Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
439/11.6TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
PROCESSO DISCIPLINAR
PRAZOS
Data do Acordão: 01/31/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 329º, Nº 2 E 355º, Nº 1 DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009.
Sumário: I – Dispõe o artº 355º, nº 1 do CT/2009 que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo disciplinar e responder à nota de culpa.

II – Deste preceito resulta que é obrigação do empregador conceder o prazo de dez dias para a consulta do processo disciplinar e para a resposta à nota de culpa.

III – O prazo de 60 dias previsto no artº 329º, nº 2 do CT/2009 é um prazo de caducidade.

IV – Os factos que importam ao conhecimento dessa caducidade devem ser alegados e provados pelo autor/trabalhador, cabendo-lhe o ónus de alegação e prova dos ditos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção de impugnação de despedimento, sob a forma de processo especial, apresentando formulário previsto no art. 98º-D do Código de Processo do Trabalho, onde declara opor-se ao despedimento promovido pela ré, em 30-11-2011, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

A ré veio apresentar articulado motivador do despedimento, pedindo que proceda “por provada a licitude e regularidade do despedimento com justa causa”.

Alegou que a autora, no dia 14/03/2011, furtou-lhe € 500,00, não mais comparecendo ao serviço até ao dia 12/09/2011. Por esse motivo instaurou-lhe um procedimento disciplinar que culminou com o seu despedimento, não sem antes, no dia 31/03/2011, lhe ter comunicado que considerava denunciado o contrato de trabalho mantido entre ambas, devido à sua ausência, já referenciada.

A autora, por sua vez, veio apresentar contestação a este articulado, apresentando a sua versão, sustentando inexistir a aludida justa causa, para além do despedimento ter sido formalmente inválido. Imputou ao procedimento disciplinar que conduziu ao seu despedimento, os vícios de preterição do seu direito de consultar esse procedimento em tempo útil, ausência de descrição circunstanciada dos factos em que se baseia o despedimento, caducidade do direito de desencadear a acção disciplinar em causa, divergências entre a Nota de Culpa que lhe foi dirigida e a que foi junta aos autos, nulidade da prova documental produzida no referido procedimento disciplinar, falta de poderes do instrutor do procedimento referido disciplinar, ausência de determinação da sua suspensão e obstrução injustificada à prestação efectiva de trabalho pela sua parte. No que concerne às razões substanciais, entende que nenhuma culpa houve nos factos por si cometidos, além de que nenhuma lesão séria houve nos interesses patrimoniais da ré.

Pediu que se declare ilícito o seu despedimento e que a ré seja condenada a pagar-lhe: a) € 21.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais; b) € 1.100,00€, a título de créditos laborais em atraso; c) € 2.750,00 de créditos pela cessação do contrato; d) as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão jurisdicional que declare a ilicitude desse despedimento.

A ré apresentou ainda resposta, impugnando as pretensões da autora e pugnando pela improcedência das mesmas, em virtude da validade formal e substancial do despedimento daquela e ainda porque nada reconhece dever-lhe a qualquer título. Ainda assim, pediu que se julgue compensado o valor de € 762,39, pago à autora, com algum crédito que venha a ser reconhecido à mesma.

Prosseguindo o processo os seus termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo sido declarado ilícito o despedimento da autora e a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 13.335,61, acrescida das remunerações vencidas e vincendas desde o dia 30/11/2011 até ao trânsito em julgado da sentença, à razão mensal de € 550,00.

 É desta decisão que, inconformada, a ré veio apelar.

Alegando, concluiu:

[...]

A autora apresentou contra-alegações ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, também, pela improcedência da apelação.

*
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto                 
Da decisão sobre a matéria de facto, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
[...]

2. De direito
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
- se deve considerar-se que à data do despedimento (e mesmo à data da instauração do procedimento disciplinar) o contrato de trabalho entre as partes já tinha cessado por abandono do posto de trabalho;

- se o procedimento disciplinar padece ou não de invalidade por não ter sido concedido à autora, dentro do prazo de resposta à nota de culpa, a consulta do processo disciplinar;

- se ocorreu ou não caducidade do direito de exercício da acção disciplinar por não se ter iniciado o procedimento nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento dos factos que conduziram ao despedimento.

