Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
329/13.8GEACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PRAZO DE CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
CRIME PARTICULAR
ADVERTÊNCIA LEGAL PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA OU PELO OPC
Data do Acordão: 01/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 68.º E 246.º, DO CPP
Sumário: I - O n.º 4 do art. 246.º do CPP torna obrigatória para o denunciante de crime particular a declaração de que pretende constituir-se assistente e, neste caso, impõe à autoridade judiciária ou ao OPC a quem a denúncia foi feita verbalmente, a advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.

II - A lei não impõe a comunicação e explicação ao denunciante do estatuto do assistente [até porque nem todo o cidadão é jurista e, em princípio, só estes estarão em condições de o entender na sua plenitude] mas apenas a obrigação de como tal se constituir, como pressuposto da legitimidade para a promoção do processo.

III - O recorrido entendeu, feita a notificação, o que seria razoável esperar que o homem médio tivesse igualmente entendido, resulta do seu posterior comportamento, ao ter solicitado protecção jurídica três dias após a apresentação da queixa, dela fazendo constar, à solicitação para explicar, por palavras suas, a sua pretensão.

IV - A indicação do prazo legal para a constituição de assistente permite ao destinatário da informação saber quando o mesmo, em princípio, terminará. Qualquer vicissitude que surja, seja de suspensão [v.g., férias judiciais], seja de interrupção [v.g., pedido de protecção jurídica], na contagem do prazo, nunca redundará em prejuízo do denunciante, e não se vê que delas, ou de algumas apenas, tenha que dar conta o OPC, no âmbito da informação sobre o pedido de protecção jurídica.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No inquérito nº 329/13.8GEACB, que corre termos no Departamento de Investigação e Acção Penal, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Alcobaça – Instância Local – Secção Criminal – J1, em que é arguida A... , com os demais sinais nos autos, B... requereu a sua constituição como assistente.

Em 20 de Novembro de 2014 a Mma. Juíza de instrução proferiu o seguinte despacho:

“ (…).

Fls. 38 e 39:

Por estar em tempo (art. 68º, nº 3 do CPP), deter legitimidade para tanto (art. 68º, nº 1, alínea a) do CPP conjugado com o artigo 113º, nº 1 do CP), se encontrar devidamente representado por advogado, cfr. resulta de fls. 21 (art. 70º do CPP) e se encontrar dispensado do pagamento da taxa de justiça devida, cfr. fls. 41 (artigo 519º do CPP), admito B... a intervir nos presentes autos como assistente.

Notifique.  

(…)”.


*

            Inconformado com a decisão, recorreu o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. O ofendido B... apresentou queixa por factualidade susceptível de integrar a prática do crime de injúria, p. e p. pelos artigos 181.º/1 e 188.º/1 do Código Penal, cujo procedimento criminal depende de queixa e da constituição como assistente do ofendido.

2. Em 17.12.2013, o ofendido foi pessoalmente notificado para requerer, no prazo de 10 dias, a respectiva constituição como assistente – cf. fls. 63.

3. Em 20.12.1013, o ofendido solicitou à Segurança Social apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono – cf. fls. 5-9.

4. Em 13.01.2014, a Segurança Social deferiu o pedido de apoio judiciário do ofendido – cf. fls. 23.

5. Em 23.01.2014, a Ordem dos Advogados notificou o Il. Patrono Dr. C... da sua nomeação – cf. fls. 42 – reiniciando-se então a contagem do prazo de 10 dias para o ofendido requerer a respectiva constituição como assistente [cf. artigo 24.º/5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 28.07].

6. Em 28.02.2014, com a junção aos autos do requerimento de fls. 32-39, o ofendido e queixoso veio requerer a respectiva constituição como assistente.

7. O despacho judicial de fls. 119, ora recorrido, ao admitir a constituição do ofendido como assistente, violou a norma prevista no artigo 68.º/2 do Código de Processo Penal, que estabelece um prazo de 10 dias para o exercício desse direito.

8. O despacho judicial de fls. 119 deveria ter indeferido a requerida constituição como assistente, por não ter sido requerida no referido prazo de 10 dias, cumprindo assim aquele preceito legal e a doutrina assente pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2011 do Supremo Tribunal de Justiça, segundo o qual «em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no artigo 68.º, n.º 2 do Código de Processo Penal».

