Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2805/11.8TBVIS-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
PRÉDIO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ANULADA
Legislação Nacional: ARTº 333º, Nº 1, AL. B) DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2009.
Sumário: I – De acordo com o artº 333°, n° 1, al. b) do Código do Trabalho (Lei 7/2009 de 12/2) "os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios (...) b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade".

II - Independentemente do específico local onde o trabalhador tenha desempenhado funções, dever-se-á exigir, para que o seu crédito possa ter guarida no privilégio especial previsto no citado artº 333°, n° 1, al. b), que haja uma conexão entre o imóvel em causa e o funcionamento da empresa, sua entidade patronal.

III - Assim, por exemplo, se a empresa tinha a sua sede em determinado prédio, onde estavam instalados os seus serviços, designadamente os administrativos, mas que utilizava um outro seu terreno, contíguo àquele prédio, para determinados fins relacionados com funcionamento da sua actividade, parece que o privilégio dos respectivos trabalhadores, previsto no artº 333°, n° 1, al. b), também incidirá sobre esse prédio contíguo ao da sede da empresa.

IV - Se é certo que, atento o disposto no artº 342º, nº 1, do Código Civil, se tem entendido que, enquanto facto constitutivo do privilégio creditório imobiliário previsto no artº 333°, n° 1, al. b) «…é aos trabalhadores que cabe o ónus da prova de que prestam “a sua actividade” no imóvel sobre o qual querem invocar o privilégio imobiliário…», também se tem considerado que, quer em função daquilo que se preceitua nos artº 11º do CIRE, quer por aplicação das normas do Código de Processo Civil (artº 17º do CIRE), designadamente, as dos artºs 265.º, 266.º, 515º e 514º, nº 2, o Juiz, afigurando-se existirem nos autos elementos susceptíveis de indiciar que os trabalhadores exerciam a sua actividade em determinados imóveis aprendidos para a massa, pode, oficiosamente, determinar as diligências instrutórias que entender necessárias para apurar essa factualidade e, subsequentemente, uma vez confirmada e apesar de não ter sido alegada, vir a considerá-la em futura graduação de créditos, para dar como verificado o privilégio creditório imobiliário previsto no artº 333°, n° 1, al. b) do C.T./2009.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, por sentença de 29/11/2011, proferida ao abrigo do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas[1], transitada em julgado, foi declarada a insolvência da “C…, Lda.”, com sede na …, insolvência essa requerida em 06/10/2011, por A...

2) - Foram apreendidos para a massa falida, além de vários bens móveis:

- O prédio urbano descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º … - edifício de cave, rés-do-chão e andar;

- O imóvel descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º …:

3) - Aberto o prazo para a reclamação de créditos, efectuadas que foram as legais citações, vieram reclamar a verificação dos seus créditos, entre outros, vários trabalhadores da insolvente e o “Banco P…, S.A.”, que reclamou créditos no valor de € 132.634,10, garantidos por hipoteca voluntária constituída sobre um lote de terreno para construção urbana, denominado “Tapada …”, sito na …

4) - A Sr.ª Administradora da Insolvência elaborou a lista final dos créditos reconhecidos e não reconhecidos, as quais não foram impugnadas por qualquer interessado.

5) - O Exmo. Sr. Juiz do Tribunal “a quo” proferiu o despacho com o seguinte teor:

«A relação de créditos reconhecidos (e apenas estes nos interessam) identifica vários credores com privilégio imobiliário especial que foram trabalhadores ao serviço da insolvente.

Sendo certo que foram apreendidos dois imóveis, importa que a AI esclareça se tais créditos beneficiam desse privilégio relativamente a apenas um imóvel (e qual) ou relativamente aos dois imóveis.

Para isso, deve apresentar nova lista de credores reconhecidos (e apenas destes) com tais esclarecimentos.».

6) - Na sequência desse despacho a Sr.ª Administradora da Insolvência veio apresentar a seguinte informação, que deu entrada em juízo em 14/05/2013:

«O estabelecimento do insolvente era constituído pelos dois prédios apreendidos:

- Prédio urbano composto de edifício para oficina, escritório e arrumos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n° … (composto de um edifício com cave para oficina, rés do chão para escritório e andar para arrumações, situado na ...

- Prédio urbano composto de terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n° ...