Fixamos estas questões, não obstante a apelante nas suas alegações ter discorrido sobre a ausência de prova sobre “a data do conhecimento dos factos por parte da empregadora e designadamente dos legais representantes com poder ou competência disciplinar” com recurso à transcrição de depoimentos testemunhais. Na verdade, não é possível encontrar aqui qualquer impugnação da decisão proferida pela matéria de facto, já que nela incumbe ao recorrente cumprir o ónus previsto no artigo 685-B do CPC, indicando quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Ora, a apelante não coloca em crise (não os aponta) qualquer dos factos especificamente considerados provados ou mesmo não provados naquela específica decisão.
Assim:
2.2. Quanto à questão do abandono de trabalho:
Como se disse, a presente acção especial tinha como objecto a impugnação da regularidade e licitude de um despedimento fundado em justa causa disciplinar.

A ré no seu articulado motivador justificou esse despedimento, declarado em 30.11.2001, terminando essa peça processual com o pedido que proceda “por provada a licitude e regularidade do despedimento com justa causa”.
No entanto, no artigo 18.º desse mesmo articulado, alegou que “já em 31 de Março de 2011 a entidade empregadora ora requerida, F..., Lda, havia comunicado à requerente/opoente trabalhadora a denúncia do respectivo contrato por abandono do trabalho por mais de dez dias úteis seguidos – tudo conforme resulta de fls. 82 do doc. n.º 1 – processo disciplinar ora junto”.
Sucede que no mesmo articulado não foi, verdadeiramente, colocada a questão da cessação do contrato por abandono de trabalho em data anterior à do despedimento. A ré reafirmou a cessação do contrato por despedimento pedindo, isso sim, a declaração da sua licitude e regularidade. A colocação da questão no recurso para efeito de conduzir à conclusão de que na data do despedimento já não detinha poder disciplinar em consequência da cessação do contrato, ocorrida anteriormente, é claramente contraditória com a sua conduta neste processo, bem como com a conduta que conduziu à declaração do despedimento.
No entanto, na sentença da 1.ª instância considerou-se provado que (factos 15. e 16.), por carta datada de 31/03/2011, recebida no dia 04/04/2011, a ré comunicou à Requerente o seguinte:
Assunto: Comunicação nos termos do artº 403º do Código do Trabalho
Uma vez que desde 14/03/2011, após a hora do almoço e até hoje, 31/03/2011, que V.Exª se ausentou do seu local de trabalho, não mais o tendo retomado, nem deu qualquer informação e/ou comunicação do motivo da sua ausência.
Assim, consideramos que V.Exª abandonou o trabalho com todas as consequências legais, designadamente consideramos que V.Exª denunciou o contrato de trabalho que vincula V.Exª a esta empresa com a consequente cessação do mesmo, nos termos do nº 3 da supra aludida norma legal”.

