Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
444180/08.1YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INJUNÇÃO
ACÇÃO ESPECIAL
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
EXCEPÇÕES
DEFESA
ESCRITURA PÚBLICA
FORÇA PROBATÓRIA
Data do Acordão: 02/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SÂO PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º, Nº 4, DO DEC. LEI Nº 32/2003, DE 17/02, NA REDACÇÃO DO DL Nº 107/2005, DE 1/07; 371º, Nº 1, C.CIV..
Sumário: I – Nas acções de valor não superior à alçada da Relação que, resultando da transmutação do procedimento de injunção, venham a seguir os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (artº 7º, nº 4, do Dec. Lei nº 32/2003, de 17/02, na redacção do DL nº 107/2005, de 1/07), não obstante não ser admissível articulado subsequente à oposição, deve admitir-se, caso nesta seja deduzida excepção peremptória, que a parte contrária se pronuncie, quanto a essa matéria, no início da audiência de julgamento, à luz do princípio do contraditório (artº 3º, nºs 3 e 4, do CPC).
II – Contudo, a falta de pronúncia, na sede referida, quanto à dita matéria de excepção arguida na oposição, não implica a admissão dos factos respectivos, por acordo.

III – Uma escritura pública, enquanto documento autêntico, apenas constitui prova plena quanto aos factos que nela se referem como praticados pelo notário e, outrossim, aos factos objecto de percepção por esse oficial público, não garantindo a veracidade dos restantes factos nela narrados – artº 371º, nº 1, C. Civ..

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório:

A) - A A...., com sede em .... instaurou em 26/12/2008, contra B..... e C....., procedimento de injunção, com fundamento em obrigação pecuniária emergente de transacção comercial (DL n.º 32/2003, de 17/02), pedindo a condenação dos requeridos a pagarem-lhe a importância de € 5.378,68 (e juros de mora vincendos sobre o montante do capital), respeitando, dessa quantia:

• € 5.000,00, ao montante do capital em dívida;

• € 30,68, a juros de mora, à taxa de 11,07%, respeitantes ao período entre 05.12.2005 e a data da entrada dessa providência;

• € 48,00, de taxa de justiça paga;

• € 130,00, de “outras quantias”.

Quanto à proveniência do mencionado crédito de € 5.000,00, referiu no seu requerimento (o que ora se faz em síntese), reportar-se o mesmo ao resto do preço do prédio urbano, sito ao Lugar ..., que vendera aos requeridos e que estes, não obstante se terem comprometido, por escrito, a fazê-lo até ao dia 04/12/2008, não liquidaram.

Na oposição que deduziram os Requeridos negaram estar em dívida qualquer parte do preço acordado com a A. para o negócio de compra e venda da fracção autónoma em causa, explicitando que o remanescente do preço não pago à data da escritura (€ 28.000), bem como um montante adicionalmente exigido pela A. de 7.800 €, fora pago através de cheque no montante de € 35.800, subscrito pela Requerida e emitido à ordem da A..

Mais sustentaram que, a serem devidos, os juros sempre teriam de ser contabilizados à taxa prevista para as obrigações civis.

Em reconvenção pediram a condenação da Requerente a pagar-lhes a quantia de € 3.911,18, acrescidos de juros de mora.

Concluíram pugnando pela improcedência do requerido na injunção e pela condenação da Requerente no pedido reconvencional, bem assim como, enquanto litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização, esta última em montante não inferior a € 1.500,00.

Por despacho proferido em 26/03/2009, o Mmo. Juiz do Tribunal Judicial de São Pedro do Sul decidiu não admitir a reconvenção.

B) - Realizada que foi a audiência de discussão e julgamento - onde, além do mais, foi prestado o depoimento de parte de D...., legal representante da autora - foi proferida sentença (em 23/06/2009 - fls. 85 a 91), no dispositivo da qual, assim se decidiu:

«...julgo o pedido parcialmente procedente, já que:

a) Condeno os Réus a pagarem à A. a quantia de 5.012,05 euros, acrescida de juros moratórios, sobre o capital de 5.000 euros, contados desde 27.12.08, à taxa de 4% ao ano e até efectivo e integral pagamento.

         b) Absolvo os Réus do remanescente do pedido.

         c) Absolvo a A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.».

