Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2468/20.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: ESBULHO VIOLENTO
TURBAÇÃO DA POSSE
CADUCIDADE DA AÇÃO POSSESSÓRIA
Data do Acordão: 11/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – J. L. CÍVEL DE LEIRIA – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1261º, 1279º/2 E 1282º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Ao contrário do que sucede na turbação, no esbulho o acto do terceiro implica a aquisição originária de uma nova posse, contraditória com a antiga, sem que, no entanto, implique necessariamente que se seja privado da retenção ou fruição, porque o possuidor não perde a posse ainda que um terceiro constitua uma posse contrária, e mesmo contra a vontade do antigo possuidor, salvo se a nova posse houver durado mais de um ano – art. 1279º/2 CC.

II - A violência do esbulho, para efeitos do art. 1279º CC, tanto pode atingir a capacidade volitiva do possuidor espoliado, como sucede com a coação física ou moral, no modo definido no art. 1261º, como pode exercer-se sobre a coisa possuída, ou as coisas e pessoas que sejam obstáculo imediato ao esbulho, mesmo que não implique o referido efeito de constrangimento na vontade de ação do possuidor primitivo.

III – Não obstante, para efeito de caducidade das ações possessórias - art 1282º CC - e de perda de posse face a nova posse – art 1267º/2 - o que conta não é a violência no esbulho, mas a verificação em função dele de posse violenta, isto é, que o esbulhado veja constrangida a sua capacidade volitiva ao ponto de não reagir contra a nova posse. Enquanto persistir esse constrangimento não se conta a nova posse de outrem e não se conta o prazo de caducidade da ação de restituição.

Decisão Texto Integral:




Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – F..., S..., instauraram providência cautelar de restituição provisória da posse, contra J... e mulher, L..., pedindo:

 a)  a restituição provisória, à sua posse no caminho como era anteriormente aos actos dos RR. descritos em 13, 15, 16 e 17, de modo a que o caminho fique com o leito como anteriormente, nomeadamente como referido em 11 e 14, sem audiência dos Requeridos;

b) sendo os Requerentes autorizados, de imediato e a expensas dos Requeridos, a retirar tudo o que se refere em 16º e o que quer que seja lá posto de ora em diante e a retirarem a rede e seus suportes e o mais lá existente, se compreendido dentro dos limites ditos em 14º;

c) para o caso de assim não se entender, devem os autos prosseguir como procedimento cautelar comum;

d) em qualquer caso, deve ser invertido o contencioso como requerem em 22;

 e) em qualquer caso, devem os Requeridos ser condenados na sanção pecuniária compulsória nos termos ditos em 23º.

Alegam, em suma, que por sentença homologatória da partilha por óbito dos pais da 1ª A. e do R., foi adjudicado ½ indiviso  à 1ª A. e falecido marido, e ½ indiviso aos ora RR., de dois prédios - uma terra de semeadura com árvores de fruto e uma terra de pinhal e mato - prédios esses que integravam o “casal dos pais”, que formam um todo sem solução de continuidade, ficando este, que é uma encosta, a norte daquela e entre o mesmo pinhal e um surribão do lado oposto; a terra de semeadura é mais baixa que o restante a sul, daí se chamar cova,  sendo que na parte lado poente da cova, esse surribão não permite a passagem através dele  de veículos e a pé, de e para a via pública. Mais alegam que depois do referido inventário, por acordo verbal, a 1ª A. e marido passaram a amanhar e cortar lenhas no lado poente da cova e os RR. do lado nascente da mesma e do pinhal, e o acesso para lavrar e tirar lenhas nessas partes, com tratores e a pé, de e para a estrada de Lagares, passou a ser feita por um caminho em parte implantado na cova dos RR. Sucede que os RR. colocaram uma rede que em determinado lugar desse caminho forma um ângulo quase recto, que tornando o caminho mais estreito não permite aos veículos virar para o segmento seguinte do caminho, com o que pretenderam intimidar a 1ª A. e marido, conseguindo-o até hoje, sendo que já este ano os RR. amontoaram ramos de árvores suas, que cortaram na cova e outros detritos, no termo daquele caminho e em toda a sua largura, e logo após o portão que tem aberto na rede, o que impede qualquer passagem a pé e de carro, do que os AA. só tomaram conhecimento depois de 12/7/2020 quando vieram de França para férias.