Tal carta revela uma declaração consistente com a comunicação de reconhecimento de uma denúncia do contrato, por parte da autora, através do abandono do trabalho, nos termos do disposto no art. 403.º do Código do Trabalho/2009.
Talvez por isso, na sentença da 1ª instância considerou-se o seguinte:
Esta conclusão da Requerida, no entanto, vem, mais tarde, a ser posta em causa por outras atitudes que ela própria assume perante a Requerente. Designadamente quando recebe as justificações das faltas dadas pela mesma e, sobretudo, quando lhe instaura um procedimento disciplinar e a despede, invocando justa causa.
Estas atitudes, do nosso ponto de vista, só podem ter um significado: a Requerida considerou ilidida a presunção de abandono do trabalho, por parte da Requerente, e, portanto, neutralizados os efeitos extintivos da comunicação de abandono que antes lhe fez.
Expliquemo-nos melhor:
A denúncia contratual que resulta do abandono do trabalho é da iniciativa do trabalhador e tem os seguintes pressupostos:
- Por um lado, uma ausência do trabalhador ao serviço, ou seja, a não comparência do mesmo no local e tempo de trabalho que lhe estão destinados;
- E, por outro, que essa ausência seja acompanhada de outros factos reveladores da intenção do trabalhador de o não retomar, em definitivo (cfr. artº 403º nº1 do Código do Trabalho) – [cfr. Ac. STJ de 03/06/2009, Pº 08S3696, consultável em www.dgsi.pt.].
Nem toda a ausência do trabalhador ao serviço, portanto, mesmo que injustificada, equivale a um abandono do trabalho. Necessário é, como dissemos, que haja uma intencionalidade de dissolver o contrato associada a essa ausência. Intencionalidade que, nos termos da própria lei, pode ser expressa ou presumida.
E, assim, se o trabalhador, por exemplo, deixar de comparecer ao serviço por dez dias úteis seguidos, ou mais, a lei presume a referida intencionalidade. Isto é, associa à ausência do trabalhador a sua intenção presumida de não retomar o trabalho (nº 2 do citado artº 403º).
Pois bem, a Requerida apoiou-se, justamente, nesta norma para considerar, num primeiro momento, denunciado o contrato de trabalho que mantinha com a Requerente.
Mas, mais tarde, como vimos, tomou atitudes que apontam claramente no sentido contrário. Ou seja, que a Requerente não tinha a referida intencionalidade e que, portanto, o contrato se mantinha em vigor. Só assim se compreende a decisão de despedimento da mesma.
Anote-se que a lei não estabelece qualquer prazo para a ilisão da presunção referenciada. Essa ilisão pode ocorrer tanto antes, como depois do envio pelo empregador da comunicação de abandono prevista no nº 3 do artº 403º do Código do Trabalho. E inclusive já em sede jurisdicional (cfr. neste sentido, João Leal Amado, Contrato de Trabalho, à luz do novo Código do Trabalho, pág. 453). Daí que não haja qualquer preclusão desse direito probatório.
Em suma:
Porque a Requerida praticou factos concludentes no sentido de considerar ilidida a presunção estabelecida pelo artº 403º nº 2 do Código do Trabalho (cfr. sobre a noção de factos concludentes, Paulo Mota Pinto, Declaração e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, pág. 892), entende-se que essa ilisão neutralizou os efeitos extintivos da comunicação de abandono que aquela fez à Requerente e, portanto, à data do despedimento desta última, o contrato de trabalho existente entre ambas, mantinha-se em vigor.

A apelante, no recurso, insurge-se contra esta fundamentação sustentando, no essencial, que a sentença recorrida considerou ilidida a presunção do abandono do trabalho contida no art. 403.º n.º 2 do Código do Trabalho/2009 e daí que pretenda que esta Relação se pronuncie sobre a verificação da mesma.
Mas, em rigor, o tribunal a quo não afirmou que a autora ilidiu a presunção. O que afirmou foi que a própria ré, depois de tal declaração, a considerou ilidida e depois, num segundo momento, agiu como se tal declaração não produzisse qualquer efeito na vida do contrato de trabalho, recebendo as justificações das faltas da autora e promovendo, mais tarde, procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento.
Perante o comportamento contraditório da ré, compreendemos a sensibilidade que está subjacente ao juízo expresso pela 1.ª instância. Mas não o acompanhamos na totalidade.
A nosso ver, o que está em causa é uma verdadeira revogação da declaração de reconhecimento da denúncia por abandono de trabalho, revogação essa da iniciativa da ré com a anuência da autora e que conduz ao mesmo efeito de “neutralização” considerado na sentença, constatação obtida a partir dos comportamentos tácitos de uma e de outra.

Para a eficácia da declaração negocial deve atender-se ao que dispõe o art. 224.º n.º 1 do Código Civil: a declaração negocial considera-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário. E como se refere na anotação ao art. 230.º do Código Civil Anotado de Pires de Lima-Antunes Varela, “a recepção ou conhecimento da declaração negocial torna esta eficaz e, consequentemente, irrevogável”. Ou seja, a declaração não pode, em princípio, ser unilateralmente revogada a menos, naturalmente, que a lei o preveja.

Mas sempre pode ser revogada por acordo entre ambas as partes, nos termos gerais do disposto no arts. 405.º e 406.º do Código Civil.

