Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
903/16.0T9VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: TESTEMUNHA DE “OUVIR DIZER”;
AUTORIA;
INSTIGAÇÃO
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J L CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 26.º E 27.º, DO CP; ART. 129.º DO CPP
Sumário:
I – Nenhum impedimento existe para valorar os depoimentos prestados em audiência pelos agentes da GNR em que os mesmos reproduziam as informações prestadas pelo recorrente/arguido aquando da sua abordagem durante a acção fiscalizadora de trânsito a que foi submetido.
II – É punido como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, presta auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso (art. 27.º do CP).
III – É autor, na modalidade de instigador, “quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
IV – Se o arguido quis e conseguiu criar no espírito do seu companheiro o efectivo e consumado propósito de este conduzir o veículo sem para tal estar habilitado, ou seja, de praticar a infracção, agiu como instigador.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

No âmbito do processo acima identificado, foi proferida sentença em que foi decidido “condenar o arguido AA como cúmplice de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 3º do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro ex vi arts.º 121º, n.º 1; 123º, nº1 e 135º, nº 7º, al. e), ambos do Código da Estrada, na pena de oitenta dias de multa, no quantitativo diário de cinco euros, perfazendo a multa global de quatrocentos euros.”

Inconformado, o arguido recorreu. Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O arguido foi condenado pela prática, como cúmplice, de um crime de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º nº1 e 2 do D-L nº2/98 de 03/01, por força dos artigos 121º nº1, 123º nº1 e 135º nº7 alínea e) do Código da Estrada;
2. Decisão que, no entender do recorrente, enferma de erro na apreciação da prova e, baseada já em pressupostos fácticos errados, faz uma aplicação do Direito violadora da dos artigos 3º nº2 do D-L nº2/98 d 03/01, artigos 125º, 129º, 355º, 356, 357º do CPP e artigo 27º e 28º do CP.
3. Não foi produzida qualquer prova em audiência de julgamento, pelo que, a boa apreciação da prova impõe que os factos 2) a 7) sejam considerados não provados;
4. O Tribunal a quo, para dar como provados os factos de 2) a 7), atendeu às “(…) explicações dadas pelos intervenientes, incluindo pelo arguido (…);
5. Pelo que, o Tribunal a quo valorizou as declarações tomadas ao arguido pelos agentes da GNR, em desrespeito pelas garantias de defesa do arguido em processo penal, enunciadas no artigo 32.º nº1 e 5 da Constituição da República Portuguesa e em violação do disposto nos artigos 355º, 356º e 357º do Código de Processo Penal;
6. A utilização das declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento só é possível quando as mesmas são prestadas perante autoridade judiciária, na presença de defensor e com a expressa advertência de que tais declarações poderão ser futuramente utilizadas, por forma a assegurar o efetivo exercício desses direitos, nomeadamente do direito ao silêncio.
7. No caso dos autos tal não sucedeu, tendo o Tribunal a quo atendido às declarações prestadas pelo recorrente aos agentes da GNR -“relato de ouvir dizer”- que posteriormente as reproduziram em audiência de julgamento, consubstanciando as mesmas, além do mais, um testemunho indireto, o que, nos termos dos artigos 125º, 129º, 355.º, 356.º e 357.º do CPP, não poderá ser valorado como meio de prova, por configurar um total desrespeito pelas garantias de defesa do arguido.
8. Além do mais, foi violado o princípio constitucional da presunção de inocência - artigo 32.º nº2, 1.ª parte da CRP – do qual deriva o princípio in dubio pro reo, que se traduz numa imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
9. No caso vertido nos autos, o Tribunal a quo diz que “Não se viram razões para por em causa o que foi relatado por estes elementos da GNR e o arguido, podendo fazê-lo, também não pôs em causa o relato de ouvir dizer, por eles feito.”, o que evidência que o silêncio do recorrente foi valorado em seu desfavor, quando é evidente que também os não confessou, optadando pelo silêncio por aconselhamento da defesa, considerando a total ausência de prova para o condenar pelo crime de que vinha acusado.
10. Cúmplice é o agente que dolosamente e por qualquer formar, prestar auxílio material ou moral à prática de um facto doloso por outra pessoa, colaborando, sem efeito determinante, nessa prática.
11. Valorando o Tribunal a quo o testemunho dos agentes da GNR, em claro desrespeito pelas garantias de defesa do arguido, nos termos exposto nas conclusões 5, 6 e 7, só o fez em relação ao que considerou relevante para condenar o recorrente;
12. Porquanto, não atendeu o Tribunal a quo às declarações dos agentes da GNR quando referiram, expressamente, não terem apurado as circunstâncias em que o T1 conduziu o veículo, referindo ambos desconhecerem se o mesmo tinha sucedido por vontade/proposta deste ou a pedido/imposição do ora recorrente, conforme resulta do depoimento gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, conforme ata da audiência de julgamento de 19/01/2017, (10:33:24h às 10:45:46h), relativamente ao agente GNR1, concretamente a minutos 8.00 a 10.22 e no que diz respeito ao agente GNR2 (10:46:27h às 10:55:09h), mais concretamente a minutos 3.08 a 3.40, 4.20 a 7.00 e 7.18 a 7.37.
13. Pelo que, dando como não provados os pontos 2) a 7) deverá o recorrente ser absolvido do crime de que vem acusado, atendendo à ausência de prova.
Sem prescindir, o que por mero dever de patrocínio se concede,
14. Ainda que se tenha por bem feita a apreciação da prova e, consequentemente, se considerem provados os factos dos pontos 2) a 7), nunca o recorrente poderia, como foi, ser condenado pelo crime de condução sem habilitação legal.
15. O crime em causa nos autos só poderá ser cometido em autoria direta e imediata, porque se traduz num crime de mão própria, uma vez que o tipo de ilícito apenas se encontra preenchido quando o autor o realiza pessoalmente, pelo que, tal só seria possível na situação hipotética de ser o recorrente a conduzir o veículo sem para isso se encontrar legalmente habilitado, o que não sucede, já que o mesmo é possuidor de carta de condução.
16. Concluímos assim que, improcedendo o recurso de facto, sempre terá a decisão recorrida, ser revogada e o arguido absolvido, por razões de direito.
TERMOS EM QUE:
Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando V. Ex.ª (s) a sentença condenatória proferida, na parte em que considerou provados os pontos 2) a 7) e considerando os mesmos não provados, absolver o arguido, como cúmplice, do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. nos termos do artigo 3º do D-L nº2/98 de 03/01 de que vem acusado.”