9. Deve o referido despacho ser revogado e indeferida a requerida constituição do ofendido como assistente.


*

            Em 9 de Dezembro de 2014 a Mma. Juíza de instrução proferiu o seguinte despacho:

            “ (…).

            Fls. 38 e 39 e 119:

                Porque o despacho de fls. 119 foi proferido sem se atentar aos elementos constantes dos autos relativos à tempestividade do requerimento de constituição de assistente formulado, dá-se sem efeito o mesmo.

                Notifique.


*

                Após trânsito, notifique o Ministério Público, para que informe se mantém interesse no recurso apresentado.

            (…)”


*

            Em 20 de Janeiro de 2015 o Digno Magistrado do Ministério Público, tendo vista dos autos, afirmou manter o interesse no recurso interposto.

*

            Em 26 de Janeiro de 2015 B... interpôs recurso do despacho de 9 de Dezembro de 2014.

*

            Em 25 de Fevereiro de 2015 a Mma. Juíza de instrução proferiu o seguinte despacho:

            “ (…).

            O que se pretendeu com a prolação do despacho de fls. 131, foi, obviamente, diligenciar pelo andamento célere do processo, face à constatação de um erro de decisão do Tribunal.

                Face à atitude das partes, relativamente à correcção de tal decisão, e uma vez que o poder jurisdicional se esgotou com a prolação do despacho de fls. 119, o referido despacho prevalece sobre o despacho proferido a fls. 131 dos autos.

                Notifique.

            (…)”


*

            Por despacho proferido no mesmo dia 25 de Fevereiro de 2015 foi admitido o recurso do Ministério Público.

*

            Respondeu ao recurso B... , formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1. Como se refere no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2011 (publicado no DR 18, SÉRIE I, de 2011-01-26), «O prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º está indissociavelmente ligado à norma do n.º 4 do artigo 246.º, pois é com o devido e cabal cumprimento do dever de informação e advertência do denunciante, por crime cujo procedimento depende de acusação particular, que se inicia o prazo fixado na lei para que o denunciante requeira sua constituição como assistente.» (sublinhados e negrito nossos).                 2. O dever não foi cumprido, porque o ofendido não foi cabalmente informado da totalidade dos procedimentos a tomar, ficando, nomeadamente:

a) sem saber o que é a constituição de assistente e quem pode pedi-la, e a quem, e onde;

b) sem poder determinar quando terminou o seu prazo para se constituir assistente, visto não ter sido informado que a junção aos autos do comprovativo de pedido de apoio judiciário interrompe a constituição de assistente.

3. Logo, o prazo nunca se chegou a iniciar.

4. A isso acresce que, quando recebeu a comunicação da Ordem dos Advogados informando da existência de patrono, o ofendido pensava que o seu prazo já tinha terminado.

5. Não sabia, portanto, que tinha de adoptar um certo comportamento com vista à obtenção de um certo efeito jurídico, caso tal obtenção fosse por si desejada desconhecendo assim que tinha de visitar o seu patrono ou constituir advogado dentro de um curto lapso de tempo.

6. Além disso, o prazo nunca se teria reiniciado.

7. Para que o prazo se reinicie, é necessário que ocorra a notificação a que alude a Lei do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) no seu artigo 24.º, n.º 5, al. a), e que regula no art. 31.º, n.º 1.

8. O artigo exige que a notificação da Ordem dos Advogados contenha «a expressa advertência do início do prazo judicial», o que se consubstancia em:

a) uma advertência;

b) do início do prazo;

c) que seja expressa.

9. Nenhum dos dois últimos elementos está presente na notificação da OA, que diz: «Permitimo-nos, ainda, chamar a atenção para as regras da contagem de prazos constantes dos nºs 4 e 5 do artigo 24º da referida Lei, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial.»

10. Esta comunicação é a mesma que a OA envia aos advogados também em casos em que não há início de prazo, pelo que o notificando não tem como distingui-las – cfr. Docs 3 e 4 do requerimento a fls 32-49.

11. O ofendido, notificado do despacho de arquivamento a 2014-02-24, reagiu a 2014-02-27 pedindo a invalidação da notificação da OA e do despacho de arquivamento e que fosse permitido ao ofendido constituir-se assistente, o que requereu de seguida, tendo renovado o pedido de constituição de assistente em 2014-03-05.

