Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
89/09.7GCACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: INJÚRIAS E DE AMEAÇA
CONCURSO REAL
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 30º, 153º, 155º, 181º, 184º CP
Sumário: 1- Nos crimes de injúria e de ameaça protegem-se bens jurídicos eminentemente pessoais.

2.- Em caso de bens jurídicos eminentemente pessoais, a ofensa (o injusto de acção, de resultado e a culpa) dirige-se a cada acto concreto que afecte o bem jurídico individualizado na pessoa de cada titular.

3.- Por isso o arguido comete tantos crimes quantas as pessoas ofendidas.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
FM..., residente na Rua … .
Sendo decidido:
a) Absolver o arguido da prática de dois crimes de injúria agravada, previsto e punido nos artigos 181, 184 e 132, nº 2 alínea l) do Código Penal;
b) Absolver o arguido da prática de dois crimes de ameaça agravada, previsto e punido nos artigos 153, nº 1 e 155, nº 1 alínea c) do Código Penal;
c) Condenar o arguido pela prática de três crimes de injúria agravada, previsto e punido nos artigos 181, 184 e 132, nº 2 alínea l) do Código Penal, na pena de 75 dias de multa por cada um dos crimes cometidos, à taxa diária de € 5,00;
d) Condenar o arguido pela prática de quatro crimes de ameaça agravada, previsto e punido nos artigos 153, nº 1 e 155, nº 1 alínea c) do Código Penal, na pena de 100 dias de multa por cada um dos crimes cometidos, à taxa diária de € 5,00;
e) Em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77 do Código Penal, condenar o arguido, na pena única de 340 dias de multa à taxa diária de € 5,00;
f) Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. nos artigos 143, nº 1, 145, nºs 1, alínea a) e 2 e 132, nº 2 alínea l) do Código Penal na pena de 90 dias de prisão que se substitui por 90 dias de multa à taxa diária de € 5,00;
***
Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido.
Formula as seguintes conclusões na motivação do mesmo, e que delimitam o objecto:
1) O presente recurso é interposto por se entender que entre a prova produzida e a factualidade dada como provada existe, objectivamente, uma disparidade significativa.
2) Com efeito, dos depoimentos das testemunhas resultaram contradições flagrantes, inclusivamente entre os depoimentos das testemunhas comuns à acusação e à defesa, contradições que, a nosso ver, deveriam, em obediência ao princípio in dubio pro reo, levar, objectivamente, à absolvição total do Recorrente da acusação.
3) O Recorrente não encontra qualquer razão atendível, nem a mesma consta da decisão recorrida, para uma valoração diferente das declarações das testemunhas por si arroladas e não comuns com a acusação.
4) Sendo que, conforme resulta expressamente da decisão recorrida, todas as referidas testemunhas mereceram credibilidade ao Tribunal, o que nos suscita sérias dúvidas quanto à coerência entre a decisão proferida sobre a matéria de facto e os respectivos fundamentos.
5) O Tribunal, ao considerar credíveis todos os depoimentos das testemunhas arroladas, deveria, necessariamente, concluir que os acontecimentos em causa nos presentes autos não foram de clara e unívoca percepção para quem os presenciou, ao ponto de gerarem diferentes versões.
6) Atentando nos depoimentos das testemunhas comuns à acusação e à defesa, desde logo se identificam várias situações em que é patente o seu desnorte relativamente a uma série de aspectos constantes da acusação.
7) Desde logo, e evidenciando-se que é humanamente impossível, e por isso pouco ou nada crível, que alguém consiga manter-se a imitar tal som por mais de alguns segundos, a versão de que o Recorrente estava a ladrar é, no mínimo, surreal e inverosímil, sendo pois natural que as testemunhas supra referidas não fossem capazes de contar uma versão coincidente dessa parte dos factos.
8) Sendo que o Tribunal a quo considerou provado que naquela ocasião o Recorrente encontrava-se fantasiado de uma personagem do filme "Academia de Polícia" que emite alguns ruídos característicos - cfr. ponto 19 da matéria de facto provada, a págs. 4 da decisão recorrida - o que, a nosso ver, faria aumentar a dúvida propiciada pelos depoimentos incongruentes e inverosímeis das testemunhas.
9) Assim, se o Tribunal a quo não considerou provado que no momento em que foi abordado pelos guardas o Recorrente encontrava-se a produzir sons imitativos da personagem do filme "Academia de Polícia" na brincadeira com a testemunha GS..., também não deveria ter considerado provado que o Recorrente produzia, na altura, ruídos imitativos do ladrar de um cão - cfr. ponto 9 da matéria de facto não provada e ponto 2 da matéria de facto provada, a págs. 6 e 2, respectivamente, da decisão recorrida.
10) Por outro lado, haverá que atentar no facto de o guarda JR... ter afirmado que não algemou o Recorrente quando da sua detenção, e de o mesmo, quando reinquirido como testemunha de defesa, ter dito que lhe reavivaram a memória e que entretanto se lembrara de que tinha algemado o Recorrente.
11) Devendo colocar-se a questão de saber se, efectivamente, estes aspectos devem ser considerados acessórios e desprovidos de qualquer relevância, ou se, ao invés, podem ser indiciadores da falta de certeza das testemunhas agentes da G.N.R. em relação à globalidade dos factos.
12) Não sendo só, no entanto, relativamente a questões ditas acessórias que os depoimentos das testemunhas agentes da G.N.R. não coincidem, pois mesmo relativamente aos factos ditos principais há incongruências assinaláveis.
13) Atente-se no depoimento do guarda PG..., que, conforme referido na sessão da Audiência de Julgamento de 07.06.2010, encontrava-se de prevenção ao pé dos seus colegas, não tendo visto ou ouvido, da parte do Recorrente, quaisquer agressões, injúrias ou ameaças.
14) Tendo o mesmo demonstrado uma atitude de serenidade e neutralidade, ao contrário dos seus colegas, os quais chegaram a fazer a apologia do uso da autoridade para obter o respeito, ou melhor, o temor dos cidadãos.
15) Basta ouvir o depoimento do guarda JR..., gravado na sessão da Audiência de Julgamento de 07.06.2010, em que este diz, literalmente, que a polícia necessita de impor a sua autoridade e que o sucedido com o Recorrente serviu de exemplo para os demais transeuntes que se encontravam nas imediações do local dos acontecimentos.
16) Não tendo, também, o depoimento da testemunha HD...sido neutro e desinteressado, por contraste assinalável com o depoimento da testemunha PG....
17) Por outro lado, o guarda LM... também não confirmou ao Tribunal a versão do guarda JR..., na medida em que não viu o Recorrente a agredir ninguém, conforme se pode ouvir no registo áudio do respectivo depoimento.
18) É pois manifesta a ausência de um cenário único para os factos ocorridos na madrugada do dia 24.02.2009.
19) Adicionalmente, outros factos há que têm de ser tidos em consideração para todos os efeitos, e que, tanto quanto nos apercebemos, não são devidamente valorados na decisão recorrida, nomeadamente o de que no local e momento dos acontecimentos, reinava um ambiente de confusão, próprio da festa que na altura decorria,
20) Sendo que, atentos todos depoimentos produzidos nos autos, seria de concluir, no mínimo, que era bastante improvável que as pessoas presentes no local dos acontecimentos, as quais depuseram como testemunhas, tivessem prestado total atenção ao que se passou com o Recorrente, independentemente de se tratarem de testemunhas civis ou de agentes da G.N.R..
21) Esta última consideração afigura-se de importância na medida em que, na decisão recorrida, se verifica a existência de uma valoração diferente dos depoimentos das referidas testemunhas, em função de serem, ou não testemunhas agentes da G.N.R..
22) Atente-se na decisão recorrida, na sua pág. 13, na qual o Tribunal a quo considerou que o depoimento da testemunha GS... não infirma os depoimentos dos agentes da G.N.R., que, na verdade, segundo relatou a testemunha havia muito barulho na rua e estava a dançar, a cantar e a divertir-se, e que se assim foi é plausível que não estivesse a prestar total atenção ao que o Recorrente estava a fazer.
23) Ora, se para o depoimento da testemunha em questão ser valorado favoravelmente ao Recorrente se dever partir do pressuposto de que a mesma tinha de estar sempre a olhar para o Recorrente, como resulta da decisão recorrida na continuação do referido raciocínio, então, efectivamente, nenhuma prova testemunhal poderá ser produzida, com excepção, no entender do Tribunal a quo, da que for produzida por testemunhas que exerçam funções de policiamento ou de vigilância, ou análogas a estas.
24) Contudo, ainda que aplicássemos tal critério, também nada nos garante que as testemunhas agentes da G.N.R. estivessem sempre a olhar para o Recorrente ou para os agentes que procederam à sua detenção.
25) Salientando-se que a testemunha GS..., de todas as testemunhas que depuseram na Audiência de Julgamento, era a que estava mais perto do Recorrente no momento em que tudo aconteceu,
26) Contudo, o Tribunal a quo entendeu que, não obstante aquele ser uma testemunha credível, o seu depoimento não poria em causa o depoimento das testemunhas agentes da G.N.R. como o não poriam os depoimentos das restantes testemunhas exclusivamente afectas à defesa, todas também credíveis,
27) Porém, também de acordo com o depoimento da testemunha PS..., prestado na sessão da Audiência de Julgamento de 05.07.2010, o Recorrente não agrediu, injuriou ou ameaçou os agentes da G.N.R, sendo que o mesmo tão-somente lhes disse para não lhe fazerem mal.