No caso, a ré primeiramente recebeu as justificações das faltas dadas pela autora após a referida carta de 31/03/2011 (v. factos 13. e 14.) e, depois, iniciou e concluiu o procedimento disciplinar com vista ao despedimento, tendo proferido a declaração de despedimento com justa causa em Novembro de 2011.

Tais factos mostram que desconsiderou a anterior declaração extintiva do contrato de trabalho, revogando-a tacitamente, sendo essa revogação retirada dos factos que, com toda a probabilidade a revelam (v. art. 217.º do Código Civil). Por outro lado, a autora ao intervir no processo disciplinar, respondendo à nota de culpa, e ao impugnar judicialmente o despedimento evidenciou também um comportamento declarativo tácito demonstrativo que aceitava aquela revogação, dando assim o seu acordo.

Por tudo isto, concluímos que embora tenha existido, por parte da ré, uma declaração extintiva do contrato consistente com o reconhecimento de denúncia através de abandono do trabalho, essa declaração veio a ser eficazmente revogada por acordo das partes.
Nesse caso, não se pode concluir, como a ré pretende, que o contrato cessou por denúncia da autora (através do abandono de trabalho), ficando prejudicadas as demais questões que se prendiam com a ilisão da presunção a que alude o art. no art. 403.º n.º 2 do CT /2009 ou mesmo com a caducidade da acção para impugnar a declaração da ré que afirmou tal denúncia.

2.2. Quanto à questão de saber se o procedimento disciplinar padece ou não de invalidade por não ter sido concedido à autora, dentro do prazo de resposta à nota de culpa, a consulta do processo disciplinar:
Na sentença recorrida considerou-se a propósito o seguinte:

Neste domínio, a Requerente começa por questionar essa validade, em virtude de não lhe ter sido facultada, em tempo oportuno, a consulta desse procedimento, nem ter sido respeitado o prazo que a lei prevê para a resposta à Nota de Culpa. Este prazo foi prorrogado pela Requerida, mas, na visão da Requerente, sem fundamento jurídico bastante.

Quid júris ?

Em primeiro lugar, a consulta do procedimento disciplinar pelo trabalhador nele visado, constitui uma das dimensões essenciais do seu direito de defesa [cfr. neste sentido, entre outros, Ac. RP de 20/12/2004, Pº 0415125, consultável em www.dgsi.pt).

E, assim, a lei consagra expressamente que “o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa…”.

No caso presente, a Requerida foi interpelada pela Requerente para lhe facultar essa consulta, mas, até ao dia 26/09/2011, inclusive, não lhe deu qualquer resposta (ponto 19 dos Factos provados). Só no dia seguinte, depois da Requerente ter apresentado a sua resposta à Nota de Culpa, a informou de que lhe concedia mais dez dias úteis para essa resposta e informou-a ainda do local e dia em que poderia consultar o dito processo disciplinar (ponto 21 dos Factos Provados).

Ora este procedimento da Requerida é manifestamente ilegal.

É ilegal, em primeiro lugar, porque a dimensão do prazo de resposta à Nota de Culpa não estava na sua disponibilidade. O artº 339º nº 2 do Código do Trabalho claramente o diz: “Os critérios de definição de indemnizações e os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados neste capítulo podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (o sublinhado é nosso). E, quando assim é, o artº 3º nº 5 do Código do Trabalho afasta da regulação dessas matérias a vontade das partes, ainda que em sentido pretensamente mais favorável para o trabalhador.

Por conseguinte, a prorrogação do prazo de resposta à Nota de Culpa, por banda da Requerida, foi ilícita e, consequentemente, também ilícita se deve considerar a faculdade de consulta do procedimento disciplinar para além desse prazo, nos termos em que ele resulta da lei.

Por este motivo, pois, o procedimento que deu origem ao despedimento da Requerente tem de se considerar inválido. É o que resulta claramente do disposto no artº 382º nº 2 al. c) do Código do Trabalho.

A apelante insurge-se contra esta apreciação sustentando que ainda dentro do prazo de 10 dias para a apresentação da defesa não só respondeu à solicitação da requerente ora recorrida para consultar o processo, bem como lhe prorrogou o prazo por mais dez dias para o efeito e daí que, segundo defende, nunca tenha sido preterido o direito da autora de consultar o processo ou a responder à nota de culpa.