C) - Inconformados com tal sentença, dela Apelaram os RR., que, a finalizar a sua alegação de recurso, apresentaram as seguintes conclusões:

[………………………………………………………]

Na sua contra-alegação a Apelada pugnou pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão impugnada.

Corridos os “vistos” e nada a isso obstando, cumpre decidir do objecto do recurso.


C) - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).
Assim, as questões que cumpre solucionar no presente recurso consistem em saber:
- Se é de proceder à alteração da matéria de facto em que se fundou a sentença recorrida;
- Se, em face da factualidade provada, é correcta a decisão de julgar a acção parcialmente procedente, nos termos decididos na sentença impugnada.

II - Fundamentação:

A) Os factos.

[…………………………………………]

2) - O poder de correcção e ampliação da Relação quanto à matéria de facto não se esgota aos casos em que o recorrente, discordando desta por razões que se prendem com a avaliação da prova - “rectius”, da apreciação da prova testemunhal - que foi feita pelo Tribunal da 1.ª Instância, procede à impugnação de que tratam os art.ºs 685-B e 712.º, n.º 2 e n.º 1, alínea a), 2.ª parte, ambos do CPC.

Assim, nos termos do referido art.º 712º, para além dos poderes de anulação que lhe são conferidos pelo n.º 4, a Relação pode também alterar a decisão de facto proferida pelo Tribunal recorrido:

- Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa (alínea a), 1.ª parte, do n.º 1);

- Se os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (alínea b) do n.º 1);

- Se for apresentado pelo recorrente documento novo superveniente que, só por si, destrua a prova que fundamentou a decisão (alínea c) do n.º 1).

Nos poderes da Relação quanto à matéria de facto está incluído, também, o de a ampliar, com recurso às presunções judiciais, excepto quando essa ampliação contrarie as respostas dadas aos quesitos[3] - excepção esta de que já não fará sentido falar, claro está, se no caso estiver em aberto a valoração da prova registada, no âmbito dos referidos art.ºs 685-B, n.ºs 1 e 2 e art.ºs 712º, n.ºs 2 e 1, alínea a), 2.ª parte -, bem como o de restringir aquela, como sucederá, por exemplo, se o Juiz sentenciador, invocando presunção judicial, consignar como assente facto que contrarie a resposta que se deu quanto a essa matéria, à base instrutória, ou que, muito embora não provoque essa contradição, seja o resultado de uma inferência ilegítima, porque não provados os factos-base que lhe serviriam de suporte.

Não se olvide, também, que a Relação - tal como acontece com o Juiz que elabora a sentença - deve declarar determinada resposta como não escrita, se constatar que ocorre alguma das circunstâncias previstas no art.º 646º, n.º 4, do CPC, bem como lhe cabe declarar provados os factos pertinentes à boa decisão da causa, relativamente aos quais - não obstante estarem assentes, v.g., por documento, confissão reduzida a escrito ou por acordo das partes - na sentença não se haja observado o disposto no n.º 3 do art.º 659 do mesmo Código[4].

Havendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados na audiência, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação se for impugnada, nos termos do art.º 685-B, a decisão com base neles proferida - (segunda parte da alínea a) do n.º 1 do art.º 712.º do CPC).

Em tal hipótese, o objecto dessa impugnação tem obrigatoriamente de ser especificado, com indicação, quer dos concretos pontos de facto que se entendem incorrectamente julgados, quer dos concretos meios probatórios, constantes do processo do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sob pena de rejeição (alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 685-B do CPC).