28) O depoimento desta testemunha reforça o depoimento da testemunha GS..., no sentido de que o Recorrente nada fez para ser detido, merecendo, contudo, as mesmas considerações tecidas pelo Tribunal a quo relativamente à testemunha antes referida, nomeadamente que a testemunha, por força das circunstâncias, não se apercebeu do que se passou entre os guardas e o Recorrente até à detenção.
29) Uma vez mais, a decisão recorrida faz transparecer a ideia de que a valoração do depoimento das testemunhas no sentido defendido pelo Recorrente estaria dependente de uma postura de vigilância permanente dos movimentos do Recorrente.
30) Já no caso da testemunha ZX..., e não obstante referir, na decisão recorrida, a págs. 14, que o mesmo assistiu à detenção do Recorrente, o Tribunal a quo entendeu que por aquele se encontrar do outro lado da rua, e não estar junto ao Recorrente, não observou o que se passou até à detenção.
31) Por seu turno, relativamente à testemunha RT..., o Tribunal a quo concluiu que a mesma não se apercebeu de o Recorrente ter proferido sons imitativos do ladrar de um cão, anteriormente à abordagem da G.N.R, o que seria plausível tendo em conta a ocasião festiva em que se encontrava, e que se tinha ausentado por momentos,
32) Ainda relativamente a esta testemunha, o Tribunal a quo concluiu também que a mesma não assistiu aos factos, nomeadamente à abordagem dos militares da G.N.R. ao Recorrente antes da detenção, pois referiu desconhecer o que despoletou a situação,
33) Ora, a testemunha supracitada disse claramente que não houve nada que pudesse despoletar aquela situação, o que é diferente de dizer que desconhecia o que tinha despoletado a situação,
34) Por outro lado, a referida testemunha transmitiu ao Tribunal a quo a ideia de que tudo se passou muito rapidamente, em consonância, aliás, com os depoimentos de algumas das testemunhas exclusivamente afectas à defesa, a saber o GS... e o PS..., e contrariando claramente o referido pelas testemunhas agentes da G.N.R..
35) Se a isso acrescermos o facto de algumas das mencionadas testemunhas agentes da G.N.R., a saber os guardas JR... e HD..., terem afirmado, como consta da acusação, que ainda estiveram a fazer perguntas ao Recorrente sobre o seu estado de saúde, facilmente concluímos que as múltiplas versões dos acontecimentos não são, sequer em parte, razoáveis ou mesmo coincidentes,
36) Por outro lado, segundo decorre da decisão recorrida, a págs. 14, a testemunha FJ...referiu que foi cumprimentar o Recorrente e amigos, que os elementos da G.N.R. apareceram, que se virou e que quando olhou para trás viu os agentes a tentar algemar o Recorrente, pelo que, mais uma vez, esta testemunha não assistiu à abordagem dos militares da G.N.R. ao Recorrente e que antecedeu a detenção,
37) Pergunta-se, então, como seria possível, entre esta testemunha avistar a aproximação dos agentes da G.N.R., virar-se, e entretanto olhar para trás, ter sucedido a factualidade imputada ao Recorrente na acusação, note-se, em tão curto lapso de tempo.
38) Se a testemunha FJ...não logrou, por escassos momentos, assistir à abordagem dos agentes da G.N.R., que antecedeu a detenção do Recorrente, então tal só pode ter acontecido porque tal abordagem, nos termos descritos na acusação, não teve efectivamente lugar, uma vez que, como defendido pelo Recorrente e sustentado pelas várias testemunhas exclusivamente de defesa, a detenção foi feita de modo imediato e sem qualquer tipo de aviso prévio.
39) Mas se, na realidade, o Tribunal a quo teve em especial consideração o facto de reinar, no local dos acontecimentos, um ambiente festivo, com muitas pessoas presentes e a fazer barulho, para entender que, em virtude de tal circunstancialismo, as testemunhas exclusivamente afectas à defesa não tinham presenciado, ou percepcionado devidamente, a factualidade que imediatamente antecedeu a detenção do Recorrente, já não se percebe porque não teve também em atenção esse mesmo circunstancialismo para descredibilizar os vários depoimentos das testemunhas de acusação, nomeadamente, mas sem limitar, quanto à apreciação da matéria respeitante às ofensas à integridade física imputadas ao Recorrente.
40) Verificava-se, efectivamente, a mencionada confusão própria daquele ambiente festivo, a qual se densificou com a detenção do Recorrente, efectuada naquele espaço exíguo e portanto propício ao contacto físico fortuito.
41) Daí o Recorrente, tendo negado peremptoriamente as ofensas que lhe foram imputadas, ter tão-somente suscitado, quanto muito, a hipótese de qualquer contacto físico ter decorrido do próprio aparato que a situação gerou.
42) Do que foi transmitido pelas testemunhas ao Tribunal a quo, a saber as testemunhas ZX... e FJ..., bem como pela testemunha RT..., resulta claro que o Recorrente estava sentado no chão do hall onde se encontrava, sendo por isso impossível o mesmo agredir os agentes, e com isso provocar a detenção.
43) Assim, para além de o Tribunal a quo não ter aventado a hipótese de a confusão, que invocou antes, ter, também aqui, provocado percepções erradas da realidade, nomeadamente por parte das testemunhas agentes da G.N.R., também não atentou neste facto, transmitido pelas testemunhas supracitadas, de que o Recorrente estava sentado e que, em consequência, não podia ter praticado o crime de ofensas à integridade física, especialmente nos termos em que lhe tinha sido imputado.
44) Já relativamente aos acontecimentos que, nos termos da acusação, sucederam no interior e à saída do Posto da G.N.R., também incongruências várias entre os depoimentos das testemunhas não foram devidamente valoradas.
45) Com efeito, e pese embora o Recorrente tenha dito, como relatou, aliás, a testemunha PS..., que ia com os guardas, que não havia necessidade daquela detenção, as testemunhas JR... e HD...levaram-no algemado e vergado, de modo a que tivesse que percorrer o caminho de rastos, ao longo de várias centenas de metros, até ao Posto da G.N.R. da W....
46) E já no Posto da G.N.R., o Recorrente foi novamente algemado e colocado na garagem, como referiu a testemunha JR....
47) O Recorrente esteve, assim, durante cerca de duas horas numa zona exterior do Posto, algemado e guardado pelos guardas LM... e BB....
48) Acessória ou não, esta parte dos acontecimentos é importante para se perceber o agravamento do estado emocional do Recorrente, o qual, por força da sua detenção, já era, de si, bastante frágil.
49) Afinal de contas, o Recorrente foi conduzido ao Posto da G.N.R. da W... de forma perfeitamente inadmissível, e, quando da chegada ao referido Posto, o mesmo foi colocado numa zona destinada ao parqueamento de veículos, e não a pessoas, mais a mais em pleno Inverno, estando o Recorrente sem agasalho.
50) Por outro lado, e mesmo tendo a porta do Posto da G.N.R. estado fechada, não permitindo às outras testemunhas, exclusivamente afectas à defesa, percepcionar essa parte dos acontecimentos e sobre a mesma depor, detectam-se, ainda assim, contradições várias nos depoimentos das testemunhas agentes da G.N.R., contradições essas que deveriam ter sido valoradas a favor do Recorrente pelo Tribunal a quo.
51) O guarda CP..., tal como referido na decisão recorrida a págs. 15, não teve participação na referida situação, apenas se encontrando de serviço, no atendimento ao público, no Posto da G.N.R. da W....
52) Relativamente ao guarda JR..., e tal como decorre da decisão recorrida a págs. 7, este referiu que no Posto apenas esteve presente quando o Recorrente se recusou a assinar o expediente.
53) Quanto ao guarda HD..., e em conformidade com o que consta da decisão recorrida a págs. 9, a testemunha esteve no interior do Posto antes e depois de elaborado o expediente.
54) Acerca do guarda LM..., e como referido na decisão recorrida a págs. 8, a testemunha esteve na zona exterior do Posto com o Recorrente, não tendo, contudo, e por contraste com o caso dos dois guardas atrás mencionados, ficado a constar da decisão que a testemunha tenha estado no interior do Posto depois de elaborado o expediente,
55) Pelo que se questiona como poderia ter presenciado as expressões imputadas ao Recorrente quando da sua libertação, imediatamente a seguir à entrega do referido expediente.
56) Relativamente ao guarda PG..., o mesmo não assistiu aos factos após a condução do Recorrente ao Posto, como aludido a págs. 16 da decisão recorrida.
57) Quanto ao guarda BB..., o mesmo não presenciou os factos a partir do momento em que o Recorrente foi encaminhado para o interior do Posto, tal como mencionado na decisão recorrida a págs. 9 e 16.
58) Constata-se, assim, que não há uma única testemunha agente da G.N.R. que tenha presenciado a totalidade dos factos imputados na acusação ao Recorrente, designadamente os alegadamente passados no interior do Posto da G.N.R. da W...,
59) O que, a nosso ver, não abona a favor da solidez da prova que serviu para considerar assente a factualidade imputada ao Recorrente.
60) Não sendo sequer seguro que as testemunhas que depuseram contra o Recorrente, em sede das várias partes da matéria que lhe foi imputada, tenham, efectivamente, presenciado os factos nos termos que o Tribunal a quo consignou na decisão recorrida.
61) Com efeito, o Tribunal a quo, relativamente ao depoimento do guarda LM..., fez menção ao facto de este ter referido as expressões que o Recorrente tinha, de acordo com a acusação, proferido à saída do Posto, quando da sua libertação.
62) Libertação que ocorreu logo após a entrega do expediente ao Recorrente, momento em que se encontravam presentes, no interior do Posto, apenas os guardas JR... e HD..., conforme resulta do ponto 11 da matéria de facto provada.