12. Nestes termos, deve o douto despacho ser mantido, deferindo-se a requerida constituição do arguido como assistente e remetendo-se o processo ao Ministério Público para que prossiga seus termos.

13. Existe nos Autos um recurso interposto pelo ofendido mediante o qual é por este requerida a anulação do douto despacho de fls. 131, com a referência 75218457, que declara sem efeito o despacho em que se admitiu a constituição do ofendido como assistente.                 14. O recurso em causa, salvo melhor opinião, tem subida imediata e como tal foi caracterizado no requerimento de interposição. Até ao momento presente ainda não foi proferido despacho de admissão ou rejeição do recurso interposto pelo ofendido, tendo este sido apenas notificado para informar os Autos sobre a sua manutenção (ou não) de interesse em tal interposição (havendo, em consequência, informado os Autos de que mantém tal interesse).

15. Embora seja duvidoso que tal recurso se subsuma na categoria de «recurso retido», por mera cautela de representação o ofendido declara desde já que tal recurso retido mantém interesse para a justa decisão da causa, sendo porém de sublinhar que, caso improceda o presente recurso (interposto pelo Ministério Público) ao qual ora se responde, o referido «recurso retido» deixará de ter interesse para a justa decisão da causa. 

                Nestes termos, deve o douto recurso ser indeferido, mantendo-se o douto despacho recorrido, deferindo-se a requerida constituição do arguido como assistente e remetendo-se o processo ao Ministério Público para que prossiga os seus termos.

                Assim será cumprido o direito e feita Justiça.


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            Em 15 de Maio de 2015 a Mma. Juíza de instrução proferiu o seguinte despacho:

            “ (…).

            Venerandos Juízes Desembargadores,

                Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 414º do CPP, e com os fundamentos descritos no 2º parágrafo de fls. 131, entende-se ser de reparar o despacho recorrido.

                Contudo, V. Exas. sempre farão a costumada Justiça.


*

                Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

            (…)”


*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que a notificação feita ao requerente de apoio judiciário e ao seu Patrono nomeado respeitou os requisitos exigidos pelo art. 31º, nº 1 da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, pelo que é extemporânea a requerida constituição de assistente, e concluiu pelo provimento do recurso.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido, longamente, o requerente da qualidade de assistente, B... , reafirmando as conclusões da contramotivação.


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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo Digno Magistrado recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se o requerimento de constituição de assistente apresentado por B... é ou não tempestivo.


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            Com relevo para a questão proposta, colhem-se dos autos os seguintes elementos:

            i) Em 17 de Dezembro de 2013 B... apresentou queixa no Posto da GNR de São Martinho do Porto contra A... por esta, por duas ou três vezes, em datas não precisadas, compreendidas entre Setembro e 11 de Dezembro de 2013 o ter chamado de «mentiroso», e de no dia 11 de Dezembro de 2013, pelas 12h, no estabelecimento K... , situado na (... ) de São Martinho do Porto, o ter chamado de «filho da puta».  

            ii) No mesmo dia e no referido posto da GNR foi B... notificado nos seguintes termos:

            “ (…).

            Aos 17 dias do Mês de Dezembro de 2013 notifico pessoalmente, B... Cartão Cidadão nº (... ), residente em Rua (... ) Alcobaça, para a obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, nos termos do nº 4 do Artº 246º do C.P.P.

                A constituição de assistente deve operar-se no prazo de DEZ DIAS a contar do acto da denúncia/presente notificação, nos termos do Artº 68º do C.P.Penal, com o inerente pagamento da taxa de justiça respectiva, conforme Art. 519 do C.P.Penal.

                A não constituição de assistente, nos casos em que é obrigatória, determina o arquivamento do processo no que diz respeito aos crimes particulares correspondentes.

            (…)”.

            iii) No dia 2 de Janeiro de 2014, B... , em requerimento dirigido ao Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Alcobaça, requereu a junção do requerimento de apoio jurídico para constituição como assistente, por si apresentado na Segurança Social, em 20 de Dezembro de 2013.  

            iv)  Em 23 de Janeiro de 2014 a Ordem dos Advogados comunicou aos Serviços do Ministério Público d Alcobaça, com referência ao processo nº 329/13.8GEACB, que havia sido nomeado patrono ao beneficiário B... , o Senhor Advogado, Dr. C... . 

            v) Em 23 de Janeiro de 2014 a Ordem dos Advogados notificou o Sr. Dr. C... nos seguintes termos:

            “ (…).

