por reconhecimento de pessoas pelo que, não pode ter sido violado o art. 147º do C. Processo Penal, e não foi valorado meio de prova proibida pelo que, também não se mostram violados os arts. 8º, 18º, nº 1, 20º, nº 4 in fine, 32º, nºs 1 e 8 e 204º da Constituição da República Portuguesa e o art. 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
- Quando em audiência de julgamento, uma testemunha relata os actos que viu o arguido praticar, não está a proceder ao reconhecimento deste, mas unicamente a prestar depoimento, a valorar apenas, no âmbito da prova testemunhal, não fazendo sentido, neste contexto, invocar a inobservância das regras impostas no art. 147º do C. Processo Penal, como forma de invalidar a prova testemunhal produzida.
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Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto [pontos 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9 e 11 dos factos provados]

4. Finalmente, pretende o arguido a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto por entender terem sido incorrectamente julgados os pontos 1, 2, 3, 5 a 8, 9 e 11, dos factos provados, impondo a sua absolvição as «seguintes provas concretas: ininteligibilidade do depoimento da testemunha C...; nulidade do reconhecimento por incumprimento da lei; desconhecimento de elementos probatórios sobre o furto, a sua existência e a hora exacta do mesmo caso tenha ocorrido; omissão de diligência obrigatória essencial para a descoberta da verdade a seguir ao chamamento da GNR, a saber, revista pessoal e à viatura do arguido na altura suspeito; declarações idóneas do arguido e da testemunha B...; declarações da testemunha D... que confirmou que o furto só foi detectado quando foi atendida pelo funcionário C..., por conseguinte já depois das 13h00 – reabertura das instalações ao público.», devendo para tanto «serem ouvidos os registos áudio correspondentes segundo o que consta da acta e nos termos legais.»
Vejamos.

4.1. Quando, no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, o art. 412º do C. Processo Penal impõe ao recorrente o ónus da tripla especificação, previsto no seu nº 3, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida são, como temos por certo, as que, produzidas em audiência, ou constantes já do processo, foram valoradas pelo tribunal num certo sentido quando o deveriam ter sido noutro ou, não foram sequer valoradas, devendo-o ter sido.
Ora, é evidente que a ininteligibilidade do depoimento de uma testemunha não pode aqui ser incluída pois, pura e simplesmente, será uma não prova, se assim se pode dizer. E como supra vimos, a existir tal ininteligibilidade, a consequência não seria nunca a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Também a nulidade da prova por reconhecimento, caso existisse, nada teria a ver com a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto mas, como supra se deixou dito, com as consequências da valoração de meio de prova proibida.
E o mesmo se diga quanto à omissão de diligência obrigatória essencial para a descoberta da verdade, uma vez que da não realização da revista, enquanto meio de obtenção de prova, só poderia resultar prova nenhuma.

4.2. Atentemos então nas efectivas provas concretas indicadas pelo recorrente e que, em seu entender, impõem diferente decisão de facto.

Ouvido o CD junto aos autos que contém o registo da prova por declarações, produzida em audiência, dele resulta ter o arguido, sem síntese, proferido as seguintes:
- No dia em questão, cerca das 11h, a B... ligou-lhe e pediu-lhe para a ir buscar a XX... e a levar a Coimbra; chegou mais ou menos meia hora depois a XX..., ela entrou no carro e disse que precisava de ainda ir à feira; foram para o lugar da feira e aí deixou a B... e foi estacionar o veículo; andou por ali mais ou menos trinta minutos e numa altura em que estava perto do carro, chegou a GNR que lhe pediu a identificação e perguntou o que estava ali a fazer; identificou-se e depois foi-se embora, ter com a amiga B...; não cometeu o crime; sabe que o carro era um Citröen C4, preto, de substituição e por isso não recorda a matrícula; sabe que a cooperativa ficava perto da feira e o carro estava a mais ou menos 100 m da feira;
- Não esteve toda a manhã ali pois apenas chegou por volta das 11h30, 12h, e ali permaneceu entre vinte a trinta minutos; não sabe a que horas foi identificado pela GNR, não forçou a porta, não usou qualquer gazua, sendo normal que tenha passado em frente da cooperativa pois a feira é ali perto; na altura mantinha um relacionamento com a B..., que apenas conhece por este nome, mas não era um relacionamento de viver, pois ela vivia com outra pessoa; ela mora em Godinela; durante os vinte minutos que esperou pela B... deu umas voltas por ali e quando regressou ao carro, apareceu o carro patrulha; agora sabe onde fica a cooperativa e o carro estava numa rua a cerca de 100 m dela; depois, contou à B... que tinha sido identificado pela GNR;
- Os documentos estavam do lado do pendura e foi a porta desse lado que abriu; a GNR levou dez a quinze minutos na sua identificação e depois foi embora; pode ter-se sentado num muro mas não sabe dizer onde; se tivesse dinheiro ou objectos no carro a GNR tê-los-ia percepcionado pois os agentes estavam ao seu lado; não pode precisar a hora em que estacionou o carro ali.

