Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2318/18.7T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO PEAP
NEGOCIAÇÕES
PRAZO
NATUREZA DO PRAZO
PRAZO PEREMPTÓRIO
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 222-D Nº5, 222-F Nº2 CIRE, ART.139 Nº5 CPC
Sumário: I – O n.º 5 do artigo 222-º-D do CIRE é de interpretar no sentido de que o prazo aí previsto é um prazo para a conclusão das negociações e para o devedor e os credores alcançarem a aprovação de um acordo de pagamento.

II – O n.º 2 do artigo 222.º-F do CIRE labora no pressuposto de que a aprovação do acordo de pagamento nele prevista foi alcançada dentro do prazo de conclusão das negociações.

III - O prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D do CIRE é um prazo peremptório, ao qual não se aplica o regime do n.º 5 do artigo 139.º do CPC.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 2318/18.7T8ACB

Processo especial para acordo de pagamento

Natureza do prazo das negociações

Sumário:

I – O n.º 5 do artigo 222-º-D do CIRE é de interpretar no sentido de que o prazo aí previsto é um prazo para a conclusão das negociações e para o devedor e os credores alcançarem a aprovação de um acordo de pagamento.

II – O n.º 2 do artigo 222.º-F do CIRE labora no pressuposto de que a aprovação do acordo de pagamento nele prevista foi alcançada dentro do prazo de conclusão das negociações.

III - O prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D do CIRE é um prazo peremptório, ao qual não se aplica o regime do n.º 5 do artigo 139.º do CPC.

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

No processo especial para acordo de pagamento requerido por J (…) e P (…) o Meritíssimo juiz do tribunal a quo declarou encerrado, por decisão proferida em 12 de Agosto de 2019, o processo negocial ao abrigo do n.º 1 do artigo 222.º-G do CIRE.

As razões da decisão foram, em resumo, as seguintes:

Em primeiro lugar, os requerentes pediram a prorrogação do prazo para concluir as negociações encetadas, quando já se havia esgotado o prazo inicial de dois meses;

Em segundo lugar, mesmo que se entendesse que a prorrogação do prazo das negociações era admissível, o acordo de pagamento foi apresentado 6 dias depois de ter terminado o prazo das negociações.

Os requerentes não se conformaram com a decisão e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo se alterasse a decisão e se homologasse o plano de pagamento apresentado.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. A sentença recorrida afirma que o prazo terminou no dia 10.02.2106;
2. Esse dia 10.03.2019 foi um Domingo;
3. O artigo 139º do C.P.C aplicável ex vi do artigo 222º do CIRE, determina que, os actos podem ser praticados até ao final do 3º dia útil;
4. Nada existe na Lei que impeça a aplicação deste artigo, no âmbito do CIRE nomeadamente na contagem do prazo em causa e o artigo 139º do C.P.C. tem, inclusive, tem aplicação aos processos urgentes como é o caso;
5. Haveria assim sempre que aguardar pelo 3.º dia útil;
6. Independentemente da invocação do disposto no artigo 139º, n.º 5, do Código de Processo Civil, a parte beneficiará sempre do prazo suplementar em causa;
7. Não tendo procedido ao pagamento imediato da multa prevista nas várias alíneas daquele n.º 5, deveria ter sido notificada pela secretaria para o pagamento da multa acrescida de penalização, estabelecida naqueles números 6 e 7;
8. Não o tendo sido, não se lhe pode negar o aproveitamento de tal prazo suplementar;
9. Estas considerações são válidas tanto para a contagem do prazo para pedir a prorrogação do prazo das negociações como para o prazo de envio da votação;
10.Ambos beneficiam dos três dias úteis e ambos foram enviados aos autos nesse período permitido por lei.

Não houve resposta ao recurso.


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O recurso suscita essencialmente duas questões:

A primeira é a de saber se a decisão sob recurso decidiu correctamente quando afirmou que, quando foi apresentado o acordo escrito entre o administrador judicial provisório e os devedores no sentido de ser prorrogado o prazo para a conclusão das negociações, o prazo inicial já estava esgotado;

A segunda é a de saber se o acordo junto aos autos foi votado e aprovado dentro do prazo legal.  


