Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/07.6PEVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - 1º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.ºS 358º E 359º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: A correspondência entre os factos constantes da acusação e os factos constantes da decisão final não implica necessariamente a correspondência entre os respectivos textos.
Se o tribunal da condenação dá como assentes factos que já constavam da acusação ainda que conferindo-lhes um encadeamento diverso, desde que este lhes não retire a identidade naturalística, não ocorre qualquer alteração relevante da matéria de facto, pelo que nem sequer se torna necessário proceder à comunicação pressuposta pela alteração não substancial.

Do mesmo modo, se o tribunal descreve os mesmos factos por outras palavras, ou confere maior pormenor ao relato apenas para precisar os termos da acção, mas sem acrescentar nada de novo à descrição da acção típica relevante, não ocorre alteração substancial ou não substancial da matéria de facto.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 1º Juízo Criminal de Z..., após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferido acórdão decidindo nos seguintes termos:

“(…)

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem o Tribunal Colectivo da comarca de Z..., em julgar a acusação pública parcialmente procedente e, consequentemente:

A)Absolver o arguido A... dos crimes de corrupção passiva e de tráfico de influência que lhe vinham imputados na acusação pública.

B) Condenar os arguidos A..., B... e C..., como co-autores de um crime de corrupção (desportiva) activa agravado, previsto e punido pelos arts. 9º e 12º, nº 2 da Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto e 26º do C.Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa para cada um deles, às respectivas taxas diárias de 10,00€, 8,00€ e 9,00 €, o que perfaz o montantes globais de 2000,00€ (dois mil euros), 1.600,00€ (mil e seiscentos euros) e 1800,00€ (mil e oitocentos euros) respectivamente.

C) Condenar o Clube Desportivo XX..., como autor de um crime de corrupção activa, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 11º, nºs 2, al. a), 4, 7 e 9, al.a), 26º, ambos do Cód. Penal, 9º e 12º, nº 2 da Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 110,00€, o que perfaz o montante global de 22.000€.

D) Declarar perdida a favor do Estado a quantia de 500,00€ (quinhentos euros), apreendida ao arguido A....

E) Ordenar o levantamento da apreensão da quantia de 510,00€ (quinhentos e dez euros), aprendida ao arguido C... e, bem assim, dos cinco telemóveis apreendidos, quantia e objectos estes que deverão ser entregues a quem provar ser titular dos mesmos, devendo os arguidos na posse de quem foram encontrados ser notificados para os efeitos previstos no art.186º do C.Penal, sem prejuízo de, decorrido um ano, serem declarados perdidos a favor do Estado (nº4 do preceito legal citado (art.186 do C.P.P.).

(…)”.

Inconformados, os arguidos A... e Clube Desportivo XX... interpuseram recurso retirando das correspondentes motivações as conclusões seguintes:

            A – Recurso do arguido A...:

1. O douto Acórdão proferido nos autos padece da nulidade prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 3790 do Código de Processo Penal.

2. Na verdade, condena o arguido/recorrente por factos e qualificação jurídica não constantes da acusação, sem que tenha cumprido a tramitação definida no artigo 3590 do C.P. Penal.

3. Com efeito, como consta da acta da audiência de 1 de Junho de 2011, a Mma. Juiz Presidente comunicou aos arguidos a possibilidade do Acórdão final considerar nova factualidade inconstante da acusação, bem como a possibilidade do arguido (aqui recorrente) vir a ser condenado por crime distinto daqueles porque estava acusado.

4. Todavia, entende que tal alteração dos factos e subsequente imputação de crime diverso constitui meras alterações não substancial dos factos e da qualificação jurídica.

5. No entanto, ao que se crê, erradamente.

6. Efectivamente, é a factualidade acrescentada à acusação - aquela constante do primeiro e terceiro facto da comunicação e recolhida nos pontos III e XlII do Douto Acórdão em recurso - que permitiu que o recorrente fosse condenado pelo crime de corrupção activa agravado!

7. Ou seja, a sobredita factualidade nova teve por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso.

Sem prescindir,

8. Pelo que consubstancia nos termos do artigo 1°, al. f) do CP, uma alteração substancial: “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

9. Assim, impunha-se ao Tribunal - como se mencionou - o estrito cumprimento do disposto no predito artigo 359°,

10. Sendo certo que o arguido só poderia ser condenado por tais factos e crime, desde que tivesse dado a respectiva anuência.

11. Ora, ao considerar tal factualidade sem cumprir o identificado mecanismo legal, é apodíctico que a decisão é nula, nos termos constantes da 1ª Conclusão tecida.

12. A pena aplicada emerge desfasada dos preceitos normativos atinentes, designadamente os do artigo 71° e 40° do Código Penal.

13. Efectivamente, a materialidade fluente de tais incisos legais levará a que a pena de multa se quede por um patamar inferior aos dos 200 dias fixados, dado que a culpa é diminuta e não se colocam razões preventivas - gerais ou especiais - com nenhuma particular densidade.

15. Finalmente, também se afigura que o quantitativo diário, fixado em dez euros, também emerge desfasado da normatividade aplicável.

16. Na verdade, o artigo 47/2 do Código Penal manda atender à condição económica e financeira do condenado.

17. Assim, o vencimento por ele auferido - € 977,00 - aliado ao facto da sua esposa ser doméstica - e, como tal, não auferir qualquer rendimento - bem como o ter três filhos a seu cargo, impunham que o montante diário da multa aplicada não ultrapassasse os € 8,00.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente (…)

B – Recurso do arguido Clube Desportivo XX...

1 - O recorrente não concorda com os factos indicados em II-A da fundamentação do acórdão, nomeadamente, I (2a parte"), II (2a parte), III, IV, V, VIII, IX, X, XI, XII e XIII.

2 - Com o devido respeito, dos depoimentos das testemunhas não se pode concluir, de todo, que os arguidos B.... e C.... tivessem praticado os factos de que são acusados e, se em tese essa conclusão seja extraída, que os tivessem praticado como dirigentes/representantes do recorrente e no interesse deste.

3 - Se bem que no entender do recorrente, a prova testemunhal seja juridicamente irrelevante para se aquilatar da validade e legitimidade da actuação aqueles arguidos enquanto directores do recorrente e, com isso, ser aplicada uma condenação, como melhor se exporá.

4 - Nenhuma testemunha conhecia o arguido C.....

5 - Somente 3 testemunhas disseram conhecer o arguido B.... e dessas, nenhumas delas afirmou (como se verifica pelas declarações sumariamente reproduzidas) que esse conhecimento adviesse do exercício de funções directivas e de representação do clube, ora recorrente.

6 - Não existem depoimentos testemunhais alusivos a conversas pessoais ou telefónicas (directas ou indirectas) com qualquer desses arguidos.

7 - O único depoimento que o douto acórdão invocou para fundamentar a sua decisão, a da testemunha E..., não resultou de conversa directa ou pessoal com os arguidos B.... e C...., mas do que essa testemunha alegadamente ouviu dizer ao arguido A..., pelo que, ao valorar esse depoimento nos termos expostos violou o disposto no art° 129º do CPP.

8 - Do depoimento desta testemunha, o tribunal retirou as expressões "verdes", "primeiro" e "..." (cfr. acórdão - C -provas que serviram para formar a convicção do tribunal- pág. 938), as únicas que essa testemunha, a única, teria ouvido do A... e com aquelas expressões o tribunal "a quo" deu como provado que o recorrente praticou o ilícito de que vem acusado.

9 - O julgador invocou o interesse do recorrente na viciação do resultado do jogo e com isso atingir um resultado positivo por estar a um ponto de distância na classificação, mas não atribuiu relevância ao facto do T... estar a um ponto do recorrente e, por isso, (conclusão do recorrente) também poderia ter tido algum interesse menos ético e nem a um outro facto, muito bem alegado pela testemunha,  … , o "campeonato estar no inicio... e a classificação não ter importância naquele momento".

10 - A conversa que a testemunha D... reproduziu em audiência a tê-la tido teve como interlocutor o árbitro A.... A testemunha nunca falou com os arguidos C...e B…. Este depoimento resultou do que essa testemunha disse ter ouvido a um terceiro, o arguido A..., e não aos outros arguidos, pelo que, na opinião do recorrente é um depoimento indirecto, prova indirecta e, como tal, não pode ser valorada para efeitos probatórios como fez o Julgador, sob pena de violação do disposto no nº 1 do art° 129° do C.P.P.

11 - A matéria provada é manifestamente inexistente, ou no mínimo insuficiente, para ser sustentada a condenação do recorrente que é baseada em prova indirecta e a que resultou do depoimento indirecto de uma única testemunha, D....

No mínimo, o julgador deveria ter admitido a dúvida sobre o rigor e a verdade daquela conversa telefónica que, reafirma-se, não foi corroborada por outra prova, testemunhal ou de outra natureza, e em consequência, aplicar o principio in dubio pro reo, sob pena do ónus da prova da inocência caber ao recorrente e aos demais arguidos o que é uma perversão absoluta do princípio da presunção da inocência.

12 - A única matéria atinente aos arguidos C...e B...é a sua presença nos factos ocorridos em 2007/11/15, embora nada tenha sido provado sobre as circunstâncias e os motivos daquela presença naquele local.

13 - O recorrente discorda da conclusão de VIII - II-A. O douto acórdão fundamentou essa decisão em depoimentos que são contraditórios que é a única ilação a retirar do ali escrito ... , ''testemunha ... foi adiantando que tal foi levado a efeito pelo arguido de "cabelo branco" (quando referir-se ao B....) já a testemunha ... optou por não se comprometer com qualquer identificação. A testemunha  … sobre o teor do documento junto aos autos a fls. 2 1 11, afirmou - .,. " assentou no que lhe foi sendo comunicado .,. sendo que a respeito de quem procedeu à entrega do maço, foi-lhe transmitido ter sido o "mais baixo" (o arguido C...)". As testemunhas … , ambas fizeram a abordagem dos arguidos ... e como refere o acórdão – “ao chegarem junto deles o maço de notas já se encontrasse no chão”.

14 - Esta é a única matéria alusiva aos factos de 2007/11/15 e, por isso, o recorrente não percebe como é que o Julgador deu como assente que foram os arguidos C...e/ou o B...que tinham o dinheiro ou que o tenham entregado ao A... e ou que esse dinheiro pertencesse ao clube XX....