Ouvido o CD junto aos autos que contém o registo da prova por declarações dele resulta ter a testemunha B... produzido, sem síntese, o seguinte depoimento:
- Na altura tinha um caso com o arguido mas não viviam juntos; já não existe esta relação;
- No dia dos factos telefonou ao arguido para a ir buscar, o que ele fez; depois pediu-lhe para a deixar na feira, o que ele também fez; passados cerca de três quatros de hora, telefonou ao arguido e encontraram-se junto ao centro de saúde; nesta altura, o arguido apenas lhe disse que a GNR lhe tinha pedido a identificação, ele estava igual a todos os outros dias; depois foram para Coimbra, a uma velocidade normal, conversaram muita coisa mas nada sobre os factos;
- Na altura namorava e vivia com outra pessoa na …, essa pessoa não trabalhava e encontrava-se detida; telefonou ao arguido pelas 10h30 ou 11h e ele estaria em Coimbra, tendo chegado à …pelas 11h e pouco e pelo meio-dia chegaram a XX...; o arguido deixou-a à entrada da feira, perto da cooperativa e foi estacionar o carro, não sabe onde.

Ouvido o CD junto aos autos que contém o registo da prova por declarações dele resulta ter a testemunha D... produzido, sem síntese, o seguinte depoimento:
- Não conhece o arguido;
- Trabalha na terra e costuma ir vender as coisas que produz à praça; vai à cooperativa aviar-se quando é preciso; quando ia para a camioneta, passou pela cooperativa pois precisava muito de comprar um herbicida; estava lá um guarda e o empregado e a cooperativa estava fechada; disse ao empregado que precisava muito do herbicida e ele então disse-lhe para esperar; quando o guarda foi embora, o empregado abriu a porta e entrou e a depoente ficou à porta e foi então que ele disse «Aquele maroto, já cá vieram!»; não viu mais nada; o empregado fez-lhe o jeito mas ficou tão nervosa que nem sabe se levou o herbicida.

