Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/10.5JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: ROUBO
ARMA
AGRAVANTE QUALIFICATIVA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - VARA DE COMPETÊNCIA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 210º, N.º 2, AL. B), 204º, N.º 2, AL. F) E 50º, DO C. PENAL
Sumário: Comete o crime de roubo agravado, nos termos conjugados da al. b), do n.°2, do art.º 210°, por referência à alínea f), do n.° 2, do art.º 204°, ambos do C. Penal, o agente cuja acção se reduz ao acto de apontar uma arma e pedir dinheiro sem proferir qualquer ameaça verbal ou de qualquer outra índole.

A norma do art.º 50º, do C. Penal, não consagrando qualquer cláusula geral de salvaguarda que permita que situações excepcionais, às quais seja aplicada pena de prisão superior a cinco anos, venham a gozar do regime da suspensão da execução da pena de prisão, não é inconstitucional.

Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
1- Nos juizos criminais de Coimbra, no processo acima referido, foi o arguido A... julgado em processo comum colectivo, tendo sido a final proferida a decisão seguinte :
- absolvido da prática pelo mesmo do crime de falsificação de documento por que vinha acusado.
- condenado pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelos art. 210.º, n.º 1 e 2, b) “ex vi” art. 204.º, n.º 2, alín. f) do CP, na pena de sete (7) anos de prisão;


2- Inconformado, recorreu o arguido, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte :
Tem-se por inconstitucional, por violação dos principios da igualdade e legalidade, a interpretação do 210° CP sempre e quando permita a condenação por roubo, sela ele a titulo de crime base ou aqravado, sem que resulte provada a totalidade da acção ai tipificada e, cumulativamente, o facto de a coisa móvel alvo do crime ser alheia face ao agente sem (com)provar o carácter alheio da coisa móvel objecto e alvo do crime, não aquilatando da sua propriedade, com necessidade de tal facto constar dos factos prova­dos bem como da acusação pública formulada, id est, a permitir condenação sem prova da propriedade, e consequente carácter alheio, na medida em que se tem por contrária à lei fundamental toda e qualquer presunção de propriedade contra o agente!
0 direito penal não é um fim em si mesmo, balizando-se pelos principios constitucionais que mais directamente o influem (principio ordenador da dignidade da pessoa humana, principio estruturante da intervenção minima e da proporcionalidade) como criterio orientador dos tipos legais e finalidades das reacções penais, só se justificando estes em casos de manifesta necessidade, idoneidade e justa medida, estando todo o crime contra a proprieda­de, seja ele o tipo base ou agravado, orientado para obstar a disseminação do ciclo de comércio/transfêrencia dos bens como fonte de lucros ou enriquecimentos ilicitos por contraponto aos empobrecimentos dos respectivos titulares do direito violado;
Dada a inexistente comprovação ou dissipação acerca da propriedade, a dúvida perpassará de forma inegável o Tribunal a quo que, para forçar uma condenação, se aqarrou a uma convicção presuntiva ou grau de probabilidade, sem qualquer suporte factual concre­to, em violação dos direitos do arguido, lei ordinária, lei fundamental e imensidão de diplomas de Direito internacional, principio in dubio pro reo e garantias de defesa, não podendo nunca justificar-se uma entorse aos principios garantisticos, atento o recorte constitucional e legal em materia processual penal, pugnando-se pela absolvição na medida em que se não tem por puniveis os actos tal como se mostram descritos na acusação pública, a qual, em razão de ausência de qualquer alteração, substancial ou não, dos factos, balizará o julqamento pelo principio da vinculacao temática!
A interpretação segundo a qual compete ao arquido/recluso efectuar a prova de propriedade da coisa móvel ou limitações fisicas a impedir a prática do crime, é ilicita e inconstitucional, por violação do principio in dubio pro reo, presunção da inocência e inversão da prova, tra­duzindo urn ónus acrescido e irreal para a defesa, pois bem sabe o Tribunal que pelo estatuto coactivo não poderia submeter-se livre e voluntáriamente a tais exames, levando o Ministério Publico a denegar a prova integral dos elementos do tipo de ilicito objectivo, redundando em nulidade do acordão por ausência de conhecimento e negação do pedido de realização de exame médico, dada a, alem de denegação de investigação, desconsideração e cindibilidade da prova, entorse aos principios garantisticos, radicados nas ideias de fair trial e audiatur et altera pars, nemo potest inauditu damnari;
Os reconhecimentos efectuados nos autos, para além de igualmente os ter havido com resultado negativo e mesmo com dúvidas e igualmente convocados pelo Tribunal a quo para fundamentar a condenação, em violação clara do principio in dubio pro reo, não poderão valer como meio de prova atenta a sua não conformidade corn o legalmente plasmado, tendo-se por inconstitucional a validação como meio de prova de reconhecimentos de pessoas sempre e quando não possa o preenchimento dos requisitos vertidos no art. 147.° CPP ser aquilatado a posteriori pelo Tribunal de 1.º instância ou de recurso, maxime pela não junção das fotos das demais pessoas utilizadas, nada permitindo, in casu, a presunção de que na Directoria do Centro da PJ haja funcionários com o máximo de semelhança;
Mostra-se a decisão ora recorrida, no que ao roubo diz respeito, únicamente no sentido da culpabilidade, com uma cindibilidade probatória que se tem por ilicita, não fazendo sequer qualquer alusão (ou quandc o faz mostra-se unicamente en passant!) a qualquer facto, prova ou circunstância que abone a posição do arguido, tendo-se por inconstitucional, por violação do art. 32° n°.1 CRP, a separação injustificadamente operada, traduzindo-se numa inequivoca violação dos direitos do arguido e valor de tais meios de prova, em termos de conteúdo dos reconhecimentos, uma vez que a valerem terão de valer na sua globalidade, sejam eles de reconhecimento positivo ou negativo;

