Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
63/13.9TTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
AUSÊNCIA
TRABALHADOR
SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 140º E 141º DO CT DE 2009.
Sumário: I – O CT de 2009, tal como já acontecia em idênticas disposições do CT de 2003, tipifica as situações da admissibilidade da contratação a termo (artº 140º) e estabelece as exigências de forma, designadamente a exigência da forma escrita e a obrigatoriedade da indicação do seu motivo justificativo – formalidade ad substantiam (artº 141º).

II – A admissibilidade do contrato a termo é restringida a determinadas situações de excepção, que visem fazer face a causas acidentais, temporais ou ainda para fomento do emprego.

III – O trabalhador a termo pode não vir a ocupar directamente o concreto posto de trabalho do trabalhador ausente, podendo antes desempenhar outras funções compreendidas na categoria profissional desse trabalhador ausente, não estando o empregador obrigado a substituir directamente o trabalhador ausente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A... veio instaurar, no (extinto) Tribunal do Trabalho de Viseu, a presente acção emergente de contrato de trabalho contra Centro Hospitalar B..., pedindo que:

                        a) Seja declarado nulo, e sem qualquer efeito, o contrato de trabalho a termo certo celebrado por escrito entre a Autora e a Ré, melhor identificado na petição inicial e, consequentemente, seja a Ré condenada a reconhecer que a Autora é titular de um vínculo laboral, contrato individual de trabalho, por tempo indeterminado;

                        b) Seja declarada nula e ilícita a denúncia unilateral do vínculo laboral efectuada pela Ré e, por isso, sem qualquer efeito jurídico, mais se reconhecendo que tal denúncia unilateral consubstancia um despedimento ilícito;

                        c) Seja a Ré condenada a reintegrar a Autora, nos termos do artigo 389 n.º1º, alínea b) do CT, ou caso assim não se entenda, ou caso venha a Autora a optar pela indemnização prevista no artigo 391º, nº 1 e n.º3 do CT, seja a Ré condenada no pagamento do valor de € 3.497,37, que acrescerá ainda para cálculo de indemnização todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, nos termos do artigo 391º, n.º 2 do CT;:

                        d) Seja a Ré condenada no pagamento à Autora das retribuições vincendas, e que a Autora deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal;

                        e) Seja a Ré condenada ao pagamento dos proporcionais vencidos à data do despedimento ilícito relativamente aos dias de férias não gozadas no montante de € 582,90 euros e de subsídio de férias no montante de € 582,90;

                        f) Seja a Ré condenada no pagamento de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais pelos danos morais causados à Autora em virtude do despedimento ilícito;

                        g) Seja a Ré condenada em juros vincendos a partir da citação e até integral e efectivo cumprimento da sentença judicial.

                        Alegou, em síntese e no que interessa ao recurso:

                        É enfermeira, encontrando-se inscrita na Ordem dos Enfermeiros.

                        Após processo prévio de selecção, subscreveu, com a Ré e em 1 de Agosto de 2011, um contrato de trabalho a termo pelo período de 6 meses, dele constando que iria substituir uma trabalhadora - C..., por esta se encontrar ausente por motivo de licença parental

                        Todavia, não foi colocada no posto de trabalho da enfermeira C..., sendo que foi contratada para suprir a falta de enfermeiros na Medicina IB e não para substituir a enfermeira C....

                        O contrato de trabalho entre Autora e Ré não foi de imediato reduzido a escrito, tendo a Autora trabalhado diariamente ao serviço da Ré, durante pelo menos 15 dias, sem a redução a escrito do contrato, a qual só ocorreu passados 15 dias, apesar de no mesmo constar a data de 1 de Agosto de 2011.

                        Por todos esses fundamentos, é nula a estipulação do tremo, com a consequente convolação em contrato de trabalho por tempo indeterminado.

                        Configurando a comunicação efectuada pela Ré à Autora, cessando o contrato por caducidade com efeitos em 31/01/2012, um despedimento ilícito.

                        Contestou a Ré, dizendo que não se verifica, por falta de suporte factual, nenhum dos apontados fundamentos de nulidade da estipulação do termo:

                          A Autora respondeu à contestação.

                        Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

                “Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré Centro Hospitalar B..., a pagar à Autora A..., a título de férias não gozadas e subsídio de férias, a quantia global de € 1.165,80 (mil cento e sessenta e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora á taxa legal de 4% desde 31-01-2012, até efectivo e integral pagamento.