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Os factos relevantes para a resposta a estas questões são os seguintes:
1. A lista provisória de créditos foi apresentada em 28-12-2018 e publicada no Portal Citius em 2 de Janeiro de 2019.
2. Em 11 de Março de 2019 o administrador judicial provisório e os devedores juntaram aos autos um acordo escrito no sentido de ser prorrogado o prazo das negociações por mais um mês.
3. Em 16 de Abril de 2019 os requerentes juntaram aos autos um acordo de pagamento.
4. No dia 17 de Abril de 2019 foi publicado anúncio do Portal Citius advertindo da junção do plano e de que corria desde a publicação o prazo de votação de dez dias no decurso do qual podia ser solicitada a não homologação do plano.
5. Em 24-04-2019, C (…), credor reclamante emitiu voto escrito no seguinte sentido: favorável à opção B;
6. Em 30-04-2019, W (…) emitiu voto escrito favorável à opção B, com exclusão das demais.
7. Em 3 de Maio de 2019, o administrador judicial provisório expôs e requereu o seguinte:
a) A lista provisória de créditos a que se refere o n.º 3, do artigo 222.º- D, do CIRE, foi publicada no portal CITIUS a 28-12-2018;
b) Considerando os 5 dias úteis que os credores dispuseram para impugnar aquela lista - n.º 3, do artigo 222.º- D -, o prazo para as negociações a que se refere o n.º 5 do artigo 222.º- D, terminaria a 14-01-2019, tendo sido prorrogado por mais 30 dias, cujo requerimento foi junto aos autos a 11-03-2019, pelo que o prazo final para as negociações terminaria a 11-04-2019;
c) Das negociações que os devedores mantiveram com os vários credores, e da qual resultou o acordo de pagamento cuja junção aos presentes autos foi objecto de publicitação no portal CITIUS a 17-04-2019, o qual foi remetido ao tribunal pelo devedor, nos termos do n.º 2 do artigo 222.º- F do CIRE;
d) O prazo de 10 dias para votação, que se encontra consignado no n.º 2, do artigo 222.º F, do CIRE, expirou no passado dia 29-04-2019;
e) Concedidos 3 dias para eventuais votos que tivessem sido remetidos por correio postal, o prazo terminou a 02-05-2019;
f) Terminado o prazo para a votação do plano, apenas foram recepcionados através de email remetido ao AJP, dois votos favoráveis referentes à opção B, comtemplada no plano, tendo daí resultado o documento em anexo – ANEXO I -, sendo que dele se pode extrair: votaram 16,84 % dos créditos relacionados;
g) Nessa conformidade, nos termos consignados na alínea a) do n.º 3 do art.º 222.º -F do CIRE, não se encontram reunidas as condições para a aprovação do acordo de pagamento, ou seja, o quórum constitutivo, não representa 1/3 dos créditos relacionados com direito a voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 222.º- D do CIRE;
h) Convém referir ainda, que não houve qualquer manifestação de vontade por parte dos Devedores nem do seu legal, para compareceram no prazo designado para a contagem dos votos, o qual terminou a 02-05-2019;
i) Assim, face ao exposto, encontra-se concluído o processo negocial sem aprovação de acordo de pagamento, nos termos consignados no n.º 1 do artigo 222.º G do CIRE;
j) Pelo que, requer-se a V. Ex.a a não homologação do Plano de Acordo de Pagamento.

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Descritos os factos passemos à resolução das questões acima enunciadas.

A primeira é a de saber se a decisão sob recurso decidiu correctamente quando afirmou que o acordo escrito entre o administrador judicial provisório e os devedores no sentido de ser prorrogado o prazo para a conclusão das negociações foi junto aos autos depois de decorrido o prazo inicial de 2 meses.

A resposta a esta questão é negativa, pelo que, nesta parte, o recurso é de julgar procedente, embora não exactamente pelas razões alegadas pelos recorrentes.

A decisão recorrida foi proferida em processo especial para acordo de pagamento. Este processo é regulado pelas disposições que lhe são próprias [artigos 222.º-A a 222.º-J, do CIRE], pelas restantes regras previstas no mesmo diploma que não sejam incompatíveis com a sua natureza [n.º 3 do artigo 222.ºA] e ainda pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do CIRE [n.º 1 do artigo 17.º do CIRE].

Está em causa, no recurso, a questão da prorrogação do prazo das negociações entre os requerentes e os credores de molde a concluir com estes um acordo de pagamento.

Resulta do n.º 5 do artigo 222.º-D do CIRE o seguinte sobre o prazo para a conclusão das negociações;
1. Os requerentes do processo e os credores dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, contados a partir do fim do prazo previsto para a impugnação da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório;
2. O prazo de dois meses pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius. 

Ao prazo para a conclusão das negociações aplicam-se as seguintes regras:
1. A de que o prazo é contínuo (n.º 1 do artigo 138.º do CPC conjugado com o n.º 3 do artigo 222.º-A do CIRE na parte em que atribui carácter urgente ao processo especial para acordo de pagamento);
2. A de que quando o prazo para a prática de um acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte (n.º 2 do artigo 138.º do CPC);
3. A de que o prazo fixado em meses termina às 24 horas do dia que corresponda dentro do último mês a essa data (alínea c) do artigo 279.º do Código Civil);
4. A de que quando o prazo termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil (1.º parte da alínea e) do artigo 279.º do Código Civil).

Por sua vez aplica-se ao acordo de prorrogação do prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D a regra de que tal acordo só terá o efeito de prorrogação desde que seja junto aos autos antes da expiração do prazo inicial de dois meses.

Tendo presentes estas regras e os factos acima expostos é de concluir que os requerentes estão em condições de beneficiar da prorrogação do prazo de um mês para concluírem as negociações, pois juntaram o acordo de prorrogação no último dia do prazo inicial das negociações, que foi o de 11 de Março de 2019. E o último dia do prazo inicial foi o 11 de Março de 2019 e não o de 10 de Março, como entendeu a decisão recorrida, pelo seguinte. É que, embora seja exacto que o prazo inicial das negociações começou no dia 10 de Janeiro de 2019 e que, de acordo com a regra da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, tal prazo inicial de 2 meses terminou no dia 10 de Março de 2019, a verdade é que, correspondendo o dia 10 de Março de 2019 a um domingo, havia que aplicar, ao cômputo do prazo, a regra da alínea e) do preceito atrás referido, segundo a qual o prazo que termine em domingo transfere-se para o primeiro dia útil e, no caso, o primeiro dia útil era o dia 11 de Março de 2019.

Depunha no mesmo sentido o n.º 2 do artigo 138.º do CPC, segundo o qual quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.

E assim visto que o prazo para os devedores juntarem aos autos o acordo de prorrogação do prazo inicial das negociações terminava em 10 de Março de 2019, que correspondia a um domingo, o prazo para a prática de tal acto transferiu-se para o dia 11 de Março, dia em que, na realidade, foi praticado.

Segue-se do exposto que a decisão recorrida incorreu em erro ao entender que o acordo de prorrogação do prazo das negociações fora junto aos autos depois de decorrido o prazo inicial de dois meses. Em consequência, não pode manter-se a decisão de julgar encerrado o processo negocial com tal fundamento.


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A segunda questão suscitada pelo recurso é a de saber se o acordo junto aos autos foi votado e aprovado dentro do prazo previsto para as negociações.

Os recorrentes sustentam esta tese com a alegação de que o envio da votação do acordo de pagamento, ao processo, pode ser feito, ao abrigo do n.º 3 do artigo 139.º do CPC, dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, o que, segundo eles, sucedeu no caso.

Pelas razões a seguir expostas é de julgar improcedente este fundamento do recurso.

O processo especial para acordo de pagamento, criado pelo Decreto-lei n.º 79/2017, de 30-06, tem como finalidade permitir ao devedor que não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento [n.º 1 do artigo 222.º-A do CIRE].

O fundamento do recurso ora em apreciação remete-nos para a tramitação do processo, concretamente para a fase das negociações entre o devedor e os credores e para a obtenção de um acordo de pagamento na sequência de tais negociações. Para o caso interessam-nos de modo especial o n.º 5 do artigo 222.º-D (relativo ao prazo das negociações), os números 1 e 2 do artigo 222.º-F (sobre a conclusão das negociações com aprovação de acordo de pagamento) e o n.º 1 do artigo 222.º-G (sobre a conclusão do processo sem aprovação de acordo de pagamento). 

Resulta do n.º 5 do artigo 222.º-D que o devedor e os credores dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, a contar do fim do prazo para a impugnação da lista provisória de créditos, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês.

Por sua vez resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 222.º-F do CIRE bem como do n.º 1 do artigo 222.º-G que o acordo de pagamento entre o devedor e os seus credores deve ser alcançado dentro do prazo das negociações. Isto é, este prazo é um prazo para negociar e para se alcançar um acordo de pagamento. Visto que a aprovação depende do voto dos credores, segue-se daqui que é dentro do prazo das negociações que deve ser feita a votação do acordo.

Não se ignora que há um segmento do n.º 2 do artigo 222.º-F (n.º 2 que tem em vista os casos em que o acordo de pagamento não recolhe o voto unânime dos credores) que aponta no sentido de que há lugar à abertura de um prazo especial e autónomo para votação e aprovação do acordo depois do encerramento das negociações. Com efeito, o referido segmento dispõe que, em tais casos, o devedor remete o acordo ao tribunal, que publicará de imediato anúncio no portal Citius, advertindo da junção do plano (acordo) e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias.

Sucede que, como observa Catarina Serra [Lições de Direito da Insolvência, página 588, nota 906], a norma labora no pressuposto contrário, ou seja, no pressuposto de que o acordo de pagamento foi aprovado dentro do prazo assinalado para a conclusão das negociações. A atestar o que se acaba de dizer estão os seguintes dizeres iniciais do preceito: “Concluindo-se as negociações com a aprovação de acordo de pagamento…”. Daí que, perante a contradição entre os dois segmentos do preceito, é de dar prevalência ao segmento inicial. E é de lhe dar prevalência porque é ela que preserva a harmonia da regulação da questão das negociações e da aprovação do acordo de pagamento no processo especial para acordo de pagamento. Com efeito, a norma que dispõe sobre a aprovação unânime do acordo de pagamento (n.º 1 do artigo 222.º-F) prevê a aprovação do acordo dentro do prazo fixado para a conclusão das negociações e a que prevê o encerramento do processo sem a aprovação do acordo de pagamento [n.º 1 do artigo 222.º-G) labora também neste pressuposto, visto que considera o processo negocial encerrado caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 5 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo das negociações sem se alcançar um acordo de pagamento. Cita-se em abono desta interpretação o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-07-2018, no processo n.º 2408/17.3T8STS.P1, publicado em www.dgsi.pt.

A explicação para contradição acima apontada reside no facto de a regulação do processo especial para acordo de pagamento ter como modelo a regulação do processo especial de revitalização [artigos 17.º-A a 17.º-J] e nele estar previsto um prazo especial para a votação do plano, distinto do prazo para a conclusão das negociações [n.º 3 do artigo 17.º-F].

Sucede que, em tal processo, justifica-se a previsão de um prazo autónomo para a votação do plano. E justifica-se porque, nele, embora tenha de ser depositado no tribunal pela empresa até ao último do prazo de negociações [n.º 1 do artigo 17.º-F], o plano pode ser alterado e dar origem a uma nova versão, também apresentada pela empresa [n.º 2 do artigo 17.º-F], o que não sucede no processo especial para acordo de pagamento. E assim sendo, é bom de ver que só depois da publicação no portal Citius do anúncio advertindo da junção ou não junção da nossa versão do plano é que se justifica a votação.

Interpreta-se, assim, o n.º 5 do artigo 222-º-D no sentido de que o prazo aí previsto é um prazo para a conclusão das negociações e para o devedor e os credores alcançarem a aprovação de um acordo de pagamento e interpreta-se o n.º 2 do artigo 222.º-F do CIRE no sentido de que ele labora no pressuposto de que a aprovação do acordo de pagamento nele prevista foi alcançada dentro do prazo de conclusão das negociações.

Tendo presentes estas interpretações, e o facto de, no caso, o prazo das negociações ter terminado no dia 11 de Abril de 2019, bem como o facto de este prazo ter terminado sem que tenha sido alcançado um acordo aprovado pelos credores dos requerentes, era de concluir que o prazo das negociações fora concluído sem a aprovação de acordo de pagamento. E assim sendo, havia fundamento para julgar encerrado o processado negocial ao abrigo do n.º 1 do artigo 222.º-G do CIRE, na parte em que este dispõe que, caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D sem se alcançar um acordo de pagamento, o processo negocial é encerrado.

Contra esta conclusão não valem as seguintes alegações dos recorrentes:
1. Que é aplicável ao prazo de conclusão das negociações o regime previsto no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, segundo o qual independentemente de justo impedimento pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa;
2. Que dentro deste prazo suplementar foi enviada a votação do acordo ao processo.

Em primeiro lugar entendemos que o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D é um prazo peremptório, ao qual não se aplica o regime do n.º 5 do artigo 139.º do CPC. Vejamos.

Comecemos pela questão da natureza do prazo.

A questão da natureza do prazo das negociações tem sido suscitada na jurisprudência a propósito do prazo para a conclusão das negociações no processo especial de revitalização, previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE.

A resposta não tem sido uniforme, com decisões a afirmar a natureza peremptória do prazo e com outras a afirmar que tal prazo não reveste tal natureza.

A favor da natureza peremptória do prazo citam-se, a título de exemplo, as seguintes decisões, todas publicados em www.dgsi.pt/jstj.:
1. O acórdão do STJ proferido em 8 de Setembro de 2015, no processo n.º 570/13.3TBSRT;
2. O acórdão do STJ proferido em 17 de Novembro de 2015, no processo n.º 1557/14.4TBMTJ;
3. O acórdão do STJ de 19-04-2016, proferido no processo n.º 7543/14.7T8SNT;
4. O acórdão do STJ proferido em 21 de Junho de 2016, no processo n.º 3245/14.2T8GMR;
5. O acórdão do STJ proferido em 22 de Fevereiro de 2017, processo n.º 13031/15.7T8LSB;
6. O acórdão do STJ proferido em 27 de Abril de 2017, no processo n.º 1839/15.8T8STR.
7. O acórdão proferido em 6-11-2018, proferido no processo n.º 5106/16.T8GMR, publicado em www.dgsi.pt.

A favor da natureza não peremptória do prazo citam-se, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-04-2014, proferido no processo n.º 8972/13.9T2SNT e o acórdão da mesma Relação proferido em 9-12-2014, no processo n.º 62/14.3TYLSB-A, ambos publicados em www.dgsi.pt.

Apesar de a jurisprudência se mostrar divida quanta esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado repetidamente que o prazo para a conclusão das negociações no processo especial de revitalização tem natureza peremptória ou preclusiva, de sorte que, decorrendo tal prazo sem que as negociações estejam concluídas, o processo negocial fica encerrado.

Este tribunal não vê razões para se afastar desta interpretação, e entende que se justifica segui-la tendo em conta o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil e o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.

Diremos, no entanto, o seguinte a propósito da natureza peremptória do prazo em questão.

Apesar de, quando se refere às modalidades dos prazos judiciais, o n.º 1 do artigo 139.º do CPC se referir apenas ao prazo dilatório e peremptório, é certo que os prazos previstos na lei não se reconduzem exclusivamente a estas duas modalidades. Na lei há prazos que são meramente ordenadores, ou indicativos, como sucede por exemplo com os prazos para os actos dos magistrados ou da secretaria.

E, assim, não obstante se poder assinalar ao prazo meramente ordenador a mesma função que é dada ao prazo peremptório, que é a de, socorrendo-nos das palavras de Alberto dos Reis, marcar “o período de tempo dentro do qual há-de realizar-se um determinado acto do processo” [Comentário ao Código de Processo Civil, volume 2.º, Coimbra Editora, página 63], há diferenças entre eles. E uma diferença essencial que há entre eles é a de que, em relação àquele, o respectivo decurso não extingue o poder/dever de praticar o acto. Assim, se o juiz não proferir a sentença no prazo previsto no n.º 1 do artigo 607.º do CPC, não cessa o poder/dever de a proferir. A inobservância do prazo poderá implicar, por parte do juiz, a violação do dever de diligência (artigo 7.º-C do Estatuto dos Magistrados Judiciais) e constituí-lo em responsabilidade disciplinar (alínea e) do n.º 1 do artigo 83.º-H do Estatuto dos Magistrados Judiciais), mas não acarretará a invalidade do acto praticado. Ao invés, tratando-se de prazo peremptório, o seu decurso extingue o direito de praticar o acto (n.º 3 do artigo 139.º do CPC).

Segue-se do exposto que o prazo de conclusão das negociações, com aprovação de um acordo de pagamento, previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D do CIRE, seria de considerar meramente ordenador ou indicativo se resultasse das disposições reguladoras do processo especial para acordo de pagamento que o decurso de tal prazo não retiraria ao devedor e aos credores a faculdade de continuarem as negociações e de concluírem validamente um acordo.

Não é o que sucede.

O texto do n.º 5 do artigo 222.º-D aponta claramente no sentido de que não é possível prolongar o período das negociações para além de 3 meses. Ora, este sentido da lei não é compatível com a qualificação do prazo para a conclusão das negociações como meramente ordenador ou indicativo, visto que este tem implícito a possibilidade de ser ultrapassado.

