Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | AZEVEDO MENDES | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO PROCESSO DISCIPLINAR PRAZOS | ||
Data do Acordão: | 01/31/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 329º, Nº 2 E 355º, Nº 1 DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009. | ||
Sumário: | I – Dispõe o artº 355º, nº 1 do CT/2009 que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo disciplinar e responder à nota de culpa. II – Deste preceito resulta que é obrigação do empregador conceder o prazo de dez dias para a consulta do processo disciplinar e para a resposta à nota de culpa. III – O prazo de 60 dias previsto no artº 329º, nº 2 do CT/2009 é um prazo de caducidade. IV – Os factos que importam ao conhecimento dessa caducidade devem ser alegados e provados pelo autor/trabalhador, cabendo-lhe o ónus de alegação e prova dos ditos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. A autora instaurou contra a ré a presente acção de impugnação de despedimento, sob a forma de processo especial, apresentando formulário previsto no art. 98º-D do Código de Processo do Trabalho, onde declara opor-se ao despedimento promovido pela ré, em 30-11-2011, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências. A ré veio apresentar articulado motivador do despedimento, pedindo que proceda “por provada a licitude e regularidade do despedimento com justa causa”. Alegou que a autora, no dia 14/03/2011, furtou-lhe € 500,00, não mais comparecendo ao serviço até ao dia 12/09/2011. Por esse motivo instaurou-lhe um procedimento disciplinar que culminou com o seu despedimento, não sem antes, no dia 31/03/2011, lhe ter comunicado que considerava denunciado o contrato de trabalho mantido entre ambas, devido à sua ausência, já referenciada. A autora, por sua vez, veio apresentar contestação a este articulado, apresentando a sua versão, sustentando inexistir a aludida justa causa, para além do despedimento ter sido formalmente inválido. Imputou ao procedimento disciplinar que conduziu ao seu despedimento, os vícios de preterição do seu direito de consultar esse procedimento em tempo útil, ausência de descrição circunstanciada dos factos em que se baseia o despedimento, caducidade do direito de desencadear a acção disciplinar em causa, divergências entre a Nota de Culpa que lhe foi dirigida e a que foi junta aos autos, nulidade da prova documental produzida no referido procedimento disciplinar, falta de poderes do instrutor do procedimento referido disciplinar, ausência de determinação da sua suspensão e obstrução injustificada à prestação efectiva de trabalho pela sua parte. No que concerne às razões substanciais, entende que nenhuma culpa houve nos factos por si cometidos, além de que nenhuma lesão séria houve nos interesses patrimoniais da ré. Pediu que se declare ilícito o seu despedimento e que a ré seja condenada a pagar-lhe: a) € 21.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais; b) € 1.100,00€, a título de créditos laborais em atraso; c) € 2.750,00 de créditos pela cessação do contrato; d) as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão jurisdicional que declare a ilicitude desse despedimento. A ré apresentou ainda resposta, impugnando as pretensões da autora e pugnando pela improcedência das mesmas, em virtude da validade formal e substancial do despedimento daquela e ainda porque nada reconhece dever-lhe a qualquer título. Ainda assim, pediu que se julgue compensado o valor de € 762,39, pago à autora, com algum crédito que venha a ser reconhecido à mesma. Prosseguindo o processo os seus termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo sido declarado ilícito o despedimento da autora e a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 13.335,61, acrescida das remunerações vencidas e vincendas desde o dia 30/11/2011 até ao trânsito em julgado da sentença, à razão mensal de € 550,00. É desta decisão que, inconformada, a ré veio apelar. Alegando, concluiu: [...] * II- FUNDAMENTAÇÃO1. De facto Da decisão sobre a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada: [...] 2. De direito É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação. Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma: - se deve considerar-se que à data do despedimento (e mesmo à data da instauração do procedimento disciplinar) o contrato de trabalho entre as partes já tinha cessado por abandono do posto de trabalho; - se o procedimento disciplinar padece ou não de invalidade por não ter sido concedido à autora, dentro do prazo de resposta à nota de culpa, a consulta do processo disciplinar; - se ocorreu ou não caducidade do direito de exercício da acção disciplinar por não se ter iniciado o procedimento nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento dos factos que conduziram ao despedimento. A ré no seu articulado motivador justificou esse despedimento, declarado em 30.11.2001, terminando essa peça processual com o pedido que proceda “por provada a licitude e regularidade do despedimento com justa causa”. Para a eficácia da declaração negocial deve atender-se ao que dispõe o art. 224.º n.º 1 do Código Civil: a declaração negocial considera-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário. E como se refere na anotação ao art. 230.º do Código Civil Anotado de Pires de Lima-Antunes Varela, “a recepção ou conhecimento da declaração negocial torna esta eficaz e, consequentemente, irrevogável”. Ou seja, a declaração não pode, em princípio, ser unilateralmente revogada a menos, naturalmente, que a lei o preveja. Mas sempre pode ser revogada por acordo entre ambas as partes, nos termos gerais do disposto no arts. 405.º e 406.º do Código Civil. No caso, a ré primeiramente recebeu as justificações das faltas dadas pela autora após a referida carta de 31/03/2011 (v. factos 13. e 14.) e, depois, iniciou e concluiu o procedimento disciplinar com vista ao despedimento, tendo proferido a declaração de despedimento com justa causa em Novembro de 2011. Tais factos mostram que desconsiderou a anterior declaração extintiva do contrato de trabalho, revogando-a tacitamente, sendo essa revogação retirada dos factos que, com toda a probabilidade a revelam (v. art. 217.