                Absolve-se a Ré dos restantes pedidos contra ela formulados pela Autora.

                                       **

                Inexiste litigância de má fé por parte da Autora.

                                               **

                Custas da acção por Autora e Ré na proporção do respectivo decaimento.

                                                                       x
                        Parcialmente inconformada com o decidido, veio a Autora interpor recurso de apelação, onde formulou as seguintes conclusões:
                        […]

                              A Ré contra-alegou, propugnando pela manutenção do julgado.

                        Foram colhidos os vistos legais.

                        A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer fundamentado no sentido da procedência do recurso.

                                                                       x

                        Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos como  questões a apreciar:
                        - a impugnação da matéria de facto; 
              - se se verifica a invalidade da estipulação do termo aposto no contrato, por a Autora não ter ido desempenhar as mesmas funções, no mesmo serviço, da trabalhadora indicada como substituída no contrato.
                - se essa invalidade decorre das circunstâncias de a Autora ter iniciado funções sem que o contrato estivesse, ao momento, reduzido a escrito e/ou de não ter ido substituir a trabalhadora em questão, mas sim duas outras.
                                                                      x

                        Na 1ª instância considerou-se provada a seguinte factualidade:

                        […]

                                                                       x
                        - a segunda questão:

            Em termos de normalidade e do comummente feito no conhecimento dos recursos, seria de começar pela impugnação da matéria de facto. Contudo, a recorrente só pretende o conhecimento dessa impugnação caso não vingue a tese, exposta no recurso em primeiro lugar, de que a estipulação do termo é inválida por  não ter existido uma correspondência entre a área/ serviço ocupada pela Autora e a que havia sido diariamente ocupada  pela trabalhadora substituída.

                        Na situação em apreço, Autora e Ré celebraram um contrato de trabalho a termo pelo prazo de 6 meses, com início no dia 1 de Agosto de 2011 e termo em 31 de Janeiro de 2012,

            Como motivo da estipulação do termo, consagrou-se que  “O Trabalhador é admitido nos termos da alínea a) nº 2 do artº 140º do Código do Trabalho (substituir a enfermeira C... ausente por licença parental)”.

                        Escrevendo-se ainda que “O motivo da contratação referido na alínea anterior poderá realizar-se de forma indirecta, pelo que o Trabalhador pode ser colocado em qualquer unidade funcional do Centro Hospitalar de acordo com a conveniência deste.”

                        Consagra-se no artº 53º da Constituição o princípio da Segurança no Emprego,  que condiciona o princípio da liberdade contratual. No âmbito do direito do trabalho e no que respeita à estabilidade da relação laboral subordinada, a legislação ordinária tem colocado aos empregadores diversos entraves à liberdade de desvinculação, bem como restrições nas admissões que proponham à partida a existência de uma vinculação precária.

            Na linha da legislação anterior  os Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 estabeleceram, igualmente, uma regulamentação do contrato a termo rodeada de diversas exigências, tendentes a proteger interesses dos trabalhadores contra a precariedade da relação laboral e com vista a impedir a sua banalização ou proliferação.

                        Na verdade, o CT de 2009, tal como já acontecia nas idênticas disposições do CT de 2003 – artºs 129º e 131º, na parte relativa à contratação a termo, começa, no seu artº 140°, por tipificar as situações da sua admissibilidade e, no artº 141º, estabelece as exigências de forma, designadamente a exigência da forma escrita, exigindo a assinatura de ambas as partes, bem como a obrigatoriedade de determinadas indicações, entre elas a indicação do seu motivo justificativo, sob pena da invalidade da aposição do termo – al. c) do nº 1 do artº 147º, configurando essa exigência a de uma formalidade ad substantiam ou ad essentiam na formação do contrato. É que a aposição no contrato a termo da sua razão justificativa visa prevenir eventuais e futuras divergências e permitir acção fiscalizadora. Por outro lado, também visa permitir ao trabalhador compreender as razões que levam à precariedade do seu vínculo, dando-lhe a possibilidade de, desde logo, avaliar sobre a sua veracidade e validade.