Por fim, e para que dúvidas não subsistam sobre a inteligibilidade do depoimento, ouvido o CD que contém o registo da prova por declarações, a testemunha C... afirmou, em síntese, o seguinte:
- Conhece o arguido por no dia dos factos ter estado toda a manhã em frente à cooperativa, na serventia das instalações;
- O conhecimento que tem do arguido é apenas o desse dia pois não mais o viu; o depoente trabalha ao balcão da cooperativa, na venda ao público de produtos fitofarmacêuticos; a cooperativa abre às 9h e pelas 10h, 10h e tal apercebeu-se de que o arguido se encontrava na passagem privada da cooperativa, em frente à porta da farmácia [dos produtos fitofarmacêuticos], encostado ao contentor do lixo, sentado no muro separa aquela passagem da propriedade contígua; ao princípio, não estranhou a presença do arguido ali; depois, o arguido espreitou à porta da farmácia, olhou para os tectos e foi sentar-se no mesmo sítio, onde ficou; de vez em quando o depoente olhava e via-o lá, e até falou disso com a colega Lina que estava na caixa registadora; a cooperativa fechou na hora do almoço, pelas 12h30, o dinheiro ficou na caixa registadora, e os colegas do depoente saíram para almoçar; o depoente ficou nas instalações da cooperativa pois, normalmente, é aí que almoça, e neste dia também aí ficou a almoçar a colega engenheira; a dada altura foi buscar o telemóvel, que estava a carregar, para telefonar à mulher, e deu com o arguido a espreitar por uma janela do armazém e aí, o depoente ficou desconfiado; ele saiu então da janela e foi para a porta – viu-o através do vidro desta – e começou a abaná-la; o vidro da porta é martelado mas viu o vulto e era o arguido porque da janela para a porta são apenas três ou quatro passos; o arguido certamente não o viu pois se assim tivesse sido, não teria empurrado a porta; o depoente foi chamar a colega engenheira, ela também se apercebeu da porta a abanar, e foram então ao escritório para telefonar à GNR, o que fez; enquanto telefonava, pela janela do escritório, viu o arguido voltar para junto do muro onde ficou cerca de meio minuto, e voltou depois para o lado de trás, para a zona do armazém; como a GNR lhe disse para ver se o arguido ainda ali estava, o depoente saiu do edifício, espreitou, viu o arguido encostado à mesma porta, voltou para o escritório disse à GNR que ele ainda ali se encontrava; depois viu o arguido a correr, de óculos escuros e com as mãos nos bolsos, atravessando a estrada em frente; não se deslocou do escritório para a zona do armazém, pois era um bocado complicado já que estava sozinho; o período que mediou entre ter saído e visto o arguido encostado à porta e depois, ter visto o arguido a correr foi um minuto, um minuto e meio; no decurso deste período, ouviu um estrondo, como se fosse uma porta a bater, e só depois é que viu o arguido a correr; o depoente saiu das instalações para ver para onde ia o arguido e para aguardar a chegada da GNR, e viu-o ir para junto de um carro, abrir a porta do lado do pendura, agachar-se e estar aí a mexer; depois chegou a GNR e o depoente disse aos agentes onde estava o arguido; os agentes foram ter com o arguido e começaram a identificá-lo; o depoente entrou nas instalações para ir almoçar; depois veio o cabo da GNR, o depoente abriu-lhe a porta e o cabo disse que o arguido já estava identificado e que podiam apresentar queixa; entretanto, chegou uma cliente que queria um herbicida, o depoente foi à farmácia e verificou então que a caixa registadora estava aberta, apenas com algumas moedas e dois cheques e logo disse que tinha sido assaltado; contactou a colega Lina para se certificar de que ela não tinha levado o dinheiro da caixa e depois telefonou à GNR e os agentes voltaram; o valor subtraído foi calculado com base na fita que regista os movimentos de caixa;
- Foi uma manhã de muitas vendas, pois era dia de feira; a porta, por baixo da fechadura, estava esforçada;
- A cooperativa já havia sido assaltada há cerca de dez anos, e mesmo outras vezes quando não estava ao serviço; no primeiro telefonema disse à GNR para vir rapidamente que estavam a ser assaltados; quando viu o arguido a correr seriam vinte para a uma ou dez para a uma, o furto deu-se antes da uma da tarde; o carro do arguido estava a cerca de cento e cinquenta metros, mesmo em frente; viu o vulto encostado à porta mas não via o rosto; quando o arguido corria não estava mais ninguém na rua;
- Depois de ver a porta a ser abanada não a fechou à chave devido à aflição e para ir chamar a GNR.