Embora a unidade produtiva esteja implantada no prédio n° …, o prédio n° é contíguo, constitui o logradouro, e era utilizado como sendo o mesmo prédio.

Por tal razão, no entendimento da ora Administradora de Insolvência, o crédito privilegiado dos trabalhadores recai sobre os dois prédios.».

 7) - Com a informação precedente foi junta “Relação de Créditos Reconhecidos (simples) relativa aos trabalhadores”, onde, relativamente às Garantias/Privilégios dos créditos de cada um dos trabalhadores, se consignou beneficiarem de “Privilégio mob. geral e imob. especial Prédios n°s … e … C.R.P. Viseu”, sendo que na lista que anteriormente havia apresentado constava apenas, sem referência individualizada a qualquer um dos imóveis, enquanto privilégio destes credores, “Privilégio mob. geral e imob. especial”.

8) - Conclusos os autos em 16/05/2013, no saneador/sentença que veio a proferir o Mmo. Juiz homologou a lista de créditos de fls. …(17 créditos), que deu por reproduzida, com o seguinte aditamento:

- Crédito 18: Estado Português, no valor de € 596,70, constituído por custas judiciais contadas em dois processos do Tribunal do Trabalho de Viseu.

9) - Subsequentemente, considerou, entre o mais, o seguinte:

«(…) No caso dos autos, foram apreendidos para a massa insolvente dois prédios urbanos (ver fls. 3 do apenso A) e vários bens móveis (ver fls. 6 a 13 do apenso A).

Os créditos laborais (1, 2, 7, 11, 12, 13, 14 e 17) gozam de privilégio creditório imobiliário especial sobre os dois imóveis apreendidos, previsto no art. 333.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho e gradua-se nos termos previstos no art. 333.º, n.º 2, al. b) do mesmo diploma, isto é, antes dos créditos do Estado por imposto municipal sobre imóveis, imposto municipal sobre transacções e imposto de selo resultante de sucessões e doações. Gozam ainda de privilégio mobiliário geral previsto no art. 333.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho e gradua-se nos termos previstos no art. 333.º, n.º 2, al. a) do mesmo diploma, ou seja, imediatamente antes dos créditos por impostos e antes dos créditos da segurança social.

Para além disso, como créditos com privilégio imobiliário especial preferem à hipoteca e ao direito de retenção, ainda que de constituição anterior - art. 751.º do Código Civil.

Além disso, o crédito do Banco A… (crédito 5) está garantido por hipoteca sobre imóvel descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º … que integra a massa insolvente.

Por sua vez, o crédito do Banco P… (crédito 6) está garantido por hipoteca sobre imóvel descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º … que integra a massa insolvente.».

10) - Finalmente, nesse saneador-sentença, decidiu o Mmo. Juiz, proceder à graduação dos créditos reconhecidos, nos termos que ora se reproduzem:

«…decido reconhecer os créditos 1 a 18 (um a dezoito) constantes da lista de fls. 215 a 218-frente e verso, com o aditamento acima enunciado e graduá-los da seguinte forma:

I - Pelo produto da alienação do imóvel descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º …:

1.º Os créditos dos trabalhadores 1, 2, 7, 11, 12, 13, 14 e 17;

2.º O crédito hipotecário 5 do Banco A…;

3.º O crédito 10 do Instituto de Segurança Social, na parte privilegiada, ou seja, € 25.124,30;

4.º Os créditos comuns 3, 4, 6 (quanto a este imóvel, o crédito do Banco P…é comum), 8, 9 (na parte comum, ou seja, € 2.532,97), 10 (na parte comum, ou seja, € 62.203,51), 15, 16 e 18;

5.º O crédito 9 (na parte subordinada, ou seja, € 75,71).

II - Pelo produto da alienação do imóvel descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º …:

1.º Os créditos dos trabalhadores 1, 2, 7, 11, 12, 13, 14 e 17;

2.º O crédito hipotecário 6 do Banco P…;

3.º O crédito 10 do Instituto de Segurança Social, na parte privilegiada, ou seja, € 25.124,30;

4.º Os créditos comuns 3, 4, 5 (quanto a este imóvel, o crédito do Banco A…é comum), 8, 9 (na parte comum, ou seja, € 2.532,97), 10 (na parte comum, ou seja, € 62.203,51), 15, 16 e 18;

5.º O crédito 9 (na parte subordinada, ou seja, € 75,71).