            Assunto: Apoio Judiciário

                - N/Refª: N.P. nº 14993/2014

                - Refª: Proc. nº 329/13.8GEACB dos Serviços do Ministério Público de Alcobaça – Secção de Processos

                - Refª S.S.: Centro Distrital de Segurança Social de Leiria – Proc. nº 2013251730

                Exmo(a) Senhor(a)

                Nos termos da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, informamos V. Exª que foi nomeado(a) para patrocinar o(a) requerente:

                Senhor(a) B...

                R (... )

                2460 – 478 Alcobaça

                Conforme ofício da Segurança Social remetido a estes Serviços, o apoio judiciário foi pedido para efeitos de:

                Permitimo-nos, ainda, chamar a atenção para as regras da contagem de prazos constantes dos nºs 4 e 5 do artigo 24º da referida Lei, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência da acção judicial.

                Com os melhores cumprimentos

            (…)”.

            vi) Por ofício datado de 23 de Janeiro de 2014, a Ordem dos Advogados notificou o requerente B... de que lhe havia sido nomeado patrono o Senhor Advogado, Dr. C... , com informação do seu domicílio profissional e contacto telefónico com quem deveria estabelecer imediato contacto.

             

            vii) Em 30 de Janeiro de 2014 o Centro Distrital de Leiria do Instituto de Segurança Social, IP, comunicou aos Serviços do Ministério Público de Alcobaça que, por despacho de 13 de Janeiro de 2014 havia sido deferido o requerimento de protecção jurídica apresentado por B... . 

            viii) Em 28 [ou 27, como pretende o recorrido, sendo, para o caso, irrelevante] de Fevereiro de 2014, B... requereu nos autos, ao Ministério Público, a sua constituição como assistente.

            ix) Requerimento que repetiu em 5 de Março de 2014, agora dirigido ao Mmo. Juiz de instrução.

x) Em 20 de Novembro de 2014, conforme já referido, foi proferido o despacho recorrido.


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            Da tempestividade do requerimento de constituição de assistente

            1. Sendo o Ministério Público o exclusivo detentor da acção penal, a sua capacidade de acção varia em função da natureza dos crimes em investigação. Assim, e no que respeita à legitimidade para a promoção do processo penal, ela é plena relativamente aos crimes públicos (art. 48º do C. Processo Penal) isto é, pode autonomamente iniciar a respectiva investigação e submeter o facto a julgamento, mediante a dedução de acusação. Já no que respeita aos crimes semi-públicos, a promoção do processo depende de o ofendido ou das pessoas com legitimidade para apresentarem queixa darem conhecimento do facto ao Ministério Público (art. 49º, nº 1 do C. Processo Penal). E no que concerne aos crimes particulares, a promoção do processo pelo Ministério Público, para além da queixa do ofendido, depende ainda da acusação por si deduzida, depois de constituído assistente (art. 50º, nº 1 do C. Processo Penal).  

            A lei processual penal caracteriza o assistente como um colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei (art. 69º, nº 1 do C. Processo Penal). Compete especialmente ao assistente, além do mais, deduzir acusação independentemente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza (nº 2, b) do mesmo artigo).

            E quem pode ter a qualidade processual de assistente?

            O princípio geral estabelecido no art. 68º, nº 1, a) do C. Processo Penal é o de que pode constituir-se assistente o ofendido, entendido como titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maior de 16 anos. E abrangidas por este princípio podem considerar-se as situações idênticas, previstas nas alíneas b), c) e d) do mesmo nº 1.

            A lei adopta depois um conceito lato de ofendido, nas duas outras situações que prevê: confere legitimidade para se constituírem assistentes às pessoas e entidades a quem leis especiais confiram esse direito (corpo do nº 1 do mesmo artigo); e confere legitimidade para se constituir assistente a qualquer pessoa, quando o procedimento criminal tenha por objecto crimes contra a paz e a humanidade, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção (alínea e) do mesmo nº 1).

            Em regra, o assistente pode intervir em qualquer altura do processo, desde que o requeira, até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento, ou nos prazos estabelecidos nos arts. 284º e 287º, nº 1, b), do C. Processo Penal, para os efeitos aí previstos (art. 68º, nº 3, a) e b) do C. Processo Penal).

