Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1920/18.1T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS
IMPUGNAÇÕES
DECISÃO
PRAZO
NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 06/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º-D, N.º 3, DO CIRE E 195.º, N.º 1, DO CPC
Sumário: 1. Após o termo do prazo para a apresentação de impugnações à lista provisória de credores, o juiz dispõe do prazo de cinco dias úteis para decidir sobre as impugnações.
2. Sendo este prazo meramente indicativo, o facto de as impugnações deduzidas à lista provisória de credores, não terem sido decididas no prazo de 5 dias, como o determina o disposto no artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE, não constitui nulidade de todo o processado, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

No decurso dos autos de processo especial de revitalização, de que provêm os presentes e em que é requerente “A..., SA”, já identificada nos autos, veio a mesma, cf. requerimento aqui junto a fl.s 11, arguir a nulidade de todo o processado, com o fundamento em terem sido apresentadas impugnações à lista de créditos reconhecidos, as quais não foram decididas até à data em que terminavam as negociações.

Alega que tal decisão era vital para que, de facto, pudesse negociar, com o fundamento em os valores impugnados serem substanciais e poderiam alterar a actual repartição e percentagem de créditos constantes da lista de credores e assim, a viabilidade do plano de recuperação ser aprovado.

Refere que ao não se decidirem as impugnações deduzidas no prazo de 5 dias, se desrespeitou o disposto no artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE, que estipula que as mesmas devem ser decididas naquele prazo, o que constitui uma irregularidade que influi manifestamente na decisão da causa, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

Em consequência, peticionou, ainda, que, na procedência do requerido, se reiniciasse o prazo das negociações a partir da data da notificação do despacho omitido.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão aqui junta a fl.s 8 e v.º, (aqui recorrida), datada de 29 de Março de 2018, que indeferiu o requerido, nos termos que se passam a transcrever:

“Requerimento entrado em juízo no dia 27/03/2018, 1ª parte:

Visto.

Veio a devedora arguir a nulidade de todo o processado, uma vez que não foi proferida nos autos decisão sobre as impugnações apresentadas no prazo legal, sendo que tal omissão configura, na sua perspectiva, uma irregularidade que influi manifestamente na decisão da causa, conforme determina o artigo 195º/1 do Código de Processo Civil. Mais sustenta que deverá reiniciar-se o prazo das negociações a partir da data da notificação do despacho nos presentes autos omitido.

Decidindo.

Como já se decidiu nos autos, o termo da prorrogação verificou-se no dia 27/03/2018, que coincidiu com a data da conclusão das negociações – despacho proferido em 5/03/2018.

As impugnações à lista provisória de créditos não foram ainda decididas, cfr. Diligências pendentes associadas às mesmas – despacho datado de 11/02/2018.

A nulidade arguida pela devedora carece de fundamente legal pelas seguintes razões:
· O prazo previsto no artigo 17º-D/3 do CIRE é um prazo com natureza meramente ordenatória;
· No caso, a omissão da prolação da decisão sobre as impugnações mostra-se associada à realização de diligências necessárias para a sua integral apreciação;
· O quórum deliberativo é calculado com base nos créditos relacionados e contidos na lista de créditos, podendo o juiz computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados, se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos – cfr. artigo 17º-F/5 do CIRE;
· Pelo que, atendendo ao disposto neste último preceito legal, a decisão ainda não proferida não poderá ser considerada “vital”, como sustenta a devedora, para que esta pudesse, de facto, negociar.

Com o que a arguida nulidade será julgada totalmente improcedente, por não provada, sendo de indeferir, em consequência, a pretensão de reinício do prazo das negociações a partir da data da notificação do despacho nos presentes autos omitido.

Tendo dado causa ao incidente, a devedora constituiu-se responsável pelo pagamento das custas respectivas, nos termos do disposto nos artigos 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 17º do CIRE, e 7º/4 do Regulamento das Custas Processuais.

NESTES TERMOS:
· Julgo totalmente improcedente a nulidade arguida pela devedora.
· Indefiro, em consequência, a pretensão de reinício do prazo das negociações a partir da data da notificação do despacho nos presentes autos omitido.
· Condeno a devedora no pagamento das custas do incidente, fixando a taxa de justiça em 1 UC.”.



Inconformada com a mesma, interpôs recurso, a requerente A... , SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho aqui junto a fl.s 2), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A) Decorre dos presentes autos de que a lista provisória de credores elaborada pelo Senhor Administrador Judicial Provisório foi alvo de diversas impugnações, impugnações essas que podem influenciar, totalmente, o voto a atribuir a credores predominantes nestes autos e assim, a própria sorte da presente lide, tal como é exemplo a apresentada pela Recorrente a 26 de Dezembro de 2017, referência 4467536, no que tange, nomeadamente, aos créditos impugnados aos credores "B..., S.A." onde se peticiona um aumento do crédito num valor aproximado de €: 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) e a " C... Indústria, S.A." onde se peticiona uma redução de cerca de €: 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros).