63) Põe-se, assim, em dúvida a razão de ciência do depoimento do guarda LM..., o qual, à semelhança do guarda BB..., tinha estado a guardar o Recorrente na garagem do Posto.
64) Não tendo, pois, como alegado supra, ficado a resultar da decisão recorrida, ao contrário do que sucedeu no caso dos guardas JR... e HD..., que o guarda LM... tenha presenciado a entrega do expediente ao Recorrente, momento que imediatamente antecedeu a sua saída do Posto.
65) Assim, do mesmo modo que o Tribunal a quo entendeu, conforme referido a págs. 16 da decisão recorrida, que o Recorrente não poderia ter-se dirigido ao guarda BB... quando se encaminhava para a saída do Posto, o mesmo deveria o Tribunal a quo ter concluído relativamente às expressões imputadas ao Recorrente dirigidas ao guarda LM....
66) E, caso assim não entendesse, o Tribunal a quo deveria, pelo menos, ficar com dúvidas sobre a verificação de tal factualidade.
67) Tendo a condenação do Recorrente pela prática do crime de injúria, contra a testemunha LM..., sido baseada, assim, num facto de impossível ou, no mínimo, duvidosa concretização.
68) O guarda PG... apresenta, efectivamente, uma versão muito distinta dos acontecimentos, por contraste com a relatada por alguns dos seus colegas.
69) Este terá assistido, de fora do Posto, à libertação do Recorrente, não o tendo visto ou ouvido, na sua saída, a proferir quaisquer expressões injuriosas contra os restantes agentes da G.N.R., e até referindo que o mesmo tinha pedido desculpa e que tinha ficado cá fora a falar com os amigos que ali o esperavam.
70) Versão que é compatível com a versão dos acontecimentos defendida pelo Recorrente, na medida em que, muito embora o mesmo tivesse razões compreensíveis para proferir as expressões que admitiu ter proferido na Audiência de Julgamento, ainda pediu desculpas por tais palavras, proferidas com o intuito de significar apenas que iria apresentar queixa pelo procedimento a que tinha sido sujeito.
71) Sendo que, contudo, e tal como referido anteriormente em sede de contestação, o Recorrente, dado o estado psicológico, nem sequer sabia, ao certo, que pessoas em concreto se encontravam dentro do Posto da G.N.R. da W....
72) Efectivamente, dada a operação policial desencadeada naquela noite na W..., havia muita confusão dentro do referido Posto, com agentes da G.N.R. e muitos outros civis igualmente detidos.
73) Não houve, com efeito, um único momento dos acontecimentos em causa nos autos que tenha deixado de estar envolto em confusão, desde a confusão própria do ambiente festivo existente à hora da detenção, até à confusão que se encontrava instalada dentro do próprio Posto da G.N.R. da W..., devida à operação policial atrás referida e mencionada na Audiência de Julgamento pelas testemunhas agentes da G.N.R..
74) Assim, também nesta sede se questiona - à semelhança do que se questionou no alegado sobre o circunstancialismo que envolveu a suposta prática do crime de ofensas à integridade física pelo Recorrente - a razão de ser de o Tribunal a quo não ter tomado em devida consideração tais aspectos na apreciação dos depoimentos dos guardas, quanto ao que alegadamente se passou no interior e à saída do Posto.
75) Deveria, pois, o Tribunal a quo, no mínimo, ter ficado com dúvidas sobre a totalidade dos factos imputados ao Recorrente na acusação, e, em particular, sobre os factos que consubstanciam a alegada prática dos crimes de ofensas à integridade física contra o guarda JR... e de injúria contra o guarda LM...,
76) Na medida em que, quanto a estes guardas, tais factos eram, como já alegado supra, de impossível ou, pelo menos, duvidosa concretização.
77) Negando, contudo, o Recorrente a prática da totalidade dos factos que lhe foram imputados, com excepção da produção da expressão infra referida, não pretendendo com o alegado supra admitir, a contrario, a prática da restante factualidade.
78) O Recorrente tão-somente admitiu ter proferido a expressão que consta da decisão recorrida a págs. 12, depois de passar pelo que passara entre a sua detenção e a sua libertação.
79) Os agentes da G.N.R. que levaram a efeito procedimento relatado pelo Recorrente e pelas testemunhas exclusivamente afectas à defesa, nos termos atrás relatados, não negaram tal procedimento, antes tendo-o confirmado com naturalidade ao Tribunal a quo, como se a forma como trataram o Recorrente fosse perfeitamente curial e admissível.
80) Por esse motivo, não estranhando as testemunhas agentes da G.N.R. que depuseram contra o Recorrente que este pudesse ser arrastado, da maneira como o foi, pelas ruas da W..., pudesse ser colocado na garagem do Posto da G.N.R. da referida localidade durante cerca de duas horas, ao relento e sem agasalho, e que o mencionado Posto estivesse encerrado ao público durante tal evento, impedindo os amigos do Recorrente de presenciar o que se passasse lá dentro, não se pode estranhar também que tais agentes detivessem o Recorrente por este não ter acatado as alegadas ordens de silêncio, tal como defendido na contestação.
81) em sede de apreciação da prova produzida, muitas dúvidas deveriam ficar relativamente à factualidade imputada ao Recorrente, fazendo operar o princípio in dubio pro reo, quer por força dos depoimentos díspares que tiveram lugar na Audiência de Julgamento, quanto às ofensas à integridade física de que se queixou o guarda JR..., quer por força das incongruências nas declarações das testemunhas agentes da G.N.R. quanto às injúrias e ameaças supostamente ocorridas no interior e à saída do Posto da W....
82) Impõem decisão diversa da recorrida, quanto aos Pontos 2, 3, 4, 5, 6, 14 e 17 da matéria de facto provada, os depoimentos, sem limitar, de PS..., GS..., ZX..., RT..., FJ..., JR..., HD..., LM..., BB... e PG..., e, quanto aos Pontos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16 e 17, os depoimentos, sem limitar, de PS..., GS..., RT..., JR..., HD..., LM..., BB..., PG... e CP..., designadamente os reproduzidos nas alegações 44, 45, 51, 53, 57, 58, 59, 67, 68, 74, 75, 76, 77, 85, 86, 87, 101, 102, 103, 108, 109, 110, 112, 114, 123, 126, 138, 153, 159, 160 e 180, supra.
83) Impõem decisão diversa da recorrida, quanto aos Pontos 9, 10 e 11 da matéria de facto não provada, os depoimentos, sem limitar, de PS..., GS..., ZX..., RT... e FJ..., designadamente os reproduzidos nas alegações 67, 68, 74, 75, 76, 77, 85, 86, 87, 102, 103, 108, 109, 110, 112 e 114, supra.
84) Requerendo-se se proceda à reapreciação da prova gravada, dando como não provados os factos considerados como provados sob os pontos 2 a 6 e 8 a 17, e dando como provados os factos considerados não provados sob os pontos 9 a 11, absolvendo o Recorrente da acusação.
85) Por outro lado, em matéria de direito, constata-se que na decisão recorrida, em diferentes partes da motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo não fundamenta suficientemente a valoração que fez da prova produzida pelas testemunhas na Audiência de Julgamento.
86) Com efeito, a págs. 7 da decisão recorrida, o Tribunal a quo alude a partes do depoimento da testemunha JR..., incidentes sobre aspectos essenciais da acusação, de um modo muito genérico, como seja: "( ... ) referindo de que modo e que partes do corpo foram atingidas (...)", ou "Referiu que expressões o arguido proferiu no percurso para o Posto (...)", e ainda "(...) mencionou que expressões o arguido pronunciou à saída do Posto.".
87) Também a págs. 8 da decisão recorrida se faz alusão muito genérica a aspectos essenciais da acusação, em sede do depoimento da testemunha LM..., como seja: "Afirmou que no Posto o arguido proferiu várias expressões dirigidas aos Guardas, referindo quais (...)", ou "(...) referiu que expressões nessa ocasião o arguido dirigiu (...)".
88) Na mesma página, aludindo ao depoimento da testemunha CP..., é referido simplesmente que este "(...) mencionou que expressões o arguido proferiu."
89) Ainda na mesma pagina, aludindo ao depoimento da testemunha HD..., se menciona genericamente que o mesmo disse que "(...) o arguido ficou agitado e proferiu expressões dirigidas ao Cabo JR... (referindo quais) (...)", ou que disse "(...) como e que partes do corpo foram atingidas (...)", e também, já a págs. 9, que referiu "(...) que expressões o arguido proferiu durante o percurso até ao Posto e no interior do Posto (...)".
90) A págs. 9 da decisão recorrida, faz-se também referência, de modo vago, a partes do depoimento da testemunha BB..., versando sobre aspectos essenciais da acusação, como seja: "(...) ao que o arguido proferiu algumas expressões, referindo quais (...)", ou "(...) o arguido continuou a proferir expressões no interior do Posto (referindo quais) ( ... )", e "( ... ) referiu que expressões o arguido proferiu nessa ocasião.".
91) Face às referidas alusões, de forma genérica e sem especificar, aos depoimentos das mencionadas testemunhas, incidindo sobre os factos principais da acusação, a decisão recorrida estará insuficientemente fundamentada, em sede do exame crítico da prova,
92) Violando assim o disposto no artigo 374, n.º 2 do Código de Processo Penal, o que implica a nulidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 379, n.º 1, alínea a) do citado Código
93) Para mais, afigura-se-nos que a decisão recorrida se encontra também insuficientemente fundamentada, especificamente a págs. 19, no que respeita ao invocado no artigo 50 da contestação,
94) Postulando o Tribunal a quo, sem fundamentar, que, contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, existe legitimidade dos Guardas da G.N.R. para apresentar queixa-crime face às expressões de teor ofensivo em causa.