Respondeu o Ministério Público pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer no qual se manifesta no mesmo sentido.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal não houve resposta.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso. É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[ Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).].

Questões a decidir:
- Erro na apreciação da prova
- Integração jurídico-criminal dos factos
- Autoria/instigação/cumplicidade

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

“1) No dia 25 de Dezembro de 2014 T1 conduzia o automóvel de matrícula 53-36-ST na Estrada Nacional nº. -, ---, no sentido ---, sem ser titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir.
2) O automóvel pertencia a ------- e estava a ser usado sem o consentimento desta o que aconteceu em circunstâncias que não foi possível apurar por iniciativa do arguido.
3) Na companhia de T1 seguia o arguido, que estava habilitado para a condução daquele tipo de veículo, mas decidiu não o conduzir por ter ingerido bebidas alcoólicas e não querer correr o risco de ser intercetado.
4) Mas, como pretendia deslocar-se a ---, propôs a T1 que conduzisse o automóvel, ao que este acedeu.
5) O arguido sabia que T1 não possuía carta de condução ou qualquer outro título válido que o habilitasse a conduzir aquele veículo.
6) O arguido agiu livre voluntária e conscientemente, sabedor de que T1, a o conduzir, estaria a praticar um crime de condução sem habilitação legal, o que apenas sucedia por lhe ter facultado o veículo e permitido a sua condução.
7) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal.
8) O arguido foi condenado em 27.3.2015 por um crime de ofensa à integridade física simples, praticado em 26.5.2012, em pena de multa.”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):

“Não se provou que:
a) O arguido conduziu o automóvel de -- em direção a --- , pela Estrada Nacional e, ao chegar próximo do acesso à A25, como já tinha ingerido bebidas imobilizou aquela viatura,
b) Tendo sido então que T1 começou a conduzir.
Inexistem outros factos, provados ou não provados, com relevo para a decisão a proferir, estando nessa circunstância o demais alegado na acusação e não enunciados, que se julgou serem factos meramente instrumentais e/ou probatórios.”