III - Pelo produto da venda de todos os bens móveis apreendidos:

1.º Os créditos dos trabalhadores 1, 2, 7, 11, 12, 13, 14 e 17;

2.º O crédito 10 do Instituto de Segurança Social, na parte privilegiada, ou seja, € 25.124,30;

3.º Os créditos comuns 3, 4, 5, 6, 8, 9 (na parte comum, ou seja, € 2.532,97), 10 (na parte comum, ou seja, € 62.203,51), 15, 16 e 18;

4.º O crédito 9 (na parte subordinada, ou seja, € 75,71).

Fixo o valor processual deste apenso de verificação do passivo no resultado da soma dos créditos reconhecidos, ou seja, € 528.271,91.

As custas do processo principal abrangem as deste apenso, dado que a cargo da massa insolvente - art. 303.º do CIRE.

Registe e notifique (as notificações devem ser acompanhadas de cópias legíveis de fls. 215 a 218-frente e verso).».

11) - Conclusos os autos em 11/7/2013, veio, em face de requerimento do Fundo de Garantia Salarial, a ser proferido despacho com o seguinte teor: «Requerimento de fls. …: atenta a subrogação do Fundo de Garantia Salarial em parte dos créditos dos trabalhadores, conforme sentença proferida no apenso G, importa esclarecer, nos termos do disposto no art. 669.º, n.º 1 do CPC, que aquele Fundo de Garantia Salarial é titular da parte dos créditos laborais que pagou aos trabalhadores, nos termos que constam de fls. 6 a 8 do apenso G, cujo teor dou aqui por reproduzido por motivos de brevidade, e a mesma graduação.

Notifique com cópia de fls. 6 a 8 do apenso G.».

B) - Inconformado com a sentença, no que concerne à graduação do seu crédito atrás dos créditos dos trabalhadores da insolvente, veio o credor “Banco P…, S.A.” interpor recurso daquela decisão - posteriormente recebido como apelação -, oferecendo, a terminar a alegação recursiva, as seguintes conclusões:

...

Terminou pugnando pelo provimento do recurso e pela revogação da sentença “na parte em que graduou em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores pelo produto da alienação do imóvel descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º …”.


II - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[2], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2., “ex vi” do art.º 713, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35862[3]).

Importa considerar que, tendo sido o ora Apelante o único a interpor recurso e uma vez que o confinou (artº 684º, nº 2) à questão do reconhecimento dos créditos dos trabalhadores como dotados, relativamente ao imóvel descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º …, do privilégio creditório imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, al. b) do CT, e consequente primazia, dada na sentença, a estes créditos, relativamente ao seu credito hipotecário, formou-se caso julgado sobre tudo o mais que aí se decidiu, sendo de salientar, também, que o recurso interposto pelo Banco P… não aproveita aos restantes credores não recorrentes, porque não se verifica litisconsórcio necessário entre aquele e estes, não ocorrendo, também, qualquer das situações previstas no n.° 2 do artigo 683.° (cfr. Acórdão do STJ, de 21 de Setembro de 2000, no BMJ nº 499, pág. 270 e ss.).

Como o Apelante também não coloca em causa a primazia, em abstracto, do privilégio de privilégio creditório imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, al. b) do CT, sobre o crédito hipotecário, a questão que aqui se tem de resolver é a de saber se relativamente ao prédio descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º …, os trabalhadores da agora insolvente, gozam daquele privilégio.

III - O circunstancialismo processual e a factualidade assente a considerar na decisão a proferir, são os enunciados em I supra.

IV - De acordo com o artº 333°, n° 1, al. b) do Código do Trabalho (Lei 7/2009 de 12/2) "os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios (...) b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade".

A interpretação deste preceito e, em particular, a amplitude do entendimento a dar à expressão “bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade”, não tem merecido tratamento uniforme por parte dos nossos Tribunais Superiores.

Assim, já se entendeu que “o artº 333º do Código do Trabalho, conferindo privilégio especial somente ao bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade, não tem em vista uma ligação estritamente física e permanente entre o exercício de funções e aquele, mas apenas excluir desse privilégio todos aqueles imóveis que, no caso de insolventes singulares, estão exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador.”[4].