Dispõe o art. 355.º n.º 1 do Código do Trabalho/2009 que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa.
Provou-se (facto 17.) que a autora recebeu a nota de culpa no processo disciplinar no dia 13/09/2011. O referido prazo de dez dias terminava, assim, em 27/09/2011.
Sucede que no dia 18/09/2011, a mandatária da autora solicitou à ré que lhe indicasse o dia, hora e local em que poderia consultar o processo disciplinar que lhe fora instaurado. Mas apenas no dia 27/09/2011, no último dia do prazo, o mandatário da ré comunicou à autora a identidade do instrutor do mesmo processo disciplinar, prorrogou, por mais dez dias úteis, o prazo de resposta à nota de culpa e informou-a ainda do local e dia em que poderia consultar o dito processo disciplinar (factos 18. a 21.).
Do nosso ponto de vista, apesar de ser exacto o que na sentença se afirma quanto à impossibilidade de alteração por via contratual individual dos prazos de procedimento, o que resulta do assinalado art. 355.º n.º 1 do Código do Trabalho/2009 é a obrigação do empregador conceder o prazo de dez dias para a consulta do processo disciplinar e para a resposta à nota de culpa, resposta esta que evidentemente terá de ter a oportunidade de ser elaborada após a consulta do processo.
Ora, o que podemos verificar é que a ré, apercebendo-se da dificuldade em garantir o exercício dos direitos da autora no prazo subsequente à recepção da nota de culpa, veio atribuir-lhe um novo prazo de dez dias para o efeito. E na verdade a autora, sem saber onde podia consultar o processo disciplinar, não via garantidos os seus direitos de defesa no prazo de dez dias se contados a partir daquela recepção da nota de culpa.
O que está em causa é o pleno e esclarecido exercício do direito de defesa e de contraditório por parte do trabalhador visado no processo disciplinar. Se o empregador nas circunstâncias que apreciamos, notando a dificuldade daquele exercício, o garante, concedendo o prazo que o trabalhador deve imperativamente dispor, então deve considerar-se sanada a irregularidade verificada. Nenhumas razões respeitantes ao princípio de defesa ou legais obstam a tal entendimento.
Se a autora não aproveitou tal prazo, ainda que já tivesse enviado cautelarmente a resposta à nota de culpa no dia 26/09/2011, a verdade é que se não aproveitou o novo prazo concedido foi porque, aparentemente, não o quis fazer. Não pode é considerar-se prejudicada no seu direito de defesa.
Deste modo, concedendo razão à apelante, entendemos que não há motivos para considerar, por este motivo, inválido o procedimento disciplinar por desrespeito do direito a consultar o processo ou do prazo para a resposta à nota de culpa, em aplicação do disposto no art. 382.º n.º 2 al. c) do Código do Trabalho/2009.

2.3. Quanto à questão de saber se ocorreu ou não caducidade do direito de exercício da acção disciplinar por não se ter iniciado o procedimento nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento dos factos que conduziram ao despedimento:

Como se observa dos autos, mediante procedimento disciplinar, a ré proferiu a sanção disciplinar de despedimento, com base na conduta da autora em se ter apropriado no dia 14/03/2011 de € 500,00 em dinheiro, pertencentes à empregadora.

A autora alegou na sua contestação ter ocorrido a caducidade do exercício da acção disciplinar.

O artigo 329.º n.º 2 do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.

Entendemos que tal prazo é um prazo de caducidade, uma vez que por aplicação do disposto no art. 298.º do Código Civil quando um direito deva ser exercido dentro de determinado prazo são-lhe aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição – ora, neste caso a lei não qualifica esse prazo como de prescrição.

Os factos que importam ao conhecimento da caducidade devem ser alegados e provados pelo autor/trabalhador, cabendo-lhe o ónus de alegação e prova, como factos constitutivos autónomos do seu direito a ver reconhecida a ilicitude do despedimento, não sendo essa matéria subtraída à disponibilidade das partes e, portanto, não sendo do conhecimento oficioso (neste sentido v. Ac. do STJ de 13-01-2010, in www.dgsi.pr, 1321/06.4TTLSB.S1).