º do Código Civil). Por outro lado, a autora ao intervir no processo disciplinar, respondendo à nota de culpa, e ao impugnar judicialmente o despedimento evidenciou também um comportamento declarativo tácito demonstrativo que aceitava aquela revogação, dando assim o seu acordo. Por tudo isto, concluímos que embora tenha existido, por parte da ré, uma declaração extintiva do contrato consistente com o reconhecimento de denúncia através de abandono do trabalho, essa declaração veio a ser eficazmente revogada por acordo das partes. 2.2. Quanto à questão de saber se o procedimento disciplinar padece ou não de invalidade por não ter sido concedido à autora, dentro do prazo de resposta à nota de culpa, a consulta do processo disciplinar: “Neste domínio, a Requerente começa por questionar essa validade, em virtude de não lhe ter sido facultada, em tempo oportuno, a consulta desse procedimento, nem ter sido respeitado o prazo que a lei prevê para a resposta à Nota de Culpa. Este prazo foi prorrogado pela Requerida, mas, na visão da Requerente, sem fundamento jurídico bastante. Quid júris ? Em primeiro lugar, a consulta do procedimento disciplinar pelo trabalhador nele visado, constitui uma das dimensões essenciais do seu direito de defesa [cfr. neste sentido, entre outros, Ac. RP de 20/12/2004, Pº 0415125, consultável em www.dgsi.pt). E, assim, a lei consagra expressamente que “o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa…”. No caso presente, a Requerida foi interpelada pela Requerente para lhe facultar essa consulta, mas, até ao dia 26/09/2011, inclusive, não lhe deu qualquer resposta (ponto 19 dos Factos provados). Só no dia seguinte, depois da Requerente ter apresentado a sua resposta à Nota de Culpa, a informou de que lhe concedia mais dez dias úteis para essa resposta e informou-a ainda do local e dia em que poderia consultar o dito processo disciplinar (ponto 21 dos Factos Provados). Ora este procedimento da Requerida é manifestamente ilegal. É ilegal, em primeiro lugar, porque a dimensão do prazo de resposta à Nota de Culpa não estava na sua disponibilidade. O artº 339º nº 2 do Código do Trabalho claramente o diz: “Os critérios de definição de indemnizações e os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados neste capítulo podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (o sublinhado é nosso). E, quando assim é, o artº 3º nº 5 do Código do Trabalho afasta da regulação dessas matérias a vontade das partes, ainda que em sentido pretensamente mais favorável para o trabalhador. Por conseguinte, a prorrogação do prazo de resposta à Nota de Culpa, por banda da Requerida, foi ilícita e, consequentemente, também ilícita se deve considerar a faculdade de consulta do procedimento disciplinar para além desse prazo, nos termos em que ele resulta da lei. Por este motivo, pois, o procedimento que deu origem ao despedimento da Requerente tem de se considerar inválido. É o que resulta claramente do disposto no artº 382º nº 2 al. c) do Código do Trabalho.”
A apelante insurge-se contra esta apreciação sustentando que ainda dentro do prazo de 10 dias para a apresentação da defesa não só respondeu à solicitação da requerente ora recorrida para consultar o processo, bem como lhe prorrogou o prazo por mais dez dias para o efeito e daí que, segundo defende, nunca tenha sido preterido o direito da autora de consultar o processo ou a responder à nota de culpa. Dispõe o art. 355.º n.º 1 do Código do Trabalho/2009 que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa. 2.3. Quanto à questão de saber se ocorreu ou não caducidade do direito de exercício da acção disciplinar por não se ter iniciado o procedimento nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento dos factos que conduziram ao despedimento: Como se observa dos autos, mediante procedimento disciplinar, a ré proferiu a sanção disciplinar de despedimento, com base na conduta da autora em se ter apropriado no dia 14/03/2011 de € 500,00 em dinheiro, pertencentes à empregadora. A autora alegou na sua contestação ter ocorrido a caducidade do exercício da acção disciplinar. O artigo 329.º n.º 2 do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”. Entendemos que tal prazo é um prazo de caducidade, uma vez que por aplicação do disposto no art. 298.º do Código Civil quando um direito deva ser exercido dentro de determinado prazo são-lhe aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição – ora, neste caso a lei não qualifica esse prazo como de prescrição. Os factos que importam ao conhecimento da caducidade devem ser alegados e provados pelo autor/trabalhador, cabendo-lhe o ónus de alegação e prova, como factos constitutivos autónomos do seu direito a ver reconhecida a ilicitude do despedimento, não sendo essa matéria subtraída à disponibilidade das partes e, portanto, não sendo do conhecimento oficioso (neste sentido v. Ac. do STJ de 13-01-2010, in www.dgsi.pr, 1321/06.4TTLSB.S1). A apelante entende, no recurso, que se nos autos está estabelecido, nos factos provados, o momento da prática dos factos considerados pela ré como infracção disciplinar, não temos a indicação do momento do conhecimento dos mesmos pelo empregador ou por superior hierárquico com competência disciplinar. Na sentença recorrida considerou-se o seguinte: “No caso em apreço, o procedimento disciplinar que deu origem ao despedimento da Requerente, teve início no dia 12/09/2011. Ora, o furto que lhe foi imputado nesse procedimento, reporta-se ao dia 10/03/2011 (ponto 3 dos Factos Provados). E ainda que a Requerida não tivesse tomado de imediato conhecimento autoria desse furto, certo é que o obteve com a confissão que o marido da Requerente fez aos gerentes da Requerida, H... e J..., confissão essa que, aliás, deu origem, quer ao recebimento da quantia furtada, quer à desistência do procedimento criminal, no dia 29/04/2011 (cfr. pontos 8 a 10 dos Factos Provados e ainda o teor do documento de fls. 175). Temos, assim, como seguro que a Requerida tomou conhecimento do furto praticado pela Requerente, antes deste dia 29/04/2011. Como só instaurou o procedimento disciplinar no dia 12/09/2011, extinguiu-se, por caducidade, o direito ao exercício dessa acção disciplinar, o que igualmente a torna inválida (artº 382º nº 1 do Código do Trabalho).”