            Mas para os crimes particulares existe regra especial, estabelecendo o art. 68º, nº 2 do C. Processo Penal que, tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º. Este nº 4 torna obrigatória para o denunciante de crime particular, a declaração de que pretende constituir-se assistente e, neste caso, impõe à autoridade judiciária ou ao OPC a quem a denúncia foi feita verbalmente, a advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.

            A este respeito, cabe referir que o Acórdão Uniformizador nº 1/2011 (DR I, nº 18, de 26 de Janeiro de 2011) uniformizou jurisprudência no sentido de que, em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal.   

            Posto isto.

            2. Na queixa que apresentou à GNR de São Martinho do Porto, em 17 de Dezembro de 2013, B... denunciou factos susceptíveis de significarem o cometimento pela arguida de crimes de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1 do C. Penal, crime que tem natureza particular, já que o respectivo procedimento criminal depende de acusação particular (art. 188º, nº 1 do mesmo código). Dada a natureza do crime, apresentada a queixa, o OPC efectuou a B... , por escrito, a advertência prevista no referido nº 4 do art. 246º do C. Processo Penal.

            Iniciado o prazo previsto no art. 68º, nº 2 do C. Processo Penal [10 dias a contar da advertência referida], B... requereu protecção jurídica à Segurança Social em 20 de Dezembro de 2013, situação que demonstrou no processo em 2 de Janeiro de 2014. Uma vez que entre 22 de Dezembro e 3 de Janeiro decorre um período de férias judiciais, nos termos do disposto no art. 24º, nº 4 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto), o prazo de 10 dias interrompeu-se quando dele tinham decorrido quatro dias.

            Tal prazo, nos termos do nº 5, a) do referido art. 24º, inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação. Tendo ocorrido tal notificação a 23 de Janeiro de 2014, o prazo de 10 dias para a apresentação de requerimento de constituição de assistente terminou a 3 de Fevereiro de 2014.

            Ora, o requerimento em questão foi apresentado a 28 de Fevereiro de 2014, com o prazo há muito esgotado, ficando, nos termos da jurisprudência uniformizada pelo Acórdão nº 1/2011, precludido o direito.        

            3. Porém, B... , na contramotivação apresentada, suscita duas distintas questões que, a procederem, infirmarão a conclusão antecedente e que são: nunca se ter iniciado o prazo para requerer a sua constituição como assistente, por incumprimento do disposto nos arts. 68º, nº 2 e 246º, nº 4 do C. Processo Penal e; nunca o prazo para requerer a constituição como assistente se reiniciou, por incumprimento do art. 31º, nº 1 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais.

            Detenhamo-nos, pois, sobre cada uma delas.

            3.1. Relativamente à primeira objecção, citando o já referido Acórdão nº 1/2011, alega o recorrido que o prazo assinalado no nº 2 do art. 68º do C. Processo Penal se encontra indissociavelmente ligado ao preceituado no nº 4 do art. 246º do mesmo diploma, pressupondo o devido e cabal cumprimento do dever de informação e da advertência deste constantes, para o início da sua contagem, donde que o cumprimento deste dever abrange a indicação do prazo de que dispõe o ofendido para se constituir assistente, indicação que lhe deve possibilitar saber quando o mesmo termina. A notificação que para este efeito lhe foi feita, continua o recorrido, a fls. 63 [trata-se da transcrita em II., ii) que antecede], não fornece a totalidade da informação necessária ao ofendido, pois que apenas lhe comunica que é obrigatória a constituição de assistente, mas não diz em que consiste tal acto, quem tem de o fazer e perante quem, como também não diz que existe um regime diferente de contagem do indicado prazo de dez dias, quando seja formulado pedido de apoio judiciário, como sucedeu nos autos, e por isso, quando recebeu a notificação da Ordem dos Advogados da nomeação de patrono, não sabia que tinha de praticar actos para observar o ónus imposto e menos ainda, que tinha o prazo de dez dias para o fazer, pensava que o prazo já tinha terminado, e não sabia que tinha que visitar com celeridade o patrono.

            Não assiste razão ao recorrido. Explicando.