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

“Para afirmar os factos provados teve-se em consideração:
i. O depoimento da testemunha, GNR1 elemento da GNR -, com conhecimento dos factos relatados por via da intervenção com o arguido.
Esta testemunha explicou as circunstâncias tempo, lugar e modo da condução, a intervenção, bem assim relatou como, no decurso das diligências para apuramento das circunstâncias da prática do crime veio a colher as explicações dadas, pelos intervenientes, incluindo pelo arguido, para não conduzir e para ser antes T1 a fazê-lo, apesar de ter carta, do que sabia tudo como consta no auto de notícia de fls. 3 e seguintes, que confirmou.
ii. O depoimento da testemunha GNR2, também ele militar da GNR do Destacamento de Trânsito de - que acompanhava a testemunha anterior e o secundou no relato feito, confirmando igualmente o auto de notícia.
iii. O auto de notícia de fls. 3 a 6.
iv. O documento de fls. 14, representativo da ausência de carta de condução por parte de T1;
v. O documento de fls. 15, representativo do registo de propriedade a favor de ---
vi. O documento de fls. 118, representativo da habilitação para conduzir do arguido.
Nenhum destes elementos da GNR tinha conhecimento direto do quadro motivacional provado. Aquilo que relataram, e fizeram constar resultou do que ouviram dizer do próprio arguido e das diligências que fizeram, nomeadamente quanto ao uso não autorizado do veículo de que a proprietária deu conta no posto territorial de --, como apuraram.
Não se viram razões para por em causa o que foi relatado por estes elementos da GNR e o arguido, podendo fazê-lo, também não pôs em causa o relato de ouvir dizer, por eles feito.
Por sua vez, estes elementos da GNR agiram praticando os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, entre os quais a recolher de informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime, nos termos do art.º 249º do C.P. Penal. E, ainda que tenham provindo do então suspeito, essas informações não foram nem declarações em sentido processual nem foram conversas informais.
Por assim ser, se veio a julgar provado o que se elencou de 1) a 5).
A dinâmica da ação provada, do arguido, quando sopesadas as regras da lógica, experiência e senso comum, revela inequivocamente a intenção e voluntarismos provados, bem assim o conhecimento, pelo arguido, de que incorria em responsabilidade criminal.
Daí o que se veio a provar em 6) e 7).
O passado criminal do arguido, esse resultou do CRc de fls. 251 e 252.
E se mais não se provou, tal resultou da falta de prova para a sua afirmação.
Daí o que se veio a julgar não provado.”


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Entende o recorrente que o tribunal não devia ter dado como provados os factos 2 a 7 porquanto os mesmos assentam nos depoimentos indirectos dos agentes da GNR e também na indevida valoração desfavorável do seu próprio silêncio.

Vejamos:

Conforme resulta claramente da prova gravada e transcrita pelo recorrente, os depoimentos em causa reproduzem o que foi dito pelos arguidos aos elementos da GNR no momento em que foram por estes abordados na sequência de uma fiscalização de trânsito.
Ora, a reprodução destes em sede de audiência de julgamento não constitui depoimento indirecto uma vez que o artigo 129º do Código de Processo Penal[[] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem ] se refere a declarações formais, ou seja, a declarações que constam ou deviam constar do processo e não, como acontece nestes autos, a declarações integradas nas colaboração extra processual prestadas voluntariamente e fora do âmbito formal de um processo.
Esta situação, a que o Exmo. Sr. Conselheiro, Dr. Santos Cabral se refere na anotação ao artigo 129º do Código de Processo Penal Comentado, 2014, pág. 495 e explica “que o relato de agentes dos órgãos de polícia criminal sobre afirmações e contribuições informatórias do arguido — tal como de factos, gestos, silêncios, reacções, etc — de que tomaram conhecimento fora do âmbito de diligências de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios, acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das demais diligências, actos de investigação e meios de obtenção de prova (actos de investigação proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime, reconhecimen­tos presenciais, entregas controladas, etc) que tenham autonomia técnico-jurídica constituem depoimento válido e eficaz por se mostrarem alheias ao âmbito de tutela dos arti os 129º e 357º do Código”, constitui jurisprudência pacífica (cfr., entre muitos outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2007, de 12 de Setembro de 2007, de 13 de Novembro de 2008, 13 de Julho de 2011 e de 27 de Junho de 2012).
Assim sendo, nenhum impedimento existe para valorar os depoimentos prestados em audiência pelos agentes da GNR em que os mesmos reproduziam as informações prestadas pelo recorrente/arguido aquando da sua abordagem durante a acção fiscalizadora de trânsito a que foi submetido.