95) Nessa medida, sendo escassa ou nenhuma a fundamentação da sentença, no que a essa questão respeita, a decisão recorrida estará, também por isso, insuficientemente fundamentada, em sede de direito, com os efeitos acima referidos.
96) Noutra sede, o Tribunal a quo deu como provados os pontos 10, 11, 13, 15 e 16 da matéria de facto provada, pelos quais concluiu, de modo genérico e não individualizado, que o Recorrente, em sede de ambos os ilícitos, se dirigiu aos conjuntos de pessoas identificados nos supra referidos pontos,
97) Tendo, a partir de tal factualidade dada como provada, entendido que, por os bens jurídicos acautelados nas respectivas normas incriminadoras constituírem bens jurídicos de natureza pessoal, o Recorrente não poderia ser condenado por um só crime de injúria e por um só crime de ameaça.
98) Contudo, havia, forçosamente, que atentar na situação específica de cada pretenso ofendido, e averiguar se com as expressões contidas na acusação o Recorrente tinha representado e pretendido atingir cada um deles individualmente, ou se apenas alguns, ou porventura todos, só assim se averiguando cabalmente da verificação do elemento subjectivo de cada um dos referidos tipos de crime - o dolo.
99) Tal análise não se extrai da fundamentação da decisão recorrida, desta resultando que, face à natureza pessoal dos bens jurídicos em presença, à prática das condutas dadas como provadas corresponderiam vários crimes, e não um só.
100) Porém, a natureza pessoal dos referidos bens jurídicos implicaria uma análise individualizada das condutas imputadas ao Recorrente na acusação, e não a análise global efectuada pelo Tribunal a quo.
101) Sem prejuízo do entendimento, defendido em sede de contestação, que, em todo o caso, a uma única resolução criminosa corresponderia um só juízo de censura,
102) Dele resultando que, no limite, o Recorrente apenas poderia ter sido condenado por um só crime de injúria e por um só crime de ameaça.
103) Por fim, e quanto à medida das penas, o Tribunal a quo, em face das circunstâncias relativas à sua condição pessoal e económica, condenou o Recorrente em pena que seria, quanto muito, proporcionada à condição pessoal e económica de uma pessoa que auferisse rendimentos do trabalho ou equivalentes, mas já não proporcionada ao circunstancialismo pessoal e económico do Recorrente.
104) Com efeito, o Recorrente é estudante, não auferindo rendimentos por ter deixado de trabalhar para estudar,
105) Assistindo-lhe, ainda, o benefício do apoio judiciário na modalidade mais ampla, por força da sua referida condição pessoal e económica.
106) Razões pelas quais, não logrando o Recorrente obter a sua absolvição, pelos fundamentos atrás aduzidos, se pedirá, subsidiariamente, a redução das duas penas que lhe foram aplicadas para um número de dias de multa fixado a partir do mínimo das respectivas molduras penais, a primeira resultando de um cúmulo de 3 penas de 15 dias de multa à taxa diária de cinco euros pelos crimes de injúria e de 4 penas de 10 dias de multa à taxa diária de cinco euros pelos crimes de ameaça, aplicando-se uma pena única não superior a 60 dias de multa à taxa diária de cinco euros, e a segunda resultando da redução da pena aplicada pelo crime de ofensas à integridade física para o mínimo da respectiva moldura penal, operando-se a sua substituição pela pena de 30 dias de multa à taxa diária de cinco euros.
Deve ser dado provimento ao recurso, reapreciando as matérias de direito e de facto no sentido que defendemos, revogando a Sentença recorrida, e proferindo, em substituição, Acórdão não condenatório do Recorrente.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1-A sentença recorrida não enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada;
2-Não se pode confundir insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada com uma diferente convicção em termos probatórios de uma diversa valoração da prova produzida em audiência;
3-O tribunal “a quo” observou o principio da livre apreciação da prova previsto no art. 127 do CPP;
4-A sentença sub Júdice não violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida na íntegra.
Nesta Relação, a Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Foi apresentada resposta, na qual o arguido pede seja proferido acórdão absolutório com os fundamentos e efeitos constantes da motivação do recurso.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
***
São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
Da discussão da causa resultou provada, com relevância para a decisão, a seguinte matéria de facto:
1. No dia 24 de Fevereiro de 2009, pelas 06.30 horas, o Cabo JR…, o Cabo HD... e os Guardas PG…, LM… e BB…, todos vestindo a farda da GNR, encontravam-se em serviço de policiamento no centro da W... mais concretamente junto à ....
2. A determinada altura o arguido começou a produzir sons com a boca, imitativos do ladrar de um cão.
3. O Cabo JR... abordou o arguido e perguntou-lhe a razão de ser de tal comportamento, dada a existência de anteriores denúncias por barulho no local.
4. Mais lhe referiu que se estivesse com algum problema de saúde seriam accionados os meios de socorro, ao que o arguido logo retorquiu que “O seu problema eram eles Guardas”.
5. Foi o arguido informado que deveria acabar com o ruído.
6. Naquela ocasião, o arguido disse “O que é que queres oh filho da puta, vocês têm a mania que fodem toda a gente?”, e lançou as mãos ao peito do Cabo JR... e empurrou-o e de seguida desferiu-lhe uma bofetada na boca e no nariz.
7. O arguido acabou por ser detido e conduzido ao Posto Policial.
8. Durante o percurso, o arguido, dirigindo-se ao Cabo JR... e ao Cabo HD…, disse “Conheço pessoas importantes, vou complicar-vos a vida”.
9. Já no interior do Posto da GNR e estando presentes os Guardas HD..., LM… e ainda o Guarda CP..., o arguido disse: “Vocês estão todos fodidos, não sabem com quem se estão a meter’’.
10. Posteriormente, o arguido foi colocado numa zona exterior do Posto, tendo ficado acompanhado pelos Guardas LM... e BB..., e dirigindo-se a estes disse que ia buscar uma bomba e rebentava com aquilo tudo.
11. Depois de elaborado o expediente o arguido dirigindo-se aos Guardas JR... e HD...disse que durante a noite deslocava-se ao posto e ali colocava uma bomba e rebentava com tudo.
12. O arguido pediu aos Guardas para esquecerem tudo e não darem conhecimento dos factos ao Tribunal, ao que estes negaram tal pedido, tendo o arguido se recusado a assinar o expediente.
13. De seguida, e quando o arguido ia a sair do Posto dirigindo-se aos Guardas JR..., HD...e LM..., disse-lhes em tom de voz alto:” Seus cabrões, seus filhos da puta”.
14. Ao empurrar e esbofetear o Cabo JR..., o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com a intenção concretizada de lhe causar dores, bem sabendo que aquele era Guarda da GNR e que se encontrava no exercício das respectivas funções.
15. Ao dizer aos Guardas da GNR JR..., HD…, LM... e BB... que colocaria uma bomba no Posto policial e rebentava com tudo, agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, com o intuito de os amedrontar e de prejudicar a sua liberdade de determinação, fazendo-os temer pela integridade física e vida.
16. Ao proferir as expressões “cabrões” e “filhos da puta”, dirigidas aos Guardas JR..., HD...e LM... agiu o arguido com o intuito concretizado de atingir a honra, dignidade e a idoneidade profissional daqueles Guardas, quando estes se encontravam no exercício das suas funções e por causa delas.
17. Sabia o arguido que as suas descritas condutas eras reprováveis e não permitidas por lei.
18. No dia e hora referido em 1. dos factos provados o arguido encontrava-se juntamente com os amigos a festejar o Carnaval, após o corso nocturno que tinha decorrido na localidade da W....
19. Nessa ocasião o arguido encontrava-se fantasiado de uma personagem do filme Academia de Polícia que emite alguns ruídos característicos.
20. O arguido foi condenado por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Alcobaça em 13/03/2002, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do CP, praticado em 19/08/2001, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 7,00, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses.
21. O arguido é estudante, frequenta o curso de Energia e Ambiente no Instituto Politécnico de ....
22. Vive com os pais, não tem filhos.
23. O arguido é considerado como pessoa trabalhadora, calma, pacata, afável e sociável.
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:
Com interesse para a decisão da causa não se provaram os seguintes factos:
1. Durante o percurso para o Posto, o arguido, dirigindo-se ao Cabo JR... e ao Cabo HD…, disse “Fodo-vos a todos”.
2. Durante o percurso para o Posto, o arguido, dirigindo-se aos Guardas PG..., LM... e BB... disse: “Vocês não me conhecem, eu sou amigo de pessoas importantes, vou complicar-vos a vida”.
3. Já no interior do Posto da GNR e estando presentes os Guardas JR..., HD…, PG..., LM... e BB..., e ainda o Guarda CP..., o arguido disse: “Parto-vos ao meio’’.
4. Que os Guardas JR... e PG... estavam presente aquando dos factos referidos no ponto 9. dos factos provados.
5. Que o arguido dirigiu-se aos Guardas CP... e PG... referindo a expressão que consta do ponto 11. dos factos provados.
6. Quando o arguido ia a sair do Posto dirigiu-se aos Guardas CP... e BB... e disse-lhes em tom de voz alto:” Seus cabrões, seus filhos da puta”.
7. Ao dizer aos Guardas da GNR PG... e CP... que colocaria uma bomba no Posto policial e rebentava com tudo, agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, com o intuito de os amedrontar e de prejudicar a sua liberdade de determinação, fazendo-os temer pela integridade física e vida.