Ao recorrente caberá, tendo havido gravação dos meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação, indicar os depoimentos em que se alicerça, indicando, com exactidão, as passagens da gravação em que se funda (n.º 2 do art.º 685-B do CPC).
Cabe salientar ser o princípio da livre convicção do julgador, estatuído no art.º 655.º, n.º 1, do CPC, aquele que vigora no domínio da valoração da prova testemunhal, bem assim como na valoração da prova documental, neste último caso, claro está, nas hipóteses em que a tal prova não seja atribuída força probatória plena.
Com efeito, salvaguardada a excepção que consigna no n.º 2, o art.º 655.º do CPC, preceitua no seu n.º 1 que o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Analisadas as provas à luz das regras de experiência e da lógica, gerou-se no juiz o convencimento - fundado, não arbitrário - sobre a probabilidade séria da conformação dos factos a uma determinada realidade. A prova idónea a alcançar um tal resultado, é a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza.
A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “...segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica...” [5].
A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “...a certeza absoluta, (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)...”, mas tão só, “...de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.” [6].
A certeza a que conduz a prova suficiente é, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.

Saliente-se, ainda, que a relevante impugnação da decisão sobre a matéria de facto, efectuada de acordo com o disposto no art.º 685-B, nºs 1 e 2, do CPC (cfr, tb., art.º 712, n.º 1, alínea a), segunda parte, do mesmo Código), com base nos depoimentos prestados em audiência, além de pressupor que, no corpo das alegações de recurso, se faça a indicação concreta, especificada, dos pontos da matéria de facto objecto dessa impugnação, tem de assentar na indicação dos concretos pontos do depoimento em causa (com reporte às respectivas passagens da gravação), que, “per se” ou em conjugação com outro(s) elemento(s) de prova, habilitem o Tribunal “ad quem” afirmar - e à contraparte, infirmar, nos termos do n.º 3, do referido art.º 685-B - que a resposta a dar a tais factos é contrária, ou diversa daquela que foi dada pelo Tribunal “a quo”.

Pois bem. No presente caso os Apelantes põem em causa a decisão proferida na 1.ª Instância sobre a matéria de facto, defendendo, para esse efeito, que, ao invés do decidido pelo Tribunal “a quo”, deve dar-se como provado, “que os Réus já tenham pago à Autora a totalidade do montante acordado como preço da compra e venda da fracção supra descrita em 1 da factualidade”, sendo de dar como não provado que “por conta do valor acordado como preço do negócio de compra e venda da fracção referida em 1, encontra-se por pagar à Autora, pelos Réus, a quantia de 5.000,00 Euros”.

Para alcançar tal desiderato, sustentam os recorrentes que:

- A excepção do pagamento do preço foi alegada e a Autora não respondeu, pelo que se devem considerar tais factos como admitidos por acordo (n.º 2 do art. 490.º do CPC);

- O próprio legal representante da Autora, em sede de discussão e julgamento, quando lhe foi tomado o seu depoimento de parte, expressamente confessa o facto alegado pelos Réus no art. 15º da Oposição, sendo que desse facto expressamente releva a declaração emitida perante o Sr. Notário por aquele representante da Autora, no sentido dos Réus já lhe terem efectuado o pagamento do preço do negócio: “(…) pelo preço já recebido (…)”;

- Por funcionamento de “presunção de primeira aparência” deve concluir-se nos termos defendidos, já que do teor do documento denominado de “Declaração de Dívida” «…nada há que permita concluir que as declarações feitas pelos outorgantes naquela escritura pública de compra e venda, perante o Sr. Notário, depois deste os ter devidamente esclarecido da relevância e dos efeitos das mesmas, de terem pago o preço do negócio (os compradores) e de o ter recebido (a compradora), não é verdadeira, melhor, integralmente verdadeira.

Efectivamente, do teor desse documento nada se pode retirar que a declaração feita na escritura pública - “(…) pelo preço já recebido (…)” - não é verdadeira, integralmente verdadeira.»

(…)

«A fórmula genérica aposta na “declaração”, integrando-a apenas no negócio de compra e venda, não a fixando expressamente à declaração da Autora na escritura de compra e venda, impede de lhe retirar as virtualidades de a localizar em momento posterior ao dessa declaração emitida no documento com força probatória plena.».