            A advertência que o nº 4 do art. 246º do C. Processo Penal impõe que seja feita ao denunciante de crime particular, pela autoridade judiciária ou OPC que recebeu a denúncia, tem apenas por objecto a obrigatoriedade da constituição de assistente e os procedimentos a observar

            Contrariamente ao pretendido pelo recorrido, a lei não impõe a comunicação e explicação ao denunciante do estatuto do assistente [até porque nem todo o cidadão é jurista e, em princípio, só estes estarão em condições de o entender na sua plenitude] mas apenas a obrigação de como tal se constituir, como pressuposto da legitimidade para a promoção do processo. Ora, tudo isto consta da notificação feita pela GNR ao recorrido em 17 de Dezembro de 2013. E que o recorrido entendeu, feita a notificação, o que seria razoável esperar que o homem médio tivesse igualmente entendido, resulta do seu posterior comportamento, ao ter solicitado protecção jurídica três dias após a apresentação da queixa, dela fazendo constar, à solicitação para explicar, por palavras suas, a sua pretensão. «Preciso de um advogado que me defenda e represente na denúncia que apresentei na GNR de São Martinho do Porto, por difamação, injúria e assédio sexual.».

            De entre os procedimentos a observar, foi informado o recorrido do prazo para requerer a constituição de assistente e da obrigação fiscal inerente, como expressamente consta da notificação feita. E foi então, seguramente, ainda informado de que teria que constituir advogado ou solicitar a nomeação de um patrono, no âmbito da protecção jurídica, incluindo esta a dispensa do pagamento daquela obrigação, dado o seu já referido posterior comportamento, a solicitar tal protecção.

            A indicação do prazo legal para a constituição de assistente permite ao destinatário da informação saber quando o mesmo, em princípio, terminará. Qualquer vicissitude que surja, seja de suspensão [v.g., férias judiciais], seja de interrupção [v.g., pedido de protecção jurídica], na contagem do prazo, nunca redundará em prejuízo do denunciante, e não se vê que delas, ou de algumas apenas, tenha que dar conta o OPC, no âmbito da informação sobre o pedido de protecção jurídica.

           

            Acresce que a pretendida omissão de informação relevante invocada pelo recorrido, para justificar a conclusão por si tirada de que, quando a Ordem dos Advogados lhe comunicou a nomeação de patrono, supunha que já tinha terminado o prazo e que não tinha que o visitar com celeridade, carece de razoabilidade, na medida em que a notificação da nomeação que lhe foi feita pela Ordem clara e expressamente referia que deveria estabelecer imediato contacto com o patrono nomeado, e prestar-lhe toda a colaboração. Concedendo-se que o recorrido não seja jurista de profissão, porque juristas há na Ordem dos Advogados, o que o cidadão médio, o cidadão medianamente diligente teria feito, sendo até o único interessado no prosseguimento dos autos, ao receber a notificação da Ordem, seria entrar de imediato em contacto com o patrono. Se, porventura, o recorrido não o fez, sibi imputet…  

            Finalmente, e ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião, não chega sequer a ser argumento, a invocação da existência de jurisprudência divergente, antes de ter sido proferido o Acórdão Uniformizador nº 1/2011, precisamente porque com a prolação desta decisão do nosso mais Alto Tribunal, foi posto cobro a tal dissensão.

            Em conclusão, foi cumprida, nos termos legalmente prescritos, a advertência prevista no nº 4 do art. 246º do C. Processo Penal.

            3.2. Relativamente à segunda objecção, diz o recorrido que, mesmo que se tivesse iniciado o prazo do art. 68º, nº 2 do C. Processo Penal, após a sua interrupção, operada pela requerida protecção jurídica, nunca o mesmo se reiniciou porque a notificação prevista no art. 31º, nº 1 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais não observou os requisitos legalmente exigidos, na medida em que dela não consta a advertência expressa do inicio do prazo.

            Vejamos.

            Dispõe o art. 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais:

            1 – A nomeação de patrono é notificada pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado e, nos casos previstos no n.º 4 do artigo 26.º, para além de ser feita com a expressa advertência do início do prazo judicial, é igualmente comunicada ao tribunal.

            2 – A notificação da decisão de nomeação de patrono é feita com menção expressa, quanto ao requerente, do nome e escritório do patrono bem como do dever de lhe dar colaboração, sob pena de o apoio judiciário lhe ser retirado.

            Por sua vês, dispõe o nº 4 do art. 26º da mesma lei:

            (…).