A testemunha Pedro Pires viu o assaltante de cara destapada, sendo o reconhecimento pessoal negativo, não tendo ai reconhecido em tais pessoas o condutor do veiculo cuja cara destapada havia sido o único a ver, afigurando-se como contrària às regras da experiência da vida e do normal acontecer, a desculpa de que não tem por hábito fixar caras quando no circunstancialismo em causa tudo apontava (o arranque em velocidade, a ordem de fecho das empregadas, etc!) para ocorrência de crime a impor maior atenção, a traduzir a inequivoca comprovacao da ausência de autoria de tal crime por parte do arquido já indiciada pelo não reconhecimento pela testemunha B... em sede de audiência de discussão e julgamento, demais reconhecimentos negativos ou com dúvidas em sede de Inquérito e valor facial das notas enviadas diverso do descrito pela testemunha Tania como as objecto do crime!
Padece o acordão do vicio de ausência de fundamentação, tendo-se por um acto intuitivo a condicionar o exercicio do direito de recurso e a necessidade do arguido ser informado das razões de manutenção da privação da sua liberdade, exiqência constitucional vertida no n°. 4 do art. 27° CRP, maxime ao nivel da determinação da pena aplicada bem como da consideração como não provado do facto vertido sob a alinea f), na medida em que se defende o principio da auto-suficiência das decisões penais, o que in casu se mostra claramente prejudicado, por a simples e singela leitura da mesma não ser bastante e suficiente a apreender o seu conteúdo (maxime ao nivel do CRC!), não podendo separar o julgador o que o legislador uniu!
A ilação derivada de uma presunção natural não pode formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal, em que é necessária a comprovação da existência dos factos para alem de toda a dúvida razoável, sendo que in casu as provas revelam, claramente um sentido e a decisão extrai ilacão contrária, loqicamente impossivel mostrando-se a fundamentação do acordão recorrido contraria a prova produzida, retirando o Tribunal a quo, de diversos depoimentos prestados diversas conclusões lógicamente inaceitáveis, decidindo contra o que resulta dos demais elementos documentais juntos, cuja força probatória não foi infirmada e prova globalmente considerada;
Como ter por despiciendo o circunstancialismo globalmente considerado, como seja, a duração (aproximadamente 58 segundos), o facto do assaltante se mostrar nervoso e com a arma a "balança bastante" bem como o facto de nenhum outro acto de violência, verbal ou fisica, ter sido levado a cabo, quando tudo aponta para que o crime tenha sido praticado por um novato na casa dos 40 anos, sendo essa a pedra de toque na qual assenta aquela que se julga a falácia argumentativa subjacente à decisão recorrida, radicada numa errada interpretação e valoração da prova globalmente considerada, incluindo depoimentos presencialmente prestados?!
Tem-se por justo o pensamento de Voltaire segundo o qual e melhor correr o risco de poupar um culpado que condenar um inocente, sendo que, in casuw mais que presunção de inocência, é toda uma consciência de inocência que anima o arguido, sendo inconstitucional a presunção, ao arrepio do principio in dubio pro reo, de que tenha o arquido o monopólio em regime de exclusividade de todos os crimes cometidos durante os dias em que se mostre a qozar medidas de flexibilização da pena bem como a consideração de qualquer adágio popular como meio de prova!
Atenta a prova de que em tais circunstâncias de tempo se mostraria o arquido em local diverso do da prática dos factos vertidos na acusação, que terão sido levados a cabo por alguém com agilidade e destreza fisica para consequir finalizar a operação em 58 segundos, com aparência de 40 anos e por quem se mostrava nervoso, não se poderá ver em tal assaltante o arquido que até enviou notas que em termos de valor facial não correspondiam às roubadas, tem limitações fisicas e, por certo não tremeria ou estaria nervoso, não jogando a bota corn a perdiqota nem a pena com a escrita!
Na interpretação de normas legais, além do teor do art. 9° CC e principios interpretativos aí plasmados, dever-se-à ter ainda em conta que: todos as preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação recta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do principio da interpretação conforme a Constituicao da República Portuguesa, não sendo a progressividade mais do que a densificação do conceito de justiça proveniente da igualdade material, principio base de todo o Direito, pressupondo urn conceito de democraticidade (a lei penal é igual para todos!), sendo essa a essência do principio da igualdade que não consiste em tratar tudo por igual sob pena de, por paradoxal que pareça, gerar manifesta e clara desigualdade, mas sim em tratar de forma igual o iqual e de forma diferenciada o desiqual;
Não se tem por licito que o mesmo e único factor de violência seja igualmente o factor agravador do tipo legal de crime, assim havendo dupla valoração em prejuizo do arquido, tendo-se por inconstitucional, por violação dos principios da igualdade, legalidade, tipicidade, dupla valoração, proporcionalidade e adequação, colocando em causa a segurança juridica, a justiça material e as direitos de defesa do arguido, o entendimento segundo o qual comete o crime de roubo agravado, nos termos conjugados do n°.2 do art. 210°, por referência à alinea f) do n°. 2 do art. 204°, ambos CP, o agente cuja acção se reduz ao acto de apontar uma arma e pedir dinheiro sem proferir qualquer ameaça verbal ou de qualquer outra indole, por se mostrar proibida a analogia em desfavor do arguido, sendo assim a dimensão normativa de tat interpretação inconstitucional;
Dada a ausência de qualquer cláusula geral de salvaguarda face a eventuais situações não justificativas de tal condenação agravada, tem-se o art. 2100 n°.2 por inconstitucional por violacao dos arts. 13°, 18° nOs. 2 e 3, 30° n° 4, 32° n."s 1 e 5 e 202° n°. 2, 204° e 205° CRP, bem como, da mesma forma e por identidade de razões, sempre e quando interpretado no sentido de funcionamento automático de tais requisitos e desnecessidade de se ter de avaliar e ponderar em conjunto todo o circunstancialismo de prática dos factos e personalidade do agente, trabalho a cargo do Tribunal no âmbito do principio do inquisitório e poderes que Ihe assistem, podendo ser coadjuvado por outras entidades, nos termos do n.º 3 do art. 202° CRP, para efeito de avaliação de especial censurabilidade e plus de danosidade que justifique tal punição a titulo de crime agravado ; Nada iustifica que o legislador para efeitos do crime de furto crie dois escalões de qualificação, com penas distintas, e que depois para efeitos do crime de roubo junta tudo, tratando tudo de forma igual, no caldeirão resultante do n°.2 do art. 210° CP, razão pela qual se tem por inconstitucional tal norma legal por violacao dos principios da igualdade e proporcionalidade ao conferir tratamento iqual a situacões já anteriormente catalogadas e tratadas por desiguais;
É inconstitucional a dimensão normativa de tal interpretação, por violação dos principios da igualdade, legalidade, tipicidade, dupla valoração, proporcionalidade e adequação, colocando ern causa a segurança juridica, a justica material e os direitos de defesa do arguido, segundo a qual comete o crime de roubo agravado, nos termos conjuga­dos do n°.2 do art. 210°, por referencia a alinea f) do n°. 2 do art. 204°, ambos CP, o agente cuja acção se reduz ao acto de apontar arma sem proferir qualquer ameaca verbal ou de qualquer outra indole, tendo a função de qarantia do principio da legalidade sempre de exiqir qualidade da lei, previsibilidade e acessibilidade por parte do cidadão comum, a possibilitar que toda e qualquer pessoa possa não só perceber quais os actos tipicos como ainda as consequências sancionatórias de uma acção ou omissão;
A mera utilização de armas não é, só por si, suficiente a presidir a uma majoração agravante da condenação pelo crime de roubo, por não traduzir qualquer plus de censurabilidade, a justificar acréscimo penal, que não esteja ja consumida pela condenacao a titulo de roubo simples (a própria moldura penal já é ela própria coincidente corn o mais qualificado dos furtos ao nivel do limite máximo), pelo que a haver condenação, a mesma apenas poderá ter lugar a titulo de roubo na sua forma simples, nunca se podendo ter a arma por real na ausência de prova das exactas caracteristicas (aptidão e capacidade de provocar danos decorrente da sua veracidade), sendo inconstitucional a interpretação do art. 2100 n°.2 OP no sentido de permitir condenação por roubo agravado unicamente por um dolo de intenção não comprovado em concreto e sem que se mostre o mesmo concretizado em qualquer resultado para o qual a conduta do arguido tenha contribuido decisivamente;
De forma clara e cabal, pela declaração da testemunha B... se demonstra que a arma só por si não contribuiu decisivamente para tal entrega, não havendo assim constrangimento ou colocação na impossibilidade de resistir, com o que decorre, também por esta via, não preenchimento integral do tipo de ilicito, a justificar a absolvição do arguido face ao crime de roubo,
A pena de 7 anos de prisão, excessiva e violadora dos principios da culpa, proporcionalidade, exigências de prevenção e reintegração do arguido na sociedade, por forma a obstar a morte civil e ausência de diqnidade dos tempos de velhice, mostrar-se-à justificada pela omissão de pronúncia, cindibilidade probatória da factualidade supra referida bem como errada subsunção júridica dos factos, devendo ser atenuada com o sanar de tais vicios e consideração de diversos factos a favor do arguido: I) forma rápida (58 segundos) e II) limpa como decorreu o assalto, III) ausência de qualquer outra forma de violência, seja ela verbal ou fisica, a atenuar a ilicitude e extensao do crime, IV) montante localizado (metade), idade do arguido, caracteris­ticas e condições pessoais e V) a vitima ser instituição bancária e não pessoa singular;
Sempre se têm por adequadas as penas de 3 anos e 6 meses de prisão, em caso de condenação por roubo simples e, sem conceder e apenas por mera cautela de patrocinio, de 5 anos de prisão em caso de condenação por roubo aqravado, com decorrente aquilatar da necessidade da sua efectividade, sem que choque a suspensão da execução de tal pena, pois quando devida e convenientemente temperada com injunções e reqras de conduta adequadas, salvaquarda melhor os fins das penas;
Ad cautelam sempre se invoca a inconstitucionalidade da norma do art. 50° n°.1 do CodPenal por ao não consagrar qualquer cláusula geral de salvaguarda que permita que situações excepcionais, as quais seja aplicada pena de prisão superior a 5 anos, venham a gozar do regime da suspensão dada toda a contraproducência in concreto da efectividade da privação da liberdade e há muito se mostrarem afastadas as finalidades retributivas das penas...

3- Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que, acompanhando o MP da 1.ª instância, se pronuncia pela improcedência do recurso

4- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência .
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5- Na 1.ª instância deram-se como provados os seguintes factos :
1. No dia … de 2010, cerca das 11h 58m, munido de uma arma caçadeira de dois canos, cujas concretas características não foi possível apurar, a qual transportava escondida num saco desportivo, o arguido, com a cabeça e parte do rosto encobertos pelo capuz da camisola que trazia vestida, entrou mas instalações da agência da … Coimbra.
2. Aí, retirou do saco a arma caçadeira que passou a empunhar com a mão direita.
3. Aproximou-se, então, do balcão onde se encontrava a funcionária B... e, com a arma apontada, disse: "todo o dinheiro, quero todo o dinheiro".
4. Receando pela sua vida e da dos restantes funcionários e clientes que se encontravam nas instalações, após obter autorização da gerente (C...), B... colocou em cima do balcão alguns maços de notas, no valor global de 10 860 euros.
5. O arguido A... de imediato agarrou nos maços de notas que colocou dentro do saco desportivo que transportava, enquanto dizia "mais dinheiro, eu quero mais dinheiro".
6. Como a funcionária lhe tivesse dito "agora só no cofre, o resto do dinheiro está no cofre", o arguido guardou a arma no saco e caminhou para a porta da instituição bancária.
7. No exterior, após caminhar uns metros, entrou num veículo cujas características não foi possível apurar e arrancou em direcção ao Alto dos Barreiros, levando consigo os 10.860 euros, que fez seus.
8. A matrícula do veículo ... corresponde a um veículo de categoria tractor marca Ursus, de cor encarnada.
9. À data o arguido A... encontrava-se a cumprir sucessivamente uma pena de 15 anos e 9 meses de prisão, em que foi condenado no processo n.º … .
10. O arguido aproveitou uma saída precária que lhe foi concedida no Estabelecimento Prisional de Coimbra onde estava em cumprimento de pena para praticar os factos supra descritos.
11. No dia 20 de Abril de 2010, o arguido encontrava-se no gozo de uma licença de saída jurisdicional que teve inicio em 16 de Abril e terminou no dia 20 de Abril de 2010 pelas 14h00, sendo que o arguido após ter praticado os factos regressou ao estabelecimento prisional.
12. No dia 21 de Abril de 2010 o arguido voltou a beneficiar de uma saída jurisdicional tendo regressado ao estabelecimento prisional no dia 23 de Abril de 2010.
13. Aproveitando esta saída, no dia 22 de Abril de 2010, o arguido dirigiu-se aos serviço de atendimento ao público do Balcão dos CTT, sito no edifico da … , onde enviou três vales do correio, um no valor de 1.000 euros e dois no valor de 2.000, cada um, para D..., sua mãe, residente em … .
14. O arguido, para além dos valores referentes ao custo do serviço, entregou nesse balcão dos CTT o valor total de 5.000 euros, referente aos vales mencionados, em dinheiro, o qual era proveniente do valor retirado da agência bancária supra mencionada e que guardou em local que não foi possível apurar.
15. O arguido agiu de forma livre, voluntaria e consciente, contra a vontade dos legais representantes da agência da Caixa Geral de Depósitos supra mencionada.
16. Quis o arguido fazer seu o dinheiro existente naquela instituição, não se coibindo para o obter de usar a arma de fogo e de constranger e perturbar o sentimento de segurança dos funcionários e clientes da CGD que, por temerem pela sua vida, não lograram resistir.
17. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e mesmo assim não se absteve de a levar a cabo.
18. O arguido provém de uma família de condição social modesta, sendo o mais velho de quatro irmãos.
19. Após ter concluído a 4.ª classe com 10 anos de idade, emigrou para França (então com 14 anos), juntando-se ao pai, emigrante nesse país.
20. Viveu em França durante cerca de 16 anos, período em que adquiriu formação e experiência nas actividades de soldador e serralheiro.
21. Em França estabeleceu um relacionamento marital com uma mulher, tendo nascido uma filha fruto dessa ligação.
22. Regressou a Portugal em 1976, fixando residência em casa dos pais, em … .
23. Após cumprimento de uma pena de prisão, contraiu casamento em 1990, tendo deste relacionamento nascido um filho.
24. Foi consumidor de produtos estupefacientes desde 1991 até 1999.
25. A esposa do arguido veio a falecer posteriormente.
26. Continua a manter apoio do agregado familiar de origem, constituído pela mãe, um irmão e a cunhada.
27. O filho do arguido, actualmente com 16 anos de idade, integra o agregado familiar do irmão do arguido e respectiva esposa.
28. No meio prisional o comportamento do arguido tem vindo a evoluir de forma positiva no que respeita ao cumprimento das regras e normas institucionais, revelando durante o período de reclusão hábitos de trabalho e capacidade de relacionamento inter-pessoal.
29. O arguido foi condenado nas datas, pelos tribunais, nas penas e pela prática dos crimes constantes do CRC de fls. 606 a 616.

E deu-se como não provado :
a) que o arguido utilizasse, aquando da prática dos factos, o veículo de marca Opel, modelo Astra, de cor cinza claro, ostentando a matricula ... (acusação);
b) o arguido tivesse, em momento anterior, alterado a matrícula do veículo que utilizou para se fazer transportar (acusação);