8. Ao proferir as expressões “cabrões” e “filhos da puta”, dirigidas aos Guardas CP... e BB... agiu o arguido com o intuito concretizado de atingir a honra, dignidade e a idoneidade profissional daqueles Guardas, quando estes se encontravam no exercício das suas funções e por causa delas.
9. No momento em que foi abordado pelos Guardas o arguido encontrava-se a produzir sons imitativos da personagem do filme Academia de Polícia na brincadeira com a testemunha GS…, não os dirigindo aos elementos da GNR.
10. Os Guardas da GNR sentindo-se desautorizados detiveram o arguido sem mais delongas, por este não acatar as suas ordens de silêncio.
11. O arguido não praticou qualquer agressão, apenas reagiu a título de manifestação de repúdio pela actuação ilegal dos elementos da GNR.
2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente:
a) Nas declarações do arguido que esclareceu o tribunal acerca das suas condições pessoais, referiu ainda que no dia em causa nos autos encontrava-se a celebrar o Carnaval com os amigos, e encontrava-se fantasiado de uma personagem do filme Academia de Polícia, referindo quais as características dessa personagem.
Mencionou que foi alvo de intervenção policial e foi conduzido ao Posto policial, e que esteve a aguardar por um período de tempo numa zona exterior do Posto, e depois de lhe terem retirado as algemas disse aos Guardas “Vocês estão todos fodidos”.
Mais referiu que recusou-se a assinar o expediente elaborado pelos Guardas.
b) No depoimento da testemunha JR…, Cabo da GNR no Destacamento de Intervenção de ..., referiu quando, onde e a que hora ocorreram os factos, que encontrava-se no local juntamente com os demais elementos da Patrulha, identificando-os, pois tratava-se de noite de Carnaval e estavam em patrulhamento, referindo também em que local se encontrava o arguido.
Mencionou que o arguido começou e emitir sons, imitando o ladrar de um cão, e face ao barulho que se fazia sentir e tendo havido denúncias, abordou o arguido para saber se tinha algum problema, se era necessário accionar os meios de socorro, ao que o arguido referiu que o problema dele era eles Guardas.
Mencionou que advertiu novamente o arguido quanto ao barulho, e de imediato o arguido disse-lhe “O que é que queres oh filho da puta, vocês têm a mania que fodem toda a gente”, e de seguida empurrou-o e agrediu-o, referindo de que modo e que partes do corpo foram atingidas e nessa sequência procedeu à sua detenção com o auxílio do Cabo e conduziu o arguido ao Posto, com o Cabo HD..., sendo que os demais elementos da patrulha , acompanharam-nos a alguma distância para impedir que os demais populares interviessem.
Referiu ainda que expressões o arguido proferiu no percurso para o Posto e que no Posto apenas esteve presente quando o arguido se recusou a assinar o expediente e pediu para que não participassem os factos, mencionou que expressões o arguido pronunciou à saída do Posto.
b) No depoimento da testemunha LM..., militar da GNR a prestar serviço no Destacamento de Intervenção de ..., referiu que os factos ocorreram na época de Carnaval em Fevereiro de 2009, na W..., o arguido estava fantasiado e encontrava-se no acesso à entrada de um prédio e estava a fazer barulho, imitando o ladrar de um cão, e a olhar para a patrulha, o Cabo JR... abordou o arguido por causa do barulho, pois já tinham ocorrido denúncias, havia muita gente na rua, e quando a testemunha se aproximou do arguido os Cabos JR... e HD...já estavam a proceder à sua detenção.
Referiu que na condução do arguido para o Posto a testemunha e os Guardas G... e BB... fizeram um cordão de segurança para controlar os populares, e nessa altura não ouviu as expressões que o arguido proferiu, encontrava-se afastado do arguido e dos Cabos JR...e H....
Afirmou que no Posto o arguido proferiu várias expressões dirigidas aos Guardas, referindo quais, encontrava-se exaltado, e como estavam outros utentes no interior do Posto o arguido foi encaminhado para uma zona exterior do Posto, tendo sido acompanhado pela testemunha e pelo Guarda BB..., referiu que expressões nessa ocasião o arguido dirigiu à testemunha e ao Guarda BB..., mencionou ainda as expressões que o arguido proferiu quando foi libertado (“cabrões e filhos da puta”).
c) No depoimento da testemunha CP..., Cabo da GNR no Posto da W..., referiu que estava de serviço no Posto da W..., no atendimento ao público, na época do Carnaval do ano de 2009, quando chegaram os colegas, acompanhados pelo arguido, este estava exaltado e mencionou que expressões o arguido proferiu.
Afirmou que não esteve a vigiar o arguido, e que as expressões que o arguido proferiu não foram dirigidas a si, apenas ouviu por estar naquele local no atendimento ao público.
d) No depoimento da testemunha HD..., cabo da GNR no Destacamento de Intervenção de ..., mencionou quando, onde e a que horas ocorreram os factos, que ocasião festiva estava a ser celebrada, que elementos faziam parte da patrulha. O arguido encontrava-se no local junto da entrada de um prédio, acompanhado de outros indivíduos e começou a produzir sons que imitavam o ladrar de um cão, direccionado para a Patrulha.
Mencionou que nessa sequência o Cabo JR... abordou o arguido (a testemunha acompanhou-o), perguntando-lhe se estava a sentir-se bem, e se era necessário chamar a emergência médica, o arguido ficou agitado e proferiu expressões dirigidas ao Cabo JR... (referindo quais), empurrou-o e agrediu-o, disse como e que partes do corpo foram atingidas, e que após tais factos o Cabo JR... e a testemunha manietaram o arguido e conduziram-no ao Posto policial.
A testemunha referiu que expressões o arguido proferiu durante o percurso até ao Posto e no interior do Posto, antes e depois de elaborado o expediente.
e) No depoimento da testemunha PG..., GNR no Destacamento de Intervenção de ..., referiu que os factos ocorreram no Carnaval do ano passado na W..., e que elementos integravam a patrulha nesse dia, que o arguido encontrava-se no local e começou e produzir sons que imitavam o ladrar de um cão, e o Cabo JR... abordou o arguido, não tendo assistido ao que se passou posteriormente entre o Cabo JR... e o arguido.
Referiu que os Guardas LM... e BB... e a testemunha fizeram um cordão de segurança quando o arguido foi conduzido ao Posto, não tendo ouvido as expressões que o arguido proferiu nessa altura.
f) No depoimento da testemunha BB..., militar da GNR no Destacamento de Intervenção de ..., referiu onde, quando, a que hora e em que ocasião ocorreram os factos. Mencionou que o arguido encontrava-se perto da patrulha e numa atitude provocatória, em direcção à patrulha, começou a produzir sons imitando o ladrar de um cão.
Nessa sequência o Comandante da força, o cabo JR..., dirigiu-se ao arguido perguntando-lhe se estava bem, ao que o arguido proferiu algumas expressões, referindo quais, e viu o arguido empurrar o Cabo, tendo acabado por ser detido e conduzido ao Posto, sendo que a testemunha e os militares LM... e PG... fizeram o cordão de segurança no percurso para o Posto, e o arguido foi acompanhado pelos Cabos JR... e HD....
Mencionou que no Posto encontravam-se outros utentes, o arguido continuou a proferir expressões no interior do Posto (referindo quais), e foi encaminhado para uma zona exterior do Posto, onde ficou acompanhado da testemunha e do Guarda LM..., referiu que expressões o arguido proferiu nessa ocasião.
Mencionou ainda que posteriormente o arguido foi novamente encaminhado para o interior do Posto e a partir desse momento já não assistiu aos factos, nomeadamente quando o arguido saiu do Posto.
g) No depoimento da testemunha AL..., referiu conhecer o arguido há cerca de 20 anos, que estava no local no dia dos factos, a cerca de 5/6 metros do arguido, era dia de Carnaval, no local encontrava-se muita gente, e apenas viu o arguido com os elementos da GNR detido, não se tendo deslocado ao Posto, naquele momento encontrava-se a desmontar as barreiras de segurança.
h) No depoimento das testemunhas TC…, a primeira, prima do arguido, e o segundo, amigo do arguido desde a infância, esclareceram o tribunal acerca da personalidade do arguido.
i) No depoimento da testemunha GS..., amigo do arguido, referiu que esteve no local no dia dos factos, encontrava-se juntamente com o arguido e que nesse dia ambos estavam fantasiados, e de quê, e que o arguido foi detido pelos militares da GNR e conduzido ao Posto.
j) No depoimento da testemunha PS…, referiu ser amigo do arguido há cerca de 20 anos, estava presente no dia dos factos, e que o arguido foi detido pelos militares da GNR e conduzido ao Posto.
l) No depoimento da testemunha ZX..., amigo do arguido há cerca de 4 anos, referiu que no dia dos factos estava a trabalhar num Bar, saiu à rua para fumar um cigarro, o arguido estava com alguns amigos do outro lado da rua e viu os elementos da GNR a deter o arguido e a ser conduzido para o Posto, desconhecendo porque motivo tal aconteceu.
m) No depoimento da testemunha RT..., amiga do arguido, referiu que no dia dos factos encontrava-se com o arguido e outros amigos, celebrando o Carnaval, quando os bares fecharam juntaram-se junto a uma entrada de um prédio com intuito de se deslocarem para outra festa, estavam fantasiados, havia gente na rua, o seu amigo GS...atirou os sapatos que trazia calçados e a testemunha atravessou a rua para os ir buscar e quando regressou os militares da GNR já estavam a proceder à detenção do arguido, desconhecendo porque motivo tal aconteceu.
n) No depoimento da testemunha FJ..., amigo do arguido, referiu que no dia em causa nos autos saiu de um café e viu o arguido e dois amigos e foi cumprimentá-los, e apareceram elementos da GNR, nesse momento voltou-se porque a sua mulher chamou-o, e quando olhou para trás viu elementos da GNR a proceder à detenção do arguido, não tendo ouvido qualquer conversa e que no local encontravam-se centenas de pessoas a fazer barulho.