15 - Com o devido respeito, a opinião do recorrente é que os documentos invocados no acórdão não certificam a idoneidade e a legalidade da representatividade do recorrente pelos arguidos C...e B.... Ora,

16 - O recorrente é uma pessoa colectiva de natureza associativa sem fins lucrativos, à qual são aplicados os princípios gerais previstos nos art°s 157° e ss do c.c., pelo que, por imposição das normas legais aplicáveis, se algo diferente não tivesse estabelecido nos estatutos do recorrente, matéria não provada, a lei impõe que a comissão administrativa tivesse sido eleita em assembleia geral – nº 1 do art° 172° do c.c.

17 - A recorrente não designou ou nomeou, por intermédio do órgão legal, assembleia geral ou, no minimo, desconhece-se se o fez e em que termos e, por isso, os arguidos C...e B...não são representantes do recorrente por inexistência de eleição e ou nomeação dessas pessoas ou de outras para funções representativas e ou dirigentes da associação clube desportivo XX....

18 - A acusação não provou os factos acusatórios no que diz respeito aos arguidos C...e B...e muito menos logrou provar que esses arguidos actuassem enquanto representantes e no interesse da recorrente.

19 - Com a condenação do recorrente foi violado o principio penal de "in dubio pro reo" já que o "non liquet" na prova relativa a esta questão tem de ser valorada a favor do arguido e não contra, que foi a conclusão do tribunal, por violação do principio constitucional previsto no nº 2 do art° 32° da C.R.P.

20 - Salvo melhor opinião, a matéria de facto provada é insuficiente para a condenação do recorrente, senão mesmo contraditória a fundamentação e a decisão condenatória e, por isso, foi violado o princípio constitucional da presunção de inocência - alíneas a-) b­-) e c-) do art° 410° do C.P.P. e n° 1 do art° 32° da C.R.P.

Sem prescindir,

2] - O recorrente é uma associação sem fins lucrativos, vivendo de subsídios e apoios públicos, já que as receitas que gere são manifestamente insuficientes para fazer às despesas que estas instituições apesar de tudo ainda suportam.

22 - A decisão de aplicar uma pena de multa de 200 dias ao valor diário de 110,00€ perfazendo 22.000,00€ a manter-se pode, pura e simplesmente, provocar o fim da associação.

23 - Entende a recorrente que a caução de boa conduta pelo valor mínimo fixado na lei seria suficiente, sem que essa decisão ofenda os princípios gerais subjacentes à aplicação de uma pena.

Mas, mesmo que assim não venha a ser doutamente decidido,

24 - Que então a multa a aplicar seja reduzida e fixada pelo período e montante diário mínimos.

NESTA CONFORMIDADE,

Deve ser revogado o acórdão recorrido no que concerne à condenação do recorrente, ou, se assim não se entender, a alteração da pena aplicada nos termos ora expostos.

            O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência dos recursos, formulando na resposta as seguintes conclusões:

1- O douto Acórdão recorrido não enferma de nulidade ou de outro vício que obste à eficácia do aí decidido.

2- O Tribunal apreciou livre e responsavelmente apenas e todos os meios de prova legalmente admissíveis, aferindo a prova produzida segundo as regras da experiência e as necessidades práticas da vida, sem ofensa aos princípios constitucionais ou processuais e às garantias de defesa dos arguidos, havendo fundamentado devidamente a sua convicção.

3- A factualidade fixada como provada preenche todos os elementos (objectivos e subjectivo) constitutivos dos crimes de corrupção (desportiva) activa agravado, previsto e punido pelos artigos 9° e 12°, nº 2 da Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto e 26° do Código Penal e de corrupção activa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 11°, nºs 2, al. a), 4,7 e 9, alínea a), 26°, ambos do Código, 9° e 12°, nº 2 da Lei nº 50/2007, e respectivamente censurados aos recorrentes.

4- A decisão evidencia, também, o modo criterioso como o Tribunal escolheu a pena e, partindo da moldura penal, determinou a pena concreta para cada crime, aferida pelo grau de culpa dos arguidos e pelas exigências de prevenção, sem deixar de ter presente tudo quanto, para o efeito, resultou provado em benefício ou em desfavor dos agentes, fixando, por último e entrando em linha de conta com a situação económica e os encargos pessoais dos condenados, a taxa diária da pena de multa.

5- O Acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal e, designadamente, os artigos 32°, da Constituição da República, 379°, n.º1, b), 1º, alínea f), 127°, 129.°,410°, n.º2 do Código de Processo Penal, e ou 40°, 71°, do Código Penal, questionados na motivação dos recorrentes.

            Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, pronunciando-se pela improcedência dos recursos, excepto no que tange à taxa aplicada ao Clube Desportivo, que entende dever situar-se num valor situado entre os € 60,00 e os € 80,00.

            Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

            Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

            No caso vertente e vistas as conclusões dos recursos, as questões a decidir são as seguintes:

            A – Questões decorrentes do recurso interposto pelo arguido A...:

            - Nulidade do acórdão recorrido, decorrente do previsto no art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, por ter condenado o arguido A... por factos e segundo qualificação jurídica não constantes da acusação, sem observância do disposto no art. 359º do mesmo diploma;

            - Excesso da medida concreta da pena de multa e do respectivo quantitativo diário.

            B – Questões decorrentes do recurso interposto pelo Clube Desportivo XX...:

            - Impugnação da matéria de facto (aí incluída a questão da legalidade da representação);

            - Violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo;

            - Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

            - Contradição entre a fundamentação e a decisão;

            - Excesso da medida concreta da pena de multa e do respectivo quantitativo diário.

                                                           *          *          *         

II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
I. O arguido A... era, à data dos factos, árbitro de futebol da Associação de Futebol de Z... e os arguidos B... e C... eram, também à data dos factos, dirigentes desportivos do Clube XX....
II. No âmbito das suas atribuições, enquanto agentes desportivos, o arguido A... dirigia jogos de futebol, quando nomeado e os arguidos B.... e C.... dirigiam a actividade desportiva do XX....
III. No dia 10 de Novembro de 2007, o arguido A..., na sequência de contacto e acordo prévio com os arguidos B... . e C... ., contactou através do seu telemóvel com o número  …  para o telemóvel do árbitro da Associação de Futebol de Z..., D..., pelo número … , dizendo-lhe que o XX... lhe oferecia 300€ para que no jogo que ele ia arbitrar no fim de semana seguinte, entre o ... e o T..., resultasse em empate, ou, caso tal não fosse possível, ganhasse o T..., resultados que serviam os intentos do XX..., tendo, porém, o mencionado D... recusado imediatamente a proposta.
IV. Na sequência de tal contacto telefónico, o referido D... contactou o Presidente do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Z..., dando-lhe conta do sucedido, tendo então sido aconselhado por este a desmascarar a situação que, para o efeito, lhe sugeriu que telefonasse ao A... e lhe dissesse que resolvera aceitar a sua proposta.
V. Assim, no dia 11 de Novembro de 2007, prosseguindo a estratégia definida pelo Presidente do Conselho de Arbitragem, o mencionado D... entrou em contacto telefónico com o arguido A... dando-lhe conta que aceitava a proposta feita, retorquindo-lhe este que o XX..., em vez dos 300€ prometidos inicialmente, dar-lhe-ia 500€.
VI. No dia 12 de Novembro de 2007, o árbitro D... telefonou ao arguido A..., tendo-lhe este confirmado o pagamento dos 500€ e que, posteriormente, lhe comunicaria o local e a data da entrega do dinheiro combinado, o que efectivamente veio a fazer, por telefone, combinando esse encontro para o dia 15 de Novembro de 2007, no cruzamento de Parada de Gonta, pelas 19.00 horas, tendo o D... confirmado a sua presença nesse encontro.
VII. No dia 15 de Novembro de 2007, no local e hora combinado, o A... disse a D... que teriam de jantar num local próximo de ... e aí receberia o dinheiro, ao que se opôs este último, sugerindo dividir o trajecto ao meio, tendo então combinado encontrar-se com os dirigentes do XX… na ... da saída da A24, em ..., pelas 20 horas e 30 minutos, para onde então ambos se dirigiram
VIII. Já na mencionada ... e quando ai já se encontravam os arguidos A... e D..., compareceram os arguidos C... e B..., tendo o primeiro destes entregue ao arguido A... um maço de notas composto por 25 notas de 20€ cada, dinheiro que logo o A... começou a contar, lançando-o ao solo quando se viu surpreendido pelos agentes da PSP que ali se encontravam por terem tido conhecimento do referido encontro e dos motivos do mesmo.
IX. Ao oferecerem ao mencionado D..., por intermédio do arguido A..., a referida quantia de 300,00 € que, posteriormente, aumentaram para o montante de 500,00 euros, sabiam os arguidos C...e B..., bem como o arguido A..., que punham em causa a confiança nas instituições desportivas, os cidadãos que as representam e os valores da verdade, da lealdade e da correcção dos resultados da competição desportiva.
X. Sabiam ainda os mencionados A..., C...e B...que ao oferecerem dinheiro a D... para que este interferisse no resultado do jogo .../T..., nos termos descritos em III, quem tirava benefício era o XX..., resultado que todos queriam.
XI. Os arguidos C...e B..., representando o XX... e com funções de direcção desse clube, actuaram também em nome e no interesse deste, de forma livre e com o propósito de obter para esse clube a melhor classificação desportiva possível, através da oferta e entrega do dinheiro como contrapartida da viciação da verdade desportiva.
XII. Sabiam ainda os mencionados arguidos que o D... era árbitro, que o mesmo ia arbitrar um encontro onde alinhava um clube concorrente com o XX... e que a vantagem patrimonial prometida não lhe era devida. 
XIII. Ao procederem do modo descrito, agiram os arguidos A..., B.... e C... de um modo livre e deliberadamente, em conjugação de esforços e intentos entre todos, com vista a interferirem no resultado do jogo .../T..., nos termos descritos em III, em benefício do XX..., bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.   
XIV. Os arguidos A... e B.... são delinquentes primários.
O arguido C... já respondeu pela prática, em 22/12/2003, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º do C.Penal, tendo sido condenado por sentença de 12/6/2006, transitada em julgado, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, a qual já se mostra extinta.  
XV. O arguido A... é assistente da farmácia de que é proprietário o seu pai, actividade profissional que desempenha há 19 anos, auferindo mensalmente a quantia de 977,00 euros.
A esposa é doméstica.
Reside, sem qualquer encargo monetário, numa casa propriedade dos sogros.
Tem três filhos de 17,14 e 12 anos de idade, sendo todos estudantes.
É tido como respeitador e respeitado por aqueles que com ele convivem.
A nível profissional é reconhecido por aqueles que o rodeiam como um homem justo e honesto no exercício das suas funções.
XVI. O arguido B.... é vendedor de produtos químicos, actividade que desempenha a recibos verdes, auferindo em média 500,00 euros mensais.
A esposa não trabalha.
Reside numa casa arrendada, pagando de renda a quantia de 300,00 euros mensais.
Tem dois filhos de 16 e 19 anos, ambos estudantes, frequentando este último o ensino universitário.
Possui como habilitações o 5º ano antigo
XVII. O arguido C.... é pintor de automóveis por conta própria, auferindo em média, mensalmente, a quantia de 1000,00€.
Tem três filhos, sendo que dois deles, de 19 e 17 anos de idade, fruto de um relacionamento extra-conjugal, não residem consigo, contribuindo, porém, para o seu sustento com a quantia mensal de 500,00 euros.
Reside em casa própria que adquiriu com recurso ao crédito, suportando uma prestação mensal de cerca de oitocentos euros.
Possui como habilitações literária a 4ª classe.
É tido por aqueles que com ele convivem como um homem trabalhador e honesto.

