Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
489/20.1T8LSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 566.º, N.º 3 E 921.º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I - O art.º 921º do CC constitui um alargamento/complemento dos direitos do comprador e não afasta a aplicação das regras gerais indemnizatórias atinentes à venda de coisa defeituosa.

II - Se o vendedor do veículo se recusar definitivamente a assumir a sua avaria e o comprador necessitar do carro, poderá este efectuar reparação e exigir depois, àquele, o seu custo.

III - Se não for possível fixar a medida exacta da indemnização, mas  existirem limites objectivos que possam amparar o juízo de equidade, é, por via de regra e desde logo por razões de celeridade e de economia de meios, preferível julgar equitativamente do que remeter para liquidação.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

 G..., Lda. intentou contra A..., Lda. e E..., S.A. a presente ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu a  condenação:

- da 1.ª Ré no pagamento de € 80 pagos a título de urgência na compra da viatura;

- das Rés no pagamento solidário do valor de € 14 568,38, a título de danos patrimoniais, e do valor de € 431,62, a título de danos morais.

Alegou, em síntese:

Em 24-07-2019 comprou à 1.ª Ré uma carrinha usada, tendo, além do preço acordado, pago € 80 como taxa de urgência para se proceder de imediato à transferência da propriedade do veículo.

Contudo só depois de cerca de um mês é que foram enviados os documentos necessários à legalização da viatura, o que lhe causou prejuízos, pois até então não pôde usar a viatura na atividade que desenvolve.

As Rés prestaram uma garantia voluntária com o prazo de 12 meses, sendo que a viatura veio a apresentar diversas avarias, sendo que, em relação à última, ocorrida a 05-02-2020 (portanto dentro do prazo da garantia alegadamente prestada), as Rés declinaram a responsabilidade pela respetiva reparação, referindo a 2.ª Ré que o prazo de garantia era de apenas 6 meses.

Estes factos causaram-lhe diversos prejuízos, os quais pretende ver ressarcidos.

Contestou apenas a 1ª ré.

Disse:

O pagamento do valor de € 80 deveu-se ao custo normal de um processo de colocação da viatura no nome do adquirente.

Apesar de inicialmente a garantia voluntária ter sido celebrada pelo prazo de 1 ano (estando em vigor entre 01-08-2019 e 31-07-2020), posteriormente, teve conhecimento de que a Autora lhe ocultou intencionalmente que a viatura se destinava a uso profissional e intensivo de transporte de mercadorias, pelo que o contrato foi celebrado em erro.

Em 04-12-2012, deu conhecimento à Autora de que, perante a utilização dada ao veículo, a garantia era de 6 meses.

   Não são devidos os valores peticionados e que, em relação aos prejuízos alegadamente decorrentes da última avaria do veículo, mesmo que o fossem seriam da responsabilidade da 2.ª Ré.        

  Pediu: a improcedência da ação.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se condenar as Rés A..., Lda. e E..., S.A. no pagamento solidário à Autora G..., Lda. do valor de € 2 619,76 (dois mil seiscentos e dezanove euros e setenta e seis cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Condenam-se as Rés no pagamento de 17 % das custas do processo e a Autora nas demais.»

3.

Inconformadas recorreram a autora e, subordinadamente, as rés.

3.1.

Conclusões da autora.

I. O presente recurso visa não apenas pôr em causa a decisão de direito, mas também, ao abrigo do disposto no artº 662º do CPC, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.

II. Deve corrigir-se o ponto 21 dos factos provados, já que onde se lê 19, o Tribunal certamente queria escrever 18 “Nessa sequência, a Autora ordenou a reparação da viatura de acordo com o orçamento referido em 18”, pois é no ponto 18 dos factos provados que se faz menção ao orçamento.

III. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resulta claro que os factos d) e e) dos Factos não provados deviam ser dados como provados e, nesse sentido, deveriam ter sido condenadas as Ré no pagamento em causa.

IV. Cremos que dos documentos nº 9 e 9.1. juntos com a petição inicial, conjugados com prova feita em audiência, designadamente as declarações de parte dos gerentes da Autora, e ainda do depoimento da testemunha AA (BB , faixa 20210521105159_2920585_2870756, 8:27 a 9:26; CC, faixa 20210521115635_2920585_2870756, 7:09 a 7:39 e 8:35 a 9:00; e AA, faixa 20210521141123_2920585_2870756 de 4:05 a 5:06), se provou que a 27- 12-2019 ocorreu segunda fuga dos gases do escape, que custou à autora o valor de €302,32.

V. Entende a Apelante que deveria o Tribunal dar ainda como provados

a) o Artigo 26 da PI (o que se retira dos documentos 15 a 18 juntos com a PI, que provam cabalmente que através das cartas que a A. enviou, solicitou às rés a reparação da avaria do motor);

 b) e o art 27 da PI ( o que de retira dos documentos 19 e 20 juntos com a PI)

VI) Entende ainda a Apelante que deveria o Tribunal dar ainda como provado o art. 31 da PI (como resulta das declarações do Gerente BB , faixa 20210521105159_2920585_2870756, 29:07 a 29:34), e nesta senda condenar ainda as Ré no pagamento à A. dos danos morais (€430,00)

VII) Cremos que o Tribunal Recorrido fez ainda errada aplicação do direito, pois atendendo à factualidade dada como provada, nomeadamente nos artigos 14,15,18 e 21 (e ainda dos artigos 26 e 27 da Pi que aqui se pugnam como provados), deveria ter decidido igualmente pela condenação das Rés no pagamentos à A. no valor que teve a mesma de despender com a reparação do motor (€10 896,43), por este ser também ele um prejuízo como os demais que se condenaram as Rés a pagar à Recorrente.

b) No caso, a A não só alegou como provou a existência de um contrato de compra e venda; a celebração de um contrato de garantia acordado pelo período de 12 meses, a garantia de bom funcionamento prestada, os problemas tidos pela viatura alegados na PI, o mau funcionamento da viatura comprada e todos os danos causados por tais problemas onse se inclui o valor pago pela Reparação do motor (€10 896,43)

c) Provou-se ainda que a A. antes de avançar com a acção em causa, solicitou junto da 1ª Ré a reparação do motor (avariado em 05/02/20220) -Reparação que foi declinada.

d) Com efeito, além dos direitos de reparação e substituição, ao comprador assiste o direito a ser indemnizado pelos danos decorrentes do mau funcionamento, ou seja, «pelos prejuízos derivados do cumprimento inexacto da prestação garantida (prometida) ou, se se preferir, do atraso com que o comprador recebeu a coisa em perfeito funcionamento» - Calvão da Silva apud acórdão do 08-10-2009, processo n.° 3359/07.5TBVD.L1-8.

e) Ora, é injusto e absolutamente irrazoável que dentro destes danos se entendam como prejuízos só os que a Autora sofreu pela privação do uso da viatura (em cujos montantes as rés foram condenada a pagar), e não se incluam todos os demais danos causados pelo mau funcionamento, onde se insere o valor pago pela A. pela Reparação da avaria do motor em 05/2/2020- já que, como já referido, a reparação do bem que a lei prevê foi efectivamente solicitada e só não se verificou atenta a recusa pelas Rés nesta reparação.

f) Tratando-se, para além do mais, de uma obrigação assumida no contrato.  deve a A. ser condenada nos pagamentos dos demais danos alegados, pelo interesse contratual positivo no âmbito do 552 a 566 do CC, que visa colocar o credor/lesado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.

g) Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação e a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência serem as Rés condenadas (além dos valores que foram efectivamente condenadas em 1º instância) no pagamento de:

a) 302,32 referente à reparação da 2º fuga de gases

b) €430,00 a título de danos morais; e

c) €10 896,43 referente à reparação do motor

3.2.

Conclusões do recurso subordinado da ré A..., Lda.

1) A Apelante não pode concordar com a douta decisão do Tribunal a quo, na parte em que condenou as Rés no pagamento solidário à Autora do valor de 2.619,76 € (dois mil, seiscentos e dezanove euros e setenta e seis cêntimos), consequentemente, o presente recurso abrange a decisão proferida sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, com todas as consequências indicadas a final.

2) A partir do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento e dos documentos que se encontram juntos aos autos entende, com o devido respeito, que se impõe decisão diversa.

3) Resultaram, ainda, da audiência de julgamento, outros factos instrumentais que deveriam ter sido dados como provados, nos termos do disposto no art.º 5.º do CPC.

4) Quanto aos factos relativos à garantia prestada pelas Rés, foi dado como não provado que a Autora ocultou intencionalmente da 1ª Ré que desenvolve a actividade de transporte de mercadorias e que a viatura que comprou se destinava a fazer o transporte de mercadorias entre ... e ..., e que a 1ª Ré não soubesse daquela actividade e que 4 de Dezembro de 2019, a 1ª Ré transmitiu à Autora que devido à utilização profissional e intensiva da viatura a garantia era de 6 meses.

 5) Foi dado como provado que a garantia iniciou a 1 de Agosto de 2019 e tinha a duração de 12 meses.

6) Deverá, porém, ser considerado o seguinte: no dia 24 Julho de 2019, a 1ª Ré vendeu à Autora, um veículo ligeiro de mercadorias de ..., modelo ....

7) Na data de venda da viatura a 1ª Ré prestou à Autora uma garantia voluntária por si contratada com a E..., S.A, a qual teria que respeitar as limitações e exclusões legais e contratuais, tendo estas sido explicadas à Autora, momento em que a Autora ocultou o fim a que a viatura se destinava e a utilização que iria ter.

8) Portanto, nesse momento, nada fazendo crer que a viatura se destinava a uso profissional intensivo, a 1ª Ré disse à Autora que lhe seria fornecida uma garantia de 12 meses, conforme protocolo que tem com a 2ª Ré, alargando assim a garantia legal de 6 meses.

9) A autora, profissional do ramo dos transportes está bem informada do tipo de viatura que pretende para o desenvolvimento da sua atividade, bem sabendo também quais as condições e limitações legais e contratuais constantes das garantias para o tipo de viaturas em causa, nomeadamente quando se tratam de viaturas usadas.

10) A 1ª Ré acedeu à plataforma digital disponibilizada pela 2ª Ré e aí inscreveu o veículo vendido para que este beneficiasse da garantia de 12 meses protocolada com a 2ª Ré, entregando depois à Autora o respetivo certificado de garantia, no qual constam de forma explícita todas as condições e exclusões aplicáveis (designadamente, quanto ao tipo de viaturas e componentes).

11) Após este registo na plataforma, existe uma franquia de 3 dias, ou seja, só após validação é que a garantia fica activa e válida, portanto, a 2ª Ré toma conhecimento das condições apostas nos campos de preenchimento da dita plataforma, que valida essas mesmas condições no sistema. Caso algum dado estivesse incorreto, o própria plataforma da 2ª Ré não permitiria a emissão do dito certificado de garantia.

12) A “G...” protocolada entre a A..., Lda. e a E..., S.A refere no seu art.º 2.º, alínea d), sob a epígrafe “veículos cobertos” (doc. 3 junto com a petição inicial): “As prestações e serviços do contrato aplicam-se a veículos particulares, com um peso bruto inferior a 3.500 kg com excepção dos veículos de mercadorias ou afectos ao transporte público de pessoas tais como os táxis, ambulâncias e veículos de instrução, os veículos utilizados para aluguer de curta duração e os veículos modificados que já não cumprem as normas e especificações standard do Fabricante.”

13) Não obstante, a E..., S.A faz uma interpretação extensiva desta norma e admite que a apólice se aplique a viaturas ligeiras de passageiros ou de mercadorias desde que não sejam utilizadas para transporte contínuo e intensivo.

14) Além das conversas havidas entre a Autora e a 1ª Ré no momento da venda da viatura e no dia 04 de Dezembro de 2019, quando a 1ª Ré envia um e-mail à Autora a 15/01/2020 (doc. 9.1 junto com a petição inicial) fazendo referência às conversas ocorridas sobre a utilização profissional da viatura, a Autora não reagiu negando a existência de qualquer conversa sobre esse assunto.

15) A própria sócia gerente da Autora, CC, acaba por admitir mais tarde, já em sede de acareação, que, na referida reunião, lhes foi dito que estava a ser feita uma utilização intensiva da viatura e que, como tal, a viatura não se enquadrava na garantia de 12 meses, mas somente na garantia legal de 6 meses.