Referiu ainda que o arguido é pessoa calma.
o) No depoimento da testemunha BR..., referiu ser amigo do arguido, conhecendo-o desde criança, e que no dia dos factos viu o arguido detido e a ser conduzido ao Posto, referiu ainda que o arguido é pessoa trabalhadora.
*
As testemunhas JR..., HD..., LM..., BB... e PG... relataram os factos que presenciaram e de que foram vítimas no âmbito das suas funções, ocorridos na W... quando se encontravam em patrulhamento, no percurso para o Posto da W..., no interior do Posto e na zona exterior do mesmo. A testemunha CP... relatou os factos que presenciou no interior do Posto quando estava no exercício das suas funções. Os seus depoimentos mereceram a credibilidade do tribunal, foram isentos, espontâneos, e no essencial foram coincidentes entre si, o tribunal não teve razões para deles duvidar.
Não obstante alguns dos militares terem referido que o arguido foi algemado no local e outros que apenas foi algemado no Posto, e que algumas das demais testemunhas referiram que o arguido foi algemado no local, antes de ser conduzido ao Posto, tal não põe em causa a credibilidade que os seus depoimentos mereceram ao tribunal, na verdade, não podemos ignorar o lapso de tempo já decorrido, e que por força das suas funções os Guardas, desde então, terão tido intervenção em diversas ocorrências, sendo provável que neste momento não saibam precisar se o arguido foi ou não algemado no local.
Tal questão não é contudo essencial para o apuramento dos factos em causa nos presentes autos, pois dos depoimentos das testemunhas resultou evidente que o arguido foi detido antes de ser conduzido ao Posto, se foi algemado no local da detenção ou posteriormente no interior do Posto, é indiferente para os factos em discussão.
No que concerne às demais testemunhas que se encontravam no local, as testemunhas AL..., ZX..., RT..., FJ..., BR..., depuseram sobre os factos a que assistiram, tendo nessa medida, e na parte supra referida, merecido a credibilidade do tribunal.
As testemunhas GS... e PS… mereceram a credibilidade do tribunal quanto aos factos supra referidos, pois coincidentes com os depoimentos das demais testemunhas.
As testemunhas FJ..., BR..., TC... e esclareceram o tribunal acerca de alguns aspectos da personalidade do arguido, tendo merecido credibilidade ao tribunal, pois demonstraram conhecimento sobre esses factos por força das relações familiar e de amizade mantidas com o arguido.
As declarações do arguido quanto às suas condições pessoais mereceram credibilidade ao tribunal, que não teve razões para dele duvidar, sendo que algumas das testemunhas que depuseram sobre a personalidade do arguido, referiram que o arguido é estudante.
Por outro lado, o arguido admitiu que foi alvo de intervenção policial, foi detido e conduzido ao Posto e no interior do Posto da GNR quando se deslocava para a saída, disse aos Guardas “Vocês estão todos fodidos”.
Quanto a esta parte as suas declarações mereceram a credibilidade do tribunal, o mesmo não sucedendo quanto às demais declarações por si proferidas.
Vejamos, o arguido referiu que não agrediu ninguém, e que não estava a imitar o ladrar de um cão, estava apenas a fazer os ruídos característicos da personagem que representava, mais referiu que os Guardas nada lhe disseram e chegaram junto de si, algemaram-no e levaram-no para o Posto, negou que tenha proferido quaisquer expressões dirigidas aos Guardas, à excepção da já mencionada.
Negou que tenha dito que iria colocar uma bomba no Posto e que as pessoas que se encontravam no exterior do Posto é que proferiram essa expressão quando o arguido ia a sair, contudo não soube identificar quem o fez.
Ora, perante os depoimentos dos Guardas, já supra referidos, que coincidiram entre si no que concerne ao motivo que levou à abordagem do arguido, tendo referido que o arguido encontrava-se a produzir sons imitando o ladrar de um cão e não qualquer outro, tendo os Guardas JR... e HD...referido as expressões que o arguido proferiu e agressões perpetradas no Guarda JR..., dúvidas não restaram ao tribunal que o arguido agiu como supra descrito.
Ademais, não é verosímil que os militares da GNR, que se encontravam em patrulhamento, no exercício das suas funções, tenham abordado o arguido sem qualquer motivo, nada lhe dizendo e procedendo à sua detenção de imediato.
Por outro lado, os depoimentos das testemunhas GS..., PS..., ZX..., RT..., AL... e FJ..., não infirmam a convicção do tribunal acerca dos factos, nem abalam os depoimentos dos Guardas da GNR.
A testemunha GS... referiu que estava mascarado de Elvis Presley e que estava a cantar e a dançar imitando aquele cantor, e que o arguido também estava a cantar, os agentes aproximaram-se e quando olhou os elementos da GNR já estavam a segurar o arguido, mais referiu que se encontravam dezenas de pessoas na rua e que havia muito barulho, afirmando que não ouviu o arguido proferir qualquer expressão dirigida aos polícias.
Este depoimento não infirma os depoimentos dos agentes da GNR, na verdade, segundo relatou a testemunha havia muito barulho na rua e estava a dançar, a cantar e a divertir-se, ora, se assim foi é plausível que não estivesse a prestar total atenção ao que o arguido estava a fazer, pois a testemunha não estava ali para controlar ou vigiar o arguido. A testemunha não referiu que esteve sempre a olhar para o arguido, começou até por dizer que estavam a cantar e quando olhou o arguido estava a ser detido, tendo descrito como é que os elementos da GNR procederam à detenção.
O Tribunal ficou convicto que a testemunha efectivamente estava a divertir-se e não viu o que se passou entre o arguido e os elementos da GNR até à detenção.
Por outro lado, a testemunha PS..., ao contrário da testemunha GS...que referiu que o arguido estava a cantar, disse que o arguido estava a “guinchar”, e de repente olhou para o lado e apareceu um Guarda que encostou a testemunha à parede e dois Guardas agarram no arguido e colocam-lhe algemas e levaram-no para o Posto.
Mais uma vez, é convicção do tribunal que esta testemunha, por força das circunstâncias, não se apercebeu do que se passou entre os Guardas e o arguido até à detenção, pois como referiu estavam todos fantasiados e havia muito barulho na rua, do seu depoimento não resultou que teve todo o tempo a controlar os movimentou ou palavras do arguido, o que nem seria verosímil, atenta a ocasião festiva em causa.
Mais referiu que deslocou-se ao Posto mas ficou no exterior, não assistiu a nada do que se passou no seu interior. Por outro lado, mencionou que no percurso para o Posto não ouviu o arguido proferir qualquer expressão, mas encontrava-se a cerca de 30m de distância do arguido.
A testemunha ZX... assistiu à detenção do arguido, mas encontrava-se do outro lado da rua, referindo desconhecer o que motivou a detenção, afirmou que no local estavam cerca de 200 pessoas, estavam a falar, rir, na algazarra, típico de uma noite de Carnaval.
Ora, resulta evidente que esta testemunha não esteve junto do arguido, pelo que, não observou o que se passou entre o arguido e os militares da GNR até à detenção.
A testemunha RT... disse que esteve junto do arguido e referiu que este estava a fazer ruídos imitando uma personagem de um filme, estavam a conversar e a rir, havia muita gente na rua, e por momentos ausentou-se para ir buscar os sapatos que a testemunha GS...havia atirado e quando regressou os militares da GNR estavam a abordar o arguido e este já se encontrava virado contra a parede.
Não obstante tal facto, o tribunal não teve dúvidas de que em algum momento que antecedeu a abordagem da GNR, o arguido proferiu sons imitativos do ladrar de um cão, facto de que esta testemunha não se terá apercebido, sendo tal plausível tendo em conta a ocasião festiva em que se encontravam e que se ausentou por momentos.
Esta testemunha não esteve sempre junto do arguido, sendo evidente que não assistiu aos factos, nomeadamente à abordagem dos militares da GNR ao arguido antes da detenção, pois referiu desconhecer o que despoletou a situação.
A testemunha FJ...referiu que foi cumprimentar o arguido e amigos, os elementos da GNR apareceram, virou-se e quando olhou para trás viu os agentes a tentar algemar o arguido, mais uma vez, esta testemunha não assistiu à abordagem dos militares da GNR ao arguido e que antecedeu a detenção.
A testemunha AL... não assistiu aos factos que ocorreram antes da detenção, apenas viu o arguido detido, o mesmo sucedendo com a testemunha BR... que apenas viu o arguido a ser encaminhado para o Posto, não tendo assistido aos factos que ocorreram anteriormente.
Acresce que, nenhuma das referidas testemunhas assistiu aos factos que ocorreram no interior do Posto e na zona exterior do mesmo. Por outro lado, e contrariando a versão do arguido, nenhuma das testemunhas que se deslocou ao Posto referiu que no seu exterior alguém terá dito que colocaria uma bomba no Posto.
Em suma, os depoimentos das supra referidas testemunhas não infirmou de algum modo os depoimentos dos Guardas da GNR e a convicção que o tribunal formou acerca dos factos e da sua autoria por parte do arguido.