 A obrigatoriedade de indicar a razão justificativa do termo visa prevenir eventuais divergências entre as partes, permitir o exercício da actividade fiscalizadora por parte das entidades responsáveis nessa área. Visa, ainda, permitir que o trabalhador fique esclarecido sobre as razões que determinam a precariedade do seu emprego, dando-lhe a possibilidade de aferir da validade das mesmas e de as discutir em juízo. Para isso importa que no documento escrito que titula o contrato de trabalho a termo sejam explicitadas as razões justificativas do termo, da forma mais concreta possível, de modo que da simples leitura do contrato não restem dúvidas sobre os verdadeiros motivos que levaram a afastar a regra geral da estabilidade do emprego.

Quer isto dizer que, para a validade de um contrato de trabalho a termo certo, não basta a remissão para os termos da lei para satisfazer a exigência legal da indicação do motivo justificativo, sendo indispensável a indicação concreta da factualidade real que motiva a necessidade de tal contratação.

Todavia, também não é legalmente admissível o contrato a termo em que os motivos indicados não correspondam à realidade.

A admissibilidade do contrato a termo, tal como resulta do artº 140º do CT de 2009 (e artº 129º do CT de 2003),  é restringida a determinadas situações de excepção, que visem fazer face a causas acidentais, temporais ou ainda para fomento do emprego.

            Assim, o regime jurídico aplicável ao contrato a termo parte de uma ideia central: a contratação por tempo determinado só deve ser admitida para satisfazer necessidades de trabalho objectivamente temporárias, de duração incerta ou de política de emprego.

                        Em conformidade, esse artº 140º, nº 1, do CT de 2009 estabelece que “o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade”, sendo que no nº 2 desse normativo se exemplificam algumas situações que se consideram necessidade temporária da empresa, nomeadamente a “Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar” [al. a)], situação essa invocada no contrato de trabalho celebrado com a Autora.

              Como se refere no Ac. deste Relação de 3/7/2003- proc. 224/12.8TTTMR.C1 (relator Jorge Loureiro)  na apreciação da (in)validade da cláusula estipulativa do termo resolutivo certo aposto em contrato de trabalho, são duas as operações a efectuar pelo tribunal: a primeira consiste em saber se a estipulação do termo resolutivo respeita os pressupostos legais da contratação a termo; a segunda, que apenas se coloca no caso de resposta afirmativa à primeira, consiste em verificar se o motivo invocado e o prazo previsto têm correspondência com a realidade dos factos.

              No âmbito da primeira operação trata-se de controlar  a conformação legal da contratação, no que apenas pode atender-se ao que consta do texto contratual.

              Na segunda delas, do que se trata é de controlar a veracidade do motivo aduzido, o que deve fazer-se com base na prova que vier a ser produzida na acção em que se discuta a validade da cláusula.

              A a indicação do seu motivo justificativo constitui uma formalidade ad substantiam, devendo estar devidamente enunciados os factos e as circunstâncias concretas que a integram; a falta ou insuficiência de menção expressa dos factos que integram o motivo justificativo não pode ser suprida pela alegação dos factos pertinentes nos articulados da acção em que se discuta a validade da cláusula estipulativa do termo resolutivo - neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II, 3ª edição, pág. 278/279; Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho, Anotado, 5ª edição, pág. 311; acórdãos da Relação do Porto de 14/11/2011, proferido no âmbito da apelação 398/10.2TTVNF.P1, e de 29/9/08, proferido no âmbito do processo 842881; acordão da Relação de Évora de 17/4/2012, proferido na apelação 150/11.8TTSTB.E1; acórdãos do STJ de 23/01/2002, proferido na revista 503/01, de 08/05/2002, proferido na revista 3172/01, de 03/03/2005, proferido na revista 3952/04, de 18/06/2008, proferido na revista 936/08, e de 28/04/2010, proferido na revista 182/07.0TTMAI.S1.

              Na verdade, como se deixou escrito nesse acórdão do STJ de 18/06/2008, “ … a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde resulta que o contrato se considera celebrado sem termo, ainda que depois se venha a provar que na sua génese estava uma daquelas situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo. [...] Isto significa que só podem ser considerados como motivo justificativo da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual.”.

              Para lá disso, a conformação legal da cláusula estipulativa do termo resolutivo exige, ainda, que o enunciado contratual permita compreender a relação entre os motivos invocados para a aposição do termo e a duração deste, ou seja, afirmar que a duração estipulada no termo se ajusta à realidade da justificação invocada.

Escreveu-se, na sentença recorrida, para ajuizar da validade da estipulação do termo o seguinte:

                “Cumpre, no entanto, averiguar se os factos invocados para justificação do termo se verificaram na realidade, isto é se a Autora foi efectivamente substituir aquela enfermeira C..., no período em que esta se encontrava ausente do serviço por se encontrar em licença parental.