A apelante entende, no recurso, que se nos autos está estabelecido, nos factos provados, o momento da prática dos factos considerados pela ré como infracção disciplinar, não temos a indicação do momento do conhecimento dos mesmos pelo empregador ou por superior hierárquico com competência disciplinar.

Na sentença recorrida considerou-se o seguinte:

“No caso em apreço, o procedimento disciplinar que deu origem ao despedimento da Requerente, teve início no dia 12/09/2011.

Ora, o furto que lhe foi imputado nesse procedimento, reporta-se ao dia 10/03/2011 (ponto 3 dos Factos Provados). E ainda que a Requerida não tivesse tomado de imediato conhecimento autoria desse furto, certo é que o obteve com a confissão que o marido da Requerente fez aos gerentes da Requerida, H... e J..., confissão essa que, aliás, deu origem, quer ao recebimento da quantia furtada, quer à desistência do procedimento criminal, no dia 29/04/2011 (cfr. pontos 8 a 10 dos Factos Provados e ainda o teor do documento de fls. 175).

Temos, assim, como seguro que a Requerida tomou conhecimento do furto praticado pela Requerente, antes deste dia 29/04/2011.

Como só instaurou o procedimento disciplinar no dia 12/09/2011, extinguiu-se, por caducidade, o direito ao exercício dessa acção disciplinar, o que igualmente a torna inválida (artº 382º nº 1 do Código do Trabalho).

Implícito neste juízo está a consideração que o marido da autora informou os apontados gerentes da ré de que tinha sido a autora a apropriar-se da quantia em causa, daí resultando o conhecimento da ré sobre a autoria dos respectivos factos. Matéria que não se retira directamente dos factos provados acima descritos, mas que resulta da própria matéria constante da nota de culpa e da decisão final do processo disciplinar, bem como do documento entregue pelo marido da autora e que é referenciado nos factos 7. e 8..e que está junto em parte no processo disciplinar.

Sucede que nos factos acima transcritos não consta a data em que o referido marido da autora deu conhecimento daqueles factos aos ditos gerentes da ré.

E é este um dos pontos que a apelante, no recurso, esgrime para defender que assim sendo não se pode concluir pela caducidade do direito de exercício disciplinar.

Todavia, verificamos que o Sr. Juiz a quo faz referência, na parte da fundamentação transcrita, ao documento junto pela autora a fls. 175 em que o gerente da ré J... (a qualidade de gerente é comprovada no documento registral junto a fls. 117 e segs., a que a ré faz referência no recurso) declarou, num auto de inquirição da GNR de Tomar (proc. NUIPC 177/11.0GAVNO), no dia 23 de Abril de 2011, o seguinte:

[...]


Trata-se do mesmo processo a que se faz referência no facto 10.. Esta matéria do conhecimento da imputação da autoria dos factos que são objecto do processo disciplinar está alegada na contestação da autora, nos artigos 200.º a 203.º pelo que, uma vez provada, deve ter-se como adquirida para os autos.
Ora, o indicado documento de fls. 175 não foi impugnado pela ré. Esta, na resposta à contestação, afirma mesmo (referindo-se ao documento elaborado pela autora a que se alude nos factos 7., 8. e 9.) no art. 55.º que «sempre se diz que tal “Resumo da minha vida” foi voluntariamente entregue pelo cônjuge da trabalhadora à entidade patronal, nos termos já e muito bem mencionados nos autos». E no art. 56.º que «a trabalhadora entregou tal “resumo” ao seu marido para que o entregasse à entidade ora respondente F..., Lda, no intuito, de se peticionar e obter desistência do processo crime pelo furto».
O artigo 659.º n.º 3 do CPCivil permite que, na fundamentação da sentença, o juiz tome em consideração novos factos, para além dos que foram considerados na decisão sobre a matéria de facto que se segue à audiência de discussão e julgamento, desde que estejam admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito. Também esta Relação o pode fazer nos mesmos termos, no âmbito do disposto no art. 712.º n.º 1, al. b), do CPCivil (v. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pags. 310 e 311).
Dito isto, entendemos que o Sr. Juiz a quo podia ter levado em consideração na sentença o documento de fls. 175 e as declarações ali constantes do mencionado gerente da ré, aliás aceites como tendo sido produzidas, dada a não impugnação no documento e a aceitação de tal matéria pela ré, como consta dos articulados.
Nessa medida, entendemos que, para melhor e mais exacta expressão dessa matéria provada, o facto 10. deverá ficar com a seguinte redacção:
“10- No dia 15/03/2011, o gerente da Requerida, J..., participou à GNR de Ourém, nos termos constantes de fls. 168 a 170, que aqui se dão por reproduzidos, a ocorrência de um furto nas instalações da Requerida, mas posteriormente veio a desistir da queixa, mediante as declarações constantes do doc. de fls 175, datadas de 23 de Abril de 2011, o que deu origem à extinção do procedimento criminal, em 29/04/2011.
Com base neste facto, podemos concluir que, pelo menos em 23/04/2011, o gerente da ré J... tinha conhecimento da possibilidade consistente de imputação à autora dos factos que deram origem ao procedimento disciplinar contra ela.
Será isto suficiente para considerar adequada a afirmação expressa na sentença recorrida, acima reproduzida, de acordo com a qual “temos, assim, como seguro que a Requerida tomou conhecimento do furto praticado pela Requerente, antes deste dia 29/04/2011”?