Dúvidas não teve o tribunal que o arguido praticou os factos supra descritos, agindo com intenção de atingir o corpo do Cabo JR...e de lhe causar dores, sendo que as agressões perpetradas são adequadas a provocar dores, de atingir a honra e consideração dos Guardas da GNR e de os amedrontar e de prejudicar a sua liberdade de determinação.
o) No auto de notícia de fls. 2 e 3 quanto ao dia, hora e local dos factos.
p) No que toca aos antecedentes criminais o tribunal teve em consideração o certificado de registo criminal de fls. 194 e 195.
Perante tudo o exposto, à luz das regras do senso comum e da experiência, e fazendo a análise crítica da prova produzida, e em obediência ao disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, resultou a convicção do tribunal expressa na matéria de facto acima exposta, não podendo o Tribunal valorar a prova produzida de forma diferente.

2.3.2. Quanto aos factos não provados:
Os factos não provados resultaram da ausência de prova em relação aos mesmos produzida.
Acresce que, não resultou dos depoimentos dos militares da GNR que o arguido durante percurso para o Posto tenha proferido expressões dirigidas aos militares que faziam o cordão de segurança, nenhum destes militares ouviu qualquer expressão (Guardas BB..., LM... e G...), sendo convicção do tribunal que o arguido apenas se dirigiu aos militares JR...e HD...que o conduziam ao Posto.
Por outro lado, a testemunha JR... referiu que no interior do Posto apenas presenciou os factos após elaboração do expediente, logo as expressões proferidas pelo arguido antes desse momento não forma dirigidas a esta testemunha.
Também não resultou da prova produzida que o arguido em algum momento se tenha dirigido ao Guarda P..., pois este encontrava-se no Posto no local de atendimento ao público, e não teve qualquer intervenção nos factos relativos ao arguido, não resultando que o arguido tivesse intenção de lhe dirigir quaisquer das expressões por si proferidas.
Por seu lado, o Guarda BB... referiu que não estava presente quando o arguido regressou ao interior do Posto após a elaboração do expediente, logo não pode o arguido se ter dirigido àquele quando se encaminhava para a saída do Posto.
O Guarda PG... referiu que não assistiu aos factos ocorridos no interior do Posto.
***
Conhecendo:
Analisemos as questões suscitadas:
- Tem, o recorrente, como incorrectamente julgada a matéria dos pontos 2 a 6 e 8 a 17 da matéria de facto provada, factos que entende deverem ser julgados não provados.
- Na motivação todas as testemunhas mereceram credibilidade, pelo que ao não considerar o depoimento de algumas se verifica falta de análise critica da prova.
- As contradições dos depoimentos das testemunhas deveriam fazer concluir pela dúvida e aplicação do princípio in dúbio pró reo.
- A uma só resolução criminosa corresponderia um só juízo de censura, pelo que o arguido só poderia ser condenado por um só crime de injúria e um só crime de ameaça.
- As penas aplicadas são desproporcionadas, por exageradas, à situação económica e pessoal do arguido.
+++
Matéria de facto, incorrecta apreciação da prova:
Alega-se o erro na análise da prova, no sentido de mal apreciada a prova produzida.
De acordo com o preceituado no artigo 124º, nº1 do Código de Processo Penal, “constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”.
Neste artigo, onde se define qual o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da responsabilidade civil conexa.
A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais, é afloramento do princípio da demanda da verdade material, que continua a dominar o processo penal (cfr. Conselheiro Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 12ª ed., págs. 331).
O tribunal tem de decidir, após apreciação da prova nos termos do disposto no art. 127 do CPP, e só em caso de dúvida decide em benefício do arguido.
Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
É o chamado princípio da livre apreciação da prova, cujo tem duas vertentes. Na sua vertente negativa, significa que, na apreciação (valoração, graduação) da prova, a entidade decisória não deve obediência a quaisquer cânones legalmente preestabelecidos. Tem o poder-dever de alcançar a prova dos factos e de valorá-la livremente, não existindo qualquer pré-fixada tabela hierárquica elaborada pelo legislador. Do lado positivo, significa que os factos são dados como provados, ou não, de acordo com a íntima convicção que a entidade decisória gerar em face do material probatório validamente constante do processo, quer ele provenha da acusação, quer da defesa, quer da iniciativa do próprio" (Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2000, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51).
Segundo os ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” (Direito Processual Penal, vol. II, pág. 111). Também, o S.T.J., em acórdão datado de 13 de Fevereiro de 1992, referiu que “a sentença deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Col. Jur. ano XVII, tomo I, pág. 36). Por sua vez, o Tribunal Constitucional, acórdão n.º 464/97/T se pronunciou por não julgar inconstitucional a norma do artigo 127º do Código de Processo Penal. Neste acórdão, após ter-se chamado à colação os ensinamentos dos Profs. Castanheiro Neves e Figueiredo Dias, escreve-se que “esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjectivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso «mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais (Kriele), pois que só assim a obtenção do direito do caso está «apta para o consenso». A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça” (D.R. n.º 9/98 de 12 de Janeiro de 1998, II Série, pág. 499).
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto e o recurso não serve para um novo julgamento.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, concretizando os pontos que considera incorrectamente julgados, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma.
A prova é valorada, tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127°do C. P. Penal.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
Nos termos do prescrito no artigo 374º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o Tribunal deve na sentença indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.
Conforme refere Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.
Do exposto se pode concluir:
Que não basta, como pretende o recorrente, apanhar depoimentos isolados e apenas valorar estes, descurando toda a demais prova produzida.
Aliás, o recorrente não indica qualquer depoimento que contrarie frontalmente a matéria de facto apurada.
Nem se verifica a alegada contradição entre os depoimentos das testemunhas comuns à acusação e defesa, nem se vislumbra em que consiste a incongruência, nos alegados “depoimentos incongruentes”.
Perante os depoimentos dos ofendidos, que relataram os factos pormenorizadamente, indicando como ocorreram os factos e dos quais tinham conhecimento, o julgador só podia concluir como o fez, convencendo-se da prática dos factos pelo arguido.
Na parte em que tais depoimentos não foram convincentes, ou as testemunhas disseram deles não ter conhecimento, ou não poder ter tido conhecimento, esses foram dados como não provados.
É certo que dada a quadra do ano que se comemorava, poderia haver alguma tolerância por parte da autoridade, por se tratar do Carnaval.
Havia bastante gente na rua e era bastante o barulho que faziam.
Só resta saber se foram ultrapassados esses limites de tolerância.
E, o arguido foi detido não pelo barulho que fazia ou do modo como o fazia, mas pela reacção imprópria que teve, quando foi chamado à atenção pelos agentes da autoridade.
Na sentença recorrida, na fundamentação e motivação da matéria de facto (supra transcrita) se justifica o motivo pelo qual se deram como provados os factos, há depoimentos claros, prestados de forma convincente e que apontam para a ocorrência dos factos e sua prática pelo arguido.
E, como salienta o Ac. desta Relação, de 6-3-2002, in Col. Jurisp. tomo II, pág. 44, “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”. O que não é o caso.
O recorrente indica os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados mas, face às regras da experiência, não há motivo para não os considerar, o alegado pelo recorrente não impõe decisão diversa.
Do exposto se conclui da sem razão do recorrente ao alegar na motivação e conclusões do recurso que os crimes foram atribuídos sem prova, ou com prova duvidosa.
Na sentença recorrida, e fazendo a analise crítica de toda a prova produzida em audiência se diz o motivo porque se atendeu, e em que medida, aos depoimentos prestados.
Na sentença recorrida, foram observados os princípios a que deve obedecer a apreciação e valoração da prova, e o Tribunal que procedeu ao julgamento não extravasou nenhum desses princípios.
O recorrente interpreta a prova existente de modo não coincidente com a interpretação do Tribunal, mas a interpretação da prova produzida e a apreciação de tal prova compete ao tribunal.
Assim, sem violação de normas ou princípios penais, na sentença recorrida, só podia concluir-se como se concluiu em relação à matéria de facto provada.
Na decisão recorrida foi feito um correcto enquadramento juridico-penal da factualidade apurada, cargo que, na vertente da livre apreciação da prova, está vedado aos intervenientes processuais, sendo incumbência exclusiva do julgador - art. 127° CPP.
Não se verifica, pois a falta de prova para a atribuição dos factos e a sua prática pelo arguido (não há errada apreciação da prova), nem sequer sendo necessário lançar mão do princípio in dúbio pro reo.
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
O princípio in dubio pro reo, traduz o correspectivo do princípio da culpa em direito penal, ou "a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como axiológíco-normatívo da pena " - Vital Moreira e Gomes Canotilho in Constituição da República Portuguesa, anotada.
"0 principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido " - Figueiredo Dias in D. to Processual Penal, 1974, 211.
"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus " - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.
No que aos factos desfavoráveis ao arguido tange, (situação alegada) a dúvida insanável deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.
Aliás, o S. T.J já teve oportunidade de esclarecer que (..) "Não é exigível, de resto, que sendo a verdade processual irremediavelmente distinta da verdade absoluta, pois não passa de uma verdade prático-jurídica, considerem provados os factos duvidosos favoráveis ao arguido ou se arrolem os mesmos para, na perspectiva de um "ónus de prova material", sobre eles se decidir "em desfavor da acusação" cfr. Ac. STJ in BMJ 409°-628.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação, tudo ponderado resulta com segurança a factualidade assente.
Na fundamentação da matéria de facto se diz: “Dúvidas não teve o tribunal que o arguido praticou os factos supra descritos, agindo com intenção de atingir o corpo do Cabo JR...e de lhe causar dores, sendo que as agressões perpetradas são adequadas a provocar dores, de atingir a honra e consideração dos Guardas da GNR e de os amedrontar e de prejudicar a sua liberdade de determinação”.