Realizou-se diligência de produção de prova, sem audição dos Requeridos, após o que foi proferida decisão que, julgando não verificados os requisitos da procedimento cautelar correspondente à restituição provisória de posse, convolou esse procedimento cautelar para procedimento cautelar comum, julgando-o, subsequentemente, improcedente, não decretando a providência requerida (não invertendo o contencioso e não aplicando qualquer sanção pecuniária compulsória aos RR).

II – Do assim decidido apelaram os Requerentes, que concluíram as respetivas alegações nos seguintes termos:

...

Não  foram oferecidas contra-alegações.

III – A 1ª instância julgou  indiciariamente provados os seguintes factos:

...

IV - Operando o confronto da decisão recorrida com as conclusões das alegações, resulta para decidir no presente recurso, correspondendo ao seu objeto, a impugnação da decisão da matéria de facto nos termos em que os apelantes o pretendem, e se se verificam todos os pressupostos para se julgar procedente a restituição provisória de posse.

...

Pretendem os Requerentes/apelantes que se verificam todos os três requisitos de que depende a procedência do procedimento cautelar especificado de que, em termos principais, lançaram mão – a restituição provisória da posse. Referem que tinham a posse do caminho e a do terreno de semeadura e pinhal a que por ele acediam e deixaram de ter essa posse em função do acto da colocação da rede pelos Requeridos, acto que entendem que corresponde a um esbulho, e que mostrando-se o mesmo acompanhado de violência estão eles «em tempo para requererem este procedimento», na medida em que  a “nova posse” dos Requeridos  se não conta daquele facto mas apenas da cessação da violência  «o que ainda não ocorreu», com o que, concluem, o prazo de um ano e  um dia a que alude o art. 1267º/2 CC ainda nem sequer se iniciou, tanto mais que eles nunca se conformaram com essa “nova posse” dos Requeridos. E em função deste entendimento pretendem que não podia o Tribunal a quo ter convolado o especifico procedimento cautelar em causa para o genérico procedimento cautelar comum.

Dispõe o art. 1279º CC que «o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador», e  dispõe o art. 1282º CC que as «ações de restituição de posse caducam se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas».

A violência nesta específica providência cautelar assume-se como caraterística essencial, sendo por causa dela que se determina que o requerido não é previamente ouvido. A ideia é  «castigar» [1] o esbulhador em função da violência que exerceu.

Importa por isso saber, em primeiro lugar, em que consiste o esbulho, e, em segundo, em que consiste a violência no esbulho, noções não tão fáceis de obter como à primeira vista poderá parecer.

No que toca ao esbulho, é o próprio legislador que assume essa dificuldade perante os meros actos de turbação da posse, ao admitir, no art. 609º/3 CPC – a respeito dos “limites da condenação” – que «se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação realmente verificada», e ao dispor-se a admitir a ampliação da tutela possessória prevista nos arts 1276º a 1279º CC, permitindo abertamente que, «ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no art 377º», lhe resulte facultado, «nos termos gerais, o procedimento cautelar comum»..

A noção de esbulho que é dada frequentemente, é-o por oposição à de turbação. Assim, «há turbação se o possuidor, embora ofendido na sua posse, não foi privado da retenção ou fruição; há esbulho, no caso contrário»[2],.

 Entende Durval Ferreira que esta noção não satisfaz inteiramente, na medida em que o poder de facto (corpus) que integra a posse «não pressupõe um necessário contacto físico. Pode não se ter qualquer contacto físico e ser-se todavia possuidor», como sucede, por exemplo, no constituto possessório. Concorrendo ainda para o caráter insatisfatório daquela noção a circunstância de «no direito português o possuidor não perder a posse, ainda que um terceiro constitua uma posse contrária, e mesmo contra a vontade do antigo possuidor, salvo se a nova posse houver durado por mais de um ano (art 1267º/2)»[3]

Por isso, propõe que se conclua que «existe esbulho da posse duma coisa, se um terceiro adquire, por seu acto unilateral e originário, para si ou para outrém, uma “situação de posse” contraditória (total ou parcialmente) com a primeira».