            4 – Se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao tribunal em que a acção se encontra pendente, bem como, através deste, à parte contrária.

            Da conjugação destes dois preceitos legais resulta que a expressa advertência do início do prazo judicial só tem que constar da notificação da nomeação de patrono ao requerente, quando o pedido de apoio judiciário tenha sido formulado na pendência da acção.

            In casu, é precisamente esta a situação que se verifica, sendo certo que da notificação feita pela Ordem dos Advogados ao patrono nomeado, Sr. Dr. C... [transcrita em II., v) que antecede], consta perfeitamente identificado o processo pendente [Refª: Proc. nº 329/13.8GEACB dos Serviços do Ministério Público de Alcobaça – Secção de Processos].

            Mas quando o nº 1 do art. 31º da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais impõe a expressa advertência do início do prazo judicial, a que prazo se está a referir? Uma vez que, como vimos, a advertência só tem que ser feita quando o pedido de apoio judiciário tiver sido formulado na pendência da acção, o prazo judicial só pode ser o referido no art. 24º, nº 4 da mesma lei isto é, o que estiver em curso quando for junto aos autos documento comprovativo da apresentação do requerimento, independentemente da sua específica identificação. E o que a lei pretende, ao estabelecer a advertência na notificação, é que o patrono nomeado acautele as consequências processuais da norma do nº 5 do mesmo art. 24º isto é, o reinicio do prazo que tinha sido interrompido pela comprovação no processo do requerido apoio judiciário.  

           

Deste modo, a expressa advertência do início do prazo judicial que deve constar da notificação, nas circunstâncias supra apontadas, tem o significado ou sentido de, explícita advertência ou advertência escrita do início do prazo judicial [interrompido].   

Ciente de que a notificação é feita a um seu membro, necessariamente Advogado, e nessa qualidade, jurista cuja capacidade e competência profissional ela assegura, a Ordem dos Advogados dela faz constar, não a seca letra da lei – de cuja aplicação resultaria qualquer coisa parecida com, «(…) mais se adverte do início do prazo judicial.» – mas a fórmula mais atenciosa para o membro nomeado [gentileza, é o termo usado pelo recorrido] de, «Permitimo-nos, ainda, chamar a atenção para as regras da contagem de prazos constantes dos nºs 4 e 5 do artigo 24º da referida Lei, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência da acção judicial.», a qual contém, inequivocamente, o sentido pretendido pela imposta advertência ou seja, alertar para o reinício de qualquer prazo judicial interrompido pelo requerimento.

Deste modo, dúvidas não subsistem de que a notificação feita pela Ordem dos Advogados, em 24 de Janeiro de 2014, ao Ilustre Patrono nomeado ao recorrido, contém a advertência prevista no art. 31º, nº 1 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais.

4. Em síntese conclusiva temos que:

- O OPC cumpriu, relativamente ao recorrido, a advertência prevista no nº 4 do art. 246º do C. Processo Penal, 17 de Dezembro de 2013, tendo-se então iniciado o prazo de 10 dias previsto no art. 68º, nº 2 do mesmo código, para requerer a constituição de assistente;

- Este prazo suspendeu-se em 22 de Dezembro de 2013, devido ao início das férias judiciais, e interrompeu-se em 2 de Janeiro de 2014, nos termos do art. 24º, nº 4 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, por nesta data ter o recorrido demonstrado no processo ter requerido protecção jurídica em 20 de Dezembro de 2013;

- Em 24 de Janeiro de 2014, com a efectivação da notificação prevista no art. 31º, nº 1 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, contemplando a expressa advertência ali prevista, reiniciou-se o prazo previsto no art. 68º, nº 2 do C. Processo Penal, conforme o disposto no art. 24º, nº 5, a) daquela lei, cujo termo ocorreu a 3 de Fevereiro de 2014;

- Tendo o recorrido requerido a sua constituição de assistente em 27 ou 28 de Fevereiro de 2014, é o requerimento extemporâneo, estando precludido o direito, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 1/2011;

- Impunha-se pois, o indeferimento da requerida constituição de assistente por parte do recorrido, o que determina a não manutenção do despacho recorrido.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam o despacho recorrido.


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Recurso sem tributação.

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Coimbra, 20 de Janeiro de 2016


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Orlando Gonçalves – adjunto)