Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
520/08.9GAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
MOTIVAÇÃO DO RECURSO
CONVITE PARA APERFEIÇOAMENTO DAS CONCLUSÕES
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 07/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 23°, N.°1 AL B) DO DL Nº 28/84 DE 20 DE JANEIRO; 40º,47º,Nº2, 70º, 71º DO CP E 124º,125º, 127º, º, 412ºE ,428º DO CPP
Sumário: 1.No recurso sobre a matéria de facto, se o recorrente nem no corpo da motivação nem nas conclusões faz qualquer menção às provas que impõem decisão diversa e apenas de forma genérica se faz referência aos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, não se justifica o convite ao aperfeiçoamento a que se refere o artigo 417º,nº3 do CPP. .
2.O montante diário da pena de multa, no respeito do disposto no nº2 do artigo 47º do CP, deve ser fixado de modo a que se traduza num sacrifico real para o condenado sem deixar de lhe assegurar um mínimo de rendimento de modo a fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar
Decisão Texto Integral: No processo Comum Singular, supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:
- Condenou a arguida L pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo artigo 23°, n.°1 al b) do DL nº 28/84 de 20 de Janeiro, na pena de 2 (dois) meses de prisão e de 60 (sessenta) dias de multa;
- Substituiu aquela pena de prisão pela pena de 60 (sessenta) dias de multa;
- Em conformidade com o disposto no artº 6º nº 1 do DL nº 48/95 de 15 de Março condenou a arguida L na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 20,00 (vinte euros), no montante global de € 2,400,00 (dois mil e quatrocentos euros);
- Condenou a arguida M, pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo artigo 23°, n.°1 al b) do DL nº 28/84 de 20 de Janeiro, na pena de 2 (dois) meses de prisão e de 60 (sessenta) dias de multa;
- Substituiu aquela pena de prisão pela pena de 60 (sessenta) dias de multa;
- Em conformidade com o disposto no artº 6º nº 1 do DL nº 48/95 de 15 de Março condenou a arguida M na pena única de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 720,00 (setecentos e vinte euros);

Inconformadas com esta decisão, dela interpuseram recurso as arguidas, L e M, que na respectiva motivação concluíram:
1. Encontra-se deficientemente julgado o ponto 1.° dos factos dados como provados constantes na douta sentença ora colocada em crise, devendo ser dado "apenas por provado que a arguida M é empregada de mesa no estabelecimento de restauração denominado "Restaurante F…".
2. Encontra-se deficientemente julgado o ponto 2.° dos factos dados como provados constantes na douta sentença ora colocada em crise, devendo ser dado como provado que se encontrava exposto no estabelecimento uma ementa com a descrição dos pratos servidos.
3. Encontram-se deficientemente julgados os pontos 3.°, 4° e 5º dos factos dados como provados constantes na douta sentença ora colocada em crise. Em nossa opinião, a resposta as referidos pontos deveria ter sido considerado "não provado".
4. Encontra-se deficientemente julgado o ponto 8.° dos factos dados como provados constantes na douta sentença ora colocada em crise. Em nossa opinião apenas se poderia dar como provado que no passado mês de Agosto, época de maior afluência, o restaurante facturou aproximadamente 50.000,00 Euros (cinquenta mil Euros)".
5. No caso sub judice, a recorrente M não praticou o crime de que vem acusada, uma vez que é mera funcionária do restaurante, não interfere na gestão do estabelecimento e a informação que prestou aos inspectores da ASAE baseou-se exclusivamente na informação que recebera da cozinheira do restaurante, pelo que deve a recorrente ser absolvida do crime de que vem acusada.
6. A recorrente L agiu sem dolo nos factos de que lhes são imputados, quando muito agiu com negligência, não tendo sido consumado o crime de que vem acusada, pelo que a ser condenada, apenas poderá ser na forma tentada e por mera negligência, nos termos do n.º 2 do art. 23°, DL 28/84 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 20/99 de 28 de Janeiro) e art. 13.° do Código Penal.
7º A pena de multa aplicada à recorrente L é desproporcionada tanto na sua medida como no quantitativo diário apurado, em clara violação do disposto nos arts. 40° e 71° do Cód. Penal, não devendo, no caso, ir além dos 60 dias de multa (em respeito com o art. 6°, n.º 1, do Decreto ­Lei n.º 48/95 de 15 de Março) à taxa diária de 10,00 € (Dez euros).
Nestes termos, e por tudo mais que V.Ex.ss doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando-se procedente e provado e consequentemente revogar-se a sentença proferida pelo Tribunal "a quo", proferindo-se acórdão que julgue improcedente a condenação dos ora recorrentes, nos seus precisos termos ora alegados.
ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ
JUSTIÇA!!!!