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:
- que no dia 8 de Novembro de 2007, o arguido A... tivesse telefonado a … , informando-o de que iria arbitrar o jogo do  … e que se disponibilizava para colaborar.
- que no dia 10 de Novembro de 2007, de manhã, o mencionado  … tivesse recebido um telefonema do arguido A... com o conteúdo do descrito na acusação pública;
- que a confirmação do local e hora de encontro para a entrega da quantia de 500,00 por banda do arguido A... tivesse sido feita por mensagem.
Quanto aos demais factos constantes da acusação e da contestação apresentada pelo arguido A..., e não mencionados em A) ou B) os mesmos são conclusivos, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa, razão pela qual o tribunal não se pronunciou quanto aos mesmos.

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade descrita, alicerçou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, em conjugação com a prova documental já constante dos autos e com as regras da experiência comum.
Começando pela factualidade atinente às funções desempenhadas pelo arguido A..., a convicção do Tribunal assentou no teor do documento de fls. 161 a 166 (Relatório do jogo entre os clubes de … , celebrado em 4 de Novembro de 2007), no qual figura como arbitro o mencionado arguido, em conjugação ainda com os depoimentos das testemunhas … , Presidente do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Z..., E..., árbitro de futebol desde 1986,  … , com funções na direcção da Associação de Futebol, este ouvido em declarações para memória futura com observância do formalismo legal,  … , dirigente do grupo desportivo do ..., as quais por força das respectivas funções exercidas na actividade futebolística na época em causa (2007/2008), confirmaram, sem qualquer margem para dúvidas, a factualidade em apreço, corroborada ainda pelos depoimentos de algumas das testemunhas de defesa do arguido A..., a saber,  … , as quais pela proximidade mantida com o arguido, seja pela sua ligação à actividade desportiva, seja por força de uma relação de amizade, depuseram também nesse sentido.
No que concerne à qualidade de dirigentes desportivos do Clube Desportivo “XX...”, por parte dos arguidos B.... e C...., a convicção do tribunal assentou no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 863/864 e 883 - o primeiro emitido pelo próprio grupo desportivo, donde consta a relação dos membros da Comissão Administrativa para a época 2007/2008, oportunamente comunicada à Associação de Futebol de Z... e o segundo relativo a uma cópia da ficha onde constam os nomes completos e respectivas assinaturas dos membros da Direcção em exercício para a referida época, na qual se evidenciam os nomes e respectivas assinaturas dos arguidos B.... e C.... – documentos estes que conjugados com o teor do junto a fls. 57 (impresso preenchido aquando do jogo celebrado entre o T... e o XX..., em 23/9/2007, durante a  “Época Desportiva” em causa, no qual figuram como primeiro delegado ao jogo os dois mencionados arguidos) apontam  no sentido de aqueles, à data dos factos, serem dirigentes, entre outros, desse mesmo Clube, ainda que no âmbito de uma Comissão  Administrativa.
 Acresce ainda referir que tendo estado presentes tais arguidos em audiência de julgamento, a quem vem imputada tal qualidade de agentes desportivos, o direito ao silêncio por eles exercido durante a mesma quanto a tal qualidade, se é verdade que não os poderá prejudicar, não é menos verdade que, no caso concreto, também os não poderá beneficiar, pois que é manifesto com base nos elementos probatórios que vêm sendo analisados que tais arguidos eram dirigentes do clube em apreço à data dos factos.
Passando agora à factualidade descrita nos pontos III a XIII da acusação, em relação à qual os arguidos usaram do direito ao silêncio, no uso de um direito que a lei lhes confere, valorou o tribunal o depoimento da testemunha E..., a qual, de um modo coerente, objectivo, firme e isento, depôs sobre as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que foi contactada telefonicamente pelo arguido A... para interceder no jogo que ia arbitrar, sobre o contexto em que foram estabelecidos os contactos posteriores com este e, ainda, sobre o encontro ocorrido com os demais arguidos, depoimento que mereceu a credibilidade do tribunal.
A tal respeito, referiu a testemunha que na véspera do jogo .../ T... foi contactada pelo seu colega A... através do telemóvel, o qual lhe transmitiu que se o jogo que ele ia arbitrar no dia seguinte resultasse em empate ou na vitória do T... havia “ trezentos metros” para ele - expressão que depois concretizou querer significar trezentos euros - ao qual respondeu que fosse à sua vida e não falasse mais do assunto, dando por terminada a conversa.
Sobre quem se propunha financiar tal quantia, referiu que embora o arguido A... nada lhe tivesse dito a tal respeito ficou com a ideia que tal proposta provinha do XX..., designadamente por este se encontrar em primeiro lugar e, por isso, interessar-lhe manter uma distância maior na classificação, suspeita que, mais tarde, veio a confirmar aquando do segundo telefonema.
 Adiantou ainda a testemunha que após ter terminado a conversa com o A... entrou em contacto telefónico com o Presidente do Conselho de Arbitragem, a testemunha … , por entender ser sua obrigação dar-lhe conta do sucedido, a qual, transmitindo-lhe que a situação não poderia ser descurada, aconselhou-o então, com vista a que a situação fosse desmacarada, a entrar em contacto telefónico com o A..., dizendo-lhe que havia repensado a proposta e que estava disposto a aceitá-la - facto que foi confirmado ao tribunal pela testemunha  … - o que veio a fazer no dia seguinte (dia 11 de Novembro), por volta das duas horas, quando acompanhado pelos seus dois auxiliares (as testemunhas … ) se dirigia de carro para o jogo, tendo-lhe aquele então dito que estava tudo bem e que, em  vez dos trezentos, eram quinhentos euros.
A respeito de quem pagaria tal quantia, adiantou ao tribunal que no decurso da conversa, em face da sua insistência, aquele acabou por lhe responder, “o primeiro”, “os verdes”, menções que logo associou ao XX..., em virtude deste se encontrar no primeiro lugar e o seu equipamento ser verde, tendo aquele, porém, na parte final da conversa, acabado por lhe dizer que era o “XX… ” quem estava a oferecer a quantia em causa.
Sobre o modo como decorreu o jogo, adiantou que o mesmo foi disputado e arbitrado sem quaisquer incidentes ou violações de regras, não tendo o mencionado telefonema interferido no seu modo de agir.
Mais adiantou a testemunha que no dia seguinte (segunda - feira) encontrou-se com o mencionado …, num gabinete da escola onde este exercia funções, no qual compareceu também a testemunha  … e uma outra pessoa cujo nome não recorda, tendo então, através do seu telemóvel, contactado novamente o A..., dando-lhe conta que o jogo correra bem, momento em que este voltou a confirmar o montante de quinhentos euros, tendo-lhe ainda transmitido que depois lhe telefonaria a marcar o local de encontro.
No que respeita a estes dois últimos contactos telefónicos, foi adiantado pela testemunha D... que aquando da realização dos mesmos colocou o seu telemóvel em “alta voz”, sem que disso tenha dado conhecimento ao arguido A..., tendo o teor do primeiro sido ouvido pelos seus auxiliares e o segundo pelos mencionados  … e outro indivíduo cujo nome não soube precisar, colocação essa que foi confirmada pelas mencionadas testemunhas e ainda pela testemunha  … que igualmente se dirigiu ao gabinete da testemunha ..., sendo que, a respeito do conteúdo de tais conversações, não se chamará à colação o adiantado pelas mesmas por, nesta parte, ter sido bastante para formar a convicção do tribunal o depoimento da testemunha D..., interlocutor directo nas mencionadas conversações telefónicas, a que acresce ainda o facto de o tribunal, a respeito dos depoimentos das testemunhas que depuseram sobre o que ouviram quando presenciaram as chamadas telefónicas realizadas em “alta voz”, ter entendido não os valorar por consubstanciarem uma intromissão nas telecomunicações (cfr. arts. 32º,nº8 da C.R.P. e 126º,nº3 do C.P.P), no seguimento da posição defendida no Acordão da Relação de Coimbra de 28/10/2008, a cuja fundamentação aderimos, no qual se entendeu, partindo do Acordão do S.T.J. de 7/2/2001, proferido no âmbito do processo nº2555/00, da 3ª secção (onde se considerou que o acesso ao conteúdo de uma comunicação telefónica com recurso a meio técnico de audição, como é o alta voz, integra o conceito jurídico-penal de intromissão objectiva em telecomunicações), que “o depoimento prestado por uma testemunha, sobre factos jurídico-penalmente relevantes e obtidos através da função de “alta voz”, quando efectuado sem o conhecimento e o consentimento do emissor de voz, constitui-se como uma intromissão em telecomunicações e deve ser taxado como prova nula”.
Ai se escreveu que “A função alta voz, que hoje vulgar até nos telemóveis menos sofisticados, é um meio técnico de audição. Por esta razão, o acesso a uma conversação telefónica através dela, integra o conceito jurídico-penal de intromissão (objectiva) no conteúdo de telecomunicações”(…).
Assim sendo, quando a conversação telefónica tenha decorrido com o sistema de alta voz activado e sem que a pessoa visada tenha conhecimento de tal facto e consinta na referida audição, verifica-se uma nulidade de prova assim obtida, afectando-se, desse modo, a validade dos depoimentos das testemunhas, na parte em que depuseram sobre o conteúdo das chamadas que presenciaram e somente em relação a este, mantendo-se válido quanto ao demais, pois que, tendo-se as testemunhas limitado a ouvir o que um dos interlocutores da chamada permitiu que ouvissem da conversa estabelecida com o outro interlocutor, activando, sem o conhecimento e consentimento deste, para o efeito, o sistema de alta voz do telemóvel usado na comunicação, não se intrometendo assim aquelas, através de qualquer meio técnico, em tais conversações, antes, portanto, sendo intrometidas, não são os seus depoimentos que estão afectados, mas antes, a razão do conhecimento dos factos que são o seu objecto.
Não se ignorando o que a respeito da mencionada intromissão defende, em sentido contrário, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, pág. 527, nota 15 e também actualmente o Prof. Costa Andrade, conforme artigo publicado na R.L.J., Ano 137, nº3951, pág.339, propendemos para posição perfilhada no acordão chamado à colação, ainda que, a respeito da factualidade em apreço, tendo o tribunal considerado bastante na formação da sua convicção o depoimento da mencionada testemunha D..., a respeito do teor das chamadas telefónicas mantidas com o arguido A..., a tomada de posição sobre a questão enunciada assuma relativa importância.