c) o arguido tenha agido de forma livre, voluntaria e consciente com o propósito de retirar a matricula pertença do veículo Opel Astra por si utilizado e substituí-la por uma matrícula pertença de um veículo de marca Volvo, com o propósito de impossibilitar a sua identificação e do veículo, bem sabendo que ao alterar um dos elementos identificativos dos automóveis, colocava em causa a confiança depositada nas chapas de matricula atribuída pela IMTT, bem como ludibriava a confiança das entidades fiscalizadoras e do Estado, não ignorando que lesava este (acusação);
d) o arguido tivesse no balcão dos CTT efectuado a entrega do dinheiro todo em notas de vinte euros (acusação);
e) o arguido tivesse recebido no Estabelecimento Prisional de Coimbra, provindo da sua mãe, um vale postal no valor de 700 euros (acusação);
f) que o arguido se mostre limitado ao nível da sua locomoção, não se mostrando já de plena saúde (art. 20.º da contestação).
+
FUNDAMENTAÇÃO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer das questões ali suscitadas.
E como o recorrente questiona a matéria de facto, entendendo não se ter feito prova de ser ele o autos do crime de roubo em causa nos autos, cabe deixar agora as razões de convicção e os meios de prova considerados pelo tribunal recorrido, com interesse :
a) « - (...) fotogramas de fls. 20 a 22, extraídos a partir das câmaras de vigilância instaladas no balcão da CGD de … , onde é visível a entrada de um indivíduo envergando um casaco com capuz a cobrir parcialmente o rosto e transportando um saco desportivo; a retirada da arma caçadeira desse saco (caçadeira de canos e coronha serrados), o apontar da mesma e a retirada dos maços de notas de cima do balcão; - (...) informação de fls. 37 e doc. de fls. 583, relativos ao montante retirado da agência ; (...) - relato de diligência externa de fls. 43 e 44, com o registo das “saídas precárias” de que o arguido beneficiou, designadamente a referente à data em que foram praticados os factos ; - documentos de fls. 104 a 107, relativos às transferências efectuadas pelo arguido em 22 de Abril de 2010 para a sua mãe, no montante global de cinco mil euros (acrescidas dos valores atinentes aos custos do serviço) ; - autos de reconhecimento de fls. 162 a 165, 437 e 438, nos quais B..., C... (então funcionárias da CGD e presentes na altura dos factos) e ainda F... (cliente que na altura se encontrava na agência em causa) reconheceram o arguido como a pessoa que praticou o assalto ; - auto de reconhecimento de fls. 435 e 436, no qual, … (cliente da CGD que na altura se encontrava na agência em causa), embora com dúvidas, reconheceu o arguido como sendo a pessoa que praticou o assalto ; - (...)
Nos depoimentos que se me afiguraram sérios e isentos das testemunhas:
- B..., C... e …, ao tempo todas funcionárias da CGD e que se encontravam no exercício da sua actividade profissional no balcão de … , na altura em que ocorreu o assalto.
De forma circunstanciada, rigorosa e, nalguns momentos evidenciando temor face à presença do arguido, relataram a forma como o assalto ocorreu, o tipo de arma empunhada, as frases proferidas, o dinheiro entregue, o receio pela vida então sentido, tudo de forma coincidente com o que ficou provado.
As duas primeiras, de forma concordante, referiram que, apesar de a pessoa em causa usar capuz, na altura em que colocava o dinheiro no saco, o respectivo rosto ficou à mostra, o que lhes permitiu o reconhecimento posterior.
F... e … – clientes da CGD que se encontravam na agência em causa na altura em que o assalto ocorreu.
Também de forma rigorosa, relataram o ocorrido na agência, a entrada do indivíduo, forma como trajava e respectiva estatura, o empunhar da arma, expressões proferidas, a entrega e recolha do dinheiro.
A testemunha F... , segundo referiu, teve oportunidade de ver o rosto do autor dos factos o que lhe permitiu o reconhecimento posterior sem qualquer tipo de dúvidas.
… – funcionária da Junta de freguesia de … .
Confirmou as transferências de dinheiro efectuadas por “vale dos correios”, reconhecendo como suas as assinaturas apostas nos documentos respectivos (sobre o carimbo).
Referiu ter sido o arguido a efectuar essas transferências, relatando, inclusive, um incidente gerado por, após ter contado o dinheiro entregue, ter verificado que era de montante inferior ao transferido, o que a levou a contactar com um amigo do arguido, vindo este (o arguido) a proceder posteriormente à entrega do valor em falta (“cento e tal euros”).
… – amigo do arguido, o qual confirmou ter acompanhado o arguido na altura em que o mesmo efectuou a transferência de dinheiro através dos CTT de … .
… e … – ambos inspectores da P.J., tendo, no essencial, relatado as diligências efectuadas no inquérito, e de forma correspondente com o que deles já constava (...) ».
Já quanto aos factos não provados a decisão decorreu de ausência de prova consistente quanto aos mesmos.
Na verdade, na ausência de outra prova a esse propósito, nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência evidenciou conhecimento seguro quanto às características do veículo em que o arguido se fazia transportar e sua matrícula e, consequentemente, de a mesma não corresponder a esse veículo.
A testemunha … – única que poderia trazer informação relevante a esse propósito - também não foi capaz de precisar o tipo de notas entregues pelo arguido aquando da transferência.
Não consta dos autos – nem a esse propósito foi produzida prova em audiência – em como a mãe do arguido tenha transferido € 700 para o mesmo.
Apesar da irrelevância do facto, não se apercebeu o tribunal de qualquer limitação física ou problema de saúde que o arguido apresente (...) ».

Começa o recorrente por invocar a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 210.º do CódPenal, quando ela possa levar à condenação por roubo não estando feita a prova do carácter alheio do bem roubado, no caso concreto, que o dinheiro rouba ela alheio.
Bem, ignorando por agora a autoria do crime em causa no presente recurso, temos por inquestionável e inquetionado, pela abundante prova produzida nos autos e em audiência, que tal crime aconteceu no modo descrito nos factos provados.
Então se alguém, munido de uma arma, com o rosto tapado com um capuz, entra numa agência bancária e sob a ameaça de uso da arma , obriga à entrega do dinheiro que ali se encontre, não será normal supor que aquele individuo vai ali para se apropriar de dinheiro que lhe não pertence, mas antes pertence à instituição bancária e mediatamente aos clientes de tal instituição ? Poderemos, num esforço desesperado de fútil imaginação, supor que tal pessoa vai ali à busca do seu dinheiro ? Quando esse individuo nem sequer vai à procura de uma quantia especifica ( continuemos a delirar : uma quantia que ele tinha depositado no banco e que, pelo gosto imoderado pela acção inconsequente, se resolve a reaver à força ), antes se quer apropriar do dinheiro que houver ali na agência ?
In casu, o carácter alheio da propriedade do dinheiro é manifesto e por isso estão preenchidos os elementos constitutivos do crime de roubo.
Não se vê muito bem como é que o recorrente pode dizer que em tal situação da ausência prova do carácter alheio de um bem há violação do principio constitucional da igualdade, pois mesmo que assim seja, isto é, que não haja tal prova, tal principio da igualdade não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam ( e se devam, sendo caso disso) estabelecer dife­renciações de tratamento, razoável, racional e objectivamente fun­dadas, sob pena de, assim não sucedendo, estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada, ou, como refere J. C. Vieira de Andrade ( Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, p. 299), o que importa é que não se discrimine para discriminar.
Quanto à violação do principio da legalidade, já se disse que o carácter alheio da propriedade do dinheiro está bem estabelecido, e portanto perfectibilizado um dos eleemntos do tipo.
De resto, o arguido foi acusado e julgado pela prática do crime de roubo, portanto pela apropriação violenta de dinheiro que lhe não pertencia, e seria interessante vê-lo, no exercicio do contraditório e do seu direito de defesa, a fazer a prova de que aquele dinheiro era seu ( e todo o dinheiro existente na agência , não apenas de uma quantia que ali tinha depositado ? ). Não evidentemente que sobre ela recaia qualquer ónus de prova, mas não pode deixar de dar o seu contributo para dar uma explicação razoável para a acção , sob pena de depois não poder ficar surpreendido que o tribunal, segundo as regras da experiência e da lógica das coisas, tire determinadas concusões
Por isso, não se mostra violado o princípio “in dúbio pro reo”, podendo e devendo ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida de extrair, por forma mais do que óbvia, que o tribunal optou por decidir, na dúvida, contra o arguido ( Ac STJ, de 15-4-1998, BMJ, 476 .º- Ac STJ, de 15-9-1994, proc. N.º 46 926 e 47 083 ; Ac STJ, de 19-11-1997, BMJ, 471.º-115 ), mas essa dúvida claramente não resulta do texto da decisão recorrida e, pelo que se disse, seria uma dúvida absurda .

Diz o recorrente que está ferida de inconstitucionalidade a norma do art. 147.º do CodProcPenal, quando ela implique a validação como meio de prova de reconhecimentos de pessoas sempre e quando não possa o preenchimento dos requisitos vertidos no art. 147.° CPP ser aquilatado a posteriori pelo Tribunal de 1.º instância ou de recurso, maxime pela não junção das fotos das demais pessoas utilizadas ( nada permitindo a presunção de que na Directoria do Centro da PJ haja funcionários com o máximo de semelhança dom o arguido ).
Ora, neste particular os autos de reconhecimento juntos aos autos e referidos no acordão recorrido mostram-se formalmente válidos, tanto assim que o arguido nunca invocou nem agora invoca a sua nulidade, sendo espúria e meramente especulativa a suposição de que na PJ de Coimbra não há funcionários que possam participar na diligência de reconhecimento.
Depois, nada na lei impõe que se juntem fotografias das pessoas que interviram no auto de reconhecimento.
Mas, e adiantando já o que concerne à análise da prova produzida, não podemos esquecer que as pessoas que viram o rosto do arguido no momento do assalto confirmaram em audiência que era essa pessoa que ali estava. E quando, na audiência de discussão e julgamento, se trate, não de proceder ao “reconhecimento” do arguido, mas à identificação do mesmo pela testemunha, como sendo o autor dos factos em discussão, o que se valoriza é o depoimento da testemunha, apreciado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art.º 127º, do C. Proc. Penal e não a prova por “reconhecimento de pessoas” a que alude o art.º 147º, do mesmo Código.
Embora o recorrente não refira em que concreta dimensão se mostra ferida a norma constitucional do art. 32.º da CRP, sempre se dirá que no caso dos autos o recorrente sempre, durante o inquérito e depois no julgamento, pôde exercer as garantias de defesa de qualquer arguido, desigandamente o direito de intervir em todos os actos do processo que lhe diziam respeito e o pudessem afectar (art. 32º nº 7 da Constituição da República Portuguesa ), bem como de ser ouvido e de expor as suas razões sobre todos os assuntos que o tribunal tinha de decidir, e ainda de apresentar e requerer quaisquer provas em sua defesa (art. 61º nº 1 als. e) e f) do CódProcPenal).

Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão recorrida ( aliás exposta numa confusa e vaga narrativa ), há que dizer que a imposição constitucional e legal do dever de fundamentar só fica satisfeita com a explicitação das razões dessa decisão, feita pelo seu próprio autor, em termos de habilitar o seu destinatário a, ciente dessas razões, se conformar com a decisão ou impugná-la de forma consciente e eficiente. O exame crítico das provas credibiliza a decisão, viabiliza o recurso e permite revelar o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão, porque, como se refere no Ac do TribConstitucional n.º 680/98 ( DR, II série, de 5 de Março de 1999), ela deve ser susceptível «de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida». Como se escreveu no Ac. TC 281/2005, DR, II Série, de 6 de Julho de 2005: «Como é consabido (...), apesar do dever de fundamentação das decisões judiciais poder assumir, conforme os casos, uma certa geometria variável, o seu cumprimento só será efectivamente logrado quando permitir revelar às partes - e, bem assim, à comunidade globalmente considerada - o conhecimento das razões "justificativas" e "justificantes" que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, revelar uma "sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade" sustentada na exteriorização do(s) critério(s) normativo(s) que presidem à sua resolução e do seu respectivo juízo de valoração de modo a comunicar, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido. Não se esquecendo que o juízo decisório (e por ser "juízo'...) envolve sempre uma ponderação prudencial de realização concreta orientada por uma fundamentação". é imprescindível que esta, como base desse juízo, seja exteriorizada em termos de permitir desvelar o iter "cognoscitivo" e "valorativo" justificante da concreta decisão jurisdicional.» ( no mesmo sentido, Ac TConstitucional nº 172/94, DR, II série, de 19/07/1994, Ac TConstitucional n.º 680/98, DR, II série, de 05/03/1999 ).
Portanto, quando o art. 374.º-2 do CProcPenal impõe que para além da enumeração dos factos se faça, na fundamentação da decisão, o exame crítico das provas, pressupõe que face á prova o julgador deverá enunciar os pormenores, para verificar do valor intrínseco e extrínseco da coisa a que se atribui valor probatório e deverá ponderar a apreciação da admissão e da aptidão dos meios de prova : joga-se aqui com a apreciação da idoneidade da prova, com a isenção do depoente, com os conhecimentos que o documento, o exame, a perícia, o depoente revelam dos factos, e como conhecem os factos ; pela aptidão apura-se da imparcialidade, da precisão e da clareza de modo a afastar-se incertezas, da capacidade de relacionamento de factos, para evitar contingências e subjectividade; da expressão dos conhecimentos, capaz de revelar hesitações, titubeações e vacilações.
No caso vertente, e independentemente da maior ou menor bondade da prova produzida ( o que adiante se verá ), da motivação de facto consta que o tribunal recorrido ponderou as declarações de todas as testemunhas e o valor probatório dos documentos ( em si mesmos e conjugados com aqueles depoimentos ), e nesse exercicio, e fundamentando tal convicção, entendeu dar crédito às testemunhas da acusação. E é pertinente que ali se diga que não se vê qualquer interesse menos louvável ou qualquer motivação dúbia para os queixosos sustentarem a versão que apresentaram.
Embora a coerência ou consistência das declarações não constitua um critério de verdade – pela simples razão de que mesmo provas demonstrávelmente consistentes podem ser falsas –, a incoerência ou inconsistência já indicia a falsidade. O que sugere que devemos combinar as ideias de verdade e de conteúdo numa única – a ideia de um grau de melhor ( ou pior ) correspondência com a verdade, ou de uma maior ( ou menor ) semelhança ou similaridade com a verdade ; ou seja, a ideia de graus de verosimilhança.
A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção — cf. o Acórdão do STJ de 30 de Janeiro de 2002, proferido no âmbito do processo n.o 3063/01, 3.a Secção, in SASTJ, n.o 57, 69 ; Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 15.a ed., 2005, p. 743. Em conclusão : em matéria da obrigação de motivação da sentença, esta, para ser legal, deve apresentar as características fundamentais da (1 ) “correcção”, no sentido da sua aderência aos elementos probatórios adquiridos, do ( 2 ) “completamente”, no sentido da sua extensão a todos os elementos relevantes para a formação dos juízos sectoriais conducentes ao juízo decisório, e da (3 ) “lógica”, no sentido da sua conformidade aos cânones que presidem às formas do raciocínio e que a este confiram a natureza de acto de demonstração da realidade.
Como dissemos, a decisão recorrida satisfaz estes requisitos e assim não ocorre também qualquer erro notório na apreciação da prova, que se exprime nas seguintes situações : ( 1 ) retira-se de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou arbitrária, ou que não é defensável segundo as regras da experiência comum ; ( 2 ) dá-se como provado algo que não podia ter acontecido ; ( 3 ) determinado facto provado é incompatível ou contraditório com outro facto dado como provado ou não provado contido no texto da decisão recorrida ; ( 4 ) há violação das regras sobre o valor da prova vinculada, das regras da experiência ou quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.
No caso em apreço, o tribunal firmou a sua convicção nos depoimentos que refere como positivamente avaliados, e não se vê aí que o tribunal tenha decidido contra a prova produzida, ou seja, que tenha acolhido uma versão que esta não comporta ou que tenha violado qualquer regra da experiência comum ao valorar os depoimentos nos termos em que o fez.
Depois, no caso presente a fundamentação de facto é suficiente para dar como provados e não provados os factos referidos como tal na decisão recorrida, pois faz uma análise critica e objectiva dos meios de prova, e não há qualquer contradição entre os factos provados entre si, entre estes e os não provados, e entre uns e outros e a respectiva fundamentação, e entre esta e a decisão recorrida .
E quanto à pena concreta, também a decisão recorrida está devidamente fundamentada. Basta expôr o que ali se diz nesse particular, o que adiante será visto com mais pormenor
Mas concretamente quanto a uma ( também ela vaga ) pretensa incapacidade fisica do recorrente para cometer o crime, devido a uma suposta deficiência motora, que aliás o tribunal recorrido não conseguiu vislumbrar, nem por um lado se vê que ela pudesse impedir o recorrente de cometer o crime em causa ( que não teve um qualquer modo de execução sofisticado, a exigir uma especial habilidade ou capacidade fisica ), nem as testemunhas que reconheceram o arguido como autor do roubo tiveram dúvidas de que era ele, portanto a suposta incapacidade fisica não o impediu de fazer o que fez

Pretende o recorrente que o uso da arma como factor de agravação do crime de roubo o mesmo e único factor de violência seja igualmente o factor agravador do tipo legal de crime, assim havendo dupla valoração em prejuizo do arquido, sendo inconstitucional, por violação dos principios da igualdade, legalidade, tipicidade, dupla valoração, proporcionalidade e adequação, o entendimento segundo o qual comete o crime de roubo agravado, nos termos conjugados do n°.2 do art. 210°, por referência à alinea f) do n°. 2 do art. 204°, ambos CP, o agente cuja acção se reduz ao acto de apontar uma arma e pedir dinheiro sem proferir qualquer ameaça verbal ou de qualquer outra indole,
O crime base consiste em subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade fisica, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.
Violência significa o emprego de força fisica , ainda que não ocorra lesão corporal ; a ameaça ou a intimidação supõem coerção moral, produzindo medo de grave e iminente mal, que paraliza a reacção contra o agente ; impossibilitar a vitima de resistir é colocá-la, por processos fisicos ou psiquicos ( sem violência fisica ou moral, estas já previstas nos anteriores segmentos da norma ) em situação de se opôr à intenção do agente --- neste sentido, Leal Henriques e Sima Santos, C.Penal de 1982 anotado, v. IV, p. 104.
Como é entendimento incontestado, o crime de roubo é um crime complexo, na medida em que o seu autor viola não só um bem juridico patrimonial ( através do furto, que é o crime fim ), mas ainda um bem juridico iminentemente pessoal ( pois que põe em causa a liberdade , integridade fisica ou até a vida da pessoa do ofendido através do crime meio que é a violência ), caracteristica esta aliás que se apresenta de maior relevo do que a ofensa do bem patrimonial e que verdadeiramente o distingue do crime de furto ( Ac STJ, de 10-7-85, BMJ, 349.º - 269 ; Ac STJ, de 4-4-91, BMJ, 406.º-335 ; Ac STJ, de 24-11-93, BMJ, 431.º- 263 )
Não basta para funcionamento da agravante arma uma impressão subjectiva, antes a concepção objectiva postula que tenha sido usado um instrumento de agressão ou tenha virtualidade para o efeito, que se trate de arma verdadeira, com aptidão para ferir ou produzir um resultado letal ( Ac STJ, de 12-2-2004, CJ/STJ, I, 200, com indicação extensa de jur. nesse sentido ; Ac STJ, de 18-5-2006 , CJ/STJ, t. II, ano XIV, 185 ; Ac STJ, de 18-5-2006 , CJ/STJ, t. II, ano XIV, 186; -
É que o que está na base da agravação prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CodPenal é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz e para que isto aconteça é necessário que esteja munido de uma arma eficaz.
Não se vê assim como não seja legitimo diferenciar o roubo simples do roubo realizado com uma arma, independentemente de esta ser usada ou de ser acompanhada de violência fisica. É que o simples uso da arma faz toda a diferença : cria uma sensação de medo em qualquer pessoa ( que de outro modo até poderia resistir ), potencia perigos que de outro modo poderiam não existir, criam uma confiança maior no agente do crime
Não há dupla valoração porque a arma só qualifica o crime quando é usada, isto é, pelo menos exibida, e esta exibição é que acompanha e reforça a violência já própria ao roubo simples
Como já se disse quanto ao principio da igualdade, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, pode-se ( e deve-se, sendo caso disso) estabelecer dife­renciações de tratamento, razoável, racional e objectivamente fun­dadas, sob pena de, assim não sucedendo, estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes. Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como 'princípio negativo de controlo' ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador --- Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 127, e, por exemplo, os Acórdãos 157/88, publicado no Diário da Repú­blica, 1." série, de 26 de Julho de 1988 ---- sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (tertium comparationis). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio ( Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, p. 327, AIves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da lgualdade, Coimbra, 1989, p. 425 ).
Ora, não é a mesma coisa constranger simplesmente alguém a dar uma coisa, ou usar uma arma para a constranger
O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, desdobra-se em três sub-princípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com sal­vaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos
Em matéria penal, o princípio da proporcionalidade exige que a gravidade das sanções criminais seja proporcional à gravidade das infracções.
Ora, é isso que acontece no caso do roubo agravado : a uma mais acentuada ilicitude corresponde uma pena maior.

E assim não estão violadas quaisquer outras normas ou principios constitucionais, designadamente o da legalidade e da tipicidade , pois é o próprio legislador, que dentro dos poderes de ponderação e de diferenciação das situações entendeu emprestar maios ilicitude ao roubo com o uso de arma.

Como já se disse, a prova produzida, referida no acordão recorrido, é bastante e suficientemente objectiva para que não fiquem dúvidas a este tribunal --- como já aconteceu com a 1.ª instância --- que foi o ora recorrente que cometeu o crime em causa. Trata-se de prova testemunhal unânime nesse sentido, com várias pessoas, óbviamente sem interesses no caso, a terem reconhecido o arguido, crime que aconteceu quando o recorrente estava numa saída precária da prisão.

Para encontrar a pena concreta disse o tribunal, em resumo e com interesse :
« (...) - o significativo grau da ilicitude (está em causa a apropriação de uma quantia em dinheiro de valor significativo, numa instituição bancária, com o exercício da ameaça a incidir sobre várias pessoas); - os muito acentuados antecedentes criminais em ilícitos como homicídio, roubo, tráfico de estupefacientes, detenção de arma proibida, a revelar a propensão deste para o ilícito de natureza violenta e incapacidade de reinserção, mau grado os anos passados em cativeiro (...) »
A mais que isto cabe dizer que há realmente uma forte exigência de prevenção especial, porque pelos seus antecedentes criminais e pelo tipo de crimes por que já foi condenado o recorrente é uma pessoa que claramente revela uma personalidade pouco respeitador das normas sociais e um fácil menosprezo pela segurança dos outros. Ora, a personalidade do agente --- isto é, a singular personalidade do agente, com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos --- é um factor de essencial importância para a medida da pena, tanto pela via da culpa, como pela prevenção ---- embora se não trate da personalidade como um todo, mas da personalidade manifestada no acto e que o fundamenta, pois que o direito de punir e o “quantum” da punição tem a sua justificação a partir do que se faz e não do que se é ( Figueiredo Dias, Dto Penal Português, parte geral, II 1993, p. 248 ; Anabela Rodrigues, Da determinação da pena privativa de liberdade, 1995, 478 ss )
Deve tomar-se como modelo de determinação da medida da pena que melhor se adapta ao disposto no CPenal aquele que comete à culpa a função (única) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena ; à prevenção geral ( de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens juridicos ---- dentro do que é consentido pela culpa ---- e cujo limite minimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento juridico; e à prevenção especial a função de encontrar o" quantum" exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente (ou, em certos casos, de advertência e/ou de segurança)----- para nos exprimirmos com as palavras de Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3.º, Abril-Dezembro, p.186 ----, pelo que não será legitimo denegar a substituição da pena privativa de liberdade em nome de considerações retiradas da culpa.
Isto é, e como o traduzem os art 70.º e 71.º do C.Penal, a pena concreta é fixada entre um limite minimo ( já adequado à culpa ) e um limite máximo ( ainda adequado à culpa ), determinados em função da culpa, intervindo os demais fins dentro destes limites ( cfr Claus Roxin, Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 94 ss ). Até ao limite máximo consentido pela culpa, a medida da pena deve considerar a exigência da tutela dos bens juridicos, o “quantum “ de pena indispensável para manter a crença da comunidade na validade e eficácia da norma, e, por essa via, o sentimento de segurança e confiança das pessoas nas instituições ; depois, dentro desta « moldura de prevenção », actuarão as funções assinaladas à prevenção especial, a saber, a função de socialização, a advertência individual e a neutralização do agente . ( No mesmo sentido, entre outros : Ac STJ, de 2-3-94, BMJ,435.º - 499 ; Ac STJ, de 16-1-90, BMJ, 393.º - 212 ; Ac STJ, de 15-5-91, BMJ, 407.º - 160 , Ac STJ, de 31-5-1995, BMJ, 447-178 ss ; Ac STJ, de 12-3-2009, proc. 09P0237, www.dgsi.pt )
Quer isto dizer que em termos de prevenção especial importa que o recorrente evite situações do género e que com aquela pena encontrada pela decisão recorrida se realizam também as funções assinaladas à prevenção geral ( negativa ou de intimidação : dissuadir outros de praticar crimes do mesmo tipo ; prevenção geral positiva ou de integração : manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força das suas normas )

Entende o recorrente que a norma do art. 50.º do CodPenal é inconstitucional na medida ern que não consagra qualquer cláusula geral de salvaguarda que permita que situações excepcionais, às quais seja aplicada pena de prisão superior a 5 anos, venham a gozar do regime da suspensão da execução da pena de prisão.
Mas, ao contrário, dir-se-á que quando os casos o justifiquem, o tribunal deve atenuar especialmente as penas e considerar todas as circunstãncias atenuativas gerais, e que não se pode deixar de considerar, no ãmbito aliás da livre conformação do legislador --- observados que sejam os principos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade ---, que tem de haver um limite a partir do qual a benevolência tem de ceder às exigências não menos importantes da defesa do ordenamento juridico e da prevençãop geral e especial.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da Repú­blica Portuguesa Anotada, 3." ed., Coimbra, 1993, p; 153), « o princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente prote­gidos); b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); c) principio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa 'justa medida', impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos ».
Ora, nem se pode questionar que a imposição de um limite adequado ( cinco anos de prisão ) para o tribunal e os delinquentes, a partir do qual não pode haver tolerãncia e suspensão da execução de pena de prisão, viole de qualquer forma os referidos principios, sob pena de se estar a sufragar uma tolerância ilimitada e ilimitável ( a partir de quando a conduta criminosa seria tolerável ? ; em teoria, qualquer limite seria razoável )
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos :
I- Nega-se provimento ao recurso, assim se mantendo a decisão recorrida

II- Custas pelo arguido , com 3 Ucs de taxa de justiça
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PauloValério (Relator)
Jorge Jacob