Implícito neste juízo está a consideração que o marido da autora informou os apontados gerentes da ré de que tinha sido a autora a apropriar-se da quantia em causa, daí resultando o conhecimento da ré sobre a autoria dos respectivos factos. Matéria que não se retira directamente dos factos provados acima descritos, mas que resulta da própria matéria constante da nota de culpa e da decisão final do processo disciplinar, bem como do documento entregue pelo marido da autora e que é referenciado nos factos 7. e 8..e que está junto em parte no processo disciplinar. Sucede que nos factos acima transcritos não consta a data em que o referido marido da autora deu conhecimento daqueles factos aos ditos gerentes da ré. E é este um dos pontos que a apelante, no recurso, esgrime para defender que assim sendo não se pode concluir pela caducidade do direito de exercício disciplinar. Todavia, verificamos que o Sr. Juiz a quo faz referência, na parte da fundamentação transcrita, ao documento junto pela autora a fls. 175 em que o gerente da ré J... (a qualidade de gerente é comprovada no documento registral junto a fls. 117 e segs., a que a ré faz referência no recurso) declarou, num auto de inquirição da GNR de Tomar (proc. NUIPC 177/11.0GAVNO), no dia 23 de Abril de 2011, o seguinte: [...] É que a apelante defende no recurso que, para além da data e uma vez que é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, era necessário provar quem era ou eram os superiores hierárquicos com competência disciplinar, referindo também que para obrigar a sociedade são necessárias duas assinaturas conjuntas de gerentes para obrigar a sociedade. Como já dissemos, o artigo 329.º n.º 2 do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”. Ou seja, o conhecimento relevante para operar a caducidade é em primeiro lugar o do empregador e, apenas depois, o de superior hierárquico com competência disciplinar. No caso, apura-se apenas que um gerente da ré tinha conhecimento dos factos disciplinares pelo menos em 23/04/2011. Sendo vários os gerentes, o conhecimento de apenas um deles pode traduzir-se no “conhecimento pelo empregador”? Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 261.º do Código das Sociedades Comerciais (referente ao funcionamento da gerência plural na sociedades por quotas) as notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade. Trata-se, portanto, de uma norma imperativa (que não pode ser modificada pelo contrato societário) e da qual resulta, com clareza, que o conhecimento obtido por comportamento declarativo de terceiro a um dos gerentes, com relevo na esfera jurídica da sociedade, vincula a própria sociedade a esse conhecimento. Passivamente, cada um dos gerentes representa, nessa medida, separada e plenamente, a sociedade por quotas, tendo-se o conhecimento por um dos gerentes como conhecimento pela sociedade e por todos os demais gerentes (cfr. Raul Ventura, Sociedades por Quotas, volume III, páginas 194/195) - o que deve considerar-se justificado no dever de diligência de cada um, tal como é genericamente indicado no art. 64.º daquele mesmo Código. Por consequência, o conhecimento obtido pelo gerente da ré J... sobre a possibilidade consistente de imputação à autora dos factos que deram origem ao procedimento disciplinar contra ela, obtido pelo menos em 23/04/2011, reputa-se como conhecimento pela sociedade e, portanto, como conhecimento do empregador da autora. Daí que o despedimento promovido pela ré tenha que ser considerado ilícito, nos termos do disposto no art. 382.º n.º 1 do Código do Trabalho, tal como se concluiu na sentença recorrida. Assim sendo, a apelação tem de improceder. * III- DECISÃO Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida, ainda que com diferentes fundamentos. Custas no recurso pela apelante. * Azevedo Mendes (Relator) Felizardo Paiva Jorge Loureiro |