Aqui chegados, cumpre retomar a apreciação dos meios probatórios, chamando novamente à colação depoimento da testemunha D..., a qual, a respeito do que se passou posteriormente ao telefonema efectuado no dia seguinte à realização do jogo, adiantou ao tribunal ter sido contactado novamente pelo arguido A..., dois ou três dias depois, altura em que este lhe deu conta que o encontro iria ocorrer no corte para Parada de Gonta, pelas 19 horas, facto de que veio a dar conhecimento ao Presidente do Conselho de Arbitragem (...), com quem veio a encontrar-se na escola, local onde compareceu também o agente ... da P.S.P e outro colega deste, aos quais revelou o local de encontro, após o que para ai se dirigiu com os mencionados agentes, a fim de que estes tivessem conhecimento prévio do local.
Adiantou ainda a testemunha que à hora marcada deslocou-se para o local combinado, onde uma vez chegado o arguido A... este lhe transmitiu que teriam de ir jantar a um restaurante próximo de ..., deslocação a que de imediato se opôs, sugerindo que dividissem o caminho a meio, na sequência do qual aquele entrou em contacto telefónico imediato com outra pessoa, tendo então ficado acordado que o encontro ocorreria na ... da saída da A24, em ..., local para onde se dirigiu no seu veículo automóvel, acompanhado do A..., tendo durante o percurso, aquando de uma paragem que efectuaram para beber uma água, comunicado ao agente ... a mudança de estratégia.
Mais adiantou a testemunha que dez minutos após ter chegado ao local na companhia do A..., surgiu uma carrinha tipo reboque, altura em que este lhe disse “São eles”, saindo então do seu interior, em direcção a si e ao A..., os arguidos B… . e C...., o primeiro dos quais logo associou  ao “XX...”, em virtude de já o ter visto num dos jogos que arbitrou em ..., no qual aquele foi  delegado ao jogo.
Sobre este encontro, adiantou ao tribunal que após os cumprimentos iniciais, o arguido C.... puxou por um maço de notas que inicialmente fez menção de lho entregar, facto que levou a que lhe tivesse dito “ o Dias é que sabe disse”… “ele é que me ligou”, tendo então aquele feito a entrega do referido maço ao A... que logo o começou a contar, momento em que surgiram vários agentes da P.S.P, o que fez com que aquele o tivesse lançado no solo, vindo depois a ser recolhido por alguns dos agentes.
 A respeito do que se passou no local depuseram as testemunhas … , agentes da P.S.P., os quais tendo-se deslocado para o local e encontrando-se ai estrategicamente colocados na sequência da operação que foi montada para o efeito, esclareceram o tribunal sobre aquilo de que se aperceberam nos locais em que se posicionaram, tendo a primeira esclarecido ainda o tribunal sobre a razão pela qual foi montada tal operação.
A instâncias esclareceu também que não obstante em data anterior o mencionado ... já o tivesse alertado para situações menos claras ao nível da arbitragem, transmitiu-lhe, porém, que a intervenção policial apenas deveria ocorrer quando existisse algo de concreto e objectivo, razão pela qual, no caso concreto, decidiu intervir.
Sobre a operação em apreço referiu que não obstante a mesma tenha sido programada inicialmente para a ... de Parada de Gonta, local onde chegaram a estar colocados dois colegas, os agentes ... e ..., acabou, porém, por ocorrer na ... da saída da A24, em ..., na sequência de contacto telefónico efectuado pelo árbitro D..., o qual lhe deu conta da alteração do local de encontro.
Pelas testemunhas ... e ... foi ainda adiantado ao tribunal terem-se apercebido dos mencionados A... e D... na ... de Parada de Gonta, local que estes depois abandonaram, vindo depois aperceber-se da sua chegada à ... da A24, onde, passados alguns minutos, puderam também dar-se conta da chegada de um reboque com duas pessoas que depois se dirigiram para junto daqueles, momento em que apercebendo-se que algo é entregue ao arguido A..., disso deram conta aos mencionados chefe ... e comissário ..., sendo que, quando estes se aproximaram e os abordaram, o arguido A... lançou para o solo o que acabara de receber, vindo então a constatar tratar-se de um maço de notas, no valor total de 500,00€, que veio a ser apreendido.
A propósito de quem procedeu à entrega ao A... do mencionado maço, se é certo que pela testemunha ... foi adiantado que tal foi levado a efeito pelo arguido de “cabelo branco” (querendo referir-se ao arguido B..), já a testemunha ... optou por não se comprometer com qualquer identificação.
No que respeita às testemunhas ... e ..., ambas referiram ao Tribunal ter feito a abordagem dos arguidos na sequência do que lhes foi transmitido pelos agentes ... e Carlos Amadeu Samora, estes colocados em local próximo dos arguidos, tendo sido no momento em que estes lhes comunicaram que algo tinha sido entregue que decidiram abordá-los, embora ao chegarem junto deles o maço de notas já se encontrasse no chão.
Pela testemunha ... foi ainda confirmado o teor dos autos de detenção e apreensão por si elaborados, juntos aos autos a fls. 2 a 11, adiantando, a instâncias do tribunal, que a descrição por si feita, sobre o modo como decorreu a aproximação entre os arguidos e a entrega do maço de notas, assentou no que lhe foi sendo comunicado, durante a operação, pelos agentes ... e ..., sendo que, a respeito de quem procedeu à entrega do maço, foi-lhe transmitido ter sido o “mais baixo” (o arguido C....), razão pela qual o fez constar do auto de detenção, versão que mostrando-se consonante com o que foi adiantado pelo testemunha D... a tal respeito mereceu a credibilidade do tribunal.
Para além de que é perfeitamente admissível, à luz das regras da experiência comum, que atento o tempo já decorrido sobre os factos, a testemunha ... estivesse equivocada quando afirmou ter sido o arguido B.... quem procedeu à mencionada entrega, não constituindo, porém, tal equívoco motivo para que o tribunal ponha em causa a credibilidade do seu depoimento quanto ao demais por si adiantado sobre a factualidade em apreço.
A respeito da quantia que foi apreendida na posse do arguido B.... (no montante de 510,00€), foi adiantado pela mencionada testemunha ... que tal se deveu ao facto do maço de notas encontrado na sua posse ter um aspecto semelhante àquele que fora atirado para o chão pelo arguido A... (no montante de 500,00 €), o mesmo não se passando com outras notas soltas que aquele trazia consigo, razão pela qual entendeu não as apreender.
Aqui chegados, escalpelizados os meios probatórios chamados à colação e analisando os mesmos à luz das regras da experiência comum, resulta inequivocamente que os factos ocorreram pela forma descrita na factualidade provada.
No que em especial se refere ao facto de o tribunal ter considerado provado que o contacto telefónico estabelecido pelo arguido A... com o mencionado D..., resultou de um contacto e acordo prévio com estes e de uma actuação concertada entre os três arguidos, em que o A... serviu de intermediário entre aqueles e o seu colega D..., tal resultou da conjugação de todos os elementos probatórios chamados à liça, os quais, à luz das regras da experiência e da lógica não permitem outra conclusão, mostrando-se, de todo, irrazoável, à luz dessas mesmas regras, que o arguido A... se prestasse a contactar telefonicamente com o colega D..., nos termos em que o fez, sem que previamente tivesse contactado com quem iria oferecer tal quantia, com quem, aliás, acabou por se encontrar aquando da abordagem policial. 
E se atentarmos no teor do contacto telefónico efectuado pelo arguido A... para o árbitro D..., na véspera do jogo que este ia arbitrar (.../T...), na oferta que lhe foi feita por aquele (inicialmente de 300,00€ e mais tarde aumentada para 500,00€), na referência ao XX... como sendo aquele que iria suportar a oferta e, por fim, no encontro que posteriormente veio a ser marcado, ao qual compareceram, para além do arguido A... e do árbitro D..., dois dos dirigentes do mencionado Clube, os arguidos B... e C...., momento em que este útimo fazendo-se acompanhar de um maço de notas (vinte e cinco notas de vinte euros), no montante equivalente ao oferecido ao D..., o entrega ao arguido A..., afigura-se-nos que não é sequer necessário recorrer a qualquer técnica hermenêutica para se concluir nesse sentido, actuação que não pode ter tido outro objectivo que não fosse interferir no resultado do jogo entre o ... e o T..., de forma a servir os intentos do XX..., resultado que todos queriam e para a prossecução do qual se conluiaram.
E sem perder de vista essas mesmas regras da experiência comum é razoável  admitir-se também que o arguido A..., ao interceder nos termos supra descritos, junto do seu colega D..., visasse também obter qualquer contrapartida, patrimonial ou não, por parte daqueles.
Todavia, não foi produzida prova que permitisse concluir nesse sentido.
É certo que para além do maço de notas que perfazia a quantia de 500,00 €, foi igualmente apreendido, nas mesmas circunstâncias de tempo, na posse do arguido B... ., conforme resulta do auto de apreensão de fls.10, um outro maço de notas, em tudo semelhante ao entregue, no montante global de 510,00€.
Porém, afigura-se-nos temerário, na ausência de quaisquer outros elementos probatórios, concluir que tal quantia se destinasse ao arguido A... como contrapartida da sua intermediação entre os dirigentes do mencionado clube e o árbitro D..., razão pela qual foi entendimento deste tribunal não extrair qualquer ilação de tal apreensão.
Ainda a respeito da factualidade que o tribunal considerou provada, convirá também referir que tendo os arguidos estado presentes na audiência de julgamento, a quem são imputados tais factos e cujo envolvimento resulta da conjugação dos elementos supra enunciados, o direito ao silêncio por todos exercido durante a mesma quanto a tais factos que lhes vinham imputados, se é verdade que não os poderá prejudicar, não é menos verdade que, no caso concreto, também os não poderá beneficiar.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, II volume, pág.359, em anotação ao art.343º, não se deve confundir “desfavorecer” com o “não favorecer”. A confissão, se espontânea, beneficia a posição do arguido. E se do silêncio do arguido resultar o desconhecimento de circunstâncias que o poderiam favorecer – e de que porventura, só ele tem conhecimento – então poderá esse silêncio nitidamente desfavorecê-lo.