Os primeiros dois fundamentos invocados pelos Apelantes não têm a ver com a deficiência de valoração da prova produzida em audiência, mas antes com a violação do preceituado no art.º 646º, n.º 4, do CPC, na medida em que este veda ao Tribunal a resposta a matéria de facto que esteja plenamente provada, por acordo ou confissão das partes, bem como com a inobservância do estatuído no n.º 3 do art.º 659º do mesmo Código, aspectos estes que mais acima, embora numa perspectiva geral, já aflorámos.

Comecemos, então, por abordar a invocada admissão dos factos por acordo.

Não há que duvidar que os RR, na sua Oposição, embora sem referirem defender-se por excepção, alegaram estar pago todo o montante do preço da fracção autónoma adquirida à autora, especificando que o montante de 5.000,00 €, a que se reporta a “Declaração de Dívida” datada de 4/12/07, foi englobado no pagamento efectuado através do cheque n° 1524406488, no valor de 35.800,00 €, emitido pela Requerida em 06/12/2007 (art.ºs 12º, 13º e 14º, da Oposição).

Frustrado, por via da dedução da Oposição, o procedimento de injunção seguiu-se “in casu”, o processo da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação[7] (Art.º 7º, n.º 4, do DL n.º 32/2003, de 17/02, na redacção conferida pelo art.º 5º, do DL 107/2005, de 01/07; DL n.º 269/98, de 01/09, com as subsequentes alterações que veio a sofrer, designadamente as resultantes do DL n.º 303/2007, de 24/08 e dos referidos Decretos-lei n.ºs 32/2003 e 107/2005, de 01/07 - cfr. art.ºs 16º, n.º 1, 17º e “ex vi” deste artigo, arts.º 1º, n.º 4 e art.ºs 3.º e 4.º, todos do 269/98), processo este que não comporta - como os Apelantes reconhecem -, articulado subsequente à Oposição que permita ao Requerente responder a qualquer excepção que nela haja sido deduzida.

Sustentam os Apelantes, contudo, que à Requerente se impunha responder, no início da audiência, ao excepcionado pagamento, sob pena de este, por falta de impugnação, se dever ter como admitido por acordo.

Afigura-se de admitir, de facto, a pronúncia da parte quanto à matéria de excepção que haja sido arguida na Oposição, pronúncia essa que, devendo ocorrer no início da audiência de julgamento, tem a justificá-la a necessidade de observância do princípio do contraditório (art.ºs 3º, n.ºs 3 e 4, do CPC)[8], não se apresentando, assim, como um ónus que, em caso de incumprimento, leve a considerar a referida matéria como admitida por acordo, pois inexiste preceito que imponha tal cominação, não se vislumbrando razão para a aplicação do disposto no art.º 490º, n.º 2, do CPC, falho que é o pressuposto em que assenta o art.º 505º do mesmo Código, que é, precisamente, o da falta de apresentação de articulado quando este é admissível, ou a falta de impugnação, nele, dos factos alegados pela contraparte em articulado anterior[9].

Improcede, pois, o sustentado pelos Apelantes quanto invocada admissão, por acordo, da matéria que alegaram quanto ao pagamento.

Abordemos, agora, a alegada confissão da factualidade constante do art.º 15º da Oposição.

O artigo em causa tem o seguinte teor: «Oponentes e Oponida, esta representada pelo seu sócio gerente com poderes para o acto, o Sr. D..., outorgaram, no passado dia 04/12/2007, no Cartório Notarial de ..., escritura pública de compra e venda (fls. 81 a 82v do Livro de Notas para Escritura Diversas n° 69-D daquele Cartório), na qual esta declarou vender à Oponente mulher, pelo preço já recebido de 185.690,00€, a fracção designada pela letra "A", correspondente ao rés do chão e primeiro andar, lado esquerdo, do prédio urbano submetido ao regime da propriedade horizontal, pela inscrição F- um, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ----° e descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob o número .... - ....., e aí registada a aquisição a favor da sociedade vendedora (doc. n° 3 cujo conteúdo aqui, e para os devidos efeitos legais, se dá por integralmente reproduzido).».

