Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2509/15.2T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: GREVE
PROIBIÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE GREVISTAS
CONTRAORDENAÇÃO MUITO GRAVE.
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - 1ª SEC.TRABALHO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 57º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA; 535º, NºS 1 E 3 DO CÓDIGO DE TRABALHO.
Sumário: I – O artº 535º do Código de Trabalho, sob a epígrafe ‘Proibição de substituição de grevistas’, consagra, no nº 1 do normativo que o empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço, nem pode desde essa data admitir trabalhadores para aquele fim.

II – A violação desta norma constitui contraordenação muito grave, nos termos previstos pelo nº 3 do referido preceito.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

           A..., devidamente identificada nos autos, veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho (doravante designada apenas por ACT), que lhe aplicou uma coima de € 13.000,00, por ter praticado infração contraordenacional baseada na substituição de trabalhadores em greve por outros que não aderiram à mesma.

            Como se refere na sentença, invoca, muito resumidamente, que os trabalhadores em causa estão afetos a vários estabelecimentos, pelo que poderiam estar ou não na loja onde estavam aquando da greve houvesse ou não houvesse sido convocada essa forma de protesto e, ainda, que o montante aplicado é excessivo, devendo ser reduzido ao mínimo legal.

            O tribunal de 1ª instância julgou parcialmente procedente a impugnação e reduziu a coima para o valor de € 10.000,00.

            Não se conformando com esta decisão, a impugnante interpôs recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

            […]

           

            O Ministério Público respondeu, propugnando pela improcedência do recurso.

            Admitido o recurso pelo tribunal de 1ª instância, os autos subiram à Relação, tendo o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer emitido, acompanhado a resposta do Ministério Público apresentada nos autos.

            Não foi oferecida resposta ao parecer.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

II. Objeto do recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

            Em função destas premissas, a questão suscitada no recurso e que importa conhecer é a de saber se a recorrente praticou ou não o ilícito contraordenacional imputado.


*

III. Matéria de Facto

            A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte:

            […]


*

            IV. Direito

            No recurso interposto, a recorrente entende que dos factos provados não resulta a prática da infração contraordenacional imputada e pela qual foi condenada, verificando-se assim um erro na aplicação do direito que urge corrigir.

            Cumpre apreciar!

            Na decisão recorrida considerou-se (tal como já havia considerado a ACT) que a recorrente praticou um ilícito contraordenacional por ter violado o artigo 535º, nº1 do Código do Trabalho, em virtude de ter substituído trabalhadores em greve, na sua loja de Tondela, por outros que não aderiram à greve.

            O artigo 535º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Proibição de Substituição de grevistas”, consagra, no nº1 do normativo que o empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no respetivo estabelecimento ou serviço, nem pode, desde essa data admitir trabalhadores para aquele fim.

              A violação desta norma, constitui contraordenação muito grave, nos termos previstos pelo nº3 do preceito legal.

            Sobre o artigo em causa, escreve António Monteiro Fernandes, in “A Lei e as Greves – Comentário a dezasseis artigos do Código do Trabalho”, 2013, págs.77 e seguintes:

            «Tendo em conta que o efeito jurídico principal da greve consiste na suspensão dos contratos de trabalho dos aderentes, pareceria realizada com a paralisação coletiva uma das hipóteses em que a lei admite a celebração de contratos a termo: a substituição de trabalhador ausente (art. 140º/1 do CT). Por outro lado, mesmo sem recrutar ninguém, alguns empregadores confrontados com uma paragem coletiva teriam a possibilidade de anular o seu efeito prático, deslocando para o sector, estabelecimento ou serviço trabalhadores de outras áreas da empresa. A lei procura impedir essas formas de neutralização ou esvaziamento do direito de greve, fixando o princípio segundo o qual os aderentes não podem ser substituídos por quem, no momento em que o projeto de greve se tornou conhecido (através do pré-aviso), não fizesse já parte do quadro de pessoal do mesmo “estabelecimento ou serviço”.

            (…)

            Não está aí em causa a noção técnico-jurídica de “estabelecimento” desenvolvida no âmbito do direito comercial, mas um conceito mais amplo e, ao mesmo tempo, menos rigoroso nos seus contornos, que sinaliza qualquer organização de trabalho dotada de recursos materiais e humanos especificamente afetos a uma finalidade económico-produtiva – à semelhança da noção de “unidade económica” com que joga o art. 285º do CT e que aí aparece definida deste modo: “o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória” (nº5 do artigo citado). O conceito técnico-jurídico de estabelecimento deve, assim, ser afastado, para, em vez dele, se jogar com um referencial empírico: o do quadro organizativo em que o problema se coloca e que, em última análise, pode consistir em cada um dos locais em que a empresa empregadora exerce atividade (tem trabalhadores posicionados e em funções).