Já haverá turbação da posse de uma coisa «se o pleno exercício das faculdades do direito a cuja imagem se possui, é embaraçado, inquietado, diminuído, alterado ou modificado – por um acto continuado (ação ou omissão), juridicamente imputável a um terceiro, mas que não constitua um modo de aquisição duma nova posse, contraditória com aquela. Ou, ainda, se o dito acto de terceiro, embora sendo instantâneo, produz efeitos continuados de deterioração da coisa, sem perda ou destruição irreparável da coisa possuída». 

Assim, a distinção entre turbação e esbulho situar-se-á na circunstância do acto do terceiro implicar (ou não) a aquisição originária de (uma nova) posse, contraditória com a antiga, sem que o esbulho implique necessariamente que se seja privado da retenção ou fruição, porque o possuidor não perde a posse, ainda que um  terceiro constitua uma posse contrária, e mesmo contra a vontade do antigo possuidor, salvo  se a nova posse houver durado mais de um ano – art. 1279º /2.  E, por isso, «a essência da questão do esbulho está na formação de uma posse contrária e que, além do mais, conduzirá à perda da posse primitiva, se a nova posse se mantiver por mais de um ano».

 Por assim ser, conclui o mesmo autor que «a posse que adquire o novo possuidor é uma “posse em comum ou composse” (art 1403º). E, a posse primitiva que remanesce, é uma “posse em comum, ou composse”, simultaneamente com “a posse em comum ou composse” do novo possuidor», sendo, no entanto, a situação da existência de duas posses, simultâneas e contraditórias, transitória, estando condenada a desaparecer em um ano[4],. 

Acresce que «a contraditoriedade da nova posse pode ser apenas parcial, desde logo, quando é apenas uma parte corpórea do objecto da posse anterior».

Em resumo, o esbulho implicará uma nova posse originária e unilateral (usurpatória) e por isso «será aquela, pois, que se adquire nomeadamente, quer pela prática reiterada dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito (al a) do art 1263º) quer por inversão do título da posse – al d) desse preceito».[5]

Na situação dos autos, tal como ela surge caraterizada na petição, não está em causa  uma inversão do titulo da posse mas um apossamento – al. a) do art 1263º – prática reiterada com publicidade dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito- al. a) do art. 1263º - que se iniciou com a colocação da rede ao longo e na proximidade das extremidades referidas em 7 do caminho, desde que resultou da colocação dessa rede, em determinado ponto do caminho, delimitado por umas manilhas de escoamento de águas das chuvas e dois eucaliptos, a formação de um ângulo quase recto que tornou o caminho aí mais estreito e não permite aos veículos virar para o segmento seguinte no caminho ao longo da extremidade norte – facto 8 – resultando, assim, impedido quer o trânsito pelo caminho de tratores e/ou carros quer o acesso por estes meios à parte poente da “cova” e do pinhal.

Houve, pois – há seis ou sete anos -  esbulho em função deste acto.

Mas já não houve esbulho em função da colocação pelos Requeridos, em Janeiro de 2020, de detritos e ramos de árvore no termo daquele caminho e em toda a sua largura, visto que essa colocação não impediu os Requerentes de passarem a pé, de e para a parte poente da “cova” e do pinhal a partir da estrada de Lagares, mas apenas dificultou essa passagem, configurando-se como acto de turbação, como o caracterizou a 1ª instância.

Mais controvertido se mostra o requisito da violência.

Durval Ferreira faz referência a duas orientações relativamente à violência caracterizadora do esbulho [6]:

«Para uma, o conceito de violência é o definido no art. 1261º/2 (considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos termos do art. 255º). Isto é, a violência do esbulho só existe, se a posse adquirida tiver a característica de “posse violenta”, e à luz do citado art. 1261º/2. A violência, pois, pressupõe que o primitivo possuidor se veja constrangido volitivamente a não reagir contra o desapossamento, quer por coacção física, quer por receio de um mal, respeitante quer à pessoa, como à honra e fazenda do possuidor ou de terceiro (…)».