Ora, na acta da audiência de 16/06/2009, em que prestou depoimento de parte D..., enquanto legal representante da Requerente, fez-se constar o seguinte:

«Após o depoimento do legal representante da autora, o Mmo Juiz ordenou que se consignasse em acta que aquele reconheceu serem verdadeiros os factos constantes dos arts. 3º a 5º, 8º, 12° (quanto ao recebimento do cheque e ao seu bom pagamento), 13° e 15°, todos da oposição.

Que relativamente ao art° 10º da oposição referiu ser verdade ter exigido a subscrição de uma declaração de dívida, pelo valor de 5 000,00 euros, datada de 4/12/2007.-

Quanto ao art° 20° da oposição, reconheceu que os réu são professores.-».

Ora, salvo o devido respeito, este reconhecimento, no tocante à factualidade do art.º 15º, traduz-se na admissão de que corresponde à verdade ter a Autora, representada pelo seu sócio gerente, declarado, “…vender à Oponente mulher, pelo preço já recebido de 185.690,00€…” e não na admissão de que, efectivamente, na ocasião a que se reporta tal escritura se havia já recebido o aludido preço.

Inexiste, pois, confissão, no que respeita ao recebimento do preço.

Não obstante ter sido já assinalado na sentença impugnada, não se deixará de salientar que a escritura pública, enquanto documento autêntico, apenas constitui prova plena quanto aos factos que nela se referem como praticados pelo notário e, outrossim, aos factos objecto de percepção por esse oficial público, não garantindo a veracidade dos restantes factos nela narrados (art. 371.º, n.º 1, do CC).

Com efeito, como se diz no sumário do Ac do STJ de 09/05/2002, Revista n.º 1342/02[10] “Apesar de as escrituras serem documentos autênticos, por se revestirem das características estabelecidas no art.º 369 do CC, o seu valor probatório pleno é, por força do n.º 1 do art.º 371 do mesmo diploma, circunscrito aos factos que nelas se referem como praticados pelo notário e, outrossim, aos factos objecto de percepção por esse oficial público (entidade atestadora/documentadora), não abrangendo a veracidade e/ou a correspondência com a realidade dos factos ou declarações das partes que integram a respectiva materialidade.”.
Mutatis mutandis, vale o que se refere, expressivamente, no Acórdão do STJ de 19-04-2005 (Revista n.º 05A416) quando diz: “…no que toca ao preço da compra e venda, a escritura pública prova plenamente que os vendedores disseram perante o notário que o preço foi de 500 contos e que já o receberam; mas não prova, nem pode provar, que tal facto corresponde à realidade, que o conteúdo da declaração é verdadeiro, dado que isso transcende aquilo que as percepções do notário, enquanto autoridade revestida de fé pública, podem alcançar.
Portanto, nada impede que mais se tarde se prove, por exemplo, que o preço ainda não foi efectivamente pago, ou que foi diferente (superior ou inferior).”.
Haverá, com efeito, como se evidencia no Acórdão do STJ de 09-06-2005 (Revista n.º 1417/05)[11], que distinguir entre confissão e admissão ou mera declaração de um facto (ou situação factual). Assim, “…a declaração constante de uma escritura de cessão de quotas na qual é mencionado pelo cedente o recebimento do preço ou de um dado preço, não pode ser havida como confissão, por não conter a admissão pelo declarante da veracidade de tal recebimento; a materialidade da declaração é indiscutível, porém o respectivo conteúdo, porque não atestado pelo oficial público, é passível de demonstração/impugnação, designadamente através de prova testemunhal. (...)”.
Posto isto, importa dizer que não vemos, quer nas declarações prestadas pelo legal representante da Autora, quer nos restantes elementos de prova constantes dos autos - dos quais os Apelantes logo excluíram a prova testemunhal, que, na verdade, ausente esteve da fundamentação da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto (exceptuando uma referência, sem relevância para o que ora tratamos, à testemunha Álvaro Pereira) - apoio minimamente seguro que justifique - ainda que por recurso a presunção judicial assente nas regras da experiência comum -, dar-se como provado o pagamento integral do preço da compra e venda em causa e, concretamente, o pagamento da quantia de 5.000,00 €, que, reportando-se a essa compra, os RR, inequivocamente, declararam dever à Autora, no documento datado de 04 de Dezembro de 07, que subscreveram.
Apresenta-se, pois, sem viabilidade a pretensão dos Apelantes em ver, ainda que por recurso à prova de primeira aparência, ou prova “prima facie”, acolhida a sua versão dos factos relativos ao pagamento que invocam, lembrando-se que as presunções judiciais, assentando nas regras da experiência comum, têm como pressuposto de funcionamento a prova de factos base que legitimam essa inferência, o que, no caso, não ocorre.
Do exposto resulta que, não se vislumbrando violação, por parte da 1.ª Instância, do disposto nos art.ºs 646º, n.º 4 e 659º, n.º 3, do CPC, a apreciação que esta Relação faz da prova produzida não conduz a outro resultado que não aquele que ficou expresso na decisão do Tribunal “a quo” sobre a matéria de facto.
Deste modo, a factualidade que se tem por provada é aquela que assim foi considerada na sentença impugnada e que mais acima se discriminou.