E também já se entendeu, embora que no âmbito da alínea b) do n.º1 do art. 377º do anterior Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27.08), que “os trabalhadores reclamantes gozam do privilégio relativamente à universalidade dos bens imóveis existentes no património da falida e afectos à sua actividade industrial, e não apenas sobre um específico prédio onde trabalham ou trabalharam, v.g., um escritório, um armazém, um prédio destinado à produção, etc., supondo que o património da empresa é constituído por vários prédios. Ou seja, o trabalhador do escritório, de armazém, e da produção não gozam apenas de privilégio creditório, respectivamente, sobre o escritório, sobre o armazém e sobre o pavilhão de produção.”[5]

Parece, de facto, que, independentemente do específico local onde o trabalhador tenha desempenhado funções, dever-se-á exigir, para que o seu crédito possa ter guarida no privilégio especial previsto no citado artº 333° n° 1, al. b), que haja uma conexão entre o imóvel em causa e o funcionamento da empresa, sua entidade patronal.

Assim, por exemplo, se a empresa tinha a sua sede em determinado prédio, onde estavam instalados os seus serviços, designadamente, os administrativos, mas que utilizava um outro seu terreno, contíguo àquele prédio, para determinados fins relacionados com funcionamento da sua actividade, parece que o privilégio dos respectivos trabalhadores, previsto no artº 333° n° 1, al. b), também incidirá sobre esse prédio contíguo ao da sede da empresa.

Em termos semelhantes aos que ora se acabaram de referir, se decidiu, por exemplo, no acórdão do STJ, de 07/02/2013 (Revista nº 148/09.6TBPST-F.L1.S1) de cujo sumário se transcreve o seguinte trecho: «Vindo provado das instâncias que o imóvel em causa era utilizado como estaleiro da insolvente, onde se encontravam gruas, betoneiras e material de cofragem, está definitivamente fixado que o imóvel era o estaleiro da empresa e, portanto, que estava afectado à organização empresarial da insolvente, para a qual os reclamantes prestavam o seu trabalho. E à mesma conclusão se tem de chegar quanto à presunção de que trabalhadores “prestavam o seu trabalho” nesse imóvel.».[6]

Por outro lado, se é certo que, atento o disposto no artº 342º, nº 1, do Código Civil, se tem entendido que, enquanto facto constitutivo do privilégio creditório imobiliário previsto no artº 333° n° 1, al. b) «…é aos trabalhadores que cabe o ónus da prova de que prestam “a sua actividade” no imóvel sobre o qual querem invocar o privilégio imobiliário…» (citado Acórdão de 07/02/2013), também se tem considerado que, quer em função daquilo que se preceitua nos artº 11º do CIRE, quer por aplicação das normas do Código de Processo Civil (artº 17º do CIRE), designadamente, as dos artºs 265.º, 266.º, 515º e 514º, nº 2, o Juiz, afigurando-se existirem nos autos elementos susceptíveis de indiciar que os trabalhadores exerciam a sua actividade em determinados imóveis aprendidos para a massa, pode, oficiosamente, determinar as diligências instrutórias que entender necessárias para apurar essa factualidade e, subsequentemente, uma vez confirmada e apesar de não ter sido alegada, vir a considerá-la em futura graduação de créditos, para dar como verificado o privilégio creditório imobiliário previsto no artº 333° n° 1, al. b).[7]

 Ora, se é certo que, “in casu”, nas reclamações que deduziram, os ex-trabalhadores da insolvente referiram, entre o mais que gozavam do privilégio especial (do artº 333°, n° 1, al. b)) “sobre o bem imóvel da insolvente no qual prestaram a sua actividade”, isso não se afigura determinante, em face do que já se explicitou e da informação prestada pela Srª Administradora da Insolvência, para se ter como afastado do âmbito do dito privilégio o imóvel descrito na 1.ª CRPredial de Viseu sob o n.º …, já que subsiste a dúvida sobre se tal referência não tinha por pressuposto assumido, ainda que inconscientemente, que o terreno contíguo ao prédio urbano nº … (o do prédio nº …) ainda fazia parte dele.

Para esta incerteza - que, obviamente, não olvida a evidência de que os serviços da insolvente, empresa do ramo de cartonagem e litografia, se concentrariam no prédio urbano nº …, constituído por cave, rés-do-chão e andar - contribuiu a Srª Administradora da Insolvência, ao referir que, “embora a unidade produtiva esteja implantada no prédio n° …, o prédio n° … é contiguo, constitui o logradouro, e era utilizado como sendo o mesmo prédio.”[8].