Numa segunda orientação, «o esbulho (…) será violento, quer se se verifique a violência definida no citado art. 1261º/2, quer se se verifica violência contra a coisa possuída, ou contra as coisas ou pessoas que sejam obstáculo imediato ao esbulho e ainda que tal não determine constrangimento volitivo ao possuidor», referindo que seguem a primeira orientação, Pires de Lima/Antunes Varela, H. Mesquita e Dias Marques, e que seguem a segunda, Alberto dos Reis, Manuel Rodrigues, Abrantes Geraldes, tendo a mesma o apoio de Menezes Cordeiro[7].

Conclui, assim, que «a violência do esbulho para efeitos do art. 1279º, tanto pode ser uma violência por coação física ou moral que atinja a capacidade volitiva do possuidor espoliado (no modo definido no art. 1261º), como o pode ser sobre a coisa possuída, ou as coisas e pessoas que sejam obstáculo imediato ao esbulho, e ainda que não tenham, reflexamente, o referido efeito de constrangimento na vontade de ação do possuidor primitivo». 

Nesta visão ampla de esbulho – preferível àquela outra - a violência tanto pode ser contra as pessoas, como contra as coisas, mas, como o refere Manuel Rodrigues, «há-de exercer-se sobre as pessoas que defendem a posse, ou sobre as coisas que constituem um obstáculo ao esbulho, e não sobre quaisquer outras» [8].

È a esta noção ampla de esbulho que se adere, na sequência da maioria da jurisprudência.

 Mas sem que se deixe claro que se efetivamente no esbulho a violência não tem que ser exercida sobre as pessoas (as que defendem a posse), e se  se admite que se possa exercer sobre as coisas, não o é, no entanto, sobre quaisquer coisas – as coisas sobre as quais há-de ser exercida são as que «constituem um obstáculo ao esbulho» (assim o portão, as fechaduras, os muros, as cancelas, o cão de guarda…) e com a finalidade de o conseguir.

Por isso, e revertendo à situação dos autos, não se afigura que a colocação de uma rede nas condições acima referidas resultantes do ponto 8 da matéria de facto implique violência sobre a coisa possuída ou sobre as coisas e pessoas que sejam obstáculo imediato ao esbulho.

Sucede que, ainda que se admitisse que a colocação da rede nas ditas circunstâncias, constituindo um esbulho, implicaria violência no mesmo, ter-se-ia que concluir, ao contrário do que os Requerentes defendem, que à data da propositura do procedimento cautelar há muito se mostrava caducado o direito dos Requerentes defenderem a sua posse por este meio.

È que – e recorrendo novamente aos ensinamentos de Durval ferreira –  «a violência é uma caraterística da posse; no esbulho é uma caraterística do acto de espoliação», acentuando que, «quer num plano dogmático e conceitual, quer num plano de consideração de interesses  e quer num plano da relevância jurídica – a “posse violenta” e o “esbulho violento” (justificativo do direito de restituição provisória da posse) são “categorias jurídicas” autónomas e distintas». E por isso refere [9]   que «o conceito de “violência “ não tem que ser (e não é) necessariamente o mesmo, para efeitos de qualificar a “posse” e para efeitos de qualificar “o esbulho”»,.

 De facto, se é verdade  que a posse violenta não faz perder  a posse do anterior esbulhado – art. 1267º/2 – nem determina a caducidade das ações possessórias – art. 1282º-  nem conta para efeitos de prazo prescricional  quanto a imóveis – art. 1297 º - «esses efeitos negativos só se justificam na medida em que o possuidor esbulhado  ou o proprietário contra quem possa ocorrer a usucapião, estejam, na sua (eventual) vontade de contragir, coarctados, constrangidos ou forçados pelo acto violento do novo possuidor». Acrescentando: «Já se a violência foi tão só contra as coisas, então ela não influirá  na vontade daqueles e os referidos efeitos negativos  já não teriam justificação (de causa/efeito). E, por sua vez, uma violência meramente contra as coisas, normalmente, esgota-se (cessa) no mesmo tempo em que se actuou[10]».

Em resumo, a circunstância de o esbulho ter sido violento não implica que a posse do esbulhador se configure como violenta, o que sucede facilmente quando a violência no esbulho tenha sido apenas contra a coisa.