É que a apelante defende no recurso que, para além da data e uma vez que é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, era necessário provar quem era ou eram os superiores hierárquicos com competência disciplinar, referindo também que para obrigar a sociedade são necessárias duas assinaturas conjuntas de gerentes para obrigar a sociedade.
Vejamos:

Como já dissemos, o artigo 329.º n.º 2 do Código do Trabalho de 2009 estabelece que “o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”. Ou seja, o conhecimento relevante para operar a caducidade é em primeiro lugar o do empregador e, apenas depois, o de superior hierárquico com competência disciplinar.

No caso, apura-se apenas que um gerente da ré tinha conhecimento dos factos disciplinares pelo menos em 23/04/2011. Sendo vários os gerentes, o conhecimento de apenas um deles pode traduzir-se no “conhecimento pelo empregador”?

Nos termos do disposto no n.º 3 do art. 261.º do Código das Sociedades Comerciais (referente ao funcionamento da gerência plural na sociedades por quotas) as notificações ou declarações de terceiros à sociedade podem ser dirigidas a qualquer dos gerentes, sendo nula toda a disposição em contrário do contrato de sociedade. Trata-se, portanto, de uma norma imperativa (que não pode ser modificada pelo contrato societário) e da qual resulta, com clareza, que o conhecimento obtido por comportamento declarativo de terceiro a um dos gerentes, com relevo na esfera jurídica da sociedade, vincula a própria sociedade a esse conhecimento. Passivamente, cada um dos gerentes representa, nessa medida, separada e plenamente, a sociedade por quotas, tendo-se o conhecimento por um dos gerentes como conhecimento pela sociedade e por todos os demais gerentes (cfr. Raul Ventura, Sociedades por Quotas, volume III, páginas 194/195) - o que deve considerar-se justificado no dever de diligência de cada um, tal como é genericamente indicado no art. 64.º daquele mesmo  Código.

Por consequência, o conhecimento obtido pelo gerente da ré J... sobre a possibilidade consistente de imputação à autora dos factos que deram origem ao procedimento disciplinar contra ela, obtido pelo menos em 23/04/2011, reputa-se como conhecimento pela sociedade e, portanto, como conhecimento do empregador da autora.
Assim sendo, tendo-se iniciado o procedimento disciplinar iniciado em Setembro de 2011, importa concluir que o prazo de 60 dias previsto no art. 329.º n.º 2 do Código do Trabalho/2009 não foi respeitado e, consequentemente, caducou o direito da ré de exercer disciplinarmente contra a autora relativamente aos factos objecto do procedimento disciplinar que conduziu à declaração de despedimento daquela.

Daí que o despedimento promovido pela ré tenha que ser considerado ilícito, nos termos do disposto no art. 382.º n.º 1 do Código do Trabalho, tal como se concluiu na sentença recorrida.

Assim sendo, a apelação tem de improceder.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida, ainda que com diferentes fundamentos.

 Custas no recurso pela apelante.

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Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Jorge Loureiro