B) Apesar do disposto no artigo 17.° D, n." 3, do CIRE que determina que o Juiz deverá decidir tais impugnações no prazo de cinco dias úteis, a verdade é que chegada a data da conclusão das negociações, o Tribunal "a quo" não ainda proferiu qualquer decisão sobre as mesmas.

C) Fruto do exposto, na medida em que a decisão sobre as impugnações assume total relevância para o presente processo no que tange à obtenção das maiorias necessárias à proposta de plano de recuperação apresentada pela Recorrente, esta, junto do Tribunal "a quo", arguiu a nulidade de todo o processado, fundamentando tal pedido na falta de decisão pelo Tribunal "a quo" das impugnações apresentadas, sendo que tal omissão configura uma irregularidade que influi manifestamente na decisão da causa, conforme determina o artigo 195.°, n.º 1, do C.P.C.

D) Todavia, não foi esse o entendimento do Tribunal "a quo" que decidiu indeferir a nulidade arguida.

E) A Recorrente não se pode conformar com tal indeferimento, uma vez que a decisão a proferir sobre as impugnações assume especial relevo para que a Devedora pudesse, de facto, negociar, de forma conveniente, o seu plano de recuperação.

F) Daí que o Legislador tenha atribuído ao Julgador o prazo extremamente curto de cinco dias úteis para o efeito, afastando-se voluntariamente das regras previstas para a impugnação de créditos em sede de processo de insolvência.

G) Mesmo que se entenda que este prazo é meramente indicativo, a verdade é que ao constar da letra da lei o mencionado prazo, existe um claro sinal da importância central de uma decisão célere para o pleno preenchimento dos próprios pressupostos do processo especial de revitalização, dado ser imperioso para uma Revitalizanda ter o conhecimento atempado do valor exacto da contabilização dos créditos necessários à aprovação do seu plano de recuperação, para assim melhor poder focalizar as suas negociações, mormente com os credores predominantes, na tentativa de conseguir o desiderato de se viabilizar.

H) "in casu", a inexistência da decisão relativa às impugnações criou para a Recorrente uma situação de total incerteza, uma vez que esta, até à presente data, desconhece a relevância exata de cada um dos seus credores.

I) Face ao exposto, foi desrespeitado o disposto no artigo 17.° D, n.º 3, do CIRE que determina a necessidade do Juiz decidir das impugnações no prazo de cinco dias úteis a contar do fim do prazo para apresentação dessas mesmas impugnações, pelo que nada mais restou à Recorrente senão arguir a nulidade de todo o processado, nulidade esta fruto do exposto nas presentes alegações, que se requer que V. Exas., Venerandos Desembargadores, se dignem determinar.

J) Na hipótese de V. Exas. assim não entenderem, hipótese que se adianta por mera questão de raciocínio e que seja entendimento desse Tribunal que o prazo de cinco dias referido na lei é meramente indicativo, dúvidas não podem restar que tem forçosamente de existir um despacho, célere, a decidir sobre as impugnações previamente ao termo das negociações e início do prazo de votação do plano, o que nesta lide não ocorreu.

K) Ao não ter sido proferida decisão sobre as impugnações e tendo transcorrido todo o prazo negocial sem que a Recorrente soubesse, de facto, o valor do crédito atribuído a cada um dos seus credores levou a que esta, de facto, não pudesse negociar com o devido enquadramento e estratégia tendo em vista o desiderato de aprovar o seu plano de recuperação.

L) O Tribunal "a quo" fez uma errada aplicação e interpretação do que decorre dos artigos 17.°-D, n.º 3, do CIRE e do artigo 195.°, n.º 1, do C.P.C.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, fruto da falta de decisão sobre as impugnações, deverá ser determinada a nulidade de todo o processado a partir do fim do prazo legalmente previsto para a apresentação das impugnações. Assim, será feita, como sempre, inteira JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o facto de as impugnações deduzidas à lista provisória de credores, não terem sido decididas no prazo de 5 dias, como o determina o disposto no artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE, constitui nulidade de todo o processado, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

A matéria de facto relevante é a que consta do relatório que antecede, a que há a acrescentar o seguinte:

- Conforme despacho datado de 06 de Fevereiro de 2018, aqui junto a fl.s 94 e 95, nessa data, ainda não tinham sido decididas as impugnações deduzidas à lista provisória de credores, ali se tendo ordenado a realização de diligências ao Sr. Administrador.