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Acontece que consideramos a valoração da prova produzida em julgamento como correcta.
Com efeito, decorre da prova apresentada pelo recorrente, que muito embora os agentes da GNR não tenham conseguido ser muito exactos na reprodução das conversas que tiveram com o arguido e seus companheiros no momento da acção de fiscalização de trânsito (o que se poderá entender em virtude do tempo decorrido — mais de dois anos — e do facto do arguido e dos seus companheiros se apresentarem visivelmente alcoolizados), conseguem reproduzir em discurso indirecto algumas das informações que lhes foram por aqueles transmitidas e que, sem qualquer margem para dúvida, permitem sustentar a verificação dos factos que o recorrente pretende que sejam dados como não provados.
Aliás, estando o veículo a ser usado pelo arguido mas a ser conduzido pelo T1 e dizendo aquele que não conduzia o automóvel porque não queria ficar com a carta apreendida (devido ao valor da TAS que poderia apresentar), não é ilógico ou violador das regras da experiência concluir pela forma como o fez o tribunal “a quo” e que ficou consignado nos artigos 3º (“Na companhia de T1 seguia o arguido, que estava habilitado para a condução daquele tipo de veículo, mas decidiu não o conduzir por ter ingerido bebidas alcoólicas e não querer correr o risco de ser intercetado”) e 4º (“Mas, como pretendia deslocar-se a ---, propôs a T1 que conduzisse o automóvel, ao que este acedeu”).
Podemos assim dizer que sendo o raciocínio que alicerça a decisão do tribunal, prudente, lógico e condizente com as regras de experiência comum, nenhuma censura merece.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto.

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Diz o recorrente que “o crime em causa nos autos só poderá ser cometido em autoria direta e imediata, porque se traduz num crime de mão própria, uma vez que o tipo de ilícito apenas se encontra preenchido quando o autor o realiza pessoalmente, pelo que, tal só seria possível na situação hipotética de ser o recorrente a conduzir o veículo sem para isso se encontrar legalmente habilitado, o que não sucede, já que o mesmo é possuidor de carta de condução.”
Vejamos:
É punido como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, presta auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso (artº 27º do Código Penal), sendo que como diz Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, pág. 127, “o auxílio moral pode consistir no conselho ou influência do agente, desde que ele já esteja previamente decidido à prática do facto. Trata-se, portanto, de um mero fortalecimento de uma decisão já tomada pelo autor de cometimento do facto. O auxílio material consiste na entrega de meios ou instrumentos ao autor que favoreçam a realização do facto ou mesmo. Este favorecimento é valorado ex ante, segundo uma prognose póstuma”.
Consideramos que no caso dos autos não se verifica nenhuma destas situações.
Com efeito, diz-nos o artigo 26º do Código Penal que é autor “quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
A este respeito lê-se no Código Penal Anotado e Comentado de Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayete, em anotação ao artigo 26º, pág. 127 que o instigador nunca é nem pode ser havido como executor e «determina dolosamente outrem a realizar um facto antijurídico cometido dolosamente», no sentido de que, sem a respectiva determinação, o crime não teria sido ou não seria cometido pelo autor materlal, directo ou imediato (executor). Ademais, como acentua JESCHECK, «de um lado, o dolo do indutor há-de referir-se à produção da resolução de cometer o facto, e de outro, à execução do facto principal pelo autor, incluindo os elementos subjectivos típicos e a realização do resultado típico (doble dolo)»
O que é o caso dos autos.
Com efeito, nada nos autos nos permite concluir que a intervenção do recorrente ocorreu após o T1 haver decidido praticar o crime (antes resulta da matéria de facto que foi o recorrente a propor que aquele conduzisse o veículo, embora soubesse que não era titular de carta de condução): pelo contrário, foi o ora arguido quem quis e conseguiu criar no espírito do seu companheiro T1, o efectivo e consumado propósito de conduzir o veículo, ou seja, de praticar a infracção.
Agiu assim como instigador.
Assim sendo, não tem razão o recorrente ao pugnar pela absolvição pois que, embora não tenha agido como cúmplice, cometeu o crime na qualidade de instigador, tal como vinha acusado.
Uma vez que já tinha conhecimento desta imputação, não há lugar à aplicação do disposto no artigo 424º, nº 3.

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Mau grado a alteração do enquadramento jurídico, não há que proceder à remodelação da pena visto haver agravamento da moldura penal e vigorar a proibição da reformatio in pejus (artigo 409º, nº 1).

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Face ao exposto, acorda-se em

1) Julgar improcedente o recurso

2) Revogar a decisão recorrida na parte em que integrou a conduta do arguido AA como cúmplice de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 3º do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro ex vi artigos 121º, n.º 1, 123º, nº 1 e 135º, nº 7º, alínea e., ambos do Código da Estrada

3) Condená-lo como instigador de um crime de condução sem habilitação legal previsto e punido pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 3º do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro ex vi artigos 121º, n.º 1, 123º, nº 1 e 135º, nº 7º, alínea e., ambos do Código da Estrada

4) Manter em tudo o mais a sentença recorrida.


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Fixa-se em 5 UC a taxa de justiça a pagar pelo recorrente

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Coimbra, 24 de Abril de 2018

Luís Ramos (relator)

Paulo Valério (adjunto)