Ora, não se alcançando, dos elementos que dispomos nos presentes autos, que esta informação e a “Relação de Créditos Reconhecidos (simples) relativa aos trabalhadores” com ela junta, hajam sido notificadas aos restantes credores e, em particular, ao ora Apelante, sempre se acrescentará que a aquela informação assume carácter conclusivo, que carecia de ser clarificado, informando-se nos autos em que é que consistia a concreta utilização que permitia afirmar que o prédio nº … constituía “o logradouro” (do prédio nº …), e que o fazia ser tomado como sendo (com o nº …), “o mesmo prédio”.

Certo é, também, que, na sentença, nenhum facto concreto se consignou como provado que permitisse, relativamente ao imóvel nº … e aos créditos dos trabalhadores, dar como preenchida a previsão da norma do citado artº 333°, n° 1, al. b) e a graduação que foi feita, com primazia destes sobre o crédito do Apelante.

Mas, se não se pode afirmar esse privilégio, também não é de ter como definitivamente arredada a possibilidade de nele encontrarem conforto os créditos dos trabalhadores, carecendo, uma decisão segura quanto a essa matéria de indagação apta a fornecer dados concretos sobre se o terreno do prédio nº … era, efectivamente, utilizado no âmbito da actividade da ora insolvente e, em caso afirmativo, de que modo.

Os elementos constantes dos presentes autos de recurso não permitem, pois, a esta Relação, por carência dessa matéria factual, cuja indagação deveria ter sido efectuada na 1ª Instância, proferir uma decisão definitiva sobre o reconhecimento aos créditos dos trabalhadores do dito privilégio especial e, consequentemente, sobre o lugar desses créditos, em confronto como o crédito hipotecário do ora Apelante, no que concerne ao imóvel nº ...

Cumpre assim, nos termos do artº 712, nº 4, do CPC, anular a sentença impugnada, na parte em que reconhece aos créditos dos trabalhadores, privilégio especial sobre o imóvel nº …, e em que gradua estes créditos e os do Banco P…, com referência a esse imóvel, devendo tais matérias ser objecto de ulterior decisão por parte do Tribunal “a quo”, após as diligências que entender efectuar para apuramento da factualidade acima apontada.

V - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em anular a sentença recorrida na parte em que reconhece aos créditos dos trabalhadores privilégio especial sobre o imóvel nº …, e em que gradua estes créditos e os do Banco P…, com referência a esse imóvel, devendo tais matérias ser objecto de ulterior decisão por parte do Tribunal “a quo”, após a indagação da matéria de facto que acima se apontou, para o que fará as diligências que entender necessárias.

Custas pela parte vencida a final.

Coimbra, 18/12/2013

(Luís José Falcão de Magalhães - Relator)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Henrique Ataíde Rosa Antunes)


[1] Código este aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3, doravante designado por CIRE.
[2] Código este aqui aplicável na versão resultante do DL n.º 303/07, de 24/08, salientando-se, todavia, que, os preceitos correspondentes do novo CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6), se aplicados fossem, não determinariam qualquer alteração ao entendimento aqui seguido.
[3] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante forem citados sem referência de publicação.
[4] Acórdão da Relação de Guimarães, de 31/01/2013 (Apelação nº 1421/10.6TBFAF-C.G1), consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase”.
[5] Acórdão esta Relação de Coimbra de 27/02/2007 (Apelação nº 530/04.5TBSEI-X.C1), que, tal como os restantes, desta Relação, que vierem a ser citados, pode ser consultado em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[6] O Acórdão, em texto integral, pode ser consultado em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
[7] Cfr., citado acórdão do STJ, de 07/02/2013, Acórdão da Relação de Lisboa, de 28/09/2010 (Apelação nº 345/09.4TBRMR-C.L1-1) e Acórdão desta Relação, de 01/10/2013 (Apelação nº 1938/06.7TBCTB-E.C1), sendo que, este último aresto, versa a norma que no anterior Código do Trabalho, correspondia ao citado artº 333° n° 1, al. b – a do artigo 377.º, nº 1, b).
[8] Os sublinhados são nossos.