- Conforme despacho, datado de 05 de Março de 208, aqui junto a fl.s 99, o termo da prorrogação do prazo para a conclusão das negociações ocorreu no dia 27 de Março de 2018.

- Conforme decisão proferida em 04 de Maio de 2018, aqui junta de fl.s 103 a 107, foi recusada a homologação do plano de recuperação apresentado pela requerente, por violação não negligenciável de regras procedimentais, em conformidade com o disposto no artigo 215.º do CIRE.

Se o facto de as impugnações deduzidas à lista provisória de credores, não terem sido decididas no prazo de 5 dias, como o determina o disposto no artigo 17.º-D, n.º 3, do CIRE, constitui nulidade de todo o processado, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

Como resulta do relatório que antecede, está assente que aquando da conclusão das negociações, ainda não se mostravam decididas as impugnações que haviam sido deduzidas à lista provisória de credores, apresentada pelo Administrador Judicial.

A questão a decidir no presente recurso, é a de saber se a omissão, no prazo assinalado, de tal decisão, constitui a invocada nulidade, com a consequente anulação do processado subsequente.

Dispõe-se no artigo 17.º-D, n.º 3 do CIRE o seguinte:

“A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, de seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.

De ter, ainda, em conta o disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, este, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 3.º do DL n.º 79/2017, de 30 de Junho, no qual se estipula o seguinte:

“Sem prejuízo do juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:

(…)”.

Da articulação entre estes dois preceitos, resulta, fora de dúvidas que se prevê a hipótese de terminar o prazo para a conclusão das negociações, sem as impugnações formuladas à lista provisória de credores se encontrarem decididas.

O que bem se compreende, pois que, na maioria dos casos e consoante a respectiva complexidade, será impossível decidi-las em tão curto espaço de tempo e sem esquecer que a decisão em causa apenas releva no âmbito do PER.

Assim, prevê-se, expressamente, no último dos preceitos ora citados que o juiz, no cômputo das maiorias exigidas para aprovação do plano de recuperação, tenha em conta os créditos que tenham sido impugnados, sem que a impugnação esteja decidida – só assim se compreende o alcance da norma – se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos.

Pelo que se tem de concluir que o prazo de 5 dias úteis previsto na parte final do n.º 3 do artigo 17.º-D, do CIRE, é meramente indicativo, prevendo o legislador que, não sendo cumprido, se calculem as maiorias com recurso aos créditos impugnados, nas condições acima referidas.

Como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág.s 158 e 159 “perspectiva-se aí a possibilidade de, à data da aprovação do acordo recuperatório pela maioria necessária, haver impugnações por decidir.

(…)

Seja como for, a preocupação da lei é a de conferir ao juiz a possibilidade de computar no montante total de créditos, determinante para a aferição das maiorias, alguns que não possam considerar-se definitivamente reconhecidos.

Por outro lado, a solução indiciada acomoda-se às finalidades do processo e não cria para as partes atingidas nenhum prejuízo que seja irreversível, o que justifica que seja acolhida, sendo, neste contexto, a que melhor alcança a mais adequada composição de interesses”.

Acrescentando, a pág. 171, que “se houver impugnações não decididas, então parece, por analogia com a estatuição do n.º 3, que o acordo dos titulares dos créditos litigiosos será ou não necessário, conforme o juiz, em seu critério, e considerando a probabilidade do seu reconhecimento, os relevar”.

Também, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in PER, Comentários aos artigos 17.º-A a 17.º-I, do CIRE, Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2014, a pág. 77, referem que:

“Após o termo do prazo para a apresentação, o juiz dispõe do prazo de cinco dias úteis para decidir sobre as impugnações. Este prazo é meramente indicativo, como demonstra claramente o facto de o plano ser aprovado mesmo sem que as impugnações tenham sido decididas (…). Com efeito, a decisão sobre as impugnações não é efectivamente necessária para a aprovação e homologação de um plano, pois o quórum e maioria de deliberação podem ser computadas exclusivamente com base na lista provisória de créditos, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos. Não se prevê, portanto, que o prazo de cinco dias úteis para decidir as impugnações seja respeitado. Na verdade, não se prevê sequer que, na maioria dos casos, as impugnações venham a ser decididas”.

Assim, e face ao exposto, não se verifica a invocada nulidade, o que acarreta que a pretensão da recorrente não possa merecer acolhimento, sendo, por isso, de manter a decisão recorrida.

Consequentemente, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pela apelante.

Coimbra, 19 de Junho de 2018.