O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto uma vez que as declarações prestadas se encontram documentadas.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:
1.º A arguida L é gerente e a arguida M é empregada de mesa e colaborante na gestão do estabelecimento de restauração denominado "Restaurante F..", sito …. Praia da Tocha, na área desta comarca.
2.º No dia 27 de Janeiro de 2010, pelas 14h40m, na sala de recepção dos clientes do referido restaurante, as arguidas tinham exposta uma ementa com a descrição dos pratos servidos no estabelecimento, constando da lista de pratos de
peixe disponíveis para confecção, além de outros, "cherne grelhado", com a indicação à frente do preço de 10,00 € /dose.
3.º Sucede, porém, que, naquele restaurante, as arguidas detinham apenas para confecção perca do Nilo, um peixe de aspecto e sabor semelhante ao cherne, mas de captura de água doce e de qualidade e preço inferiores, o qual se destinava a ser servido aos clientes, como se de cherne se tratasse.
4.º As arguidas agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo das semelhanças existentes entre a perca do Nilo e o cherne e a sua difícil distinção, procurando criar nos seus clientes a convicção de que estavam a consumir cherne, quando bem sabiam que tal não correspondia à verdade.
5.º Tinham perfeito conhecimento de que tais práticas eram proibidas e punidas por lei penal.
6.º As arguidas não têm antecedentes criminais.
7.º A arguida L tem o restaurante aberto há 32 anos, o qual goza de boa reputação e tem uma clientela fixa numerosa.
8.º No mês de Agosto, a época do ano de maior afluência ao restaurante, a arguida Licínia aufere de lucros a quantia aproximada de 50.000,00 €.
9.º A arguida L é proprietária de um veículo automóvel, da marca Mercedes, modelo Vite, com 10 anos.
10.º Completou o 4.º ano de escolaridade.
11.º A arguida M aufere o salário mínimo nacional e reside, a título gratuito, em casa da arguida L a qual também suporta as despesas com a sua alimentação.
12.º A arguida M despende, mensalmente, a quantia de 350,00 € para pagamento de serviços de assistência prestados ao seu pai.
13.º É proprietária de um veículo automóvel, da marca Opel, modelo Corsa, com cerca de 15 anos.
15.º Completou o 6.º ano de escolaridade.
16.º Ambas as arguidas são pessoas trabalhadoras e estimadas pelos clientes do restaurante.