                Ora, resulta da própria redação da alínea a) do artº 140º, do CT que a substituição do trabalhador ausente ou temporariamente impedido de trabalhar pode ser estabelecida em cadeia, ao dispor-se que a substituição pode ocorrer directa ou indirectamente.

                Assim, em conformidade com aquele normativo, o trabalhador contratado a termo pode não substituir directamente o trabalhador ausente ou impedido, mas substitui-o indirectamente, substituindo outro trabalhador da empresa que se encontre a substituir o trabalhador ausente ou impedido.

                Contudo, como refere, Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho Anotado, p. 367, “Em todo o caso, parece ser de exigir que o trabalhador contratado exerça as mesmas funções que vinham sendo exercidas pelo trabalhador substituído (mesmas funções não pressupõe o desempenho das mesmas tarefas) ou que haja entre elas uma proximidade bastante. Haverá uma proximidade bastante quando as tarefas de que o trabalhador contratado a termo foi incumbido, integrem o conteúdo funcional da categoria profissional do trabalhador que foi substituir.”

                Ora, no caso dos autos, como resulta dos factos provados, a Autora foi exercer as mesmas funções da trabalhadora que consta do contrato como indo substituir, a enfermeira C..., ou seja a Autora foi exercer as funções de enfermeira que eram também as funções exercidas pela trabalhadora substituída.

                É certo que a Autora não foi exactamente desempenhar as mesmas tarefas da trabalhadora substituída, porquanto aquela prestava diariamente as suas funções profissionais de enfermeira no serviço de Obstetrícia, enquanto que a Autora foi colocada a prestar as suas funções profissionais de enfermeira, de forma exclusiva no serviço de Medicina Interna I B da ré, onde se manteve durante toda a vigência da relação laboral.

                Por outro lado, também resultou provado que no serviço onde foi colocada a Autora são diferentes os cuidados a prestar, bem como são diferentes os doentes aí internados, do serviço onde trabalhava a enfermeira que a Autora foi substituir. Contudo, de tais factos resulta apenas que as concretas tarefas a executar pela Autora e pela trabalhadora substituídas, não eram exactamente as mesmas, contudo o núcleo essencial das funções de ambas era o mesmo, ou seja ambas prestavam cuidados de enfermagem aos utentes da Ré.

                Assim sendo, não se pode concluir que esta alteração de tarefas concretas implique que a contratação a termo não se possa considerar por justificada, uma vez que a Autora não deixou de desempenhar as mesmas funções profissionais de enfermeira, da trabalhadora substituída.

                Acresce que como resultou provado, a Ré é uma organização formal e institucionalizada de prestação de cuidados de saúde, concebida em função das necessidades dos utentes do SNS, em particular das populações que serve, sendo que as suas unidades de cuidados, também designadas de serviços, são organizados segundo as várias especialidades médicas.

                A afectação dos recursos humanos na Ré, particularmente dos enfermeiros, é feita em função das necessidades dos utentes e dos fluxos em concreto verificados, pelo que, por esse motivo, os enfermeiros não são contratados para a prestação de cuidados de enfermagem num serviço específico da Ré, podendo tanto a Autora como a enfermeira C..., bem como todos os outros enfermeiros prestar os cuidados de enfermagem em qualquer dos estabelecimentos da Ré (...).

                Na verdade, como ficou provado a Ré vai distribuindo, e sucessivamente redistribuindo, os seus enfermeiros, pelos diferentes serviços em função das necessidades de cada serviço, ditadas por maior ou menor fluxo de doentes, e, ou disponibilidade dos recursos humanos a eles afectos, facto que todos os enfermeiros, incluindo a Autora, antecipadamente sabem, e a cujo cumprimento aceitam vincular-se nos contratos que celebram com a Ré.

                Assim, e em conformidade com esses procedimentos quer a Autora quer a enfermeira C..., vincularam-se a prestar a sua actividade em qualquer dos estabelecimentos da Ré, nunca se tendo vinculado a prestar a sua actividade num específico serviço da Ré.

                Como decorre de tais factos a Ré tinha a possibilidade de alterar a qualquer altura as tarefas concretas que, dentro da categoria de enfermeiro, podia atribuir à trabalhadora substituída, designadamente mudando-a de serviço, pelo que também poderia fazê-lo relativamente à Autora, no âmbito do seu poder de mobilidade funcional dos seus trabalhadores.