16) Face a todo o exposto tem que se alterar a matéria provada e não provada em conformidade, passando a constar: “5. Provado que na data da compra e venda do veículo, nada fazendo crer que a viatura se destinava a uso profissional intensivo, a 1ª Ré disse à Autora que lhe seria fornecida uma garantia de 12 meses, conforme protocolo que tem com a 2ª Ré, alargando assim a garantia legal de 6 meses; - Provado que a Autora ocultou intencionalmente da 1ª Ré que desenvolve a actividade de transporte de mercadorias e que a viatura que comprou se destinava a fazer o transporte de mercadorias entre ... e .... - Provado que a 4 de Dezembro de 2019, a 1ª Ré transmitiu à Autora que devido à utilização profissional e intensiva da viatura a garantia era de 6 meses.”.

17) Quanto aos factos relativos ao aluguer de viaturas, foi dado como provado que: “19. Em consequência destas avarias, a Autora alugou viaturas para desenvolver a sua actividade, tendo pago o valor de € 1.646,09.”.

18) Relativamente a este ponto, não pode ser dado por provado, sem mais o alegado pela Autora, incluindo na matéria factual juízos conclusivos, consequentemente, este ponto dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redação: “19. A Autora alugou viaturas para desenvolver a sua actividade, tendo pago o valor de 1.646,09 €.”.

19) Quanto aos factos relativos à avaria em 05 de Fevereiro de 2020, foi dado como provado que: “14. No dia 5 de Fevereiro de 2020, quando a viatura circulava em ..., ocorreu uma avaria no veículo não concretamente apurada, mas em consequência da qual o veículo parou e derramou óleo na estrada; 16. A Autora aparcou a viatura durante 21 dias, tendo pago pelo aparcamento o valor de € 336,17; 17. Pelo transporte da viatura até ..., após o referido em 14, a Autora pagou o valor de € 637,50; 18. A reparação da avaria referida em 14, foi orçamentada em € 10.896,43 e € 331,34 por substituição de rótulas de ligações (documento n.º 14 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido); 21. Nessa sequência, a Autora ordenou a reparação da viatura de acordo com o orçamento referido em 19.”

20) Quanto a esta alegada avaria apenas se apurou que no dia 5 de Fevereiro de 2020, a viatura derramou óleo na estrada.

21) A viatura deu entrada na oficina da ..., em ..., ..., no dia 06 de Fevereiro de 2020, resultando dos documentos juntos pela Autora com a sua petição inicial que na ... foi reparada a fuga de óleo e foi colocado óleo na viatura (vide doc. 12 junto com a petição inicial) e segundo, o mesmo doc. 12, no momento em que esta reparação foi feita, a viatura tinha 257.793 km.

22) Ora, atendendo a que a reparação foi feita em ... não se percebe porque existiria necessidade de rebocar a viatura para ... bem como de realizar posteriores reparações.

23) Consequentemente, nenhuma prova foi produzida de que o serviço de reboque realizado no dia 28 de Fevereiro de 2020, no valor de 637,50 €, tivesse ocorrido por causa da avaria do dia 05 de Fevereiro de 2020 na sequência da qual o veículo derramou óleo.

24) Refere também a Autora tinha esgotado o plafond relativo à assistência em viagem dada pela sua seguradora, porém, a garantia da E..., S.A previa uma assistência em viagem ilimitada, que a Autora nunca utilizou.

25) Desconhece-se o destino do veículo depois de este ter saído da oficina da ... no dia 27 de Fevereiro de 2020, ou seja, depois de aí ter estado aparcado 21 dias (de 06/02/2020 A ...7/02/2020).

26) Na sequência de todos estes acontecimentos pouco claros por parte da Autora, surge um orçamento da M... (vide doc. 14), com data de 02/04/2020 (ou seja, quase dois meses depois da suposta avaria e mais de um mês depois de supostamente ter sido rebocado para ...), numa altura em que o veículo supostamente teria 253.112 km, portanto, menos 5.681 kms do que aqueles que tinha quando foi intervencionado em ...!!!

27) Nenhuma prova foi produzida quanto à alegada avaria, muito menos foi feita qualquer prova quanto à necessidade de substituição do motor, e menos ainda, o que justifica substituir um motor já extremamente usado (257.000 km) por um motor completamente novo (com um custo superior a 11.000,00 €) numa viatura usada (de Janeiro de 2015), que havia sido comprada por 14.750,00 €!!!

28) Nem sequer se considerando, a ser verdade a necessidade de substituição, a montagem de um motor recondicionado, com garantia de fábrica, o qual custaria, de acordo com as testemunhas, cerca de 2.000,00 €.

29) A este propósito, foi bem esclarecedor o sócio gerente da Autora, BB, quando disse ao Tribunal que, como não era ele a pagar naturalmente que queria um motor novo, independentemente de tal ser justificável ou sequer razoável.

30) A Autora substitui o motor por motivo que se desconhece e em data que se desconhece e não por força da avaria de dia 05/02/2020 nem na sequência do declinar de responsabilidade por parte da 2ª Ré.

31) Face a todo o exposto deverá ser alterada a matéria provada em conformidade, passando a constar como provados os seguintes factos: “14. No dia 5 de Fevereiro de 2020, quando a viatura circulava em ..., ocorreu uma avaria no veículo não concretamente apurada, mas em consequência da qual o veículo parou e derramou óleo na estrada; 16. A Autora aparcou a viatura durante 21 dias, tendo pago pelo aparcamento o valor de 336,17 € (documento n.º 12 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido); 17. Pelo transporte da viatura até ..., realizado no dia 28 de Fevereiro de 2020, a Autora pagou o valor de 637,50 € (documento n.º 13 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido); 18. A substituição do motor do veículo por um motor novo foi orçamentada em 10.896,43 € e 331,34 € por substituição de rótulas de ligações (documento n.º 14 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido); 21. A Autora ordenou a substituição do motor do veículo por um motor novo.”

32) Resultou, ainda, da audiência de julgamento, o seguinte facto que deve ser dado como provado: “- A Autora pagou pela reparação da avaria referida em 14, fuga de óleo, a quantia de 192,10 € (documento n.º 12 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).”

33) Quanto aos factos relativos aos contactos com as Rés, foi dado como provado que: “15. Nesse mesmo dia, a Autora contactou as Rés para accionar a garantia, tendo as mesmas declinado qualquer responsabilidade; 20. Por e-mail de 28-05-2020, a 2ª Ré declinou a responsabilidade, referindo que a garantia era de apenas 6 meses.”.

34) De acordo com as declarações dos intervenientes no dia da avaria (05/02/2020) apenas terá sido contactada a seguradora do veículo, a seguradora k....

35) Relativamente aos contactos feitos temos, com a 1ª Ré: - e-mail enviado pela Autora à 1ª Ré em 11/02/2021, no qual a própria admite que apenas tinha reportado a suposta avaria em 10/02/2021, ao qual a 1ª Ré respondeu em 14/02/2021 (doc.s n.ºs 11 e 11.1 juntos com a petição inicial); - carta com data de 07/04/2020 enviada pela Autora à 1ª Ré (doc. 15 junto com a petição inicial) e com a 2ª Ré a interpelação que lhe foi dirigida uma carta em 18/05/2020, à qual a 2ª Ré respondeu em 28/05/2020 (doc.s 16 e 19 juntos com a petição inicial).

36) Assim, apesar de os sócios gerentes das Rés referirem que reportavam tudo de imediato às Rés, especialmente à A..., Lda., tal não pode ser dado como provado, porque é contrariado pela prova documental.

37) Face a todo o exposto há que alterar a matéria provada em conformidade, passando a constar como provados os seguintes factos: “15. No dia 11/02/2020, a Autora contactou a 1ª Ré por e-mail para accionar a garantia, tendo a mesma declinado qualquer responsabilidade; 20. Por e-mail de 28-05-2020, a 2ª Ré respondeu à carta da Autora de 18/05/2020, informando que a garantia era de apenas 6 meses

38) Face a todos estes factos que devem ser dado como provados, resulta que a garantia de bom funcionamento dada pela 1ª Ré à Autora era apenas de 6 meses.

39) Consequentemente, nenhum valor é devido à Autora, nomeadamente, a quantia de 336,17 € relativa ao aparcamento da viatura durante 21 dias; o custo da reparação da fuga de óleo, no montante de 192,10 €; qualquer quantia a título de custos de transporte da viatura para ...; qualquer quantia a título de aluguer de viaturas para desenvolver a actividade da Autora, qualquer quantia relativa à substituição do motor da viatura e demais peças constante do orçamento junto aos autos.

40) Não obstante, caso se considere que a garantia prestada aquando da venda da viatura corresponde efetivamente a um período de 12 meses, situação que apenas se reconhece como mero exercício académico, deverá a 1ª Ré ser absolvida do pagamento de qualquer quantia, porquanto, com as limitações e exclusões constantes da garantia, transferiu integralmente a sua responsabilidade para a 2ª Ré.

3.3.

Conclusões do recurso subordinado da ré E..., S.A.

I – O presente recurso vem interposto sentença que condenou as Rés no pagamento solidário à Autora do valor de € 2.619,76 (dois mil, seiscentos e dezanove euros e setenta e seis cêntimos), abrangendo quer a decisão proferida sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, quer as consequências extraídas ao nível da apreciação de direito.

II – A Recorrente mercê da prova produzida, considera que foi incorrectamente julgada a matéria dada como não provada na alínea c) dos factos não provados e considera que foi incorrectamente julgada a matéria dada como provada nos pontos 4, 5, 8, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21.

III – Considera-se ainda que da audiência de julgamento resultaram outros factos instrumentais que deveriam ter sido dados como provados, nos termos do art.º 5º do CPC.

 IV – No que respeita aos factos relativo à garantia prestada pela 1ª Ré, a sentença considera que os factos provados 4 e 5 foram confessados pelas Rés por não terem sido impugnados.

V – Tal argumento não corresponde inteiramente à realidade, pois no art.º 2º da sua contestação a 1ª Ré aceitou o art.º 4º da petição inicial (facto 4), no entanto no art.º 3º da referida contestação a 1ª Ré impugnou o art.º 5º da petição inicial (facto 5).

VI – Refere ainda a 1ª Ré nos art.ºs 11º e 12º da sua contestação que na data da venda do veículo prestou à Autora uma garantia voluntária por si contratada com a E..., S.A, a qual teria que respeitar as limitações e exclusões legais e contratuais.

VII – Na presente situação as Rés, A..., Lda. e E..., S.A, celebraram entre si um protocolo, de acordo com o qual a 2ª Ré prestava aos beneficiários do seguro (compradores) a garantia de bom funcionamento de determinados veículos vendidos pela 1ª Ré, dentro dos limites constantes da referida garantia.

VIII – A 1ª Ré vendeu à Autora, em Julho de 2019, um veículo ligeiro de mercadorias de ..., modelo ..., a gasóleo, sendo que, na sequência das negociações inerentes a essa compra e venda, a 1ª Ré terá dito à Autora que lhe fornecia uma garantia de 12 meses, alargando assim a garantia legal de 6 meses.

IX – Na sequência do sinistro ocorrido em 11/09/2012, o SG fica também ele imobilizado, tendo a sua reparação sido orçamentada em € 6.000,02.

X – Adicionalmente a 1ª Ré acedeu à plataforma disponibilizada pela 2ª Ré e aí inscreveu o veículo vendido para que este beneficiasse da garantia de 12 meses protocolada com a 2ª Ré, fornecendo à Autora o respectivo certificado de garantia, que foi assinado por vendedor e comprador, não tendo a 2ª Ré qualquer intervenção directa na emissão da referida garantia.

XI – A “G...” protocolada entre a A..., Lda. e a E..., S.A refere no seu art.º 2º d), veículos cobertos (doc. 3 junto com a petição inicial): “As prestações e serviços do contrato aplicam-se a veículos particulares, com um peso bruto inferior a 3.500 kg com excepção dos veículos de mercadorias ou afectos ao transporte público de pessoas tais como os táxis, ambulâncias e veículos de instrução, os veículos utilizados para aluguer de curta duração e os veículos modificados que já não cumprem as normas e especificações standard do Fabricante.” (sublinhado nosso).

XII – Assim, facilmente se verifica que nem o veículo em causa nem a actividade da Autora se coadunam com esta apólice de seguro, o que foi confirmado por todos os inquiridos em sede de audiência de julgamento.

XIII – A 2ª Ré desconhece o teor das conversas tidas entre a Autora e a 1ª Ré, no entanto, o teor do e-mail que a 1ª Ré envia à Autora em 15/01/2020 (doc. 9.1 junto com a petição inicial) a fazer referência às conversas tidas sobre a utilização profissional do veículo, indicia que a conversa tida no dia 04/12/2019 se debruçou efectivamente sobre a temática da duração da garantia, como referido pelos funcionários da 1ª Ré (DD e EE), o que aliás acabou também por ser parcialmente admitido pela sócia gerente da Autora (CC) em sede de acareação.

XIV – Conforme referido pela testemunha FF, a 2ª Ré confia nos seus parceiros para que averigúem se as viaturas e os compradores reúnem as condições necessárias para que seja fornecida a garantia, só tendo sido verificado que o veículo em causa e a actividade da Autora não se coadunavam com a garantia em causa quando esta foi accionada a propósito da avaria da caixa de velocidades, tendo sido tal situação comunicada de imediato pela 2ª Ré à 1ª Ré.

XV – Face ao exposto tem que se alterar a matéria provada e não provada em conformidade, passando a constar: “4. Provado que na data da compra e venda do veículo, a 1ª Ré entregou à Autora um certificado de garantia referente ao contrato com o número ...20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (documento n.º 3 junto com a petição inicial) e que refere nomeadamente que: “As prestações e serviços do contrato aplicam-se a veículos particulares, com um peso bruto inferior a 3.500 kg com excepção dos veículos de mercadorias ou afectos ao transporte público de pessoas tais como os táxis, ambulâncias e veículos de instrução, os veículos utilizados para aluguer de curta duração e os veículos modificados que já não cumprem as normas e especificações standard do Fabricante.”; 5. Provado que na data da compra e venda do veículo, a 1ª Ré acordou com a Autora uma garantia de 12 meses. - Provado que a 4 de Dezembro de 2019, a 1ª Ré transmitiu à Autora que devido à utilização profissional e intensiva da viatura a garantia era de 6 meses.”.

XVI – No que respeita aos factos relativo à reparação da fuga de gases, não se pode dar por provado sem mais o alegado pela Autora, tendo que se concretizar que a reparação foi feita pela 1ª Ré, que nem sequer ponderou acciona a garantia da 2ª Ré, como foi aliás confirmado pelo responsável de pós-venda da A..., Lda. (DD).

XVII – Face ao exposto este ponto dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redacção: “8. A 18 de Novembro de 2019, a viatura foi levada à oficina da 1ª Ré devido a uma fuga de gases de escape, tendo a 1ª Ré procedido à reparação do problema nesse mesmo dia.”.

XVIIII – No que respeita aos factos relativo ao aluguer de viaturas, não se pode dar por provado sem mais o alegado pela Autora, incluindo na matéria factual juízos conclusivos.

XIX – Face ao exposto este ponto dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redacção: “19. A Autora alugou viaturas para desenvolver a sua actividade, tendo pago o valor de € 1.646,09.”.

XX – No que respeita aos factos relativos à avaria em 05 de Fevereiro de 2020, a verdade é que apenas foi possível apurar que o veículo ... no dia 05/02/2020 derramou óleo na estrada.

XXI – Desde logo, relativamente a esta avaria estranha-se que o veículo apenas tenha dado entrada na oficina em ... no dia 06 de Fevereiro de 2020, conforme resulta dos e-mails enviados pela oficina em ... no dia 11 de Fevereiro de 2020 (doc.s 11 e 11.1 juntos com a petição inicial)

XXII – Resulta dos documentos juntos pela Autora com a sua petição inicial que na ... foi reparada a fuga de óleo e foi colocado óleo na viatura (doc. 12 junto com a petição inicial), sendo que o orçamento para esta reparação teve que ser enviado à Autora por e-mail uma vez que a oficina em ... não conseguia sequer contactar a Autora (doc.s 11 e 11.1 juntos com a petição inicial).

XXIII – A Autora não faz qualquer referência a esta reparação, que terá recolocado a viatura em circulação, nem na sua petição nem em sede de audiência de julgamento, procurando no entanto que as Rés sejam responsabilizadas pelo pagamento da quantia em causa incluindo este valor nos custos com o aparcamento.

XXIV – Tendo sido feita esta reparação em ... desconhece-se o motivo pelo qual o veículo ficou aparcado a aguardar a realização desta reparação, a não ser por incúria da Autora, pois, como já se referiu, a oficina em ... não conseguia sequer falar com a Autora, sendo que logo no dia 11/02/2020 a oficina informou a Autora que dada a ausência de contacto lhe iria ser cobrado aparcamento.

XXV – Da mesma forma, atendendo a que a reparação foi feita em ... desconhece-se qual a necessidade de rebocar o carro para ... ou de efectuar posteriores reparações, sendo que quanto ao reboque efectuado desde o local da avaria até à oficina da ... em ... estranhamente nada é peticionada, apesar de todas as testemunhas da Autora terem referido a necessidade do mesmo.

XXVI – Assim, nenhuma prova foi feita que o reboque realizado no dia 28 de Fevereiro de 2020 no valor de € 637,50 tivesse ocorrido por causa da avaria do dia 05 de Fevereiro de 2020 na sequência da qual o veículo derramou óleo

XXVII – Os sócios gerentes da Autora e as testemunhas desta referiram também em sede de audiência de julgamento que em 05/02/2020 a Autora já tinha esgotado o plafond relativo à assistência em viagem da sua seguradora de responsabilidade civil, k..., o que é no mínimo estranho pois que a única avaria do conhecimento da 2ª Ré que poderia ter motivado um reboque foi a avaria da caixa de velocidades, além de que a garantia da E..., S.A previa uma assistência em viagem ilimitada, que a Autora nunca utilizou.

XXVIII – Desconhece-se o destino do veículo depois de este ter saído da oficina da ... no dia 27 de Fevereiro de 2020, ou seja, depois de aí ter estado aparcado 21 dias (de  06/02/2020 a 27/02/2020) e antes de ter sido rebocado para ... em 28 de Fevereiro de 2020.

XXIX – Na sequência de todos estes acontecimentos pouco claros por parte da Autora, surge um orçamento com data de 02/04/2020 (ou seja, quase dois meses depois da suposta avaria e mais de um mês depois de supostamente ter sido rebocado para ...), numa altura em que o veículo supostamente teria 253112 km (portanto, menos kms do que aqueles que tinha quando foi intervencionado em ... – 257793 km), para a substituição de um motor usado com mais de 250000 km por um motor novinho em folha (doc. 14 junto com a petição inicial).

XXX – E, estranhamente ou não, não é chamado pela Autora a Tribunal nenhuma testemunha da M..., enquanto oficina reparadora, para no mínimo nos dizer qual foi a avaria que o veículo teve e justificar a necessidade da substituição do motor.

XXXI – Relativamente à natureza da suposta avaria do motor a prova que temos resume-se a meras alegações: o sócio gerente da Autora (BB) diz que “rebentou o motor”, “não tinha reparação possível na hora”, “motor partiu todo, tinha um buraco”; a testemunha GG, diz “o colega ia a conduzir a Boxer, a chegar a ..., a descer, e a carrinha avariou” e a testemunha AA alega que ouviu dizer que o motor gripou.

XXXII – Ora, se nenhuma prova foi feita quanto à avaria, muito menos foi feita qualquer prova quanto à necessidade de substituição do motor e muito menos o que justifica substituir um motor com muito uso por um motor novo.

XXXIII – É um perfeito absurdo colocar num veículo com mais de 250 000 km um motor com um custo superior a € 11.000,00, quando o veículo tinha sido adquirido com 186 385 km por € 14.750,00, justificável apenas pela tentativa de aproveitamento por parte da Autora perfeitamente assumida pelos seus sócios gerentes em sede de audiência de julgamento.

XXXIV – É manifesto que a Autora substitui o motor por motivo que se desconhece e em data que se desconhece e não por força da avaria de dia 05/02/2020 nem na sequência do declinar de responsabilidade por parte da 2ª Ré.

XXXV – Face a todo o exposto tem que se alterar a matéria provada em conformidade, passando a constar como provados os seguintes factos: “14. No dia 5 de Fevereiro de 2020, quando a viatura circulava em ..., ocorreu uma avaria no veículo não concretamente apurada, mas em consequência da qual o veículo parou e derramou óleo na estrada; 16. A Autora aparcou a viatura durante 21 dias, tendo pago pelo aparcamento o valor de € 336,17 (documento n.º 12 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido); 17. Pelo transporte da viatura até ..., realizado no dia 28 de Fevereiro de 2020, a Autora pagou o valor de € 637,50 (documento n.º 13 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido); 18. A substituição do motor do veículo por um motor novo foi orçamentada em € 10.896,43 e € 331,34 por substituição de rótulas de ligações (documento n.º 14 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido); 21. A Autora ordenou a substituição do motor do veículo por um motor novo.”

XXXVI – Resultaram, ainda, da audiência de julgamento, outros factos instrumentais que devem ser dados como provados: “- O veículo deu entrada na ... no dia 06 de Fevereiro de 2020, tendo aí permanecido durante 21 dias, ou seja, até ao dia 27 de Fevereiro de 2020 (documentos n.ºs 11, 11.1 e 12 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos); - Por e-mail de 11/02/2020 a Autora foi informada do valor necessário para a reparação do veículo, bem como lhe ia ser cobrado aparcamento, uma vez que a oficina não conseguia contactar com a Autora (documentos n.ºs 11 e 11.1 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos); - A Autora pagou pela reparação da avaria referida em 14, fuga de óleo, a quantia de € 192,10 (documento n.º 12 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).”

XXXVII – No que respeita aos factos relativos aos contactos com a 2ª Ré, a verdade é que desde logo pelas declarações dos intervenientes ao que parece no dia da avaria (05/02/2020) apenas terá sido contactada a seguradora do veículo, k....

XXXVIII – Relativamente aos contactos feitos com a 1ª Ré temos: - e-mail enviado pela Autora à 1ª Ré em 11/02/2021, no qual a própria admite que apenas tinha reportado a suposta avaria em 10/02/2021, ao qual a 1ª Ré respondeu em 14/02/2021 (doc.s n.ºs 11 e 11.1 juntos com a petição inicial); - carta com data de 07/04/2020 enviada pela Autora à 1ª Ré (doc. 15 junto com a petição inicial).  

XXXIX – No que respeita à 2ª Ré a única interpelação que lhe foi dirigida uma carta em 18/05/2020, à qual a 2ª Ré respondeu em 28/05/2020 (doc.s 16 e 19 juntos com a petição inicial).

XL – Face a todo o exposto tem que se alterar a matéria provada em conformidade, passando a constar como provados os seguintes factos: “15. No dia 11/02/2020, a Autora contactou a 1ª Ré por e-mail para accionar a garantia, tendo a mesma declinado qualquer responsabilidade; 20. Por e-mail de 28-05-2020, a 2ª Ré respondeu à carta da Autora de 18/05/2020, informando que a garantia era de apenas 6 meses.”

XLI – Ora, face à matéria que se considera que deve ser dada como provada, entendemos que a garantia de bom funcionamento dada pela 1ª Ré à Autora era apenas de 6 meses.

XLII – Não obstante, e ainda que assim se não entenda, e se considere que a 1ª Ré convencionou com a Autora uma garantia com a duração de 12 meses, parece-nos que nunca poderá aplicar-se à situação (ao veículo ... com a matrícula ..-PM-..) a garantia contratada pela 1ª Ré com a E..., S.A, pois que esta apenas tem por objecto os “veículos particulares, com um peso bruto inferior a 3.500 kg com excepção dos veículos de mercadorias ou afectos ao transporte público de pessoas tais como os táxis, ambulâncias e veículos de instrução, os veículos utilizados para aluguer de curta duração e os veículos modificados que já não cumprem as normas e especificações standard do Fabricante.” (sublinhado nosso) – art.º 2º d) do doc. 3 junto com a petição inicial, desginado por “G...” protocolada entre a A..., Lda. e a E..., S.A.

XLIII – Sem prescindir, e ainda que assim se não entenda, e se aplique à presente situação a garantia protocolada pela 1ª Ré com a E..., S.A e de que a Autora seria beneficiária, o que só por mera hipótese académica se admite, a verdade é que nenhum valor é devido à Autora.

XLIV – A quantia de € 336,17 relativa ao aparcamento da viatura durante 21 dias não tem enquadramento na garantia, pelo que a 2ª Ré nunca poderia ser responsável pelo pagamento da mesma, além de que a cobrança deste valor deve-se à incúria da Autora que deixou o veículo abandonado na ... sem qualquer contacto com esta.

XLV – No que respeita ao valor com o transporte da viatura para ..., no dia 28/02/2020, desconhecesse o que motivou a necessidade deste reboque.

XLVI – Relativamente ao aluguer de viaturas para desenvolver a sua actividade, além da 2ª Ré desconhecer a efectiva necessidade das mesmas, a garantia não cobre este tipo de despesa, pelo que a 2ª Ré não pode ser responsabilizada pela mesma, como a Autora bem sabia.

XLVII – Face a todo o exposto, ainda que se entenda que a garantia dada pela 2ª Ré era aplicável à Autora e ao ... em causa, o que só por mera hipótese académica se admite, a verdade é que a transferência de responsabilidade da 1ª para a 2ª Ré, no que à garantia de bom funcionamento respeita, está limitada ao clausulado na referida garantia.

XLVIII – Desta forma, nenhum dos valores a que as Rés foram condenadas a pagar à Autora, de forma solidária, se encontra prevista na garantia dada pela 2ª Ré, pelo que a 2ª Ré sempre teria que ser absolvida do pagamento de qualquer quantia.

XLIX – A decisão recorrida violou, pelos motivos supra expostos, entre outros, o disposto nos art.ºs 342º e 513º do Código Civil e os art.ºs 5º, 413º e 414º do Código de Processo Civil.

3.4.

Contra alegações da ré A..., Lda..

1) Não assiste qualquer razão à Recorrente, a pretensão da Recorrente não tem qualquer fundamento, pelo que não pode proceder.

2) Vem a Recorrente manifestar que as alíneas d) e e) dos factos não provados deveriam ser dados como provados e, consequentemente, deveriam ter sido condenadas as Rés no pagamento em causa.

3) A factura junta como doc. n.º 9 com a petição inicial, com data de 31/01/2020, no valor de 302,32 € não permite aferir qual o tipo de reparação a que o veículo foi sujeito, nem tão pouco qual a data da avaria e a data de entrega da viatura reparada.

4) Acresce que, analisando as peças constantes no doc. n.º 8 junto com a petição inicial, apenas existe coincidência numa braçadeira que, de resto, se trata de uma peça de aplicação universal com uma miríade de aplicações em todo o tipo de reparações e sistemas, que não apenas em fugas de gases de escape ou colectores.

5) Nem as declarações de parte prestadas pelos Legais Representantes da Autora, nem as declarações da testemunha AA esclareceram esta matéria.

6) A factura a que se alude refere inúmeras substituições de braçadeiras, espaçador, perne, parafuso, porca e juntas, e alude à montagem/desmontagem de um colector, retirando-se que nada tem a ver com o referido em sede de audiência de julgamento.

7) Portanto, não sendo produzida qualquer prova na audiência de julgamento relativamente aos factos em causa, o Tribunal andou bem quando os considerou como não provados. 8) Entende a Recorrente que os artigos 26, 27 e 31 da petição inicial deveriam ter sido dados como provados.

9) Aqui, a Recorrente limitou-se a anexar um orçamento relativo à venda e montagem de um motor, e de muitas outras peças, reclamando a sua substituição integral, sem que apresentasse qualquer justificação para a alegada necessidade.

10) A M..., sendo concessionária oficial ... estava mais do que habilitada a fornecer cabal e esclarecida informação sobre os alegados danos sofridos pelo motor e justificar que peça ou peças teriam de ser substituídas, porém, tal informação nunca foi prestada, se é que alguma vez existiu.

11) Já relativamente ao artigo 31 da petição inicial, a Recorrente não concretiza qualquer facto passível de consubstanciar o fundamento para peticionar uma quantia a título de indemnização por eventuais danos não patrimoniais.

12) O prazo de garantia previsto no art.º 921º do Código Civil, pode ser alargado para além dos seis meses legalmente previstos por acordo entre o comprador e o vendedor e este pode, se assim entender, transferir esta garantia para um terceiro, in casu, foi o que sucedeu, a A..., Lda., fruto da parceria comercial com a E..., S.A, transferiu para esta, que aceitou, a modalidade de garantia denominada “G...” quanto à viatura em causa.

13) A E..., S.A conhece, desde o primeiro momento os termos em que foi celebrado o contrato de compra e venda da viatura e a modalidade da garantia.

14) De resto, a garantia que a Recorrente invoca e juntou aos autos (doc. 3), designada “G...” contém logo na sua primeira página as condições e caraterísticas da viatura, a saber “..., “Modelo ... “Tipo L. Comercial” ou seja, ligeiro comercial e “Garantia Mobilidade 12 meses”, Pelo que, não restam dúvidas de que, a garantia é plenamente válida e eficaz.

15) A testemunha FF E afirmou que a avaria na caixa de velocidades, ocorrida em 28 de Novembro de 2019, estava coberta pela garantia, pelo que, sem margem para dúvida, a garantia prestada era plenamente válida e eficaz, sendo aceite pela E..., S.A, independentemente do tipo de viatura. De tal forma que pagou reparações ao abrigo desta garantia.

16) Questão diversa é a de saber se a garantia E..., S.A permanece válida por 6 ou por 12 meses).

17) Quanto à alegada avaria de 05 de Fevereiro de 2020, apenas se saber que a viatura derramou óleo para a via. Não foi junto aos autos qualquer orçamento/relatório de peritagem da ... espanhola para onde o veículo terá sido levado.

18) Aliás, tanto quanto é possível retirar da factura junta com a petição inicial como doc. 12 a fuga de óleo foi reparada, logo, desconhece-se qual a avaria que subsistiu no motor.

19) Não competia às Rés fazerem prova de que a avaria ocorrida estava excluída da garantia ou que tinha sido causada pela incorrecta utilização do bem por parte da Recorrente, se desde logo, a Recorrente não alega nem foi possível produzir qualquer prova de qual foi a avaria adicional que o veículo teve e que necessitaria de reparação.

20) A única prova que a Recorrente fez foi de que lhe foi dado um orçamento para substituição integral um motor usado com mais de 257.000 km por um motor novo acrescido de muitas outras peças além do motor (conforme consta do orçamento) entregue com a petição inicial. Não foi junta qualquer peritagem/orçamento em que se identifique concretamente a avaria sofrida.

21) Num manifesto abuso de direito, pretende que sejam as Rés a pagar.

22) Se não é alegada nem provada qual a avaria, em concreto, que o motor sofreu, não poderá existir obrigação por parte das Rés de reparar o motor nem sequer de o substituir.

23) Bem andou a sentença ao referir que os direitos do comprador em relação à garantia de bom funcionamento, que foi aquilo que a Recorrente pretendeu accionar, são os estabelecidos no art.º 921º do Código Civil, ou seja, a reparação ou a substituição.

24) Finalmente, não se pode deixar de considerar que a substituição de um motor com mais de 250.000 km e que, à data da aquisição, já tinha mais de 186.000 km, por um motor novo, excede manifestamente os limites da boa fé, dos bons costumes, pelo que há um claro e verdadeiro abuso de direito por parte da Autora o qual, a ser aceite, consubstanciaria um manifesto enriquecimento sem causa da Autora, o qual é inaceitável à luz do ordenamento jurídico português.

25) Sem conceder, sempre se diz que, ainda que se justificasse a substituição do motor, o que se desconhece, seria bem mais adequada a substituição por um motor recondicionado que tem a mesma garantia da marca, conforme foi referido em sede de audiência de julgamento pelas testemunhas EE, DD e FF.

3.5.

Contra alegações da ré E..., S.A.

I – A sentença proferida não merece qualquer reparo no sentido pretendido pela Recorrente, uma vez que se encontra devidamente fundamentada e de acordo com a prova carreada para os presentes autos, bem como com a Jurisprudência e a Doutrina.

II – Entende a Recorrente que as alíneas d) e e) dos factos não provados deveriam ser dados como provados, no entanto, como veremos não assiste qualquer razão à Recorrente.

III – A factura junta aos autos como doc. n.º 9 com a petição inicial, com data de 31/01/2020, no valor de € 302,32 não permite aferir qual o tipo de reparação a que o veículo foi sujeito, nem tão pouco qual a data da avaria e a data de entrega da viatura reparada.

IV – As declarações de parte prestadas pelos Legais Representantes da Autora também nada esclareceram a este respeito, sendo que inclusive referiram que a 1ª Ré teria efectuado uma reparação anterior na qual esta apenas teria soldado uma peça, o que é infirmado pelo doc. n.º 8 junto com a petição inicial que elenca a intervenção efectivamente realizada pela 1ª Ré.

V – Ora, não tendo sido produzida qualquer prova em sede de audiência de julgamento relativamente aos factos em causa, o Tribunal apenas os poderia considerar como não provados, tal como ocorreu.

VI – Entende a Recorrente que os artigos 26, 27 e 31 da petição inicial deveriam ter sido dado como provados.

VII – No que respeita aos artigos 26 e 27 da petição inicial apenas se pode dar como provado que em 07 de Abril de 2020 a Recorrente endereçou uma exposição à A..., Lda. (doc. 15), à qual esta respondeu em 22 de Maio de 2020 (doc. 20) e que a Recorrente 18 de Maio de 2020 endereçou uma exposição à E..., S.A (doc. 16), à qual esta respondeu em 28 de Maio de 2020 (doc. 19).

VIII – Relativamente ao artigo 31 da petição inicial este não elenca qualquer facto, mas apenas elenca termos abstractos e peticiona uma quantia a título de indemnização por eventuais danos não patrimoniais, pelo que nunca poderia ser incluído nos factos provados.

IX – Entre a Recorrente e a A..., Lda. foi celebrado um contrato de compra e venda de um veículo automóvel.

X – De acordo com o art.º 921º do Código Civil, o vendedor de um bem móvel (A..., Lda.), está obrigado a dar ao comprador (G..., Lda.) uma garantia de bom funcionamento do bem pelo prazo de seis meses.

XI – O prazo desta garantia pode ser alargado para além dos seis meses legalmente previstos por acordo entre o comprador e o vendedor.

XII – E o vendedor pode, se assim entender, transferir esta garantia para um terceiro, nos termos contratados entre o vendedor e essa entidade terceira, sendo o comprador apenas beneficiário desse contrato celebrado entre o vendedor e a entidade terceira..

XIII – A E..., S.A desconhece os termos em que foi celebrado o contrato de compra e venda, se os funcionários da A..., Lda. tinham ou não conhecimento da actividade da Recorrente, bem como desconhece o acordado entre comprador (G...) e o vendedor (A..., Lda.).

XIV – A garantia que a Recorrente invoca e junta aos autos (doc. 3), designada “G...” não tem aplicabilidade ao presente caso pois que o veículo vendido pela A..., Lda., um Peugoet Boxer, enquanto veículo de mercadorias a ser utilizado de forma profissional pela Recorrente está expressamente excluído da referida garantia.

XV – Sem prescindir, e independentemente da duração da garantia (... ou 12 meses) e independentemente da aplicação à presente situação da garantia contratada pela A..., Lda. junto da E..., S.A, a verdade é que ainda que se admita que, a 05 de Fevereiro de 2020, ocorreu uma avaria no veículo, apenas se saber que este derramou óleo para a via.

XVI – Não se sabe o que sucedeu, não foi junto aos autos qualquer orçamento/relatório de peritagem da ... espanhola para onde o veículo terá sido levado.

XVII – Tanto quanto é possível retirar da factura junta com a petição inicial como doc. 12 a fuga de óleo foi reparada, pelo que se desconhece qual a avaria que subsistiu no motor.

XVIII – Não se pode dizer que competia às Rés fazerem prova de que a avaria ocorrida estava excluída da garantia ou que tinha sido causada pela incorrecta utilização do bem por 11 parte da Recorrente, se ab initio a Recorrente/Autora não alega nem prova qual foi a avaria adicional que o veículo teve e que necessitava de reparação.

XIX – A única prova que a Recorrente/Autora fez foi de que substituiu um motor usado com mais de 257000km por um motor novo (cfr. doc. 12 junto com a petição inicial) e que pretende que as Rés paguem esse motor novo, num manifesto abuso de direito, como o próprio sócio gerente da Autora, BB, admite quando refere que como não é ele a pagar escolhe o melhor.

XX – Muito bem andou nesta medida a sentença ao referir que os direitos do comprador em relação à garantia de bom funcionamento, que foi aquilo que a Recorrente pretendeu accionar, são os estabelecidos no art.º 921º do Código Civil, ou seja, a reparação ou a substituição.

XXI – Ainda que o veículo estivesse abrangido por garantia quando teve a suposta avaria, e que tal avaria impusesse a substituição do motor, o uso deste direito sempre teria que ser exercido dentro dos limites das regras da boa fé, dos bons costumes e ser conforme com o fim social ou económico para que a lei conferiu esse direito.

XXII – A substituição de um motor com mais de 250 000 km por um motor novo, como pretende a Recorrente, excede manifestamente estes limites, pelo que há um verdadeiro abuso de direito por parte da Autora, o qual a ser aceite redundaria num manifesto enriquecimento sem causa da Autora, o qual é inaceitável à luz do ordenamento jurídico português.

XXIII – Para uma avaria de motor deve ser seguido o que está preconizado pela marca e dessa forma, repor a conformidade, ou seja, para avaliar se há reparação de motor ou substituição deste é necessário avaliar a avaria, os seus custos e decidir o que fazer, o que não foi feito na presente situação.

XXIV – Por todo o exposto, dúvidas não restam de que a pretensão da Recorrente não tem qualquer fundamento pelo que não pode proceder.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Condenação das rés nas acrescidas quantias de  a) 302,32 referente à reparação da 2º fuga de gases  b) €430,00 a título de danos morais; e c) €10 896,43 referente à reparação do motor, ou a sua total absolvição.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Por outro lado, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando -  objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

  Certo é que a alteração apenas é de conceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.3.

O caso vertente.

5.1.3.1.

Da presente pretensão por banda da autora.

Pretende a autora a prova dos factos não provados das als. d) e e) e dos factos dos factos alegados nos  artºs 26, 27 e 31 da pi.

Têm aqueles o seguinte teor:

d) A 27 de Dezembro de 2019, a viatura apresentou novamente fuga de gases de escape e a Autora decidiu efectuar a reparação na M..., sita em ..., local em que a viatura ficou até 30 de Janeiro de 2020;

e) Por esta reparação, a Autora pagou o valor de € 302,32;

Relativamente a estes pontos há a considerar que a 1ª ré, na sua contestação, não impugnou serem, real e efetivamente, falsos ou inverídicos estes factos.

Antes se socorreu do postulado legal de que, alegando o réu o desconhecimento de um facto não pessoal, tal posição se deve ter como de impugnação do mesmo – artº 574º nº3 do CPC.

Esta estatuição legal, e porque tal postura do réu cria alguma dúvida quanto à veracidade ou não veracidade do facto, visa mais estabelecer uma ordem processual formal atinente a uma posição liminar e de princípio quanto à imposição do ónus da prova, onerando o autor  com a prova do facto assim tido por impugnado.

Porém, está bom de ver que esta postura do réu não tem a mesma força e dignidade daqueloutra em que ele, assertiva e inequivocamente, se insurge contra a realidade do facto.

Por conseguinte, o ónus probatório do autor pode ser aliviado, porque, afinal, sempre existe aquela liminar dúvida.

Ora, no caso vertente, o documento 9 prova que o veículo foi submetido à intervenção ao coletor de escape em janeiro de 2020.

Esta fatura não pode ser relativa a uma intervenção anterior ao mesmo problema porque aqui ele foi assumido pela 1ª ré –ponto 8.

O documento de fls. 18, datado de 15.01.2020, também demonstra  que esta avaria é posterior a novembro de 2019 e que entretanto o carro sofreu uma nova avaria, pois que a 1ª ré denegou a sua reparação.

A prova pessoal mencionada pela autora/recorrente apontou nesse sentido.

Por conseguinte, estes factos, podem, e até devem, ser dados como provados, sendo certo que, inclusive, a julgadora não fundamentou, ao menos direta, inequívoca e suficientemente, a sua não prova.

Quanto aos pontos 26 e 27 da pi..

Tais pontos atinentes à interpelação das rés pela autora para a resolução, presume-se que global, ie. de todos os problemas e avarias, está confessada pela 1ª ré no artº 2º da sua contestação.

Ademais, os documentos mencionados pela autora provam tal interpelação e recusa por banda das rés.

Destarte, tais factos devem ser dados como provados, a saber:

Ambas as rés foram interpeladas pela autora para a resolução do problema.

Ambas as rés declinaram a sua responsabilidade.

O ponto 31 é um pedido por danos não patrimoniais, pelo que não é factual.

5.1.3.2.

Da presente pretensão por parte das rés.

5.1.3.2.1.

Dos factos instrumentais.

As rés pretendem ver provados factos que taxam e instrumentais, a saber:

: “- O veículo deu entrada na ... no dia 06 de Fevereiro de 2020, tendo aí permanecido durante 21 dias, ou seja, até ao dia 27 de Fevereiro de 2020 (documentos n.ºs 11, 11.1 e 12 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos);

 - Por e-mail de 11/02/2020 a Autora foi informada do valor necessário para a reparação do veículo, bem como lhe ia ser cobrado aparcamento, uma vez que a oficina não conseguia contactar com a Autora (documentos n.ºs 11 e 11.1 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos);

- A Autora pagou pela reparação da avaria referida em 14, fuga de óleo, a quantia de € 192,10 (documento n.º 12 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido).”

Factos instrumentais são os que interessam indiretamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes; não pertencem à norma fundamentadora do direito e são-lhe, em si, indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção – Ac do STJ de 23.09.2003, p. 03B1987 in dgsi.pt.

Ou, noutra vertente ou nuance, os factos instrumentais (ou probatórios) são os factos que permitem, através de uma presunção legal ou natural, inferir um outro facto, nomeadamente um facto essencial.

 Em termos processuais, estatui o artº 5º do CPC:

2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

Temos assim que o juiz tem o poder/dever de considerar os factos por ele tidos como instrumentais.

Tal consideração, por força do princípios da cooperação e do contraditório, tem de ser comunicada às partes no decurso ou finda a audiência de julgamento.

Ademais, se as partes entenderem que ao longo da instrução da causa emergem factos instrumentais que entendem dever ser atendidos, e o juiz não os atendeu, outrossim devem, até aquele momento processual, identificar os factos e requerer o seu atendimento ao julgador da 1ª instância.

Devendo este emitir pronúncia sobre tal pretensão a qual, se for desfavorável ao impetrante, poderá ser impugnada em sede de recurso.

Se  assim não  atuarem, não podem as partes, apenas em  sede de recurso, levantar tal questão.

Pois que a mesma se apresenta como questão nova, não decidida pelo tribunal recorrido, e, assim, não suscetível de apreciação pelo tribunal ad quem, pois que, como é consabido, os poderes ínsitos no múnus deste destinam-se apenas à reponderação do anteriormente decidido.

É o caso dos autos no qual as rés não levantaram a necessidade, perante o tribunal recorrido, de atendimento dos factos que ora taxam de instrumentais.

Ademais, e mesmo que assim não fosse ou não se entenda,  o primeiro facto já está, exceto quanto ao valor, provado no ponto 16.

E a relevância dos restantes, naquela qualidade, não se antolha, pois que, mesmo que fossem provados, dos mesmos não dimanava, ao menos necessariamente, qualquer conclusão sobre a prova ou não prova dos restantes factos, que, atenta a qualificação das rés destes factos como instrumentais, se deveriam qualificar de essenciais.

5.1.3.2.2.

Insurge-se a 1ª ré contra a não prova das als.  a) e b) dos factos não provados, a saber:

- A Autora ocultou intencionalmente da 1.ª Ré que desenvolve a actividade de transporte de mercadorias e que a viatura que comprou se destinava a fazer o transporte de mercadorias entre ... e ..., e que a 1.ª Ré não soubesse daquela actividade;

- A 4 de Dezembro de 2019, a 1.ª Ré transmitiu à Autora que devido à utilização profissional e intensiva da viatura a garantia era de 6 meses;

Pretendendo que sejam dados como provados os seguintes factos:

«5. Provado que na data da compra e venda do veículo, nada fazendo crer que a viatura se destinava a uso profissional intensivo, a 1ª Ré disse à Autora que lhe seria fornecida uma garantia de 12 meses, conforme protocolo que tem com a 2ª Ré, alargando assim a garantia legal de 6 meses; - Provado que a Autora ocultou intencionalmente da 1ª Ré que desenvolve a actividade de transporte de mercadorias e que a viatura que comprou se destinava a fazer o transporte de mercadorias entre ... e .... - Provado que a 4 de Dezembro de 2019, a 1ª Ré transmitiu à Autora que devido à utilização profissional e intensiva da viatura a garantia era de 6 meses.”.»

A Srª Juíza,  fundamentou a decisão fáctica, por apelo a toda a prova produzida na interpretação concatenada da mesma.

Neste particular conspeto disse:

« enquanto os legais representantes da Autora foram peremptórios ao afirmar que o vendedor da 1.ª Ré sabia qual a actividade a que a primeira se dedica (recorde-se, transporte de mercadorias), as testemunhas HH, DD e EE foram peremptórios em afirmar que só depois de o veículo começar a ter avarias é que a 1.ª Ré tomou conhecimento da actividade a que a Autora se dedica.

Atendendo a que, no momento da venda, apenas estavam presentes os legais representantes da Autora e a testemunha HH, importa referir que, no confronto das declarações e depoimento apresentados, a dos legais representantes da Autora se mostrou mais convincente.

Dizem-nos as regras da experiência e da lógica que, no momento em que um potencial comprador se apresenta para ver e adquirir uma viatura, se estabelece uma conversa entre aquele potencial comprador e o vendedor, a qual incidirá sobre o tipo de veículo que o primeiro pretende e as suas características. Neste contexto, é natural e expectável que o comprador, no caso de ser uma pessoa colectiva, ao explicar as características do veículo que pretende, fale da actividade a que se dedica, ou que o vendedor o pergunte, de modo a melhor avaliar os veículos que podem interessar àquele cliente.

Acontece que, no caso em concreto, a testemunha HH, negou que soubesse qual a actividade da Autora, explicando que essa informação nunca lhe foi dita e que, quando se trata de empresas, se limita a tratar da venda do veículo pedido, porque o cliente sabe o que quer e HH não o quer contradizer.

Esta explicação não faz sentido.

Em primeiro lugar, sendo esta a segunda venda de um veículo da 1.ª Ré para a Autora (tendo a primeira já sido intermediada pela testemunha HH), é pouco crível que nas conversas que necessariamente ocorreram para compra dos veículos, nunca tenha surgido a referência à actividade da Autora.

Em segundo lugar, não se vê de que…forma é que aconselhar um cliente consiste em o contradizer e, com isso, incorrer no risco de o vendedor perder aquele cliente. Aconselhar não é impor. Mais: a testemunha HH acabou por se contradizer quando, no final do seu depoimento, afirmou que aconselhou ao legal representante da Autora um outro veículo…

Assim não é plausível que HH não soubesse do objecto social da Autora.

   Finalmente, em relação às testemunhas DD e EE, uma vez que estas não estiveram presentes no momento da venda, a circunstância de afirmarem que só souberam da actividade da Autora depois das avarias nada diz quanto à interacção tida entre os legais representantes da Autora e o vendedor da 1.ª Ré no momento da compra.

   Passando, por fim, ao facto não provado c), respeitante ao sucedido na reunião de Dezembro de 2019, o Tribunal não ficou convencido de que ali tivesse sido transmitido aos legais representantes da Autora que a garantia passava a ser de seis meses.

   Neste conspecto, os legais representantes negaram que lhes tenha sido transmitido tal informação. Por seu turno, as testemunhas DD e EE, funcionários da 1.ª Ré, afirmaram que aquela informação foi prestada. Feita a acareação entre os legais representantes e as testemunhas, todos mantiveram as respectivas versões, sendo que falaram de forma clara e segura quanto a este aspecto. Perante estas características, o Tribunal não conseguiu firmar convicção quanto ao efectivamente sucedido naquela reunião.»

Como se vê a julgadora fundamentou, cabal e exaustivamente, estes factos.

Aliás, versus o efetivado pela recorrente.

A qual não aduz, como supra se demonstrou ser-lhe exigível, ao menos em sede conclusiva,  de uma forma concreta e discriminada, os específicos meios probatórios que impunham a prova factual por ela pretendida.

 Limitando-se a  invocar o depoimento da sócia gerente da autora, e apenas   relativamente ao facto das al. b), e a fazer considerações genéricas e conclusivas atinentes às exclusões do contrato.

Mas, numa sagaz e lógica exegese, estas considerações são irrelevantes, ou, concedendo, inócuas, bem como os próprios factos que ela quer aqui provados.

É que as exclusões da garantia dada pelas rés apenas se referem a «veículos de mercadorias ou afetos ao transporte público de pessoas».

Ora pelas próprias caraterísticas do veículo, a ré sabia perfeitamente que estava a vender um veículo de mercadorias.

Mas mesmo assim aceitou dar a garantia.

Destarte, não pode, agora, em claro venire contra factum proprium, querer eximir-se dessa garantia com base num facto que  ela aceitou.

Depois, as exclusões da garantia  não abarcam qualquer «uso intensivo» do veículo vendido, seja ele, ou não seja, veículo de mercadorias.

E mesmo que abrangessem o uso intensivo, tal abrangência seria irrelevante,  porque esta expressão seria sempre um vago e indeterminado  conceito.

Para que relevasse teria  de se definir concretamente no contrato de garantia  em que consistia tal uso intensivo, vg. por estipulação de um determinado limite anual de Kms, como, muitas vezes, acontece nos contratos de aluguer de veículos.

Sem esta especificação, reitera-se, quer a expressão «uso intensivo» constasse, ou não constasse, na garantia, tal seria irrelevante, por indeterminada.

Em primeiro lugar, porque um uma quilometragem elevada  - prototipicamente assim podendo ser considerada se  o veículo percorrer largas dezenas de milhares de Km ano - , tanto pode ocorrer num veículo de mercadorias ou de transporte público como num veículo ligeiro de passageiros e/ou adstrito a uso particular.

Em segundo lugar, porque «uso intensivo» no sentido da mera, mesmo que larga, quilometragem percorrida, não significa, só por si, e  versus o que parecem entender as rés,   necessário e inexorável desgaste intensivo ou rápido.

É que este desgaste pode também advir de muitas outras circunstâncias independentemente do número de kms percorridos e de o veículo ser, ou, não, de mercadorias.

Assim,  e vg., do tipo de combustível (é consabido que os veículos a gasóleo são, tendencialmente, mais resistentes); da cilindrada do veículo (um veículo com maior cilindrada é tendencialmente mais robusto); do cuidado e na destreza do ato de conduzir (arranques e travagens bruscas, pedal da embraiagem sempre pisado, como é típico das  Sras condutoras,  desgastam mais o material), etc.

São conhecidos casos de veículos – comerciais ou não – com  algumas centenas de milhares de Kms que mantêm o  primitivo sistema de embraiagem ou de caixa de velocidades; e casos de outros com largas centenas de milhares aos quais o motor nunca deu problemas, ao menos graves.

Inversamente, outros com pouca quilometragem, dão ou podem dar problemas exatamente em função das circunstancias exemplificativamente mencionadas e/ou por defeito de fabrico.

 Por conseguinte, e mesmo que estes factos ora colocados sub sursis pela ré pudessem ser considerados provados nesta sede recursiva, o que não se concede, como se viu, a sua prova, porque irrelevantes – já que só podem ser considerados e provados factos pertinentes para a causa -,  não poderia ser concedida.

E, mesmo que assim não fosse ou não se entenda, no caso vertente, e pelo que se acabou de aduzir, seriam despiciendos para a solução jurídica, porque não estão alegados e provados factos suficientes para se poder concluir que o uso dado ao veículo pela autora provocou nele um uso intensivo, no exigível sentido de um desgaste anormalmente rápido e inadmissível.

5.1.3.2.3.

A 2ª ré impugna os factos 4 e 5 dizendo que eles, versus o expendido pela julgadora, não foram confessados.

Mas engana-se, aliás, incompreensível, e grosseiramente.

Tais factos constam do artº 4º da pi.

E  os factos constantes deste artº foram confessados pela 1ª ré no artº 2º da sua contestação.

O artº 5º, impugnado pela 1ª ré no artº 3º da contestação, e versus o ora dito pela 2ª ré, nada tem a ver com esta matéria, mas com o montante de 80 euros entregue para a taxa de urgência da transferência de propriedade da viatura.

A factualidade do  artº 8º, atinente à fuga dos gases de escape, ocorrida em 18.11.2019, alegada no artº 14º da pi.,  ainda que adrede não admitida pela 1ª ré, também por ela não foi impugnada.

 Destarte, e porque, inclusive, se trata de um facto atinente a uma atuação da ré  que pressupõe o seu conhecimento e até é pessoal –  a autora diz que o veículo entrou na sua – da ré -  oficina e esta assumiu a reparação – e que, assim, não podia ignorar, ele está provado.

Ademais, a responsabilização das rés, inclusive da 2ª, ao abrigo da garantia contratada,  não pode  deixar de lhes ser imputada nos seus precisos termos.

Em primeiro lugar, e no atinente à responsabilização da 2ª ré,  porque é a própria 1ª ré que confessou que a garantia apenas  se iniciou após ela  «1ª Ré aceder à plataforma digital disponibilizada pela 2ª Ré e aí inscrever o veículo vendido…» (conclusão 10).

E sendo que:

«só após validação é que a garantia fica activa e válida, portanto, a 2ª Ré toma conhecimento das condições apostas nos campos de preenchimento da dita plataforma, que valida essas mesmas condições no sistema. Caso algum dado estivesse incorreto, o própria plataforma da 2ª Ré não permitiria a emissão do dito certificado de garantia.» (conclusão 11).

Portanto, é suposto que a 2ª ré tenha tido conhecimento do contrato e das suas condições especiais, vg.  do cariz de mercadorias do carro que foi vendido ao qual a garantia se reportava.

Se não verificou o essas condições,  ao que parece porque, como alega, confia nos seus parceiros de negócios, erro  e problema seu,  pelo que, sibi imputat.

Depois porque, como já  supra aludido, inexiste qualquer exclusão quanto ao «uso intensivo» que possa vir a ser dado ao carro; e, mesmo que constasse, esta  abstração tinha de ser concretamente densificada e  especificada.

Finalmente porque, apesar de existir a exclusão de veículo de mercadorias, ela, in casu,  não pode ser oposta pelas rés à autora porque a 1ª ré sabia deste cariz do veículo que vendeu, e, mesmo assim, aceitou conceder a garantia.

É caso para dizer, que nesta conspeto, as rés apenas se podem queixar de si próprias e pedir responsabilidades recíprocas.

Mas já não impedir a sua responsabilização, liminar e qualitativa, perante a autora.

Resta, pois, apreciar a  prova ou não prova da sua responsabilidade quantitativa perante a demandante, temática a que se reportam os restantes pontos de facto impugnados.

5.1.3.2.4.

Quanto aos factos 14 a 21.

14. No dia 5 de Fevereiro de 2020, quando a viatura circulava em ..., ocorreu uma avaria no veículo não concretamente apurada, mas em consequência da qual o veículo parou e derramou óleo na estrada;

15. Nesse mesmo dia, a Autora contactou as Rés para accionar a garantia, tendo as mesmas declinado qualquer responsabilidade;

16. A Autora aparcou a viatura durante 21 dias, tendo pago pelo aparcamento o valor de € 336,17;

17. Pelo transporte da viatura até ..., após o referido em 14, a Autora pagou o valor de € 637,50;

18. A reparação da avaria referida em 14, foi orçamentada em € 10 896,43 e € 331,34 por substituição de rótulas de ligações (documento n.º 14 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido);

19. Em consequência destas avarias, a Autora alugou viaturas para desenvolver a sua actividade, tendo pago o valor de € 1 646,09;

20. Por e-mail de 28-05-2020, a 2.ª Ré declinou a responsabilidade, referindo que a garantia era de apenas 6 meses;

21. Nessa sequência, a Autora ordenou a reparação da viatura de acordo com o orçamento referido em 19;

A julgadora fundamentou as respostas nos seguintes, sinóticos, termos:

«Em relação ao facto provado 14, respeitante à avaria do veículo a 05-02-2020, o Tribuna fundou a sua convicção nas declarações de parte da Autora e no depoimento GG.

   A este propósito, os legais representantes da Autora falaram sobre a avaria do motor, mencionando-a como culminar das avarias anteriores. Embora os legais representantes da Autora não tenham assistido a esta avaria, a mesma foi-lhes comunicada pelo funcionário que conduzia a viatura. Além disso, a testemunha GG assistiu ao sucedido, explicando a razão de estar presente (também seguia para ...) e descrevendo aquilo que viu: o veículo parar e derramar óleo na estrada.

   Embora não se tenha apurado em concreto qual a avaria do motor, a forma aparentemente isenta e concretizada como a testemunha GG caracterizou aquilo que viu, explicando, por essa via, a razão de falar numa avaria, persuadiu o Tribunal, da veracidade da avaria alegada.

   Na sequência desta avaria, a Autora comunicou o facto de imediato à 1.ª Ré, o que, recorde-se, se considerou por confessado (facto provado 15).

   No que respeita aos… (factos provados 16 e 17), o Tribunal considerou as facturas juntas como documentos n.os 12 e 13, juntos com a petição inicial, e as declarações de parte da Autora, concretamente na pessoa de BB, já que, como admitido pela também legal representante da Autora, CC, o primeiro é que tratava dos pagamentos.

   Ora, tal como em relação à enumeração e descrição das facturas, BB falou de forma detalhada sobre as consequências da última avaria, embora, também aqui, tenha havido alguma indefinição, porquanto referiu os valores de forma aproximada.

   Apesar de as declarações de parte terem sido claras, detalhadas e coerentes quanto à indicação daquilo que foi necessário fazer depois da avaria, do confronto com a prova documental resulta que o valor pago pelo aparcamento da viatura foi de € 277,83 mais IVA, no valor de € 58,34, num total de € 336,17. De facto, se atentarmos na factura junta como documento n.º 12 constata-se que, no seu descritivo, surgem outras indicações que não apenas a estadia do veículo. Quanto a esta refere-se que foram 21 dias, serviço pelo qual foram cobrados € 336,17. O restante montante ali facturado reconduz-se a outros serviços que não os alegados pela Autora.

… quanto ao facto provado 18, respeitante ao orçamento de reparação do veículo, a convicção do Tribunal assentou no orçamento junto com a petição inicial como documento n.º 14. Diga-se já, a este propósito, que o facto provado 21, atinente à Autora ter determinado a reparação da viatura com base neste orçamento decorreu das declarações do legal representante da Autora, inexistindo motivos para pôr em causa a fidedignidade desta afirmação, até porque está de acordo com as regras da experiência que a Autora quisesse ter a viatura reparada o quanto antes, de modo a evitar a despesa do aluguer de outras viaturas para a substituir.

Em relação ao facto provado 19, relativo ao aluguer de viatura enquanto a comprada à 1.ª Ré estava a ser utilizada, o Tribunal considerou as declarações de parte da Autora, o depoimento das testemunhas das testemunhas II e GG e às facturas juntas com a petição inicial (uma vez que não estão numeradas, para permitir a sua identificação, trata-se das facturas contantes da página 85 a 107 do ficheiro «Processo» remetido pelo Julgado de Paz, repetidas a páginas 127 a 147 do mesmo ficheiro).

…em discursos objectivos e claros, se refeririam ao aluguer de viaturas como forma da Autora fazer o trabalho para o qual a viatura comprada à 1.ª Ré se destinava. Atendendo a que estas testemunhas eram funcionários da Autora e que II era, inclusive, a pessoa que utilizava o veículo comprado à 1.ª Ré, ambas falaram com conhecimento de causa.

Em segundo lugar, a sequência de avaria de um veículo e aluguer de outro é consentânea com as regras da experiência e da lógica: dedicando-se a Autora ao transporte de mercadorias e fazendo-o através de veículos como o adquirido à 1.ª Ré, faz sentido que, perante a avaria de um daqueles veículos, proceda ao aluguer de outro.

Finalmente, as facturas apresentadas reportam-se a dois períodos que coincidem com as avarias mencionadas pela Autora. O primeiro é de 28-11-2019 a 11-12-2019 e coincide com a avaria na caixa de velocidades a 27-11-2019, cuja reparação terminou A ...1-12-2019. O segundo é de 07-02-2020 a 29-02-2020 e coincide com a última avaria, ocorrida em ..., a 05-02-2020. A soma destas doze facturas contabiliza o total de € 1 646,09.

Passando agora ao facto provado 21, atinente à reparação da viatura após a avaria do motor a 05-02-2020, o Tribunal teve em consideração as declarações de parte da Autora, concretamente as do seu legal representante BB.

Com efeito, BB, na continuação do relato que foi fazendo das avarias do veículo falou da reparação da última avaria, a qual localizou no tempo, ainda que de forma aproximada, explicando, ainda, a razão de esta só ter ocorrido cerca de 7 a 8 meses depois da avaria.

Também em relação a este aspecto, as declarações de parte foram claras e consentâneas com o restante relato. Embora esta parte das declarações de parte não tenha congregado suporte de outros elementos probatórios, atendendo aos predicados das declarações de parte e perante a inexistência de quaisquer elementos que, neste ponto, pusessem em causa a fidedignidade das declarações, o Tribunal foi persuadido pelas mesmas.»

Foi apreciada a prova.

Quanto ao facto  do ponto 14 as rés propõem uma redação exatamente igual à provada, pelo que, não se compreende a sua impugnação.

O facto  do  ponto 15, tal como se diz na sentença, está provado por confissão – cfr. artºs 19º da pi e 2º da contestação.

 Na verdade, «De imediato» é no próprio dia, ou, concedendo, no seguinte, ou seja, no dia 05, ou 06 e não no dia 11.02. como pretendem as rés.

O factos dos pontos 16 e 17 resultam da prova documental dos docs. 12 e 13 em concatenação com a prova pessoal referida pela julgadora.

As rés colocam em crise que a avaria de 05 de fevereiro não tivesse sido reparada, pois que, segundo alegam, e se bem se interpretam as suas observações, a simples substituição da fuga de óleo – doc. 12 -  terá sido suficiente para operar a reparação decorrente.

Desde logo, uma fuga de óleo, ao menos presumidamente oriunda do motor, tem de ter uma causa.

Pelo que, em princípio, a simples reposição do óleo não elimina, só por si e sem mais, o defeito que origina a fuga.

Depois, e determinantemente, certo é que o doc 13 prova que o veículo não foi reparado o suficiente para que, pelos seus próprios meios, tivesse podido circular para ....

Pois que foi preciso ser transportado pelos serviços de assistência do ... em 28.02.2020.

Ora mal se compreende que se a avaria do dia 5 tivesse sido debelada em ..., a autora tivesse contratado tal serviço de transporte e  tivesse desembolsado  mais de seiscentos euros pelo serviço.

Ademais se o veículo esteve retido em ... entre o dia 06 e o dia 27 de fevereiro, ou seja 21 dias, se não há prova de que tenha sido cabalmente reparado de tal sorte que não pode, por si próprio, circular para ..., e sendo que foi transportado no dia 28 de fevereiro, a conclusão lógica é que tudo isto decorreu por força da avaria do dia 05.

No atinente ao ponto 18 e essência da lide.

O veículo sofreu várias avarias.

Não era fiável.

Pois que um veículo moderno, a diesel, com elevada potência e cilindrada, não é suposto avariar tanto, mesmo que tivesse uma utilização intensiva e já tivesse percorrido perto de 200 mil Km.

A avaria de 05 de fevereiro não foi logo solucionada e tudo indica que teve a ver com o motor.

O orçamento de 02. de abril reporta-se exatamente ao motor.

Nada nos autos indicia que entre estas duas datas o carro tivesse circulado, ou ao menos, que entretanto, e depois de 05 de fevereiro, ele tivesse tido outra avaria diversa e no motor que não fosse a de 05.02.

As  rés negaram-se à reparação do motor em função do orçamento apresentado pela autora.

Mas não foi porque colocassem em causa a avaria, o tipo de avaria e onde ela tinha acontecido, mas antes porque entendiam que, perante a garantia prestada, não podiam ser responsabilizadas.

A Sra. Juíza convenceu-se das declarações de parte do legal representante da autora.

A imediação e a oralidade permitem a apreciação  e sindicância da veracidade e eticidade  do verbalizado  em maior grau daquele que a Relação pode atingir.

Por conseguinte,  tudo visto e ponderado, a conclusão final é que os argumentos apresentados pelas rés não têm força e dignidade bastantes para impor a censura da Julgadora.

Antes pelo contrário.

Tudo visto e sagaz e razoavelmente interpretado, acredita-se que a sua convicção é a que, em função da prova produzida, melhor reflete a realidade do que se passou.

Facto do ponto 19.

Vale aqui, mutatis mutandis, o acabado de dizer.

Este ponto encontra-se cabalmente fundamentado pela Julgadora.

As rés nem sequer aduzem prova que a contrariem tal fundamentação, limitando-se a alegar que a expressão «Em consequência destas avarias…»  exprime um juízo conclusivo.

Mas não exprime.

Tal expressão, porque nexo de ligação entre duas realidades factuais (avaria e necessidade de aluguer) está ainda ínsita no domínio do fáctico e não do jurídico-conclusivo.

Aliás, perante as regras da lógica e do senso comum, mal se compreenderia que a autora se pusesse a alugar carros que não por decorrência da avaria em causa, sujeitando-se a nada receber das rés, pois que, pelo menos em algum período do aluguer, elas já tinham manifestado a sua indisponibilidade para a ressarcir, e o resultado de uma ação judicial é sempre incerto e contingente, como este caso é, aliás, exemplo.

Facto do ponto 20.

Pretendem as rés a seguinte redação:

20. Por e-mail de 28-05-2020, a 2ª Ré respondeu à carta da Autora de 18/05/2020, informando que a garantia era de apenas 6 meses.”

Aqui a Julgadora alicerçou-se no doc.19.

Ora resulta claramente deste documento que a 2ª ré,  para além de informar que a garantia era  de seis meses, alegou que a garantia excecionava os veículos de mercadorias, pelo que ela tinha ficado sem efeito em 25 de novembro.

E terminando que «lamentamos informar não nos ser possível dar seguimento favorável à solicitação de VºExª».

Se isto não é declinar responsabilidade, não alcançamos o que possa ser.

Aqui como em todos os  casos, urge assumir uma atuação processual objetiva e norteada pelo bom senso, sob pena das legais cominações, vg. em sede de má fé e de taxa de justiça sancionatória excecional.

No mais, o doc. de fls. 16 não é o bastante para convencer que esta posição da ré foi tomada na sequência do envio da carta  da autor de 18.05.

Aliás, o costume é nas respostas fazer-se menção à data da comunicação a que se responde, o que no caso não sucedeu.

Facto do ponto 21.

Pretendem as rés a seguinte redação:

A Autora ordenou a substituição do motor do veículo por um motor novo.

Ou seja, pretendem as recorrentes desconectar a reparação constante do orçamento de 02.04.2020 da avaria de 05.02.

Mais uma vez vale aqui, com as devidas adaptações, o já expendido quanto ao ponto 18.

Reitera-se que não se provou, ou, sequer, indiciou com a plausibilidade exigida em direito probatório, que no ínterim que mediou entre a avaria de 05.02. e a data do orçamento, o veículo tivesse sofrido outra avaria, rectius no motor, que tivesse implicado a sua substituição.

Logo, inexistiu qualquer quebra de  nexo de causalidade entre tal avaria, o orçamento e a reparação, com substituição do motor.

Porém, e como se apurou que a reparação  decorrente de tal orçamento e neste consta a substituição do motor por um motor novo, este facto concretizador deve ser inserto neste ponto.

Destarte, a redação deste ponto será a seguinte:

Nessa sequência, a Autora ordenou a reparação da viatura de acordo com o orçamento referido em 18, a qual consistiu, para além do mais, na substituição do motor da viatura por um motor novo.

Finalmente no tangente à al. c) dos factos provados, a 2ª ré, não obstante a impugnar, não indica, ao menos em sede de conclusões, como devia, a resposta que pretende nem os concretos meios probatórios que alicerçam a sua pretensão.

Decorrentemente e por manifesto incumprimento dos requisitos formais do artº 640º do CPC, nada aqui se deve, e, sequer, pode, decidir.

5.1.4.

Por conseguinte, e na parcial procedência dos recursos neste conspeto factual, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os aditados:

1. No dia 24 de Julho de 2019, a Autora comprou à 1.ª Ré o veículo usado com a matrícula ..-PM-.., de 27-01-2015, ..., ... 435 L4H2 2.2...., pelo valor de € 14 750;

2. Foi acordado o pagamento do valor de € 80 para a 1.ª Ré proceder à transferência da propriedade da viatura para o Autora;

3. A Autora pagou a 30 de Julho de 2019 o valor de € 4 830 e a 5 de Agosto de 2019 o valor de € 10 000, pela compra da viatura e pela transferência da respectiva propriedade;

4. A Autora e as Rés celebraram o contrato com o número ...20 por força do qual as Rés prestaram uma garantia voluntária à Autora, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (documento n.º 3 junto com a petição inicial);

5. Aquela garantia iniciou a 1 de Agosto de 2019 e tinha a duração de 12 meses;

6. A 11 de Setembro de 2019, a 1.ª Ré enviou à Autora os documentos necessários para legalização da viatura, após interpelações da Autora em número indeterminado de vezes e em datas não concretamente apuradas;

7. Até este momento, a Autora não pôde registar a viatura em seu nome, nem fazer uso da mesma;

8.  A 18 de Novembro de 2019, a viatura foi levada à oficina da 1.ª Ré devido a uma fuga de gases de escape, tendo a Ré procedido à reparação do problema nesse mesmo dia, ao abrigo da garantia;

9. A 27 de Novembro de 2019, a Autora contactou a 1.ª Ré dizendo que era necessário substituir as rótulas da viatura, por as mesmas apresentarem folga e desgaste;

10. Em data não concretamente apurada, a 1.ª Ré recusou-se a proceder àquela substituição, alegando que aquelas peças se encontravam fora da garantia;

11. Nessa sequência, a Autora dirigiu-se à oficina da M..., sita em ..., onde procedeu à substituição daquelas peças e, por esse serviço, pagou o montante de € 223.43;

12. A 27 de Novembro de 2019, em hora não concretamente apurada, mas à noite, quando a viatura se deslocava a caminho de ..., ocorreu uma avaria na caixa de velocidades;

13. Nessa sequência, a viatura foi rebocada para as instalações da 1.ª Ré, onde permaneceu até 11 de Dezembro de 2019, tendo aí sido substituída a caixa de velocidades;
14.  A 27 de Dezembro de 2019, a viatura apresentou novamente fuga de gases de escape e a Autora decidiu efectuar a reparação na M..., sita em ..., local em que a viatura ficou até 30 de Janeiro de 2020;
15.  Por esta reparação, a Autora pagou o valor de € 302,32;

16. No dia 5 de Fevereiro de 2020, quando a viatura circulava em ..., ocorreu uma avaria no veículo não concretamente apurada, mas em consequência da qual o veículo parou e derramou óleo na estrada;

17. Nesse mesmo dia, a Autora contactou as Rés para accionar a garantia, tendo as mesmas declinado qualquer responsabilidade;

18. A Autora aparcou a viatura durante 21 dias, tendo pago pelo aparcamento o valor de € 336,17;

19. Pelo transporte da viatura até ..., após o referido em 16, a Autora pagou o valor de € 637,50;

20. A reparação da avaria referida em 16, foi orçamentada em € 10 896,43 e € 331,34 por substituição de rótulas de ligações (documento n.º 14 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido);

21. Em consequência destas avarias, a Autora alugou viaturas para desenvolver a sua actividade, tendo pago o valor de € 1 646,09;

22. Por e-mail de 28-05-2020, a 2.ª Ré declinou a responsabilidade, referindo que a garantia era de apenas 6 meses;

23. Nessa sequência, a Autora ordenou a reparação da viatura de acordo com o orçamento referido em 20, a qual consistiu, para além do mais, na substituição do motor da viatura por um motor novo.

24. A viatura indicada em 1 foi adquirida pela Autora para solver os problemas de transporte da mesma e de circulação da sua frota;

25. No momento da venda, a viatura apresentava 186 385 km e a 18 de Novembro de 2019 apresentava 231 524 km;

26. A viatura identificada em 1 foi utilizada pela Autora com longos períodos de condução, em regime de motor elevado, o que originou o desgaste de materiais e componentes mecânicos da viatura não concretamente determinados.

27. Ambas as rés foram interpeladas pela autora para a resolução do problema.

28. Ambas as rés declinaram a sua responsabilidade.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

A julgadora decidiu nos seguintes, sinóticos e essenciais, termos.

«Os direitos do comprador em relação à garantia de bom funcionamento são os estabelecidos no artigo 921.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, a reparação ou a substituição. Com efeito, este preceito somente estabelece estas consequências para o caso de accionamento da garantia de mau funcionamento.

   Além destes direitos, ao comprador assiste o direito a ser indemnizado pelos danos decorrentes do mau funcionamento, ou seja, «pelos prejuízos derivados do cumprimento inexacto da prestação garantida (prometida) ou, se se preferir, do atraso com que o comprador recebeu a coisa em perfeito funcionamento» - Calvão da Silva apud acórdão do 08-10-2009, processo n.º 3359/07.5TBVD.L1-8.

   Em relação ao estabelecimento do bem em condições de bom funcionamento, a lei estabelece, de forma clara, quais são os direitos que assistem ao comprador para atingir aquele fim: a reparação e a substituição. Não se fala aqui de indemnização, ao contrário do que se estabelece no artigo 909.º aplicável por força do artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código Civil, a propósito do regime geral de venda de bem defeituoso.

   A Autora pretende, além do mais, ser indemnizada pelo valor em que a reparação foi orçamentada. Acontece que quanto à reparação do bem, decorre do Código Civil que quem procede à mesma é o vendedor, caso não se opte pela substituição do bem.

   Coisa diferente seria a Autora instaurar a presente acção pedindo a reparação ou substituição, a acção proceder e o vendedor não cumprir, hipótese em que a Autora poderia recorrer à acção executiva para prestação de factos, nos termos do artigo 868.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pedindo que a reparação fosse feita por terceiros e uma indemnização pela não realização da prestação devida.

   Antes deste percurso, a Autora não podia espontaneamente proceder à reparação e pretender que as Rés procedam ao pagamento do valor da reparação, à luz da garantia de bom funcionamento. Isto porque, como se explicou, a lei estabelece de forma clara quais os direitos do comprador: reparação ou substituição.

   E não se diga que, dessa forma, se coarctam os direitos do comprador. No caso de o vendedor que prestou a garantia não assumir a reparação ou substituição do bem, o comprador tem à sua disposição a acção de cumprimento, nos termos do artigo 817.º, do Código Civil.»

5.2.2.

Não acompanhamos, ao menos na íntegra, este entendimento.

5.2.2.1.

Desde logo, é inequívoco que, versus o entendido pelas rés, estas têm de ser responsabilizadas ao abrigo da garantia prestada.

A primeira ré porque, como já supra se aludiu, sabia do cariz comercial e de mercadorias  do veículo que estava a vender e aceitou incluí-lo na garantia que concedeu à autora.

Logo, não podia posteriormente negar-se à mesma, pois que sabia, ou era-lhe exigível que soubesse, de tal exclusão, pelo que, não obstante o cariz de mercadorias do veículo, tem de entender-se que a quis afastar.

A segunda ré porque, nos dizeres da primeira, teve conhecimento do contrato que foi submetido no seu site e chancelou-o.

Se o fez por confiar na 1ª ré, menos bem andou. E apenas de si se pode queixar.

Os princípios da auto responsabilidade e da atuação com lealdade e coerência, sem argumentos meandrosos ou  com subterfúgios, impõem-se.

A  proibição da atuação sem boa fé e contraditoriamente, em venire contra factum proprium, protegem e exigem aquela atuação leal e coerente.

Aqui chegados resta saber como e em que medida as rés devem ser responsabilizadas.

5.2.2.2.

O caso cai, liminarmente, na previsão do artº 921º do CC, o qual estatui:

(Garantia de bom funcionamento)

1. Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.

Se bem alcançamos, na sentença entende-se que este preceito deve ser interpretado  isolada e tabicadamente sem perspetivação de outras disposições  conexas, especiais ou gerais atinentes à venda defeituosa, ao (in)cumprimento  e ao dever de indemnizar.

Tanto assim que entende que o comprador, ao abrigo do artº 921º apenas tem direito à reparação ou substituição necessários ao bom funcionamento da coisa vendida e não a qualquer outra indemnização decorrente da avaria: «Não se fala aqui de indemnização, ao contrário do que se estabelece no artigo 909.º aplicável por força do artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código Civil, a propósito do regime geral de venda de bem defeituoso»

Mas  entendemos não ser assim.

Tal como bem se expende na sentença, este artigo constitui um reforço  convencional das garantias legais  gerais do comprador, um plus, relativamente aquelas disposições mais gerais atinentes ao incumprimento e ao ressarcimento do lesado, vg. pela venda de bem defeituoso . artº 913º do CC.

Tal amplitude dimana desde logo da  sua parte final, pela qual se verifica que o vendedor está obrigado a reparar ou substituir mesmo que não tenha tido culpa e mesmo que o comprador  não estivesse em erro sobre o objeto comprado, ou seja, mesmo que soubesse do vício o defeito.

 Neste último caso poder-se-á é colocar a atuação em abuso de direito.

Vemos assim que o regime do artº 921º traduz um complemento, em benefício do comprador, por comparação, vg., com o disposto nos artºs 914º e 915º do CC, os quais exigem a culpa do vendedor.

Não há pois, - e independentemente da subsunção jurídica que seja feita pelo credor, pois que de jure novit curia -   que afastar as regras gerais mesmo quanto a outros aspetos, como sejam  o alargamento dos prazos de garantia ou a possibilidade de ressarcimento não apenas direto ou em espécie, mediante reparação ou substituição, como também indireto ou mediato, mediante indemnização pecuniária.

Estas regras gerais aplicam-se, e este artº 921º alarga complementarmente  a sua previsão em benefício do comprador.

Este artigo estabelece uma atuação que, em princípio, deve ser seguida: ser o vendedor a efetuar a reparação.

Mas tal princípio não é absoluto, nem a lei  impede a sua derrogação.

Casos haverá que, se por qualquer motivo inultrapassável -  vg. o vendedor não queira ou não possa –, a reparação não seja efetuada por este, fique inexoravelmente vedado ao comprador efetiva-la.

No caso vertente.

Apurou-se que o veículo teve uma série de avarias, umas assumidas pelas rés, outras não.

Aparentemente era um veículo manifestamente defeituoso.

A não ser que tenha sido submetido pela autora, e, quiçá, pelos anteriores proprietários que com ele circularam mais de 180.000Km, a tratos de polé.

O que, porém, as rés não provaram, nem sequer lhes interessava provar relativamente aos anteriores donos.

E  no atinente às avarias não assumidas, provada foi a sua recusa perentória  e definitiva na reparação.

Tendo sido provado que tais avarias, rectius a mais relevante, a de 05.02.2020, existiram, elas eram, como se disse, e perante a garantia concedida, da responsabilidade das rés, pelo que a sua recusa traduz um incumprimento definitivo, ou, ao menos, uma situação de mora.

Ora nos termos do artº 799º do CC, 1.« Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.»

No caso vertente, e porque, como se viu, o artº 921º nem sequer exige a culpa  do vendedor para ser responsabilizado, o único modo de as rés se eximirem à sua responsabilidade era provarem que as avarias não existiram ou que, mesmo a existirem,  deviam ser imputadas, culposamente, à autora.

Logo, aplica-se aqui, por maioria de razão, o disposto no artº 798º do CC «O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.»

Assim sendo,  e perante a definitiva  vontade manifestada pelas rés em não cumprirem restava à autora uma de duas hipóteses: ou exigia judicialmente às rés a reparação ou substituição – artº 817º do CC –; ou ela reparava/substituía e exigia-lhes os custos da reparação/substituição.

Esta opção, como se disse,  e versus o entendido na sentença, não lhe estava vedada, por aqueloutra ser a única de que dispunha.

O artº 921º não opera qualquer limitação na aplicação das regras gerais legais supletivas, o que seria um contrassenso, pois que, como se viu, até expressamente consagra um alargamento ou melhoria da posição jurídica- probatória do comprador.

E o artº 817º não impõe ao credor, em exclusivo, a via nele consagrada, pois que estatui um mero  «princípio geral», que se traduz no seguinte: «Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento…»

Assim, para além desta via genérica, outras vias mais especificas poderão ser admissíveis em função das peculiaridades de cada caso.

Ora no sub judice, verifica-se que o veículo era essencial para os negócios da autora que muito o utilizava.

Logo, não lhe estava proibido, perante as terminantes recusas das rés em assumirem as reparações de que se provou serem responsáveis, enveredar ela pelas reparações.

Até porque quanto mais rápido elas fossem efetivadas, melhor para todas as partes;   vg., a autora deixava de desembolsar os valores do aluguer de outro carro, e as rés, quanto mais depressa o problema se resolvesse, menores montantes suportariam a este título.

Acresce que, bem vistas as coisas, a autora nem sequer impetra indemnização, tout court.

Antes pede que seja ressarcida pelo que pagou pela reparação/subsituição que, em vez das rés, como lhe competia, ela própria assumiu.

O que não é a mesma coisa, pois que, aqui, ainda estamos no âmbito dos custos diretamente  havidos com o veículo e não já no âmago dos prejuízos dele  oriundos em função das avarias que sofreu.

Atuação esta que, pelo que se expendeu, ao menos se deve/pode ter por aceitável.

Ou seja, mesmo concedendo na interpretação da sentença, o caso pode ser subsumido na previsão do artº 921º complementado pelas regras gerais pertinentes/atinentes.

5.2.2.3.

Aqui chegados urge dilucidar no atinente ao quantum indemnizatório.

Os danos não patrimoniais não procedem porque não se aprovou lastro factual bastante para o mesmos.

Na verdade, estes só são de conceder quando vão para além, qualitativa e quantitativamente, de algumas afetações negativas que ainda são a admissíveis por perspetivação da vivência numa sociedade em que os seus elementos cidadãos assumem atuações consubstanciadoras de  interesses antinómicos e conflituantes.

Esta vivência, imbuída  deste jaez, é inelutável e, assim, tais afetações, são, até certo ponto, aceitáveis.

Ponto este que, in casu, e pelo que se provou, não foi ultrapassado.

Os valores arbitrados na sentença são de conceder, em função do substrato jurídico nela aduzido,  do supra acabado de dizer nesta vertente, e  por virtude da improcedência, na parte em que o foi, da pretensão das rés de alteração da matéria de facto.

Já em sede recursiva o valor de 302,32 euros é de conceder atento o aqui provado nos pontos 14  e 15 e a responsabilização para as rés decorrentes do contrato e da lei aplicável, exemplificativamente supra citada.

Finalmente a despesa da avaria de ....

A lei diz que a substituição só é admissível quando for necessária, ou seja, quando a reparação não seja possível.

No caso a autora, apesar de, através dos seus representantes dizer que o motor não tinha reparação, não  convenceu e  não provou neste sentido.

Logo, não tem direito à substituição.

Mas tal não significa que não tenha direito a qualquer ressarcimento.

Obviamente que o motor, se não fosse substituído, tinha de ser reparado.

E não deveria ser uma reparação fácil e barata, pois que a própria empresa que fez a reparação/substituição, entendeu que um motor novo era a melhor solução.

Mesmo que se optasse por um motor recondicionado, como pugna ou ao menos admite a 1ª ré, seria uma solução com custos de alguns milhares de euros.

Ou seja, à autora sempre assiste jus a  receber alguma quantia.

Sendo, porém, que nos autos inexistem elementos bastantes para fixá-la com exato rigor.

Nestes casos existem duas hipóteses; ou relegar-se para a liquidação - artº 609º nº2  do  CPC; ou julgar-se equitativamente – artº 566º nº 3 do CC.

Por razões de celeridade e economia de meios, só se deve remeter para a liquidação quando  inexistam limites dentro dos quais o juízo équo se possa situar e por eles ser amparado – cfr. este último segmento normativo e o Ac. STJ de 29.02.2000, Sumários, 38º, 30, apud Abílio Neto, Breves Notas ao CPC, 2005, p. 192.

Efetivamente, equidade não pode equivaler a arbitrariedade, pelo que o julgamento JJ tem sempre de ser suficientemente justificado – posto que, neste campo, exista sempre alguma, inelutável, margem de álea – por elementos circunstanciais materiais e  objetivos.

No caso vertente entendemos que o julgamento équo é possível.

Primus porque aqueles limites e estes elementos existem.

São, como máximo, os relativos e dimanantes do orçamento, de cerca de 11 mil euros; e, como mínimo, os alguns milhares de euros que custaria uma reparação ao motor, a qual, como já aludido, se vislumbra seria vultuosa se esta fosse possível e economicamente aceitável; ou o que custaria a colocação de um motor recondicionado cujo custos não andariam longe de tal reparação.

Secundus porque  a liquidação sempre poderia revelar-se problemática e, quiçá, ainda mais aleatória e, assim, injusta.

  Já porque, tendo o motor velho  sido retirado não é certo, em tese, que possa ser localizado; ou, mesmo que o fosse,  pode até ter sofrido danos ou vicissitudes que tenham modificado o seu estado – para mal ou até para bem – o qual assim não corresponderia exatamente ao estado em que estava quando avariou.

Tudo visto e ponderado julga-se admissível, fixar, equitativamente, a quantia de quatro mil euros pela reparação, lato sensu, atinente à avaria de ....

Este valor, quiçá, penaliza, ao menos formalmente,  mais a autora, porque se situa abaixo da mediana do aludidos limites.

Mas é a sua oneração por não ter optado pela via do artº 817º do CC, a qual, ainda que não obrigatória, como se viu, poderia eventualmente, porque mais atempada e com possível escalpelização do estado do motor velho, consecutir uma melhor prova sobre  tal estado, e, assim, lançar mais e melhor luz sobre a  adequada e justa opção a tomar e os respetivos custos inerentes.

5.2.2.4.

Finalmente a condenação solidária, ou não, das rés.

Aqui a julgadora decidiu nos seguintes termos:

»Relativamente à solidariedade no pagamento destes valores interessa o artigo 513.º, do Código Civil, decorre que «a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes». No caso das Rés, apesar de a 1.ª Ré ter transferido para a 2.ª Ré a responsabilidade pela garantia de mau funcionamento, há uma situação de solidariedade, ainda que imperfeita.»

E assim é.

Summo rigore, não estamos perante um contrato de seguro com transferência de responsabilidades para a seguradora.

Perante o provado no ponto 4, verifica-se que ambas as rés se vincularam à garantia.

A solidariedade resulta, pois, da vontade das partes.

Procede parcialmente o recurso da autora e improcedem os recursos das rés.

6.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar os recursos das rés improcedentes.

Mais se acorda julgar o recurso da autora parcialmente procedente e, agora, condenar as rés, em cumulação com a condenação operada na 1ª instância, a pagarem à autora  mais a quantia de 4.302,32 euros.

No mais se absolvendo as rés.

Custas  pelas partes na proporção da sua sucumbência global final ora fixada.

Coimbra, 2022.05.25.