Factos não provados
Não ficou por provar mais nenhum facto com relevo para a decisão da causa.
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Motivação
A convicção deste Tribunal quanto à matéria de facto considerada como provada baseou-se no conjunto da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
Concretizando.
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Relativamente aos pontos 2.º a 5.º, o Tribunal fundou-se nos documentos de fls. 5 a 8 e, sobretudo, nos depoimentos dos inspectores da ASAE, J e M, que participaram na operação de fiscalização ao Restaurante "F.." e que depuseram de forma inteiramente livre, coerente e isenta, demonstrando um conhecimento directo dos factos e, como tal, merecendo inteira credibilidade.
Com efeito, as testemunhas em causa descreveram a forma como abordaram as arguidas e o que estas então lhes disseram, designadamente que sempre venderam perca do Nilo como se de cherne se tratasse, uma vez que este peixe é bastante mais caro do que aquele.
As arguidas não lograram, pois, convencer o Tribunal de que sempre venderam cherne à posta, pese embora no momento da acção inspectiva, por serem 14h00m, esse peixe já tivesse acabado, e que a perca do Nilo era confeccionada apenas em alguns pratos, como o misto de peixes, o arroz do mar, a sopa de peixe e a cataplana, mas não para servir à posta.
Quanto ao facto de as arguidas serem as responsáveis pela gestão do restaurante "Finfas", foi relevante a análise da certidão do registo comercial junta aos autos a fls. 19 a 23, bem como o facto de ambas as arguidas, perante os inspectores da ASAE, terem demonstrado comandar toda a actividade do restaurante. Assim, não obstante a arguida L tenha procurado eximir a arguida M… à sua responsabilidade jurídico-penal pela prática dos factos que lhe são imputados, defendendo que é uma mera empregada de balcão, em sede de audiência de julgamento ficou demonstrado que a mesma era bem mais do que isso, que trabalha no restaurante há vinte anos, sendo o braço-direito da arguida L, e que, colabora com esta na gerência do restaurante.
Quanto à inexistência de antecedentes criminais das arguidas, foi relevante a análise dos certificados de registo criminal que se encontram juntos aos autos a fls. 27 e 28.
No que concerne às condições sócio-económicas das arguidas, constantes dos pontos 7.º a 16.º, foram relevantes as declarações das próprias arguidas, as quais surgiram, quanto a esta parte, relevantes e coerentes, bem como os depoimentos das testemunhas C e J, ambos clientes habituais do restaurante gerido pelas arguidas.
***

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:
- Se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados nos pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 8 dos factos dados como não provados;
- Se a arguida L agiu com negligência;
- Se a pena aplicada peca por excessiva;


As declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento, encontram-se documentadas conforme o disposto no art 363º do Código Processo Penal. Assim, toda a prova produzida em julgamento encontra-se devidamente gravada.
No entanto, as recorrentes e apesar de pretenderem impugnar a matéria de facto dada como provada em julgamento não fizeram a especificação por referência concreta aos suportes técnicos.
Ora, dispõe o art 412 nº 3 do Código Processo Penal:
“Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar.
a) Os concretos pontos de facto que considere incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”
E o nº4 “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do art 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Portanto, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar, além do mais “as provas que impõem decisão diversa da recorrida”, devendo tal especificação fazer-se “por referência ao consignado na acta” em conformidade com o preceituado no nº 2 do art 364.
As recorrentes não deram satisfação a tal ónus, quer na motivação, quer nas conclusões não constam as passagens da gravação áudio relativas à prova testemunhal em que fundam a impugnação da matéria de facto, faltando, assim, a especificação do conteúdo das declarações das testemunhas em cumprimento do ónus da al b) do nº 3 do art 412 do CPP, limitando-se as recorrentes de forma genérica e no que se refere aos pontos 3º a 5º, a fazer uma ligeira referência a algumas das declarações prestadas pelas arguidas, mas sem qualquer referência aos suportes técnicos e sem individualizar as passagens da gravação em que baseiam a impugnação.
Assim sendo, o incumprimento daquele ónus acarreta a impossibilidade de o tribunal de recurso modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Aliás, neste sentido decidiu o acórdão nº 140/2004, processo nº 565/2003 de 10/3/2004 (DR II série, nº 91 de 17/4/2004), ainda Ac RLx de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4, 153 e Ac RC de 30/1/02, in CJ XXVII, 1, 44 e 45.
É verdade que o art 417 nº 3 do CPP estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art 412º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.
No entanto, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art 417 nº 4 do CPP).
Ou seja, só é possível o convite para a correcção quando essa correcção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.
Como vem referido no Ac desta Relação de 2 de Abril de 2008 no processo 604/05.5PBVIS.C1 “quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art 18º nº 2 da CRP que justificam a convite e a consequente possibilidade de correcção.
Porém, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso não enunciou as especificações, o convite à correcção não se justifica porque para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade de prazo de apresentação do recurso.
No caso vertente, nem na motivação, nem nas conclusões existe qualquer menção ás provas que impõem decisão diversa e apenas de forma genérica se faz referência aos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, pelo que não se justifica o convite ao aperfeiçoamento.
Assim, tem-se como assente a matéria de facto.