                Efectivamente, entendemos que no âmbito dos seus poderes de direcção enquanto entidade patronal, a Ré apenas estava obrigada a respeitar a categoria profissional da Autora e da trabalhadora substituída, tendo os poderes de conformação das tarefas concretas em função das suas necessidades.

                Como se refere no Ac. do STJ de 09-10-2013, no proc. 1269/11.0TTVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt (com referência ao CT/2003, mas com inteira aplicação ao regime vigente no CT2009) “No âmbito do CT/2003, são exigíveis tanto a observância formal da indicação do motivo justificativo que torna válida a estipulação do termo, quanto a conformidade substantiva entre o motivo invocado e a realidade. Na substituição prevista nos artºs 129/1 e 143º a) daquele diploma, aquela conformidade substantiva mostra-se observada sempre que as tarefas de que o trabalhador contratado a termo foi incumbido de realizar fazem parte do conteúdo funcional da categoria profissional do trabalhador que foi substituir” (cfr. no mesmo sentido Ac. do STJ de 17/05/2007, no proc. 007S537, in www.dgsi.pt).

                Ora, no caso em apreço, verifica-se efectivamente tal situação, porquanto a Autora na vigência do contrato exerceu as funções de enfermeira, como o fazia a trabalhadora substituída, pelo que a colocação da Autora num serviço diverso daquele em que eram exercidas as funções da trabalhadora substituída derivam do poder de direcção da Ré e do poder da mesma de mobilidade funcional dos seus trabalhadores.

                Aliás a possibilidade de tal mobilidade funcional, foi desde logo expressamente consignado no contrato celebrado com a Autora, onde foi declarado expressamente que a Autora podia ser colocada em qualquer unidade funcional da Ré de acordo com a conveniência desta, podendo o trabalho ser prestado em qualquer dos estabelecimentos da Ré, sendo certo que a Autora assinou tal contrato sem nunca ter apresentado qualquer reclamação ou por qualquer forma pôs em causa qualquer das suas cláusulas.

                Pelo exposto terá que se concluir que a Autora substituiu, ainda que de forma indirecta a trabalhadora C..., pelo que o motivo justificativo do termo aposto no contrato corresponde à realidade, tendo ocorrido uma efectiva substituição da Autora relativamente àquela trabalhadora ausente por se mostrar a gozar licença parental.

                Assim, terá que se concluir que o contrato a termo celebrado entre a Ré e a Autora, foi válida e licitamente celebrado”.

Sufragamos este entendimento.

                        Temos que a Autora foi exercer, como se alcança dos factos dados como provados, as funções correspondentes à categoria profissional da trabalhadora em licença parental, mas não foi, propriamente, desempenhar o mesmo concreto trabalho – as mesmas concretas tarefas – que esta efectuava, já que a enfermeira C... (a trabalhadora substituída) prestava diariamente funções profissionais no serviço de Obstetrícia- facto 20, ao passo que a Autora durante o tempo em que trabalhou ao serviço da Ré exerceu funções profissionais, única e exclusivamente, no serviço de Medicina IB- facto 21.

      Contudo, tal não acarreta a pretendida, pela apelante, invalidade de estipulação do tremo, já que  tal é insuficiente para se considerar que não houve substituição (indirecta) dessa trabalhadora pela Autora.

      Desta forma, temos que essa substituição pode ser, como resulta do teor literal dos normativos citados, “directa” ou “indirecta”, pelo que pode “envolver a deslocação de um trabalhador da empresa para o posto de trabalho do trabalhador ausente e a contratação a termo de um trabalhador para o posto de trabalho do trabalhador deslocado” – Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho II, 3.ª Edição, Coimbra, 2010, p. 268.

            O trabalhador a termo pode não vir a ocupar directamente o concreto posto de trabalho do trabalhador ausente, podendo antes desempenhar outras funções compreendidas na categoria profissional desse trabalhador ausente, não estando o empregador obrigado a substituir directamente os dois trabalhadores (tanto mais quanto o empregador tem o poder de direcção, de “determinação da função do trabalhador” – Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., p. 674), desde que as funções desempenhadas correspondam à categoria profissional do trabalhador a substituir, mesmo que não haja total identidade entre as concretas tarefas a desempenhar.