Como se extrai do Ac.nº524/97, do Tribunal Constitucional, relatado pela Ex.ma Conselheira Assunção Esteves, disponível em www.dgsi.pt, o que tais autores salientam é, afinal, a evidência de que, muito embora o arguido esteja isento do ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio – de que não é legítimo extrair qualquer consequência, seja para determinar a culpa, seja para determinar a medida concreta da pena – não é menos verdade que quando é do interesse do arguido invocar um facto que o favorece – e que ele poderá ser o único a conhecer – a manutenção do silêncio poderá desfavorecê-lo.

Na verdade, contraria as mencionadas regras que alguém a quem vêm imputados actos da natureza dos ora em apreço, quando confrontado judicialmente com essa imputação, caso não seja o autor dos mesmos, não queira dar qualquer explicação para aqueles.

Com efeito, em face de todo o circunstancialismo que rodeou a actuação dos arguidos, desde o 1º contacto telefónico estabelecido com o árbitro D... por parte do arguido A..., ao aumento da quantia oferecida de trezentos para quinhentos euros, até ao encontro marcado entre todos, o qual teve como objectivo proceder à entrega da quantia oferecida à testemunha D..., mandam as regras da experiência e da lógica que se conclua que os mesmos tiveram intervenção nos factos em apreço nos termos descritos, factos que, em face das considerações já tecidas, não podem deixar de ser tidos, à luz das regras da experiência comum, como resultantes de uma decisão e execução conjunta, com vista a desse modo interferirem no resultado do jogo em apreço, em benefício do XX....

Ainda a respeito da factualidade em análise, foram valorados os autos de exame pericial de fls. 147 e 148 e de leitura dos telemóveis apreendidos (Apenso II), os quais, para além de terem permitido ao tribunal, em conjugação com o mencionado exame pericial, dar como provados os números de telemóveis que constam da factualidade provada, são evidenciadores do relacionamento próximo já existente entre os três arguidos.

No que concerne à actuação por banda dos arguidos B... . e C...., em nome e no interesse do XX..., a mesma extrai-se da conjugação da sua qualidade de dirigentes do clube com o propósito visado pela sua actuação concertada com o arguido A..., ou seja, obter para esse clube a melhor classificação possível através da oferta e entrega em dinheiro como contrapartida da viciação da verdade desportiva, único sentido possível, por lógico e razoável, à luz das regras da experiência do senso comum.
Também quanto ao conhecimento por parte destes arguidos da qualidade de árbitro da testemunha D..., tal conclusão impõe-se à luz das regras da experiência comum, não só em face da sua actuação, como ainda da sua ligação à competição desportiva distrital, por força da sua qualidade de dirigentes desportivos do clube em causa.
No que concerne à ausência de antecedentes criminais por parte dos arguidos A... e B.... e à condenação sofrida pelo arguido C...., a convicção do tribunal assentou no teor dos últimos C.R.C. juntos aos autos.
Quanto à factualidade atinente às condições pessoais de vida dos arguidos, nos seus aspectos familiares, profissionais, económicos e sociais, a convicção do tribunal assentou nas declarações dos próprios, pois que sobre tal matéria declararam pretender depor, declarações essas que para além de não terem sido contrariadas por outros meios probatórios, foram corroboradas, no que concerne aos arguidos A... e C...., pelos depoimentos das testemunhas arroladas por cada um deles, cuja respectiva identificação remetemos para a acta da audiência de julgamento.
A convicção do tribunal sobre os factos não provados, alicerçou-se na falta de prova sobre os mesmos produzida, em resultado de não terem sido produzidos outros elementos probatórios com força bastante para os sustentarem e de os produzidos, a tal propósito, não terem apontado em tal sentido.
No que em especial se refere aos factos que envolvem o arguido A... e o dirigente do Clube Desportivo do ..., convirá desde já chamar à colação o depoimento deste último, ou seja, da testemunha … , a qual negou peremptoriamente ter recebido quaisquer telefonemas do arguido A... nos termos descritos na acusação, designadamente em momento anterior ao jogo  …/ ... (jogo esse que de acordo com a prova documental ocorreu em 4/11/2007), esclarecendo, a instâncias do tribunal, que não obstante o mesmo já o tivesse contactado telefonicamente, uma ou duas vezes, nunca em tais contactos fez alusão a qualquer assunto em concreto, pese embora tivesse ficado com a sensação que aquele lhe tentava dizer algo que depois não lograva concretizar.
A instâncias do tribunal esclareceu ainda que os contactos que fez para a Associação de Futebol a queixar-se de um árbitro que lhe andava a pedir dinheiro nada tiveram a ver com o arguido A... (como em audiência de julgamento foi adiantado pela testemunha … , funcionária administrativa da Associação de Futebol), mas antes com o árbitro … , em relação ao qual já correu o respectivo processo crime.
A respeito de um eventual telefonema recebido pela testemunha ..., depuseram as testemunhas ...,  ….(esta última ouvida em declarações para memória futura), as quais referiram ao tribunal ter presenciado um telefonema entre o  … e o arguido A..., após o primeiro (com o desconhecimento deste) ter colocado o seu telemóvel em alta voz, telefonema esse ocorrido no largo da feira em Z..., local para onde se deslocaram após terem-se encontrado no Café …, encontro este marcado com o objectivo do mencionado  … poder comprovar que o A... lhe andava a solicitar quantias em dinheiro, as quais, segundo tais testemunhas, teriam a ver com o último jogo ocorrido entre o  … /....
Sobre o teor de tal chamada telefónica, foi adiantado pelas mencionadas testemunhas, com mais ou menos pormenores, que após o A... ter referido ao ... que andava desaparecido, este transmitiu-lhe que andava a tentar arranjar o dinheiro, sendo que tendo o ..., no decurso da conversa, feito alusão as quantias em causa aquele as confirmou, dizendo que eram cinquenta, vinte e cinco, vinte e cinco.
A instâncias esclareceram também ter ficado com a convicção que tais quantias correspondiam a “contos”, destinando-se os cinquenta ao árbitro A... e os vinte e cinco a cada um dos auxiliares, concretizando a testemunha ..., aquando da prestação do seu depoimento, não ter ficado com quaisquer dúvidas, em face do que ouviu, que entre o ... e o A... já tinham existido outros contactos anteriores.
Confrontada a testemunha ... com o teor dos mencionados depoimentos, a mesma continuou a negar ter mantido qualquer conversa telefónica com o arguido A... nos termos adiantados por aquelas, concretizando, a instâncias do tribunal, que a chamada telefónica a que as testemunhas ... e  … se referiram como tendo ocorrido em alta voz foi estabelecida não com o mencionado arguido, mas com o árbitro ..., em data anterior ao jogo do .../ … , na sequência da qual veio a ser a denunciada a situação que deu origem ao mencionado processo crime.
Nesta parte, porém, não obstante a tentativa por banda da testemunha ... em tentar confundir o tribunal, a respeito da existência do contacto telefónico estabelecido com o arguido A..., foi expressamente referido pela testemunha ... que no dia em que ocorreu a mencionada chamada telefónica com o A..., ocorreu uma outra entre aquele e o árbitro ..., com o mesmo objectivo, presenciada pelas mesmas pessoas, tendo sido na sequência desta que foi decidido denunciar a situação à Policia Judiciária.
Todavia, em face da posição assumida pela testemunha ... e tendo também o tribunal entendido, na sequência da posição atrás expressa, não valorar os demais depoimentos testemunhais, na parte em depuseram sobre o conteúdo da chamada que ouviram entre os mencionados A... e ..., através do sistema de alta voz, considerou-se pois não provada a factualidade em apreço.

                                               *          *          *

            Sustenta o recorrente A... que o acórdão do tribunal colectivo enferma da nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. b), do CPP, por o ter condenado por factos e segundo qualificação jurídica que não constavam da acusação, sem que concomitantemente tenha sido observado o disposto no art. 359º do mesmo diploma (todas as disposições legais doravante citadas sem menção do diploma de origem reportam-se ao Código de Processo Penal). Alega para o efeito terem sido introduzidos factos novos – os elencados em primeiro e terceiro lugar na comunicação exarada em acta – para subsequentemente se efectuar uma nova incriminação ao arguido.

Como é sabido, o processo penal português tem estrutura acusatória, sendo o seu objecto delimitado pela acusação ou pela pronúncia, quando a houver. São os factos descritos nessa peça processual que delimitam o thema decidendum, daí resultando para o arguido a garantia de que, ressalvadas as excepções previstas na lei e dentro dos condicionalismos por esta fixados, não poderá ser julgado e condenado por outros factos que não aqueles de que tomou prévio conhecimento.

            Vejamos então os regimes legais da alteração substancial e da alteração não substancial de factos:

            Sobre a alteração substancial de factos rege o art. 1º, al. f), do CPP, que define como “«alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. Factos que impliquem a imputação de um crime diverso ou que agravem os limites máximos das sanções aplicáveis (portanto, a implicar a condenação pelo mesmo tipo legal de base, mas agravado ou qualificado), são, necessariamente, factos com repercussão na configuração do ilícito e/ou na moldura penal. Fora desse âmbito, qualquer alteração será não substancial.

Por outro lado, como aquela definição legal logo indicia através de simples interpretação literal, a aferição da «alteração substancial dos factos» situa-se no domínio da imputação, por referência ao tipo de ilícito (em abstracto) e não no domínio da efectiva verificação do crime (em concreto), equacionando a eventual procedência ou improcedência da acusação.

Dizer-se que a verificação da alteração substancial se faz em abstracto, por referência ao tipo de ilícito imputado ao arguido, significa que se na acusação é imputado ao arguido, por exemplo, um crime de furto, estando descritos os factos pertinentes e, por força do aditamento de novos factos passa a ser-lhe imputável um crime de furto qualificado, os novos factos têm como efeito a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis; logo, a alteração é substancial. Se na acusação é imputado ao arguido um crime de furto e por força do aditamento de novos factos passa a ser-lhe imputável um crime de roubo, os novos factos têm como efeito a imputação de um crime diverso, pelo que estaremos ainda no domínio da alteração substancial de factos.