No entanto, sempre diremos que o que as recorrentes fazem é impugnarem a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos elas adquiriram em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...).Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelas recorrentes.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
As recorrentes com a sua argumentação apenas pretendem e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
As recorrentes fazem o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando as recorrentes qualquer fundamento válido que a possa abalar.
As recorrentes ao impugnar a matéria de facto esquecem os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A sentença recorrida indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.

Sustentam as recorrentes que o Tribunal andou mal ao considerar como provados os factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5 e 8 dos factos provados.
O Tribunal fundou a sua convicção nos depoimentos dos inspectores da ASAE, J e M “que depuseram de forma inteiramente livre, coerente e isenta, demonstrando um conhecimento directo dos factos e, como tal, merecendo inteira credibilidade.
Com efeito, as testemunhas em causa descreveram a forma como abordaram as arguidas e o que estas então lhes disseram, designadamente que sempre venderam perca do Nilo como se de cherne se tratasse, uma vez que este peixe é bastante mais caro do que aquele.
As arguidas não lograram, pois, convencer o Tribunal de que sempre venderam cherne à posta, pese embora no momento da acção inspectiva, por serem 14h00m, esse peixe já tivesse acabado, e que a perca do Nilo era confeccionada apenas em alguns pratos, como o misto de peixes, o arroz do mar, a sopa de peixe e a cataplana, mas não para servir à posta”.
No que respeita aos depoimentos das testemunhas de defesa C e J as mesmas não presenciaram os factos. Apenas manifestaram as suas convicções no que respeita às arguidas.
As arguidas, nas suas declarações, entram em notórias contradições quanto á existência ou não de cherne, no dia aqui em questão. O facto é que se existia cherne congelado era fácil mostrá-lo aos inspectores da ASAE. Mas tal não aconteceu. As facturas, também não apareceram no respectivo dia. Mas, perca do Nilo existia.
No que respeita ao ponto 1 dos factos apurados basta ler a fundamentação que as recorrentes não conseguiram contrariar.
“Quanto ao facto de as arguidas serem as responsáveis pela gestão do restaurante "Finfas", foi relevante a análise da certidão do registo comercial junta aos autos a fls. 19 a 23, bem como o facto de ambas as arguidas, perante os inspectores da ASAE, terem demonstrado comandar toda a actividade do restaurante. Assim, não obstante a arguida L tenha procurado eximir a arguida M à sua responsabilidade jurídico-penal pela prática dos factos que lhe são imputados, defendendo que é uma mera empregada de balcão, em sede de audiência de julgamento ficou demonstrado que a mesma era bem mais do que isso, que trabalha no restaurante há vinte anos, sendo o braço-direito da arguida Licínia, e que, colabora com esta na gerência do restaurante”.
É de notar que a inspectora da ASAE referiu que entendeu que a arguida M era o braço direito da arguida L e que, inclusivamente, foi ela que foi buscar a factura do peixe que as mesmas estavam a servir, portanto, demonstrativo, do papel que a mesma tinha na organização daquele estabelecimento comercial.
A própria testemunha de defesa J referiu que a “J vê a C… como uma mãe e a C.. vê a J.. como uma filha”, isto mostra a relação que ambas mantêm e, portanto a confiança que partilham.
No que respeita aos pontos 4 e 5, e que se referem ao elemento subjectivo este, não é susceptível de apreensão directa por pertencer ao foro intimo de cada um, pelo que só pode ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infracção.
Portanto, a partir de determinados factos e à luz das regras da experiência podemos concluir pela intencionalidade pela forma como agiram as arguidas. Portanto, a intenção com que as recorrentes agiram retira-se, extrai-se, da matéria de facto. É através da realidade factual que lhe está subjacente que o Tribunal e recorrendo às regras da experiência tem de concluir pela intencionalidade ou não do agente. E dos factos apurados bem andou o tribunal ao concluir pela intencionalidade das arguidas.
No que respeita ao ponto 8 é a própria arguida L que refere que no mês de Agosto “ sou capaz de fazer aí uns € 50.000”. Ora, quando dizemos que somos capazes de fazer uns € 50.000, não estamos com malabarismos a dizer, ou seja, depois da facturação…. , quer dizer, vendo as coisas devo fazer…
Portanto, as recorrentes não indicam qualquer dado objectivo que possa abalar a credibilidade que o tribunal deu aos depoimentos das testemunhas e este tribunal também não vê motivos para o fazer.
Voltando à sentença, nomeadamente à motivação, constatamos que a mesma está fundamentada, aprofundando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca dos factos que deu como apurados e como não apurados. A motivação não se basta a enunciar e elencar os meios de prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise critica dessas provas, de modo que possibilita, olhar-se e ver-se o percurso efectuado na decisão em recurso.
Como já referimos da motivação e do exame critico da prova resultam as razões pelas quais o tribunal deu como provados determinados factos, permitindo ao arguido todos os meios de defesa e a este Tribunal, reconstruir retrospectivamente o caminho percorrido na decisão recorrida.
Perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica das recorrentes. Estas esquecem a prova produzida e as regras da experiência e sobrevalorizam a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