      Para o Prof. Júlio Vieira Gomes, no I Volume do seu Direito do Trabalho, 2007, pag. 594 “o código vem esclarecer que a substituição pode ser directa ou indirecta; assim é permitida inequivocamente a substituição em cadeia, na qual o trabalhador contratado a termo não vai ocupar o posto de trabalho do trabalhador substituído, mas sim de um outro trabalhador (…)”.

            Entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo STJ.

                        Assim, no Ac. de 26 de Setembro de 2007, proc. 07S1933, in www.dgsi.pt,  escreveu-se que “torna-se mister para sustentar a validade da substituição invocada, que haja uma coincidência ou proximidade bastante entre as funções que o trabalhador contratado foi exercer e as que o trabalhador substituído vinha exercendo.

                Em contrapartida, já não será necessário que esse exercício pressuponha o desempenho das mesmas tarefas que o trabalhador substituído vinha exercendo, uma vez que é da exclusiva competência do empregador, nos termos do poder de direcção que a lei lhe confere, a concreta determinação destas, com respeito pelo quadro funcional da respectiva categoria profissional”.

                        Entendimento este reafirmado  nos acórdãos de 03/10/2012, proc. 193/10.9TTLMG.P1.S1, e de 09/10/2013, citado na sentença, não sendo demais repetir que neste se decidiu (embora com voto de vencido) que a conformidade substantiva mostra-se observada sempre que as tarefas de que o trabalhador contratado a termo foi incumbido de realizar fazem parte do conteúdo funcional da categoria profissional do trabalhador que foi substituir.

      Tudo para concluir que qualquer situação em que o trabalhador não possa assegurar a prestação do trabalho encontra-se abrangido pelo disposto no artigo 140º nº 2 alínea a) do Cód. do Trabalho, nele se permitindo indubitavelmente enquadrar o gozo de licença parental.

      Qualquer impossibilidade, em sentido naturalístico ou legal de o trabalhador oferecer a sua prestação laboral permite assegurar a sua substituição por outro, contratado a termo - Pedro Romano Martinez, Cód. do Trabalho Anotado, 8ª edição, 2009, pag. 384.

Esta também foi a solução encontrada nos Ac. desta Relação e secção social de 28/2/2013, proc. 792/11.1TTVIS.C1, e de 7/2/2013, proc. 823/10.2TTLRA.C1, (ambos relatados pelo aqui 2º adjunto) onde se considerou que ainda que o trabalhador contratado a termo não tenha ocupado o posto de trabalho do trabalhador substituído sempre está verificado o requisito da impossibilidade temporária da prestação do trabalho - o que é fundamental é que a Ré tenha provado, como efectivamente provou, ter a Autora trabalhado no período em que a trabalhadora substituída se encontrava em gozo de licença parental.

                        Pelo que improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso, determinando que se passe a conhecer da:

- impugnação da matéria de facto:

De salientar, e porque isso releva para um aspecto que se focará mais adiante, que a recorrente não põe minimamente em causa nenhum dos pontos dados como provados, baseando-se unicamente  a sua discordância na circunstância de a 1ª instância não ter dado como provados alguns pontos constantes da petição inicial e da resposta à contestação.

Esses pontos (onde a recorrente mistura factos com conclusões e matéria de direito) podem dividir-se em dois grupos:

                        - por um lado, os pontos 46º a 49º, 50 51º, 89º a 91º e 129 da petição inicial, que dizem respeito ao entendimento da apelante de que  trabalhou ao serviço da Ré, desde 1 de Agosto de 2011 até pelo menos ao dia 15 de Agosto de 2011, sem redução a escrito do contrato de trabalho ;

                        - de outra banda, os pontos 63, 64, 66, 67, 69 e 98 da petição inicial e  62, 66 e 67 da resposta, com os quais pretende demonstrar que a intenção da Ré foi substituir não a C..., mas sim duas enfermeiras do serviço de medicina 1B.

                        Importa dizer, antes de mais, que tem entendido esta Relação e secção social que só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento.  Na reavaliação de facto o tribunal de recurso deve controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Mas encontra-se impedido de controlar o processo lógico da convicção no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle, quando foi relevante o funcionamento do princípio da imediação. Como referiu o Acórdão desta Relação, de 3/10/2000, in CJ, tomo 4, pág. 27, “a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, não pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas inserto no artigo 655, n.º 1 do C. P. Civil … E na formação dessa convicção entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova – seja áudio seja mesmo vídeo -, por mais fiel que ela seja das incidências concretas das audiência. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis …”.