Por isso se deverá concluir que para efeitos de caducidade das ações possessórias - art 1282º CC  - e para efeitos de perda de posse face a nova posse – art. 1267º/2 - o que conta não é a violência no esbulho, mas a verificação em função dele de posse violenta, isto é, que o esbulhado veja constrangida a sua capacidade volitiva ao ponto de não reagir contra a nova posse. Enquanto persistir esse constrangimento não se conta a nova posse de outrem e não se conta o prazo de caducidade da ação de restituição havendo esbulho violento.

 Ora, os factos constantes da ação nunca consentiriam que se atribuísse à 1ª Requerente qualquer constrangimento na vontade relativamente à defesa da posse em função da colocação da referida rede e que o mesmo se mostrasse ainda operante seis ou sete anos depois da prática desse acto.

Deste modo, não há lugar à  requerida restituição provisória de posse, pois, como decorre do art. 378º CPC, a contrario, mesmo que o juiz reconheça pelo exame das provas que o requerente tinha a posse e foi dela esbulhado, se o não foi violentamente, não há lugar à restituição provisória da posse.

A atitude dos apelantes no presente recurso, referindo estar vedado á Mma Juiz a quo proceder à convolação para procedimento cautelar comum – conclusão 3ª -  implicará que os mesmos estejam a prescindir agora desta tutela subsidiária, dispensando o presente tribunal de aferir se os factos provados possibilitariam aos Requerentes obter ainda alguma tutela possessória em função do genérico procedimento cautelar comum em que se convolasse este específico procedimento cautelar.

Mas, ainda que assim não se entenda, a verdade é que os apelantes não puseram  em causa  o juízo da 1ª instância  relativamente à não verificação do periculum in mora exigida pelo art. 362º/1 CPC, tendo-se conformado com o mesmo.

Devendo, pois, concluir-se pela improcedência da apelação e pela confirmação do decidido na 1ª instância.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão da 1ª instância.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 24 de Novembro de 2020

(Maria Teresa Albuquerque)

(Falcão de Magalhães)

                                                                                   (Pires Robalo)

           

I – Ao contrário do que sucede na turbação, no esbulho o acto do terceiro implica a aquisição originária de uma nova posse, contraditória com a antiga, sem que, no entanto, implique necessariamente que se seja privado da retenção ou fruição, porque o possuidor não perde a posse ainda que um  terceiro constitua uma posse contrária, e mesmo contra a vontade do antigo possuidor, salvo  se a nova posse houver durado mais de um ano – art. 1279º /2 CC

II - A violência do esbulho, para efeitos do art. 1279º CC, tanto pode atingir a capacidade volitiva do possuidor espoliado, como sucede com a coação física ou moral,  no modo definido no art: 1261º, como pode exercer-se  sobre a coisa possuída, ou as coisas e pessoas que sejam obstáculo imediato ao esbulho, mesmo que não implique  o referido efeito de constrangimento na vontade de ação do possuidor primitivo.

III – Não obstante, para efeito de caducidade das ações possessórias – art. 1282º CC  - e de perda de posse face a nova posse – art. 1267º/2 - o que conta não é a violência no esbulho, mas a verificação em função dele de posse violenta, isto é, que o esbulhado veja constrangida a sua capacidade volitiva ao ponto de não reagir contra a nova posse. Enquanto persistir esse constrangimento não se conta a nova posse de outrem e não se conta o prazo de caducidade da ação de restituição.


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[1] A expressão é de Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado», p  668
[2]-  Por exemplo, por Alberto dos Reis, «Processos Especiais», I, p 375/376
[3]- «Posse e Usucapião», 2ª ed, Setembro 2003,  p 322
[4] - Obra citada, p 327
[5]- Durval Ferreira, obra referida, p 327/328
[6] –  Obra citada, p 375  
[7] - A visão ampla de esbulho decorrente desta segunda orientação é também a adoptada por Moitinho de Almeida  «Restituição da Posse», p 113, Teixeira de Sousa, «Estudos sobre o Novo Processo Civil» 2ª ed,  238, Rodrigues Bastos, «Notas ao CPC»,  vol II 3ª ed p 178
[8]  - Cfr Abrantes Geraldes, «Temas da Reforma do Processo Civil» , IV vol ,  p 43 nota 49
[9] - Obra referida, p.284
[10] - Obra referida, p. 280