            A alteração substancial, como é sabido, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para efeito de condenação no processo em curso, salvo se, havendo acordo do M.P., do arguido e do assistente, dela não resulte a incompetência do tribunal (cfr. art. 359º, nºs 1 e 3, do CPP).

            Diversamente, “se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa” (art. 358º, nº 1, do mesmo diploma).

Esta última norma é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia (cfr. o nº 3 do mesmo artigo). Na verdade, qualquer que seja a qualificação jurídica que se faça dos factos trazidos a julgamento, ela jamais implicará uma alteração substancial, na medida em que o objecto do processo se mantém. A propósito do tema, escreve Frederico Isasca [1], citando Carnelutti: “se o juiz entende que a qualificação dos factos feita pela acusação é errada, ao corrigi-la não modifica os factos mas apenas a sua valoração”, acrescentando logo de seguida que “entender o contrário seria confundir vinculação temática com qualificação jurídica”.

Segundo o recorrente A... estaríamos perante uma alteração substancial de factos por duas vias:

- Porque a condenação assentaria em factos novos;

- Porque foi condenado por crime diverso, condenação essa apenas possível por força da consideração desses novos factos.

Os factos a que o recorrente se reporta foram objecto de comunicação em audiência, tendo sido vertidos em acta nos seguintes termos:

            - que o contacto telefónico efectuado pelo arguido A... no dia 10 de Novembro de 2007 para o árbitro D... foi estabelecido na sequência de contacto e acordo prévio com os arguidos B... . e C... .;

            - que os arguidos A..., B.... e C...., ao actuarem nos termos descritos na acusação, fizeram-no em conjugação de esforços e intentos entre todos, com vista a interferirem no resultado do jogo .../T... de modo a que resultasse em empate ou, caso não fosse possível, ganhasse o T..., em benefício do XX....

            Ademais, fez-se constar da acta o seguinte:

            “Ora, podendo os factos acabados de referir, a serem dados como provados, constituir uma alteração não substancial dos descritos na acusação e entendendo também o tribunal que em face dos já vertidos na acusação e dos acabados de comunicar, a conduta do arguido A... é susceptível de configurar a prática em co-autoria com os demais arguidos de um crime de corrupção activa, nos termos das disposições legais já constantes da acusação, ao abrigo do disposto no art. 358º, nº 1, do CPP, comunicam-se tais alterações aos arguidos, concedendo-lhes, caso eles o requeiram, o tempo estritamente necessário para a preparação da sua defesa”.

            Contudo, é manifesto que não estamos perante factos novos. Os factos em que assentou a condenação do arguido são, naquilo que constitui a sua essência, exactamente os mesmos, o que pode, aliás, ser verificado através duma simples análise comparativa dos textos da acusação e do acórdão do tribunal colectivo:

Acusação deduzida pelo M.P. Acórdão do tribunal colectivo
- Ainda, no dia 10 de Novembro de 2007, o arguido A... contactou através do seu telemóvel com o número 913071136 para o telemóvel do árbitro da Associação de Futebol de Z..., D..., (…). O interlocutor recusou imediatamente a proposta.III. No dia 10 de Novembro de 2007, o arguido A..., na sequência de contacto e acordo prévio com os arguidos B... . e C... ., contactou através do seu telemóvel com o número 913071136 para o telemóvel do árbitro da Associação de Futebol de Z..., D..., (…), tendo, porém, o mencionado D... recusado imediatamente a proposta.

- No dia 15 de Novembro de 2007, no local e hora combinado, o A... disse a D... que teriam de jantar num local próximo de ... e aí receberia o dinheiro, à proposta o D... contrapôs como local para receber o dinheiro – ..., ficando combinado encontrarem-se com C.... e B.... (os amigos de A... e desconhecidos do D...) na ... da saída da A 24, em ..., (…).VII. No dia 15 de Novembro de 2007, no local e hora combinado, o A... disse a D... que teriam de jantar num local próximo de ... e aí receberia o dinheiro, ao que se opôs este último, sugerindo dividir o trajecto ao meio, tendo então combinado encontrar-se com os dirigentes do ... na ... da saída da A24, em ..., (…),

- No local indicado e que também era conhecido dos referidos amigos compareceram os arguidos C.... e B...., tendo o primeiro destes entregue ao arguido A... um maço de notas (…)VIII. Já na mencionada ... e quando ai já se encontravam os arguidos A... e D..., compareceram os arguidos C.... e B...., tendo o primeiro destes entregue ao arguido A... um maço de notas (…)
- Ao oferecer vantagens patrimoniais a D..., como foi o caso, os arguidos C...e B..., bem como o arguido A..., sabiam que punham em causa a confiança nas instituições desportivas, os cidadãos que as representavam e os valores da verdade, da lealdade e da correcção dos resultados da competição desportiva.

- Sabiam ainda os mencionados A..., C...e B...que ao oferecerem dinheiro a D... para este prejudicar o ... e/ou o T..., quem tirava benefício era o XX..., resultado que todos queriam.

XIII. Ao procederem do modo descrito, agiram os arguidos A..., B.... e C... de um modo livre e deliberadamente, em conjugação de esforços e intentos entre todos, com vista a interferirem no resultado do jogo .../T..., nos termos descritos em III, em benefício do XX..., bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.   

            Resulta patente da mera comparação destes textos que os factos que o tribunal colectivo considerou provados têm integral correspondência no que constava da acusação. O tribunal limitou-se a clarificar dois aspectos que já resultavam inequívocos do texto da acusação, qual seja, a existência de prévio acordo entre os arguidos, só possível através de contacto, directo ou indirecto, entre eles, e a comunhão de intenções com que actuaram. Aliás, o acórdão do tribunal colectivo, na sua fundamentação jurídica, explicitou de forma precisa e cuidada este particular aspecto, referindo a fls. 39 (correspondente a fls. 965 dos autos) que “… o que o tribunal referiu no ponto III do acórdão (“na sequência de contacto e acordo prévio”), é mera repetição, com outra formulação, do que já constava do último parágrafo do ponto I da acusação e também resultava da descrição fáctica constante dos parágrafos 3º, 6º, 7º, 8º e 9º, do ponto II da acusação, pois, como é óbvio, se não tivesse havido prévio contacto e acordo entre os três arguidos eles não apareceriam juntos no momento em que foram surpreendidos pela autoridade policial.

            Por outro lado, no que concerne ao que o tribunal referiu no ponto XIII do acórdão (“conjugação de esforços e intentos entre todos”), tal é claramente o que se infere dos demais factos provados e já vertidos na acusação, pois a actuação conjunta e concertada entre os três arguidos está evidenciada pelo conjunto de telefonemas e pela presença dos três quando surpreendidos pela autoridade policial. Aliás, para a co-autoria até basta a mera consciência e vontade de colaboração entre os agentes do crime e a demais matéria fáctica provada evidencia claramente essa co-autoria. Daí o acrescento efectuado e relativo à co-autoria não constituir mais do que uma expressão quiçá conclusiva que é praxe verter na matéria de facto provada das decisões condenatórias mas que até se admite que pudesse apenas ter sido chamada à colação em sede de fundamentação jurídica.”

            Registe-se que a correspondência entre os factos constantes da acusação e os factos constantes da decisão final não implica necessariamente a correspondência entre os respectivos textos. Se o tribunal da condenação dá como assentes factos que já constavam da acusação ainda que conferindo-lhes um encadeamento diverso, desde que este lhes não retire a identidade naturalística, não ocorre qualquer alteração relevante da matéria de facto, pelo que nem sequer se torna necessário proceder à comunicação pressuposta pela alteração não substancial. Do mesmo modo, se o tribunal descreve os mesmos factos por outras palavras, ou confere maior pormenor ao relato apenas para precisar os termos da acção mas sem acrescentar nada de novo à descrição da acção típica relevante, não ocorre alteração substancial ou não substancial da matéria de facto. A bitola para se aferir da relevância da alteração fáctica será sempre a identidade do objecto do processo e o fair trial pressuposto por um processo penal justo, que não são afectados quando nada de novo se acrescenta à descrição da acção típica.

            Assente que os factos são os mesmos, vejamos então o que sucede relativamente ao modo da sua imputação jurídica ao arguido A...:

            A acusação deduzida contra este arguido imputava-lhe a autoria de um crime de corrupção desportiva passiva agravado, p. p. pelos arts. 8º e 12º, nº 1, da Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto. O arguido A... veio, no entanto, a ser condenado pela co-autoria de um crime de corrupção desportiva activa agravado, p. p. pelos arts. 9º e 12º, nº 2, da citada Lei.

            Pretende o recorrente que a alteração da matéria de facto a que se procedeu visou permitir a alteração da qualificação legal do crime que lhe era imputado. Sem razão, uma vez mais, pois como se demonstrou não houve qualquer alteração relevante da matéria de facto, já que nada de novo foi acrescentado ao que resultava da acusação.

            O que na verdade ocorre é uma alteração da qualificação jurídica. O tribunal a quo entendeu que os factos constantes da acusação e que teve como provados conduziam a uma diversa imputação criminosa. Vejamos o facto que essencialmente releva para a imputação criminal, na redacção da acusação e na redacção do acórdão recorrido:

Acusação deduzida pelo M.P.Acórdão do tribunal colectivo
- Ainda, no dia 10 de Novembro de 2007, o arguido A... contactou através do seu telemóvel com o número 913071136 para o telemóvel do árbitro da Associação de Futebol de Z..., D..., pelo número 916985872, dizendo-lhe que o XX... lhe oferecia 300€ para que no jogo que ele ia arbitrar no fim de semana seguinte, entre o ... e o T..., resultasse em empate, ou, caso tal não fosse possível, ganhasse o T..., resultados que serviam os intentos do XX... (…)III - No dia 10 de Novembro de 2007, o arguido A..., na sequência de contacto e acordo prévio com os arguidos B... . e C... ., contactou através do seu telemóvel com o número 913071136 para o telemóvel do árbitro da Associação de Futebol de Z..., D..., pelo número 916985872, dizendo-lhe que o XX... lhe oferecia 300€ para que no jogo que ele ia arbitrar no fim de semana seguinte, entre o ... e o T..., resultasse em empate, ou, caso tal não fosse possível, ganhasse o T..., resultados que serviam os intentos do XX... (…),

Repte-se, os factos descritos são os mesmos. Simplesmente, com base nesses mesmos factos, a acusação imputou ao arguido o crime p. p. nos arts. 8º e 12º, nº 1, da Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto, enquanto que o tribunal recorrido considerou verificado o crime p. p. pelos arts. 9º e 12º, nº 2, da mesma Lei.