            (…)

            2. O alcance da proibição

            2.1. A substituição “interna”. A proibição refere-se, em primeiro lugar, à substituição dos grevistas por trabalhadores ligados ao mesmo empregador – caso em que apenas se trata de uma movimentação interna do pessoal, sem alteração do volume de emprego mantido pela empresa. A lei admite que o trabalho (ou parte do trabalho) dos grevistas seja assegurado por não aderentes da mesma unidade funcional, mas não aceita que, em consequência da paralisação, e com o propósito de atenuar ou neutralizar os efeitos dela, o efetivo da mesma unidade seja modificado mediante transferências de outras áreas da organização.

            Ora tudo isto comporta dúvidas aplicativas, para além mesmo das que já referimos a propósito da expressão “estabelecimento ou serviço”. Muito depende do concreto modo porque a empresa esteja estruturada e funcione normalmente. Uma organização flexível, em que vigore um nível elevado de polivalência funcional e em que a estrutura dos serviços esteja interligada de modo a permitir uma forte capacidade de adaptação às contingências dos mercados, obrigará a ponderar a proibição legal de modo muito diverso do que seria pertinente perante uma organização mais segmentada e rígida. A priori, apenas se poderá ter como certo que constitui violação deste artigo a transferência de local de trabalho, após a receção do aviso prévio de greve, para assumir as funções de um aderente. (…) O teor do preceito parece, ainda, comportar a possibilidade de agregação de trabalhadores já pertencentes à mesma empresa, mas inseridos noutros “estabelecimentos ou serviços”, ao sector atingido pela greve, antes do início desta, embora depois de recebido o pré-aviso. Nesse sentido poderia aduzir-se o emprego da expressão “durante a greve”, na primeira parte do artigo, em contraste com a fixação da data do aviso como momento a partir do qual são vedadas admissões de novos trabalhadores. Em suma: o que é proibido é a afetação, já no decurso da greve, de outros trabalhadores da empresa às tarefas dos grevistas – mas não a colocação preventiva desses trabalhadores no sector que virá a ser afetado.

            Esta interpretação não resiste ao menor abalo. Na primeira parte do nº1 deste artigo, alude-se ao ato de “substituir os grevistas” adentro de um contexto que lhe confere um sentido muito prático muito preciso: trata-se de manter a continuidade da laboração apesar da greve, fazendo prestar, por outros trabalhadores, tarefas normalmente desempenhadas por aqueles que aderiram à paralisação. É isso (e não uma simples medida de designação ou destacamento) que está vedado “durante a greve”.»

            Posto isto, passemos à apreciação do caso concreto!

            O direito à greve tem assento constitucional – artigo 57º da Constituição da República Portuguesa.

            A legislação laboral reafirma tal direito fundamental, explicitando que o mesmo é irrenunciável – artigo 530º do Código do Trabalho.

            Num sentido muito genérico, pode afirmar-se que a greve é meio de luta laboral que se traduz na abstenção do trabalho levada a cabo concertadamente por vários trabalhadores para a obtenção de um determinado fim.

            O “braço de ferro” implícito na greve, visa perturbar a atividade e organização da entidade empregadora, por forma a provocar alguma disponibilidade para dialogar sobre o conflito laboral subjacente.

            Sendo, porém, um direito constitucional, para o seu exercício pleno, o legislador viu-se forçado a estabelecer algumas regras e/ou proibições. Entre elas, a consagrada no mencionado artigo 535º do Código do Trabalho – “Proibição de substituição de grevistas”.

            Tendo em consideração o comentário a tal artigo, supra citado, e a razão subjacente ao preceito legal sob análise, vejamos, então, se a recorrente violou tal proibição.

            Do contexto factual dado como assente resulta, com interesse, que:

            - No dia 1 de maio de 2014, na loja da recorrente, em Tondela, quatro trabalhadores não compareceram ao serviço por motivo de greve;

            - Para substituição dos trabalhadores grevistas, permaneceram naquele local de trabalho os trabalhadores da arguida, B... , diretor de vendas, C... , chefe de vendas em formação e D... , chefe de vendas, os quais não se encontram afetos à unidade/estabelecimento A... de Tondela que estiveram a executar funções profissionais correspondentes ao conteúdo funcional dos trabalhadores grevistas, designadamente serviço de caixa;

            - Os mesmos sabiam que, por virtude da greve decretada pela FEPCES para aquele dia 1 de maio, o número de trabalhadores, do quadro de pessoal da loja, que nesse dia se apresentou ao serviço (4), era manifestamente insuficiente para o normal desenvolvimento do estabelecimento, considerando que o número mínimo necessário para as quintas-feiras (dia 1 Maio 2014) é de, pelo menos, seis;

            Ora, este acervo factual, revela claramente que os trabalhadores da recorrente B... , C... e D... , no dia 1 de maio, estiveram em funções na referida loja de Tondela em substituição dos trabalhadores grevistas, exercendo as funções profissionais que estes trabalhadores deveriam exercer, designadamente serviço de caixa.