Ouvida, na íntegra, a gravação dos depoimentos prestados em julgamento, não ressalta tal erro de julgamento.

            Quanto ao primeiro grupo de factos baseia-se a apelante nos depoimentos das testemunhas D..., que era a pessoa responsável pela contratação de enfermeiros, e E..., sendo este último pai da Autora e, ao tempo, enfermeiro director do Réu.

                        No que diz respeito ao D..., é a própria apelante que descreve, nas conclusões do recurso, devidamente o seu depoimento: admitiu que era frequente que os novos enfermeiros iniciassem, naquela época, funções profissionais sem que o contrato de trabalho estivesse ainda reduzido a escrito.

                        Contudo, se se verificava tal frequência,  não soube dizer se também terá sido, ou não, o caso da Autora, uma vez que não tinha conhecimento de tudo quanto se passava ao nível dos recursos humanos. Ou seja, desconhece se, no caso específico da Autora, ocorreu o início de funções sem a redução do contrato a escrito.

                        Quanto ao E..., como se disse pai da Autora, o que desde logo implica um maior cuidado análise crítica do seu depoimento, este foi meramente indirecto: tudo o que disse baseou-se naquilo que lhe foi transmitido pela Autora. Utilizando, novamente, as palavras da recorrente, “confirmou perante o tribunal ter pleno conhecimento que a Autora lhe terá informado, à época dos factos, que estaria preocupada uma vez que embora estivesse já a trabalhar no Réu há vários dias ainda não tinha contrato de trabalho reduzido a escrito” e “tal assunto do contrato de trabalho foi sendo tema de conversa entre ambos uma vez que a filha estaria preocupada com tal facto”.

                        Nada podemos, assim, apontar à motivação da Srª Juíza de que “apenas a testemunha E... referiu que o mesmo foi assinado já depois da Autora estar ao serviço da Ré, embora não conseguisse esclarecer em concreto em que data é que o contrato foi efectivamente assinado, sendo que tal situação não foi confirmada por qualquer outra testemunha ou elemento de prova, motivo pelo qual e considerando também o depoimento interessado de tal testemunha, atentas as relações familiares do mesmo com a Autora, o seu depoimento, nessa parte não logrou convencer o tribunal”.

Não se vislumbra, assim, fundamento válido para se darem como provados tais pontos 46º a 49º, 50 51º, 89º a 91º e 129 da petição inicial.

                        Passando ao segundo grupo de factos, a pretensão da apelante esbarra logo com conteúdo do ponto 22 dos factos provados: quando a Autora foi colocada no serviço de Medicina IB já se colocava a possibilidade de tal serviço necessitar de mais enfermeiros, em face da previsível saída de tal serviço de pelo menos 2 enfermeiras. Ora, colocação de dúvidas e intenção de contratar não são sinónimos, não se podendo inferir essa intenção daquela situação de dúvida, condicionada esta pela saída, ou não, de tais enfermeiras.

Assim, para poder obter êxito na sua pretensão de ver provados os pontos que indica, deveria a apelante ter posto em causa, impugnando-o, esse facto 22, como condição necessária para se evitarem contradições na material de facto. Não o fazendo, sibi imputet.

                        Mas mesmo que assim não fosse, da análise dos documentos e dos depoimentos indicados pela recorrente, não retiramos outra conclusão senão a extraída pela Srª Juíza de que “nenhuma das testemunhas inquiridas confirmou de forma peremptória que a Autora foi substituir outras enfermeiras que saíram do serviço de Medicina IB, tanto mais que apesar de terem saído duas enfermeiras daquela Unidade, tal ocorreu apenas em Setembro de 2011, tendo a Autora iniciado a prestação da sua actividade ainda quando as mesmas ali se encontravam a exercer funções e sem que houvesse data precisa para a sua saída, pese embora tal já se perspectivasse”.

                        Improcedendo, também aqui, a impugnação da matéria de facto.
                        - a terceira questão:
                        Face à ausência de suporte fáctico que permita sustentar os fundamentos de invalidade da estipulação do termo aí enunciados, necessariamente também aqui o recurso improcede.
                                                                       x

                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

                        Custas pela apelante.

                                                           Coimbra, 17/12/2014

                                                                  (Ramalho Pinto - Relator)

                                                                 (Azevedo Mendes)

                                                            (Joaquim José Felizardo Paiva)