O teor dos normativos em questão é o seguinte:

Art. 8º (corrupção passiva): O agente desportivo que por si ou mediante o seu consentimento ou ratificação, por interposta pessoa, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão destinados a alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.

Art. 9º (corrupção activa):

1 – Quem por si ou mediante o seu consentimento ou ratificação, por interposta pessoa, der ou prometer a agente desportivo, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que lhe não seja devida, com o fim indicado no artigo anterior, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 – A tentativa é punível.

Art. 12º (agravação):

1 – As penas previstas no artigo 8.º e no n.º 1 do artigo 10.º são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se o agente for dirigente desportivo, árbitro desportivo, empresário desportivo ou pessoa colectiva desportiva.

2 – Se os crimes previstos no artigo 9.º e no n.º 2 do artigo 10.º forem praticados relativamente a pessoa referida no número anterior, o agente é punido com a pena que ao caso caberia, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Ora, qual foi, afinal, a actuação do arguido A...?

O que se provou é que este arguido, na sequência de acordo estabelecido com os arguidos B.... e C...., serviu-lhes de intermediário na oferta da quantia de trezentos euros, ulteriormente aumentada para quinhentos euros, ao árbitro D..., para que este interferisse nos resultados do jogo .../T... de modo a que o resultado desse jogo fosse um empate ou, se tal não fosse possível, que ganhasse o T..., resultados esses que serviam os intentos do XX.... Tal actuação, livremente assumida, traduzindo uma concertação de ideias e de intenções entre todos, visava a finalidade previamente determinada de interferir nos resultados de um jogo de futebol de modo a beneficiar o XX..., pondo assim em causa a confiança nas instituições desportivas, nos seus representantes e nos valores da verdade, da lealdade e da correcção dos resultados das competições desportivas.

Tal actuação preenche, na verdade, a previsão dos arts. 9º e 12º, nº 2, da Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto e nessa medida o Tribunal a quo deu cumprimento, como lhe competia, ao disposto no disposto no art. 358º, nºs 1 e 3.

Nem sequer ocorre, pois, verdadeira alteração não substancial da matéria de facto. O tribunal colectivo procedeu a uma mera alteração da qualificação jurídica, que nada tem a ver com a alteração dos factos. Sobre o tema, pode ler-se, em Acórdão desta mesma Relação de Coimbra que, citando jurisprudência do Tribunal Constitucional (Ac. TC nº 544/2006, de 27 de Setembro de 2006), decidiu questão similar (Ac. RC de 13/10/2010, proferido no proc. nº 156/99.3TATND-A.C1, relatado pelo Exmº Desembargador Esteves Marques e disponível em www.dgsi.pt/jtrc), o seguinte: “(…) a dimensão do objecto do processo cuja alteração se repercute irreparavelmente na estratégia da defesa, e por isso só pode ser alterada em casos específicos, é a dimensão da alteração dos factos suporte de uma qualificação jurídica (…). Já a alteração da mera qualificação jurídica dos factos importa uma discussão sobre o Direito aplicável, mas não tem a mesma repercussão na defesa que tem a alteração substancial dos factos. Daí que a lei preveja para os casos de alteração da qualificação jurídica (em qualquer fase) apenas a oportunidade de a defesa se pronunciar, nos termos do contraditório (artigo 358º, nºs 1 e 3). Regime que foi introduzido no Código de Processo Penal pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdão nº 22/96, D.R., II Série, de 17 de Maio de 1996). O regime do objecto do processo deve ser interpretado de modo substancial em articulação com as garantias da defesa, é certo, mas também em equilíbrio com os demais princípios do Processo Penal, tais como os do jura novit cura, da verdade material e o imperativo da correcta aplicação do Direito. A alteração da qualificação jurídica dos factos durante o processo, ainda que mais do que uma vez, não colide com a estrutura acusatória do Processo Penal nem com as garantias da defesa. Na verdade, a investigação tem por objecto os factos. A qualificação jurídica depende da interpretação da lei em face do apuramento dos factos investigados. O juiz de julgamento tem, naturalmente, o poder de proceder à alteração da interpretação do Direito, salvaguardada que seja a oportunidade do arguido poder considerar na sua defesa a qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados. O entendimento do recorrente retira os poderes de investigação que, reconhecidamente, o sistema português confere ao juiz de julgamento, dentro, naturalmente, do objecto definido pela acusação. Nem a fase em que é feita a alteração da qualificação jurídica nem o facto de ser repetida põem em causa a estrutura acusatória do Processo Penal.
A invocação da existência do caso julgado formal, numa lógica de Direito Processual Civil, a propósito da prolação do despacho de pronúncia não procede, dado que no Processo Penal, e em particular na matéria em causa nos presentes autos, regem, como foi dito, o princípio acusatório, o princípio da vinculação temática e o regime da articulação entre poderes de interpretação e poderes de julgamento. Depois da instrução o processo segue para julgamento. No julgamento, o juiz aprecia os factos constantes da pronúncia e faz a aplicação do Direito.”.
Em conclusão diremos que quanto à subsunção jurídica dos factos, não há vinculação temática, gozando o juiz da liberdade de poder qualificá-los juridicamente. Ponto é que seja dada oportunidade ao arguido de se pronunciar, face a essa diferente qualificação, como o impõe expressamente o artº 358º nº 3 CPP”
.

Não ocorre, pois, a nulidade invocada pelo recorrente A..., na medida em que os factos que vieram a ser atendidos pelo tribunal colectivo são os mesmos que constavam já da acusação, apenas qualificados do ponto de vista jurídico de uma forma diversa da que antes havia sido considerada pelo M.P., sem que essa diferente qualificação jurídica dos factos traduza violação do princípio do acusatório.

Prossegue o recorrente A... alegando excesso da medida concreta da pena de multa e do respectivo quantitativo diário.

Foi o recorrente condenado na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 10,00€, o que perfaz o montante global de 2000,00€ (dois mil euros).

A pena cominada para o crime em causa, na vertente da aplicação da pena não detentiva, é a de 13 a 480 dias de multa, podendo a taxa variar entre €5,00 e € 500,00.

Como é sabido, o Código Penal utiliza o modelo escandinavo dos dias de multa, segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas, uma primeira, em que se determina o número de dias de multa através dos critérios gerais de fixação das penas e uma segunda operação em que se fixa o quantitativo de cada dia de multa em função da capacidade económica do agente [2].

Por expressa remissão do nº 1 do art. 47º do Código Penal [3], o critério de fixação da pena de multa é o previsto no nº 1 do art. 71º, donde resulta a necessidade de recurso aos dois vectores fundamentais aí apontados - a culpa do agente e as exigências de prevenção - com ponderação ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a seu favor ou contra ele, tendo-se ainda presente que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40º, nºs 1 e 2).

À culpa é cometida a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena.

A prevenção geral (dita de integração) fornece uma moldura de prevenção cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e no mínimo, fornecida pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Por seu turno, à prevenção especial cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida função, isto é, dentro da moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização [4].

Revertendo ao caso concreto, diremos, desde logo, que reputamos de acertadas as considerações do tribunal recorrido em sede de determinação da medida concreta da pena. A decisão recorrida ponderou todas as circunstâncias que depõem contra ou a favor do arguido, com particular relevo para o dolo directo e intenso e para o elevado grau de ilicitude dos factos. As exigências de prevenção geral assumem alguma relevância, como se verifica pela frequência com que situações deste género vêm chegando à barra dos tribunais, não sendo particularmente elevadas as exigências de prevenção especial, visto o arguido não ter antecedentes criminais.

Retomando o que escrevemos supra, a propósito da concretização da pena de multa, a postular o recurso ao critério do art. 71º, não se vislumbram razões que justifiquem a diminuição da pena imposta ao recorrente em 1ª instância. A pena ajustada ao caso, delimitada pela culpa e pelas exigências de prevenção, nos termos expostos, não sendo de determinação matemática e precisa, situa-se num patamar totalmente compatível com o determinado na decisão recorrida, que haverá que manter.

Vejamos agora a taxa fixada. Segundo o disposto no nº 2 do art. 47º do Código Penal, a quantia correspondente a cada dia de multa é fixada pelo tribunal, dentro dos limites legais, ou seja, entre  € 5,00 e € 500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

A amplitude estabelecida neste preceito quanto ao quantitativo diário da multa teve em vista eliminar ou, pelo menos, esbater, as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver, realizando assim o princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios [5]. De todo o modo, o montante encontrado não deverá esvaziar a noção de pena, que enquanto censura social de um comportamento desconforme com o pressuposto pela ordem jurídica, há-de implicar necessariamente um sacrifício para o condenado, de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura, cumprindo assim a função preventiva que qualquer pena envolve, sob pena de se desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça [6].

Vista a decisão recorrida à luz da matéria de facto provada e tendo presentes as considerações que antecedem, não se poderá de modo algum considerar excessiva a taxa fixada na decisão recorrida, muito próxima do limite mínimo legalmente previsto. Na verdade, se a pena de multa concretamente fixada não implicar um sacrifício para o condenado, deixará de cumprir a função de censura que lhe é assinalada, não salvaguardando as exigências de prevenção que a determinaram.