Donde resulta a inexistência de dúvida, sendo que quando inexistiu prova ou resultou a dúvida o julgador teve esses factos como não provados.
O que, diferentemente, pretende o recorrente é que o tribunal deveria ter valorado as provas à sua maneira, substituindo-se ele-recorrente ao julgador, mas tal incumbência é apenas, porém, deste - art. 127° CPP.
A recorrente limita-se a discordar da forma como o tribunal recorrido terá apreciado a prova produzida, porque atendeu a pormenores que o convenceram e daí tirou as necessárias ilações, enquanto para a recorrente resultaram em não convencimento.
Análise crítica da prova:
A redacção actual do art. 374 nº 2 é clara ao indicar que na motivação se deve indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e fazer exame crítico das mesmas.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo –Ac. do STJ de 12-04-2000.
Quando há versões diferentes, mesmo que substancialmente divergentes, não se pode aceitar uma e afastar outra, sem qualquer explicação plausível e coerente o que, inexistindo, constitui violação do estatuído no art. 374 nº 2 do CPP “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, convicção positiva ou negativa.
Haverá, sempre, que ser justificada a aceitação de um depoimento em detrimento de outro.
Mas essa situação não ocorre no caso em apreço. Como se refere na motivação, “os depoimentos das supra referidas testemunhas não infirmou de algum modo os depoimentos dos Guardas da GNR e a convicção que o tribunal formou acerca dos factos e da sua autoria por parte do arguido”.
Como refere o Ac. do STJ de 30-01-2002, proc. 3063/01- 3ª, SASTJ, nº 57, 69, “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção” (sublinhado nosso).
Na sentença recorrida indica-se, o teor e sentido dos depoimentos prestados, de forma fundamentada e com a análise crítica das provas.
Por isso, que a matéria dada como apurada, resulta da conjugação de toda a prova, nomeadamente os depoimentos, que interpretados segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador –art. 127 do CPP- mereceram credibilidade ao tribunal.
Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um merece e as inferências daí resultantes, partiu para a operação intelectual de formação da convicção, resultando a prova dos factos.
Assim, temos que não se verifica qualquer erro, e a convicção do julgador tem suporte nos depoimentos.
Crime único:
Alega o recorrente que a uma só resolução criminosa corresponderia um só juízo de censura, pelo que o arguido só poderia ser condenado por um só crime de injúria e um só crime de ameaça e não três crimes de injuria e quatro de ameaça.
Na sentença recorrida se entendeu terem sido cometidos tantos crimes quantas as pessoas ofendidas, porque “sendo os bens jurídicos protegidos com a referida incriminação bens jurídicos pessoais, o arguido ao dirigir-se a cada um dos referidos guardas cometeu o crime de injuria agravada por cada um dos militares a quem se dirigiu e não apenas um crime de injuria, como pugna o arguido em sede de contestação”, tendo igual entendimento relativamente ao crime de ameaças.
Não tem razão o recorrente, pois que inexistiu uma única resolução criminosa, mas mais que uma, repetindo-se sempre que o arguido injuriava ou ameaçava uma vez mais.
E, “nos crimes que tutelam bens jurídicos eminentemente pessoais está excluído o crime continuado por falta de identidade de bens jurídicos, se as diferentes acções se dirigem contra diversos titulares de bens jurídicos” – Ac. do STJ de 19-04-2006, in Col. Jurisp. tomo II, pág. 168.
Em caso de bens jurídicos eminentemente pessoais, a ofensa (o injusto de acção, de resultado e a culpa) dirige-se a cada acto concreto que afecte o bem jurídico individualizado na pessoa de cada titular.
Pela pluralidade de afectação dos bens jurídicos inerentes a cada vítima, como pela diversidade de actuação – sequencial, com renovação e autonomia de dolo – os factos provados integram, tal como vem decidido, uma pluralidade de acções completas, a qualificar como concurso real: número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente – art. 30 nº 1 do CP.
Assim entendia a jurisprudência, antes das alterações ao art. 30 do CP, com a introdução do nº 3 na revisão de 2007 e posterior em 2010, pelo art. 4 da L. 40/2010, com a seguinte redacção : ”o disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.
Assim, que também nesta parte improcede o recurso.
Medida das penas:
Entende o recorrente serem as penas aplicadas desproporcionadas, por exageradas, tendo em conta a sua situação económica e pessoal.
No caso concreto, a cada crime de injuria agravada corresponde a moldura penal de prisão até 3 meses ou multa até 120 dias, elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo.
A cada crime de ameaças a pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
Ao crime de ofensa à integridade física qualificada, a pena de prisão até 4 anos.
Na sentença se lançou mão dos critérios legais de escolha e determinação da medida da pena, nomeadamente o art. 70, optando-se por aplicação de pena não detentiva, art. 40 nº 1 e 2, fins das penas, protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente, sem ultrapassar os limites da culpa e, art. 71, circunstâncias favoráveis ou contra o agente.
E, na taxa diária da pena de multa, aplicou-se a taxa mínima prevista no art. 47 nº 2 do CP, 5,00€.
O tribunal recorrido aplicou as penas de 75 dias de multa por cada um dos três crimes de injuria agravada e 100 dias de multa por cada um dos quatro crimes de ameaças e 90 dias de prisão pelo crime de ofensa física agravada, esta substituída por igual tempo de multa à mesma taxa de 5,00€.
Na sentença recorrida, como já se disse, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida de cada uma das penas.
Na aplicação da medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Extrai-se que a medida concreta da pena tem como parâmetros: a) a culpa, cuja função é a de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; b) a prevenção geral (de integração), à qual cabe a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; c) a prevenção especial, à qual caberá a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
Visando-se, com a aplicação das penas, a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal.
No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (as pessoas são ciosas dos seus bens e valores, património) e satisfazer as exigências de protecção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).
Como se extrai do acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção: «Sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa - “nulla poena sine culpa” - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem a virtualidade para determinar o limite mínimo. Este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda realiza eficazmente aquela protecção.
Se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que, dentro da moldura legal, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (moldura de prevenção) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da reintegração social».
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
A este respeito, ensina o Prof. Figueiredo Dias que culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto enquanto a culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Tendo em conta estes considerandos, importa referir que as exigências de prevenção neste tipo de situações demandam necessidade de punição.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
A pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Tendo em conta os vectores apontados, tendo em conta a moldura penal, de cada um dos crimes imputados ao arguido, temos como correcta e em nada exagerada cada uma das penas em concreto encontradas.
Na sentença foi tido em conta:
“Para avaliar da medida da pena no caso concreto há que indagar factores que se prendam com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.
Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau de ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.
Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou os motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.
No que concerne ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta lícita e a consideração do comportamento anterior e posterior ao crime.
Assim, neste caso, e como factores de graduação da pena importa considerar, a favor do arguido, o grau de ilicitude do facto, que no caso é médio, atendendo às circunstâncias em que os factos foram cometidos, na época festiva do Carnaval, o arguido encontra-se familiar e socialmente inserido, a sua condição económica e social, o facto de apenas ter um antecedente criminal por factos praticados no ano de 2001, e de natureza diversa dos aqui em causa.
Contra o arguido depõe o dolo directo com que agiu e o facto de o arguido não ter demonstrado qualquer arrependimento ou juízo de autocensura pelos factos cometidos”.
Do exposto resulta que foram correctamente observados todos os critérios legais que conduzem à escolha e determinação em concreto da medida da pena, critérios com os quais concordamos inteiramente.
Tendo em conta todos os considerandos e a moldura abstracta das penas aplicáveis a cada um dos crimes pelos quais o arguido responde, têm-se como adequadas as penas fixadas no acórdão recorrido.
As penas parcelares, em concreto aplicadas, mostram-se bem doseadas e bem merecidas face á conduta do arguido.
Relativamente à pena unitária:
A prof. Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, FDUC, 2010/2011, pág. 43 refere, “as operações acabadas de descrever (determinação da pena única no direito vigente) valem para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares de mesma espécie – ou só penas de prisão ou só penas de multa”.
Se as penas forem de espécie diferente, refere o nº 3 do art. 77 do CP que sendo as penas aplicadas, umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
Mas penas de espécie diferente podem adquirir a mesma espécie, ou por via de aplicação de pena substitutiva ou subsidiária.
Refere a mesma prof. que, “se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem de prisão e de multa (pena de multa principal), converte-se a multa em prisão subsidiária, nos termos previstos no art. 49 nº 1 do CP, para desta forma poder ser determinada a pena única do concurso, segundo o procedimento que vale para as penas da mesma natureza. É este o sentido do inciso «pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores». A expressão «a diferente natureza destas mantém-se» significa que o condenado poderá optar por pagar a multa, caso em que esta pena deixa de entrar no procedimento de determinação da pena única conjunta”.
Assim, e relativamente à pena do crime de ofensa física grave, a pena de prisão foi substituída por igual tempo de multa.
Assim, ficamos com penas todas da mesma espécie, pelo que nada obsta a que todas elas entrem em cúmulo jurídico e se determine uma pena única.
Ponderando tudo o que dito ficou, sobre esta matéria, condena-se o arguido na pena única de 360 dias de multa à taxa diária de 5.00€.
E, nesta parte se altera a decisão recorrida.
*
Face ao exposto entendemos merecer parcial provimento o recurso, na parte respeitante à determinação da pena única.
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal, pelos motivos expostos, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido FM... e, em consequência:
a)- todas as penas parcelares integram o cúmulo jurídico, fixando-se a pena unitária em 360 dias de multa à taxa de 5.00€.
b)- Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.
Sem custas, por o decaimento não ser total.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins