Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169/06.0TBAGN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
FALTA DE CITAÇÃO
ACÇÃO
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARGANIL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: REGULAMENTO (CE) Nº 1348/2000; ARTºS 771º, ALS. C) E E), E 772º, Nº 2, AL. D), DO CPC
Sumário: I – O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado (com sentença já transitada em julgado) a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas, taxativamente indicadas na lei – artº 771º CPC.

II – No que respeita ao prazo de interposição do recurso extraordinário de revisão, dispõe o nº 2, al. d), do artº 772º que o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado, sendo de 60 dias o prazo de interposição, contados a partir do momento em que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.

III – Quando estipulou que o prazo de interposição do recurso de revisão é de 60 dias, contados desde que a parte obteve o documento, pretendeu o legislador abranger os pedidos de revisão fundados na situação prevista na al. c) do artº 771º, ou seja a apresentação do documento superveniente que, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente.

IV – Atenta a noção de documento contida no artº 362º CC, uma sentença não pode qualificar-se como documento para efeitos do disposto na citada al. c), nem da al. d) do nº 2 do artº 772º.

V – Fundando-se o pedido de revisão na falta ou nulidade da citação para a acção, aplica-se a segunda situação prevista nessa al. d): os 60 dias contam-se a partir do conhecimento pelo recorrente “do facto que serve de base à revisão”.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I- RELATÓRIO

I.1- Na acção declarativa de condenação sob a forma ordinária que correu termos no Tribunal de Arganil sob o nº169/06.0TBAGN, intentada por «A..., Ldª», com sede em ..., contra «B...»,  sociedade comercial com sede em ..., foi proferida sentença, transitada em julgado, que, julgando a acção procedente, declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre a A. e a Re, e, em consequência, condenou a Ré a restituir á A. o montante de 86.786,20 €, devendo a primeira aceitar a devolução de uma máquina, condenando-se ainda a Ré a pagar à A., a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, o valor global de 31.127,04 €, a que acrescem os juros moratórios comerciais, contados sobre as mencionadas importâncias, desde a citação até integral cumprimento.

         Em 1.9.09, interpôs a Ré recurso extraordinário de revisão daquela sentença, invocando falta de citação ou nulidade da mesma, com este resumido fundamento: em 28 de Abril de 2006, a ora Recorrida “ A...” intentou uma acção declarativa contra a aqui recorrente, que foi distribuída com o nº169/06.0TBAGN; foi pedida a citação da ora Recorrente nos termos do Regulamento CE 1348/2000; a entidade belga que estava a tratar de efectuar a citação da aqui recorrente lavrou ainda um documento que consta de fls.87-88, onde menciona ter notificado a recorrente do facto de que, de acordo com o artº8 do citado Regulamento, tem o direito de recusar este acto, caso não seja estabelecido em neerlandês ou não for acompanhada de um tradução declarada conforme nesta língua; apesar do supra consignado, o tribunal veio a considerar como regularmente citada a aqui recorrente no âmbito dos autos mencionados, o que aí originou a falta de contestação da Ré e a consideração de todos os factos alegados pela A. como assentes; por isso a acção foi julgada provada e procedente, prolatando-se sentença em conformidade; a recorrente não teve qualquer intervenção no processo, ficando a aguardar pela recepção da citação; no dia 6 de Abril de 2009, a recorrente foi surpreendida ao ser notificada de uma certidão de título executivo europeu e relativa à decisão proferida nos autos de que estes são apenso; só nessa data, a aqui recorrente teve conhecimento de que tinha sido proferida contra si a referida sentença e que tinha sido considerada regularmente citada; a cidade de Nieuwpoort, sede da recorrente, pertence à zona da Flandres e a língua oficial nesse local é a língua neerlandesa.

Conclui dizendo que houve falta de citação ou, caso assim não se entenda, a citação é nula nos termos do artº198º/1, C.P.C., e desse modo, com fundamento na norma do artº771/1-e) do mesmo diploma, termina pedindo que sejam anulados os termos do processo posteriores à sua citação.

Apensados aos autos à acção ordinária nº169/2006, foi a recorrida regularmente citada para responder ao recurso, ao qual se opôs dizendo que: a segunda recusa da petição traduzida em francês, efectuada pela recorrente, não é legítima, pois o francês é a língua oficial de toda a nação belga; a língua francesa bem como a língua inglesa sempre foi usada nos contactos comerciais entre a A. e a Ré; a recorrente deduziu fora de prazo o pedido de revisão, pois antes de 6.4.09 tomou conhecimento de que contra ela pendia a acção, e após o episódio da citação em 30.3.07, foi notificada da sentença e da conta de custas; estas notificações ocorreram vários meses antes de ser instaurada a execução, donde ter a Ré deduzido recurso de revisão muito para lá dos 60 dias após o conhecimento da existência da acção e até da decisão que agora quer ver revista.

         Por decisão proferida em 2.3.10, foi o recurso julgado extemporâneo.

         I.2- Apelou a recorrente.

         Alegando, conclui nestes termos:

[…………………………………]

          

         I.3- Contra-alegando, pugna a recorrida pela improcedência da apelação.

         Cumpre decidir, nada a tal obstando.

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         II - FUNDAMENTOS

         II.1 - de facto

         A 1ª instância deu como assente a seguinte factualidade, com base nos elementos documentais destes autos e dos autos de acção sumária nº 169/06:

1. No dia 24 de Outubro de 2007, foi proferida sentença nos autos de que estes são apenso, que declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre a A. e a R., e, em consequência, condenou-se a Ré a restituir à A. o montante de 86.786,20 €, devendo a primeira aceitar a devolução da máquina em causa, condenando-se ainda a Ré a pagar à A., a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, o valor global de 31.127,04 €, a que acrescem os juros moratórios comerciais, contados sobre as mencionadas importâncias, desde a citação até integral cumprimento.

2. A sede da sociedade comercial ora Recorrente e Ré no processo nº169/06 é: 8620 Nieuwpoort, Redanweg, 15, na Bélgica.

3. Após a prolatação da sentença final acima referenciada, foi enviada à Ré, aqui Recorrente, cópia dessa decisão, através de correio registado que não veio devolvido (fls.121).

4. Tal missiva foi enviada para «B...

...», Kustweg 15,

B, 8620 Nieuwpoort (v. fls. 121).

5. Mais tarde, foi também enviada a carta de notificação das custas da responsabilidade da recorrente, na qualidade de Ré na acção ordinária referida.

6. A aqui Recorrente e ali Ré recebeu a notificação referente à cópia da sentença final proferida nos autos 169/06.0TBAGN.

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         II.2 - de direito

         O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas, taxativamente indicadas na lei. Através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão duma sentença transitada. Será o último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação pela via dos recursos.[1]

         Os fundamentos do recurso de revisão vêm taxativamente indicados no art.771º/C.P.C. (redacção do DL 303/07, de 24.8, aplicável ao caso em apreço, e de que serão os artigos a citar sem indicação de fonte), e dizem respeito: à actividade do juiz ou árbitro – al.a); à situação das partes – als.d) e e); à formação do material instrutório – als.b) e c); à relevância das decisões jurisdicionais internacionais – al.f); à relevância da simulação processual – al.g).[2]

         Para demonstração da oportunidade do recurso, a recorrente apoia-se no fundamento previsto na al.e) do citado art.771º, nos termos da qual, a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão “tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita”.

A decisão recorrida não apreciou o fundamento invocado, porque julgou procedente a excepção da intempestividade do recurso levantada pelo recorrido. Considerou que o recurso de revisão foi interposto para lá do prazo de 60 dias referidos no art.772º/2-d), dado que a sentença a rever, proferida a 24.10.07, foi enviada ao recorrente com identificação e morada correctas.

Partiu-se, pois, do entendimento de que o recorrente teve conhecimento do teor da sentença proferida nos autos 169/06, muito antes daquele prazo.

Logo, a questão controvertida reconduz-se a saber se o recurso foi tempestivo.

Assim, no que respeita ao prazo de interposição do recurso extraordinário de revisão – e no que aqui interessa - dispõe o nº2-d) do art.772º, que o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado, sendo de 60 dias o prazo de interposição contados a partir do momento em que “… o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão”.

O inconformismo da recorrente relativamente ao decidido assenta no desconhecimento da sentença revidenda proferida em 24.10.07 nos autos 169/06, por dela não ter sido notificada, nem citada ter sido ou terem sido preteridas as formalidades legais. Argumenta que o facto constante do ponto 6 – de que teria recebido a notificação referente à cópia da mesma sentença – não podia ter sido dado como provado.

É verdade que destes autos de revisão não consta documento certificativo da notificação. Mas não é menos verdade que, tal como resulta do ponto 3, foi-lhe enviada cópia da sentença através de correio registado que não veio devolvido. O que significa que, de acordo com o disposto nos arts.254º, 255º, 1 e 4 e 259º, se presume feita a notificação. E não venha a recorrente argumentar que não houve notificação porque – segundo afirma -  a sua sede é em Redanweg, e não em kusteweg, 15, para onde foi enviada a missiva (ponto 4). Para além de se tratar de moradas que se situam na localidade de Nieuwpoort, constata-se dos documentos que juntou (cópias das notificações a fls.14-25) que a recorrente foi notificada em 6.6.06 e 30.3.07 (de acordo com o art.7º do Regulamento (CE) nº1348/00) em Kustweg, 15, local onde se dirigiu o oficial de diligências belga e onde deixou o original ás pessoas que menciona na nota de notificação.

Mas a questão não está agora em verificar se houve falta de citação ou esta foi feita com preterição das formalidades legais, nomeadamente por falta de tradução para o neerlandês. Na tese da recorrente, o tribunal não podia concluir pela extemporaneidade do recurso justamente porque entende que não foi notificada da dita sentença. Já vimos que neste ponto não lhe assiste razão, pois a notificação presume-se feita.

Mas ainda que assim não fosse, o recorrente – e em certa medida também a 1ª instância – segue o entendimento de que o prazo de 60 dias do art.772º/2-d) conta-se a partir do conhecimento da sentença a rever, já que aí faz-se referência a “documento”.

Não entendemos assim.

Quando estipulou que o prazo de interposição do recurso de revisão é de 60 dias contados “desde que a parte obteve o documento”, pretendeu o legislador abranger os pedidos de revisão fundados na situação prevista na al.c) do art.771º, ou seja, a apresentação do documento superveniente que, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente.

Ora, atenta a noção de documento contida no art.362º/C.C., uma sentença não pode qualificar-se como documento para efeitos do disposto na citada al.c), nem, consequentemente, da al.d) do nº2 do art.772º.

Para a hipótese em análise, fundando-se o pedido de revisão na falta ou nulidade da citação para a acção, aplica-se a segunda situação prevista nessa al.d): os 60 dias contam-se a partir do conhecimento pelo recorrente “do facto que serve de base à revisão”.[3]

Sendo assim, temos que é a própria recorrente a afirmar na conclusão 9ª e antes, nos arts.27º a 30º do requerimento inicial, que em 6.4.09 foi notificada de uma certidão de título executivo europeu, nos termos do Reg. (CE) nº805/04, referente à decisão proferida no processo 169/06. Diz ela nesse art.30º: “Só nessa data tomou conhecimento de que tinha sido proferida contra si a referida sentença e que tinha sido considerada regularmente citada”.

Do que se deixa exposto é fácil concluir que foi em Abril de 2009 que a recorrente “teve conhecimento do facto que serve de base à revisão”. E quando, em Setembro desse ano instaurou o presente recurso de revisão, há muito se esgotara o prazo legal de 60 dias para tal.

Trata-se de um prazo de caducidade máximo, que não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine, só impedindo a caducidade a prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribua efeito impeditivo (arts.328º e 331º/C.C.). No caso, nenhum acto com efeito impeditivo da caducidade foi praticado nesse prazo de 60 dias.

 Bem andou pois a 1ª instância, em julgar o recurso extemporâneo, se bem que com argumentação diferente da nossa.

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III - DECISÃO

Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, posto que com diferente fundamentação.

Custas pela recorrente.


[1]   F. Amâncio Ferreira, «Manual dos recursos em processo civil», 7ª ed., pág.368
[2]   A. Ribeiro Mendes, «Recursos em processo civil – reforma de 2007», pág.198
[3]   Cfr. F. Amâncio Ferreira, ob. cit., pág.331