Vejamos de seguida as questões suscitadas no recurso do Clube Desportivo XX...:

Começa o recorrente por impugnar a matéria de facto, aí incluída a questão da legalidade da representação do Clube. Diz o recorrente que não concorda com os factos indicados em II-A da fundamentação do acórdão, nomeadamente, I (2a parte), II (2a parte), III, IV, V, VIII, IX, X, XI, XII e XIII, sustentando que dos depoimentos das testemunhas não se pode concluir que os arguidos B.... e C.... tivessem praticado os factos de que são acusados ou, pelo menos, que os tivessem praticado como dirigentes ou representantes do recorrente e no interesse deste. No entanto, essa sua discordância não assenta na indicação concreta e precisa dos segmentos que impõem conclusão diversa. O recorrente limita-se a transcrever excertos de diversos depoimentos, para depois deles extrair à laia de conclusão que os excertos reproduzidos no que concerne ao conhecimento publico ou da opinião pública dos arguidos C...e B...não são de molde a inferir que estes eram directores ou dirigentes do clube ou que tivessem tido qualquer actuação como representantes do recorrente nos factos constantes da acusação. O recorrente limita-se, no entanto, a análise genérica, visando essencialmente questionar o modo de formação da convicção do tribunal a quo, sustentando que a prova produzida não consente as ilações que o tribunal dela retirou. Contudo, como vem sendo sucessivamente referido pela jurisprudência desta Relação, na reapreciação da matéria de facto à luz da arguição pelo recorrente de erro de julgamento não está em causa a realização de um novo julgamento, a formação de uma nova convicção sobre a matéria de facto, mas apenas e tão só verificar se a matéria de facto, tal como se teve como provada ou não provada, encontra suporte nos meios de prova e na sua conjugação com as regras da experiência comum, o que pressupõe essencialmente o cotejo da motivação e dos meios de prova indicados na motivação da decisão de facto com aqueles que o recorrente afirma imporem decisão diversa. Com efeito, como o recurso sobre a matéria de facto visa apenas corrigir erros de julgamento relativamente aos factos indicados pelo recorrente como erradamente julgados, o que verdadeiramente importa em sede de recurso de matéria de facto é que o recorrente demonstre o mal fundado da opção do tribunal recorrido, explicando porque é que as conclusões desse tribunal quanto a matéria de facto não são compagináveis com a prova produzida. O alegado pelo recorrente não tem, no entanto, a virtualidade de questionar as conclusões que o tribunal recorrido retirou da prova, como se verá:

Assim, desde logo, sustenta o recorrente que o depoimento da testemunha D... assenta no que alegadamente terá ouvido dizer ao arguido A.... O único elemento objectivo que poderia apontar para o envolvimento dos arguidos C...e B...seria a sua presença aquando dos factos ocorridos em 15/11/2007, mas não havendo qualquer prova sobre as circunstâncias e motivos que levaram a que aqueles arguidos tivessem acompanhado o A..., a presença destes não estaria justificada. Simplesmente, é precisamente aqui que intervêm as regras da experiência comum e que há que fazer apelo à análise crítica da prova, valorando todos os elementos disponíveis não apenas de per se, mas em correlação com a totalidade da prova produzida. Seria lógico que o arguido A..., querendo praticar um acto criminoso, um crime de corrupção desportiva, o fosse fazer em frente de testemunhas que o poderiam comprometer? Tratando-se de um crime de corrupção desportiva, seria lógico que o A... fizesse a entrega de dinheiro a um árbitro em frente de dois dirigentes de um clube desportivo que nada tivessem a ver com a sua actuação? E logo por coincidência, dois dirigentes desportivos do “Clube Desportivo XX...”, que poderia beneficiar com a manipulação dos resultados do jogo que iria opor o ... ao T...?

Por outro lado, afirmar que o único elemento objectivo do comprometimento dos arguidos C...e B...seria a sua presença no local não constitui senão uma tentativa de ocultar a riqueza da prova produzida e a sua concludência. Basta atentar na motivação consignada pelo tribunal, que acima transcrevemos e para cuja leitura remetemos, explicitando com clareza os termos em que a actuação dos arguidos foi surpreendida pela PSP, para se verificar a falta de fundamento do alegado.

Prossegue o recorrente alegando que “O julgador invocou o interesse do recorrente na viciação do resultado do jogo e com isso atingir um resultado positivo por estar a um ponto de distância na classificação, mas não atribuiu relevância ao facto do T... estar a um ponto do recorrente e, por isso, (conclusão do recorrente) também poderia ter tido algum interesse menos ético (…)”. Compreende-se perfeitamente onde é que o recorrente pretende chegar! Há apenas um óbice ao seu raciocínio. É que os arguidos C...e B...eram dirigentes do XX... e não do T..., donde se segue que seria no mínimo estranho que estivessem ali, na companhia do arguido A..., entregando dinheiro a um árbitro para, nas palavras do recorrente, assegurar algum interesse menos ético do T...! Donde se segue que contrariamente ao pretendido, não há razões para equacionar qualquer dúvida sobre o interesse do recorrente na viciação do resultado do jogo acima referido.

Também relativamente à comparticipação criminosa entre os arguidos se não suscitam quaisquer dúvidas. A prova produzida, lida no seu conjunto, aponta sem margem para dúvidas para o que o tribunal recorrido teve como assente, considerando provada uma actuação concertada dos arguidos com vista uma mesma finalidade, não indicando o recorrente quaisquer aspectos que permitam questionar as conclusões a que chegou a 1ª instância em matéria de facto.

Numa outra vertente da sua defesa, o recorrente alega não estar demonstrada a qualidade de dirigentes desportivos dos arguidos C...e B..., sustentando que tal qualidade só poderia ser comprovada por documento autêntico, pelo que na ausência dessa prova, os arguidos C...e B...não poderiam ter sido validamente considerados representantes e administradores do recorrente. Nesta medida, considera que com a sua condenação foi violado o princípio in dubio pro reo, já que o non liquet relativo a esta questão teria que ser valorado a seu favor. Contudo, não tem razão. Em processo penal a prova documental nunca é obrigatória. É apenas admissível, tem carácter facultativo. É o que resulta da 1ª parte do art. 164º, dispondo que “é admissível prova por documento …”. Quaisquer factos que não pressuponham especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos – caso em que seria necessária a prova pericial (art. 151º) – admitem prova testemunhal, em homenagem aos princípios da livre indagação e da verdade material [7]. Ora, o tribunal colectivo fundamentou devidamente as conclusões a que chegou relativamente à qualidade de dirigentes desportivos dos referidos arguidos sem que se evidencie que tenha tido dúvidas quanto à decisão que tomou e que na dúvida tenha optado por decidir contra os arguidos ou contra qualquer deles. Os arguidos C...e B...agiram efectivamente na qualidade de dirigentes desportivos do recorrente, qualidade que detinham independentemente da eventual sindicabilidade ou irregularidade do seu desempenho, pelo que não colhe a alegação de violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo.

Prossegue o recorrente invocando a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e a contradição entre a fundamentação e a decisão.

O primeiro daqueles vícios, tal como está previsto na al. a) do nº 1 do art. 410º do CPP, traduz-se numa insuficiência dos factos provados para a conclusão que deles se extraiu e verifica-se quando a solução de direito, seja ela condenatória ou absolutória, não tem suporte seguro nos elementos de facto provados, devendo concluir-se que tais factos não consentem a decisão encontrada [8].

Já a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão se revela através de uma incoerência, evidenciada por uma relação de incompatibilidade ou conflitualidade entre dois ou mais factos ou premissas inconciliáveis, em termos tais que a afirmação de um ou uns implique necessariamente a negação do outro ou outros, e reciprocamente. É o que sucede, por exemplo, quando o mesmo facto é dado como provado e como não provado, quando se consideram assentes factos contraditórios ou quando se verifica uma insanável contradição entre a motivação e a decisão.

Revertendo para a decisão recorrida e apreciada esta à luz das considerações que antecedem, não se detecta a verificação de qualquer daqueles vícios. Na verdade, os factos dados como provados constituem suporte bastante para a decisão adoptada, não se vislumbra incompatibilidade entre o provado e o não provado ou entre a fundamentação e a decisão e não é perceptível qualquer erro grosseiro e ostensivo na apreciação da prova.

Por fim, alega o recorrente que é uma associação sem fins lucrativos, vivendo de subsídios e apoios públicos, já que as receitas que gere são manifestamente insuficientes para fazer às despesas que estas instituições apesar de tudo ainda suportam e que nessa medida a condenação numa pena de multa de 200 dias ao valor diário de 110,00€ perfazendo 22.000,00€ a manter-se pode, pura e simplesmente, provocar o fim da associação. Pede, em alternativa, a fixação de uma caução de boa conduta ou a redução da pena e da correspondente taxa diária da multa.

            O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no seu parecer sobre a taxa a aplicar ao recorrente, pronunciando-se pelo excesso de uma taxa que poderá eventualmente comprometer a sobrevivência do recorrente provocando a sua rotura financeira, entendendo que seria ajustada a sua fixação num valor situado entre os €60,00 e os € 80,00 diários.

            Retomando as considerações que se fizeram a propósito da determinação da pena de multa imposta ao arguido Fernando Santos, diremos que a medida da pena, fixada ao ora recorrente, aliás, em sintonia com as penas que foram impostas aos arguidos B.... e C..., é perfeitamente equilibrada, não merecendo qualquer censura. Já no que concerne à taxa fixada, pese embora tratando-se de uma pessoa colectiva, na ausência de elementos concludentes sobre a situação económica e financeira do clube e conhecidas as dificuldades com que se debatem os pequenos clubes desportivos, seguramente agravadas pela actual situação de crise com que o país se debate, deverá ser equacionada a fixação de uma taxa substancialmente inferior à que foi adoptada em primeira instância, o que não poderá, no entanto, traduzir-se na substituição da advertência incorporada na pena por uma multa meramente simbólica, o que significaria um abandono das finalidades prosseguidas pela aplicação das penas criminais e deixaria desprotegidos os bens jurídico-criminalmente tutelados pelas normas violadas. Nesta linha de entendimento, ponderada a necessidade de garantir a eficácia da pena a par do desconhecimento das reais condições económicas e financeiras do recorrente, opta-se pela fixação da taxa diária no montante de € 40,00 (quarenta euros) equivalendo assim os 200 dias de multa fixados a um montante total de €8.000,00 (oito mil euros).

           

                                                           *          *          *

III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso do arguido Fernando Santos e em conceder parcial provimento ao recurso do arguido Clube Desportivo XX..., condenado este último como autor de um crime de corrupção activa, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 11º, nºs 2, al. a), 4, 7 e 9, al. a), 26º, ambos do Cód. Penal, 9º e 12º, nº 2 da Lei nº 50/2007, de 31 de Agosto, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de [i]€40,00 (quarenta euros), num total de €8.000 (oito mil euros).

Fixa-se a taxa de justiça devida por cada um dos recorrentes em 4UC.

                                                                       *

                                                                       *

Jorge Miranda Jacob (Relator)

Maria Pilar de Oliveira


[1] - “Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português”, pag. 107.
[2] - Cfr. Maia Gonçalves, “Código Penal Português”, 13ª Ed., pág. 198.
[3] - Remissão introduzida pela revisão do Código Penal operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, se bem que já antes se entendesse ser este o critério a aplicar, por interpretação da norma na harmonia do sistema.
[4] - Cfr. o Ac. do STJ de 10 de Abril de 1996, C.J.- Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 168 e ss.
[5] - Cfr. Maia Gonçalves, ob. cit., págs. 198/199 e Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, pág. 126 e ss.
[6] - Cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 13/07/95, in C.J., ano XX, tomo 4, pág. 48.
[7] - Cfr. o Ac. do STJ de 21/05/1997, CJ-STJ, ano V, tomo II, pags. 215/216.
[8] - Vício que não se confunde, no entanto, com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão que se situa no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, com sede legal no art. 127º do CPP.