Atendendo aos factos apurados temos de concluir que se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime de fraude sobre mercadorias imputado às arguidas.

Sustenta a recorrente L que a pena aplicada é desproporcionada.
No que respeita à determinação da medida da pena temos que considerar o que dispõe os arts 40, 70 e 71 do Código Penal.
Dispõe o art 40 que “a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Sendo certo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, ou seja, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável da sua medida.
Como se diz no acórdão desta relação de 17/1/1996 na CJ, Ano XXI, Tomo I, pg 38, (...) a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em primeiro lugar, o da culpa do agente, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção especial e geral”.
“(...) Na determinação da medida judicial da pena, o julgador terá de se movimentar tendo em atenção, em primeira linha, a culpa do agente, entendida esta no sentido atrás referido, qual seja de que o objecto de valoração da culpa é prevalentemente o facto ilícito praticado.
Por outro lado, o preceito que vimos de analisar (...) manda igualmente que o julgador, proceda à fixação do quantum de pena concreto, tendo em conta considerações de prevenção (geral e especial), concretizadas pelo seu nº 2.
(...) Os critérios legais de fixação da medida da pena a aplicar a cada caso, submetido a julgamento, são a culpa (num primeiro momento) e a prevenção (na fase subsequente, mas ao mesmo nível, consabido que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
O critério para a escolha da pena, bem como os limites a observar no que respeita ao seu quantum encontram-se fixados nos arts 70 e 71 do Código Penal. O art 70 dá primazia às penas não detentivas; o segundo aponta para a determinação da medida da pena a culpa do agente e as exigências de prevenção bem como, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
“Atribuindo-se à pena um critério de reprovação ética, têm de se levar em conta as finalidades de prevenção geral e especial; fazendo apelo a critérios de justiça, procurar-se-á uma adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa por um lado e a pena por outro” (CJ, Ano XVII, Tomo I, pg 70).
No caso vertente, a recorrente encontra-se numa situação económica estável.
E o montante diário da pena de multa deve ser fixado de modo a que se traduza num sacrifico real para o condenado, por forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura e bem assim assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve, sem deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar (Ac RC, in CJ, Ano XXVII, T 2, pg 57).
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, pg 128, quando se refere à determinação do quantitativo diário da multa, ao fixar-se um diferencial tão acentuado entre o limite mínimo e máximo “deste modo se visa dar realização, também, quanto á pena pecuniária, ao princípio da igualdade de ónus e sacrifícios”.
Ora, atendendo à situação económica da recorrente o montante fixado é justo e equilibrado. Aliás, o legislador previu que quando existe uma dificuldade no pagamento da multa, a possibilidade de o fazer em prestações.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelas recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 9 ucs.

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade