Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
487/12.9T6AVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: MULTA
ADMISSIBILIDADE
RECURSO
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: CBV - AVEIRO . J FAMÍLIA E MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTS. 519, 678, 679 CPC, 27 Nº1 RCP ( DL Nº 34/2008 DE 26/2)
Sumário: Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso, nos termos do disposto no Art. 27º nº6 do RCP na sua actual redacção, se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstractamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal.
Decisão Texto Integral: Decisão sumária nos termos do Art. 688.º n.º 4 do Código de Processo Civil na anterior redacção ( Art.  643º nº 4 do Novo Código de Processo Civil )

I – Relatório

1. Inconformada com as decisões proferidas em 13.06.2013 e em 03.07.2013 no âmbito da Acção Ordinária Nº 487/12.9T6AVR em que é autor L (…) e rés E (…) e S (…), veio a ré E (…) interpor recurso de tais decisões, que a condenaram nas multas de 1 Uc e 3 Ucs, respectivamente, ao abrigo do disposto nos Arts. 519º do CPC e 27º do Regulamento  das Custas Processuais, por entendimento de não colaboração da mesma com o Tribunal põe, enquanto progenitora da menor (…), não ter comparecido com esta no Serviço de Genética e Biologia Forense da Delegação do Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. I.P., 

           

            2. Tal requerimento de interposição de recurso veio, porém, a ser indeferido pelo Mm. juiz titular do processo por entender que as decisões nele impugnadas não serem susceptíveis de recurso.

3. Notificada do despacho que não admitiu o recurso interposto, veio a recorrente E (…) apresentar reclamação para este Tribunal, tendo formulado as seguintes conclusões que assim se transcrevem:

            « I- O artº 27º, nº 6, do RCP, permite o recurso sempre que haja condenação em multa, a menos que a mesma seja feita ao abrigo de norma que estabeleça especialmente o valor ou os parâmetros da multa, o que não é o caso do artrº 519º

            II - A causa tem o valor de 30.000,01 € e a sucumbência não deve ser aferida em função da multa mas da acção; a sucumbência relaciona-se sempre com o valor da acção e não com o dos actos nela praticados.

            III - a reclamante foi condenada por actos imputáveis a sua filha, embora de menoridade, mas sem que ela pudesse validamente contrariá-los, pelo que não poderia ter sido condenada ao abrigo do artº 519º, nºs. 1 e 2, do C.P.C., por ausência de qualquer juízo de culpa relativamente a si.

            Deve, por conseguinte ser revogado o douto despacho reclamado e admitidos os recursos. »

4. Não foi apresentada resposta à reclamação.

II – Apreciação da reclamação

Na presente reclamação a questão que importa apreciar é a de saber se admitem recurso as decisões que, ao abrigo do disposto nos Arts. 519º do CPC e 27º do Regulamento  das Custas Processuais, condenaram a R. E (…) nas multas de 1 Uc e 3 Ucs, respectivamente.

O Mmo. juiz da 1ª instância entendeu que não porque, não obstante o valor da causa ultrapassar a alçada do tribunal de que se recorre, a sucumbência – que no caso equivale ao valor cominado para tais multas  - é de valor inferior a metade da dita alçada.

Que dizer?

            No presente caso, dado que o processo no âmbito do qual foram proferidas as decisões objecto dos recursos não admitidos foi instaurado em data posterior a 1 de Janeiro de 2008 e também em data anterior à entrada em vigor do NCPC emergente da Lei 41/2013, de 26.06, é aplicável, no tocante à impugnação das respectivas decisões, o sistema de recursos tal como foi reconformado pelo referido Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto ( Arts. 11º e 12º nº 1 deste diploma legal e 7º Nº1 da citada Lei 41/2013).

É manifesto que as decisões objecto dos recursos que não foram admitidos pelo tribunal da 1ª instância não admitem recurso à luz do disposto no Arts. 678.º e 679.º, este a contrario, do CPC na redacção emergente do Dec. Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, na medida em que, apesar do valor da acção no âmbito da qual foram aplicadas as multas em causa exceder o valor da alçada da 1ª instância, o certo é que os quantitativos da multa que vieram a ser decididos ( 1 UC e 3 Ucs ) são inferiores a metade dessa alçada, visto o valor da UC ser de € 102,00.

Sendo assim, à luz de tais normativos legais não podem as decisões que condenaram a reclamante nas indicadas multas processuais ser objecto de recurso, pelo facto das mesmas se apresentarem desfavoráveis para a reclamante em valor inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância que é de € 5.000,00.

Nos requerimentos de interposição do recurso que vieram a ser indeferidos a recorrente sustenta a interposição dos recursos das decisões recorridas que lhe aplicaram as referidas multas no disposto no Art. 27º Nº5 do Regulamento das Custas Processuais.

            Dispõe-se no Art. 27º do Regulamento das Custas Processuais ( RCP ) na redacção emergente da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, já em vigor aquando da prolação das decisões que condenaram a recorrente e ora reclamante em multa que vieram as ser objecto dos recursos que não foram admitidos, que:

            « 1 — Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.

            2 — Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC.

            3 — Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.

            4 — O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.

            5 — A parte não pode ser simultaneamente condenada, pelo mesmo acto processual, em multa e em taxa sancionatória excepcional.

            6 — Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa.»

            Até à entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, que ocorreu em 20/04/2009, nos casos de condenação em multa, desde que não fosse por litigância de má fé, a admissibilidade do recurso estava sujeita ao disposto no Artº 678º do Cód. Proc. Civil, nomeadamente ao respectivo nº 1 – Vide neste sentido, entre outras, a decisão sumária, de 05/07/2006, proferida no processo nº 127/06 e decisão do Ex.mo Presidente da Relação de Coimbra, de 21/05/2007, proferida no processo nº 75/07, disponíveis em www.dgsi.pt.

            Pelo que, quando a situação não se mostrasse enquadrável na previsão de tal dispositivo legal ( Art. 678º do CPC ) a condenação em multa cível – que o não fosse por litigância de má fé - só seria susceptível de recurso se o valor da causa fosse superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada fosse desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, dependendo, assim, a recorribilidade da decisão não só do valor da causa – que teria de ser superior à alçada do tribunal recorrido – mas também do montante da multa aplicada, que corresponderia ao valor da sucumbência, e que teria de ser superior a metade da dita alçada.

            A entrada em vigor do RCP veio inovar em relação à recorribilidade das decisões que condenam em multa, com a previsão contemplada no então nº 5 do Artº 27º do mesmo, e actualmente nº 6 do mesmo Art. 27º ( redacção esta emergente da Lei 7/2012, de 13/02, já em vigor à data da prolação das decisões recorridas ).

            Preceitua-se no citado Art. 27º do RCP na redacção actualmente em vigor que:

            « 1 — Sempre que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de algumas das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC.

            2 — Nos casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC.

            3 — Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.

            4 — O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.

            5 — A parte não pode ser simultaneamente condenada, pelo mesmo acto processual, em multa e em taxa sancionatória excepcional.

            6 — Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional fora dos casos legalmente admissíveis cabe sempre recurso, o qual, quando deduzido autonomamente, é apresentado nos 15 dias após a notificação do despacho que condenou a parte em multa, penalidade ou taxa. ».

            A interpretação da previsão contida no nº 6 de tal preceito legal, mormente a referente à expressão nela contida «fora dos casos legalmente admissíveis», não vem concitando entendimento uniforme.

           Para o Cons. Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2009, pág. 329. “a expressão fora dos casos legalmente admissíveis é desadequada porque é susceptível de levar a crer, sobretudo no caso da taxa sancionatória excepcional, que se reporta a cominações fora das espécies processuais a que se reporta o proémio do artigo 447º-B do Código de Processo Civil ”, concluindo, ao que parece, que do normativo em causa resultará que o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

            Estamos, porém, com aqueles que defendem entendimento diverso, e que, partindo da letra da lei - que nunca poderá ser totalmente ultrapassada – ponderando os elementos histórico, sistemático e teleológico, procurarando alcançar o pensamento legislativo e presumindo sempre que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, enveredam pela opinião de que a expressão contida em tal preceito legal «fora dos casos legalmente admissíveis» é, de acordo com esse pensamento legislativo, a de que da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstractamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal. – veja-se em abono de tal entendimento, o Ac. desta Relação de Coimbra, de 20-06-2012, disponível em www.dgsi.pt.

            Em tal aresto sintetiza-se da seguinte forma:

            « Sendo possível situar abstractamente a condenação no âmbito da previsão de qualquer norma legal, só haverá recurso nos termos gerais, ou seja, exceptuados os casos de litigância de má fé, em que é sempre admissível o recurso, se, cumulativamente, o valor da causa ultrapassar a alçada do tribunal de que se recorre e a sucumbência for de valor superior a metade da dita alçada.

            Não encontrando a condenação, ainda em termos abstractos, arrimo em qualquer disposição legal que a preconize, o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência. “

            Tal foi o entendimento seguido pelo tribunal da 1ª instância e, a nosso ver, sem reparo.

            Com efeito, no caso concreto que nos ocupa as decisões que condenaram a recorrente e ora reclamante em multa sustentam-se na previsão contida do nº 2 do Art.  519º do Cód. Proc. Civil ( actualmente 417º do NCPC ) segundo a qual « Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil ».

            Embora se não mostre posta em causa na presente reclamação a questão relacionada com a não aplicação da multa prevista no citado Art. 519º nº2 do CPC ( Art. 419º Nº1 do NCPC )  aos casos em que a recusante seja parte na causa, sempre diremos que estamos com aqueles que entendem que sendo a colaboração devida é, sem prejuízo dos meios coercitivos possíveis, sancionada com multa seja quem for o recusante: parte ou terceiro.

            A tal propósito permitir-nos-emos aqui citar Lebre de Freitas,  em anotação à disposição legal em análise, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 409, segundo o qual  “não é (…) hoje defensável que a multa só é aplicável a terceiros, enquanto a parte só pode ficar sujeita a consequências probatórias; (…).

            Resta, pois concluir que, não estando as condenações em multa da recorrente e ora reclamante fora dos casos legalmente admissíveis, antes se situando no âmbito da previsão do Art. 519º, nºs 1 e 2 do CPC na sua anterior redacção e actualmente no Art. 419º nºs 1 e 2 do NCPC, delas só caberia recurso se estivessem verificados os requisitos do Artº 678º do CPC na anterior redacção, nomeadamente se, como exige o nº 1, o valor da causa fosse superior à alçada do tribunal de comarca e a sucumbência, que aqui corresponde ao montante das multas, excedesse metade da dita alçada.

            Mostrando-se isento de dúvidas que o valor da acção excede a alçada do tribunal de comarca, mas que os valores das multas/sucumbências (€ 102,00 num dos casos e € 306,00 no outro ) não excedem, em nenhum das situações, metade da referida alçada ( € 2.500,00 = € 5.000,00 : 2), é pois, manifesto que os recursos são inadmissíveis, como bem decidiu o tribunal da 1ª instância.

            Apesar da recorrente não reclamar da não admissão do segundo recurso interposto na parte da decisão recorrida em que se consignou que “ atenta a atitude assumida pela ré S..., e porque a tal a mesma assim obriga, a fim de fazer operar a inversão do ónus da prova, deverá agora o Autor, no prazo de 10 dias, comprovar nos autos a apresentação do pedido de cancelamento a que alude o art.º 3º, nº2 do Código de Registo Civil “, sempre diremos que concordamos com o adiantado a esse propósito pelo tribunal da 1ª instância na decisão em que indeferiu os requerimentos de interposição de recurso, no sentido de que na segunda parte do despacho de 03/07/2013 ( que foi alvo do segundo dos recursos interpostos ) não se ter operado relativamente às rés a inversão do ónus da prova, mas apenas o de nele se anunciar a intenção de tal acontecer, a seu tempo, estando essa cominação na dependência do autor apresentar o pedido de cancelamento a que alude o Art. 3º Nº2 do CRC.

            Na verdade, embora o segundo dos recursos interpostos pela recorrente contemple também como objecto do mesmo a parte da decisão recorrida proferida em 03.07.2013 na parte em que nesta se alude à inversão do ónus da prova, nos termos que se deixaram expostos, a verdade é que, como bem se evidencia dos termos da referida decisão, na mesma nada se aprecia sobre a inversão do ónus da prova, mas apenas se anuncia a possibilidade dessa inversão do ónus da prova vir a ser ponderada posteriormente, pelo que nesta parte a decisão recorrida é também insusceptível de recurso por não contemplar qualquer decisão desfavorável à recorrente.

Assim sendo não merece censura a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância que não admitiu os recursos interpostos pela ré E...e da qual esta reclamou. 

III- Sumário

- Da condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional cabe sempre recurso, nos termos do disposto no Art. 27º nº6 do RCP na sua actual redacção, se tal condenação não assentar em qualquer disposição legal que a preveja, se não for abstractamente enquadrável na previsão de qualquer norma legal. 

IV- Decisão.

Termos em que se decide desatender a reclamação e manter o despacho reclamado de não admissão dos recursos

Custas pela reclamante.

                                            Coimbra, 2014.01.28

                                                          

                                  

   Maria José Guerra ( Relatora )