            Alega a recorrente que estes trabalhadores prestavam em mais de 50% a sua atividade na aludida loja e que têm polivalência funcional, pelo que podem em qualquer das lojas que integram o seu local de trabalho, exercer quaisquer funções que se mostrem necessárias, tais como a reposição de produtos ou o atendimento de caixa.

            Ficou demonstrado que o diretor de vendas B... tinha sob a sua responsabilidade, entre outras, a loja de Tondela e que o exercício da sua atividade profissional, em mais de 50% do seu tempo de trabalho, pressupõe a sua presença nas 4 lojas que supervisiona, sendo que na quinta-feira em que ocorreu a greve, o mesmo tinha que visitar a loja de Tondela.

            Também ficou demonstrado que a chefe de vendas D... é (ao seu nível) responsável pela loja de Tondela e que, tal como o diretor de vendas, a sua atividade profissional pressupõe a presença, em mais de 50% do seu tempo de trabalho, nas quatro lojas pelas quais é responsável. A trabalhadora C... , encontrava-se a cumprir um plano de formação para chefe de vendas, sendo acompanhada pelo diretor de vendas. Na semana que decorreu entre 28 de abril e 4 de maio, estava previsto que a chefe de vendas, C... , fizesse a sua formação na zona de vendas da chefe de vendas D... .

            Ficou igualmente demonstrado que o diretor de vendas e a chefe de vendas exercem a sua atividade em locais de trabalho dispersos.

            Quanto à alegada polivalência funcional, muito embora tenha ficado demonstrado que de acordo com os princípios da organização da recorrente os trabalhadores que ocupam cargos de maiores responsabilidades (diretor de vendas, chefe de vendas), tenham formação e competência para exercer, por vezes, funções de Loja nas lojas sob a sua responsabilidade, como a reposição de produtos ou o atendimento de caixa, não se nos afigura que, no dia 1 de maio de 2014, os mesmos tenham exercido as funções de caixa no âmbito do normal exercício das suas funções. A atividade que B... , C... e D... exerceram foi substitutiva da atividade que deveria ter sido exercida pelos trabalhadores grevistas, pois caso não o tivessem feito, o estabelecimento da recorrente em Tondela não teria conseguido funcionar normalmente.

            Ou seja, ainda que estes trabalhadores tivessem uma ligação ao estabelecimento em causa, pois aí também exerciam as suas funções, nomeadamente na quinta-feira, dia 1 de maio de 2014, (muito embora não estivessem afetos à loja), o alcance da proibição contida no nº1 do artigo 535º do Código do Trabalho, proibia-os de substituir os grevistas, pois as funções substitutivas executadas visaram inequivocamente neutralizar o efeito da greve – e tal conduta, se permitida, constituiria uma verdadeira fraude à lei.

            Pelo exposto, julgamos que bem andou o tribunal a quo a o apreciar a questão nos seguintes termos:

            «Dos factos provados, verifica-se a comprovação do constante do auto de contraordenação.

            Efetivamente, dois trabalhadores da empresa arguida, com funções próprias de coordenação e direção relativamente aos demais trabalhadores, visitaram, como tinham, antecipadamente, previsto, uma loja, e aí permaneceram, contrariamente ao referido plano de trabalho que fizeram e comunicaram superiormente, para desempenharem as funções que estariam atribuídas a outros trabalhadores que, naquele momento, estavam em greve. Outrossim, os factos aduzidos pela recorrente não têm o alcance que deles a mesma pretende.

            Primeiro, não está em causa a questão do local de trabalho, nestes casos plúrimo, mas as funções que lhes estão acometidas; eles são competentes, laboralmente falando, para desempenhar qualquer função, mas estão-lhe acometidas, em primeira linha, unicamente funções de coordenação e direção. Portanto, eles não extravasaram o seu local de trabalho, mas alteraram os específicos locais onde planearam estar presentes, justamente para realizar tarefas da competência de grevistas, e fizeram-no única e exclusivamente porque havia greve. Segundo, houve, assim, realmente, uma substituição. Efetivamente, como refere o art.º 535º nº 1 do código do trabalho, “o empregador não

pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que (…) não trabalhavam no respetivo estabelecimento ou serviço”. Como o tem entendido a jurisprudência, o preceito “não impede que as empresas tomem as medidas de gestão necessárias e adequadas para debelar as consequências do exercício do direito à greve, embora essas medidas não possam ter lugar durante a greve, se incidirem sobre o trabalho concreto dos grevistas” e – e acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2007, relatado pelo Desembargador Duro Mateus Cardoso, no processo 7896/2007-4, disponível na página eletrónica desse tribunal. Os trabalhadores aqui em causa, contrariamente ao que ocorreria se a greve não se tivesse feito sentir, desempenhariam outro trabalho noutro local.»

            Concluindo, resulta da factualidade assente que a recorrente violou, no dia 1 de maio de 2014, o preceituado no nº1 do artigo 535º do Código do Trabalho, pelo que não se verifica o invocado erro na aplicação do direito.

            Por conseguinte, há que negar provimento ao recurso.


*

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

Coimbra, 16 de dezembro de 2015

 (Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)