Aqui chegados, tendo-se em conta o teor dos factos impugnados [1. No dia 02 de Abril de 2008, de manhã, o arguido dirigiu-se às instalações da Cooperativa Agrícola de XX..., sitas na Rua …, em XX..., usando o veículo de matrícula …, marca Citröen, modelo C4, de cor preta; 2. O arguido sabia que era dia de mercado e que, por isso, havia afluência de clientes à dita Cooperativa; 3. Durante a manhã o arguido rondou as instalações da Cooperativa, ora espreitando por uma das janelas, ora permanecendo sentado num muro existente à frente da respectiva porta, vigiando as instalações e os movimentos dos clientes e funcionários, esperando pela melhor oportunidade para se introduzir nas instalações e subtrair o dinheiro da respectiva Caixa Registadora; 5. O arguido, desconhecendo esse facto, dirigiu-se a dada altura à porta de entrada para os produtos fitofarmacêuticos e começou a abaná-la na tentativa de a abrir e de entrar nas instalações da Cooperativa; 6. Com tal barulho o funcionário C..., que já havia achado estranha a permanência daquele individuo durante a manhã no exterior da Cooperativa, e a Engenheira F..., aperceberam-se que o arguido procurava forçar a abertura daquela porta, que se encontrava fechada, e dirigiram-se de imediato ao escritório, o qual fica situado na parte oposta ao local onde o arguido se encontrava, e telefonaram para a GNR a comunicar a situação e a pedir a sua comparência no local; 7. Nesse entretanto o arguido, com um objecto não identificado, logrou forçar a fechadura da referida porta de acesso aos produtos fitofarmacêuticos, assim conseguindo abri-la, entrou nas instalações da Cooperativa e dirigiu-se à Caixa Registadora, que abriu, e dela retirou o dinheiro que havia sido obtido durante toda a manhã, em valor total não concretamente apurado, mas não inferior a 2.932,00 euros, deixando apenas dois cheques e algumas moedas; 8. Com o dinheiro em seu poder, o arguido saiu a correr das instalações da Cooperativa, segurando o casaco que vestia pelo bolso do lado direito, em direcção ao mencionado veículo, que se encontrava a cerca de 100 metros de distância, abriu a porta do lado direito e baixou-se, escondendo o dinheiro; 9. O arguido veio a ser interceptado pouco depois pela GNR junto desse veículo e foi identificado, numa altura, porém, em que ainda não tinha sido descoberta a subtracção de dinheiro da dita Caixa Registadora, o que só foi detectado quando o funcionário C... atendeu a cliente D..., cerca das 13h e 30m, na Cooperativa; 11. Ao actuar como descrito, o arguido agiu voluntária, consciente e deliberadamente, no propósito conseguido de integrar no seu património aquele dinheiro, que levou consigo e utilizou em seu proveito, bem sabendo que não era seu e que actuava contra a vontade e sem o conhecimento do seu proprietário e que tal conduta era proibida por lei.] e o conteúdo das declarações e depoimentos sintetizados, resta concluir pela improcedência das razões aduzidas pelo arguido, na medida em que, as concretas provas por si especificadas como impondo diferente decisão, se revelam incapazes de conduzir a tal resultado.
Em primeiro lugar, as declarações do arguido, e tal como consta da motivação de facto, limitam-se a admitir a sua presença na manhã do dia em questão nas proximidades da cooperativa e a negar a prática do furto. É claro que esta negação foi peremptória, mas o depoimento da testemunha B..., quanto aos factos, apenas corrobora as declarações do arguido, relativamente à hora provável de chegada à feira de XX... – cerca das 11h30, 12h – quando a testemunha C... o coloca no local cerca de uma hora antes – pouco mais das 10h. Mas a negação do arguido não foi plausível para o tribunal a quo, precisamente devido ao depoimento da testemunha C... que, de forma assertiva e sem qualquer dúvida, afirmou ter visto o arguido, durante parte considerável da manhã, nas imediações da cooperativa, ter visto o arguido a espreitar para o interior da mesma, nesse mesmo período e mais do que uma vez, ter visto o arguido a abanar a porta de entrada – via um vulto através do vidro martelado da porta, mas não teve dúvidas de que era o arguido pois vira-o, instantes antes, a espreitar pela janela próxima da porta – e depois de ter ouvido um barulho de porta a fechar, ter visto o arguido a correr, afastando-se do local.
Por outro lado, nenhum equívoco existe quanto a estar a cooperativa encerrada ou aberta ao público quando é constatado o desaparecimento do dinheiro da caixa registadora. A testemunha C... explicou que tinha fechado a porta para ir almoçar portanto, quando a cooperativa estava encerrada para almoço dos empregados, quando teve que abrir a porta ao cabo da GNR que acabar a identificação do arguido, e enquanto falava com o militar, surgiu a cliente – a testemunha D..., que lhe pediu o herbicida, e no mesmo sentido foi o depoimento desta testemunha, reconhecendo até que o C... lhe tinha feito um favor.
Finalmente, refira-se que a testemunha C... justificou racionalmente a razão de não ter desenvolvido qualquer acção tendente a afastar imediatamente quem tentava entrar nas instalações: estava só e por isso receoso da sua integridade física.

Em suma, a versão considerada provada tem pleno suporte nos meios de prova produzidos, e a sua valoração, nos termos em que foi feita, não revela a violação de qualquer regra da experiência comum. É certo que a valoração feita implicou a desconsideração das declarações do recorrente, mas o tribunal a quo, que beneficiou da imediação da prova, expôs e explicou, abundantemente e com clareza, a razoabilidade da opção tomada, bem demonstrado tendo ficado o acerto da decisão proferida, bem como a obediência devida ao disposto no art. 127º do C. Processo Penal.
Assim, os meios de prova indicados pelo arguido como impondo decisão diversa da tomada relativamente aos pontos de facto sindicados, são insusceptíveis de alcançarem tal desiderato pelo que, se considera definitivamente fixada a matéria de facto, nos exactos termos em que o foi pelo tribunal colectivo.
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Os factos provados preenchem o tipo objectivo e subjectivo do crime de furto qualificado pelo qual foi o arguido condenado, e a pena aplicada respeita os princípios estabelecidos nos arts. 40º, 70º e 71º, do C. Penal.
Improcedem pois as conclusões do recurso.

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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC (arts. 513º, nº 1, do C. Processo Penal e 87º, nº 1, b), do C. das Custas Judiciais).

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Heitor Vasques Osório (Relator)
Jorge Dias