O n.º 1 do artigo 222.º-G do CIRE dispõe também de modo claro que, caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-G, o processo negocial é encerrado. Se o legislador afirma que a ultrapassagem do prazo sem a aprovação de um acordo de pagamento tem por efeito o encerramento do processo negocial isso significa que o devedor e os credores perdem a faculdade de continuar com as negociações de molde a concluir um acordo de pagamento. Esta solução também não é compatível com a qualificação do prazo para a conclusão das negociações como meramente ordenador ou indicativo, visto que, se assim fosse, a conclusão das negociações sem a aprovação de um acordo não determinaria o encerramento do processo negocial.  

Por outro lado, como se refere no acórdão do STJ proferido em 6-11-2018, proferido no processo n.º 5106/16.T8GMR, depõe no sentido da natureza peremptória do prazo para a conclusão das negociações a exposição de motivos da proposta de Lei n.º 39/XII, que deu origem à iniciativa legislativa que criou o processo especial de revitalização (Lei n.º 16/2012) na parte em que nela se afirma: “o processo terá o seu início com a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, no sentido de se encetarem negociações, que não poderão exceder os três meses . Durante este período, suspendem-se as ações que contra si sejam intentadas com a finalidade de lhe serem cobradas dívidas, assegurando-se, assim, a existência da necessária calma para reflexão e para criação de um plano de viabilidade para o devedor que se encontre em negociações”.

Depõe ainda no sentido da natureza peremptória do processo o carácter urgente do processo (n.º 3 do artigo 222.º-A do CIRE).

Vejamos, agora, a questão da aplicação a este prazo do regime do n.º 5 do artigo 139.º do CPC.

O processo especial para acordo de pagamento não contém disposição que submeta o prazo de conclusão das negociações ao indicado regime.

Logo a aplicação dele ao presente processo especial só se poderia fazer por via subsidiária. Ora é certo que o n.º 3 do artigo 222.º-A do CIRE dispõe que são aplicáveis ao processo especial todas as regras previstas no Código que não sejam incompatíveis com a sua natureza e uma das regras previstas no CIRE [n.º 1 do artigo 17.º] é a de que os processos regulados neste diploma regem-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições deste Código.

Sucede que a aplicação do n.º 3 do artigo 139.º do CPC ao prazo de conclusão das negociações é contrária ao disposto no n.º 5 do artigo 222.º-D, na parte em que este estabelece, como limite máximo improrrogável para concluir as negociações, o prazo de 3 meses, bem como ao disposto no artigo 222.º-G, n.º 1, na parte em que este determina o encerramento do processo negocial caso seja ultrapassado o prazo das negociações sem se alcançar acordo de pagamento.

Apreciemos, de seguida, a alegação de que a votação do acordo de pagamento foi enviada ao processo dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo das negociações.

Esta alegação também não colhe.

Em primeiro lugar, ainda que o prazo para a conclusão das negociações se prolongasse ao abrigo do n.º 5 do artigo 139.º do CPC, o processo negocial só não seria de declarar encerrado ao abrigo do n.º 1 do artigo 222.º-G do CIRE se os recorrentes concluíssem as negociações dentro do prazo suplementar com a aprovação de um acordo de pagamento, o que não sucedeu no caso. Com efeito, o que os requerentes, ora recorrentes, juntaram aos autos em 16 de Abril de 2019, isto é, no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo das negociações (11 de Abril de 2019), foi uma proposta de acordo de pagamento, não submetida à votação dos credores.

Com efeito, só depois de recebida tal proposta é que o tribunal, aplicando indevidamente parte do n.º 2 do artigo 222.º-F do CIRE, publicou anúncio no portal Citius, advertindo da junção do plano (na realidade o que foi junto foi uma proposta de acordo de pagamento) e indicando que corria desde a publicação o prazo de votação de dez dias.

Ainda que o princípio da boa fé processual implique a admissão da votação efectuada, a verdade é que a sorte do recurso continua a ser a improcedência. E continua a ser a improcedência porque, como resulta da exposição do administrador judicial provisório efectuada em 3 de Maio de 2019, o acordo não foi aprovado pelos credores. E assim sendo, a realidade que resultou da votação tardia está prevista no n.º 1 do artigo 222.º-G do CIRE: conclusão do processo negocial sem aprovação de acordo de pagamento. E a consequência daqui resultante é o encerramento do processo negocial.

 Pelo exposto é de manter a decisão recorrida, embora por razões não inteiramente concordantes com as que lhe serviram de fundamento.

Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Vista a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de os recorrentes terem ficado vencidos no recurso, condenam-se os mesmos nas respectivas custas.

Coimbra, 13 de Julho de 2020

Emídio Santos ( Relator )

Catarina Gonçalves

Maria João Areias