B) - O direito.

Aos RR incumbia, para cumprir a obrigação contratual decorrente do preceituado no artº 879º c) do CC, fazer à autora a entrega do preço, sendo que a entrega dos 5.000,00 € peticionados deveria ocorrer, conforme o acordado e consignado no documento intitulado “Declaração de Dívida”, até 4.12.08.

Não tendo os RR (como lhes competia - art.º 342º, n.º 2, do CC) logrado provar que satisfizeram essa obrigação, antes resultando provado que a não cumpriram, e sendo de presumir a sua culpa em tal incumprimento (artº 799º do CC), são responsáveis pelo prejuízo que causaram à autora (artº 798º do CC), sendo, assim, face ao disposto nos artºs. 804º, 805º nº 2 a), 806º nºs 1 e 2 e 559º do CC, não só responsáveis pelo pagamento da referida quantia, como também pelo pagamento dos respectivos juros de mora.

Assim, inalterada a decisão de facto emitida pelo Tribunal “a quo”, não se descortina que destino diferente possa ter, em face disso e do direito a aplicar, a decisão de mérito proferida, já que a sentença recorrida, enunciando devidamente as questões a resolver, solucionou-as correctamente e com fundamentação adequada, merecendo a nossa concordância a decretada parcial procedência da acção, com a condenação dos RR nos termos decididos.

A sentença recorrida fez, pois, correcta interpretação das disposições legais pertinentes, não tendo infringido, designadamente, o disposto no art.º 490.º, nº 2 do CPC, e nos art.ºs 352º, 356º, nº 2, 358º, nº 1, 369º e 371º do Código Civil.

Em síntese, dir-se-á: «I - Nas acções de valor não superior à alçada da Relação que, resultando da transmutação do procedimento de injunção, venham a seguir, “ex vi” do n.º 4 do art.º 7º do DL n.º 32/2003, de 17/02, (na redacção do DL n.º 107/2005, de 01/07), os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, não obstante não ser admissível articulado subsequente à Oposição, deve admitir-se, caso nesta seja deduzida excepção peremptória, à luz do princípio do contraditório, que a parte contrária se pronuncie quanto a essa matéria no início da audiência de julgamento.

II - Contudo, a falta de pronúncia, na sede referida, quanto à matéria da excepção arguida na Oposição, não implica a admissão, por acordo, dos factos respectivos.

Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação dos Apelantes, sendo de manter, na íntegra, a sentença recorrida.

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação, julgar improcedente a Apelação e manter a sentença da 1.ª Instância.

Custas pelos Apelantes.


[1] Código este aqui aplicável na versão resultante do DL n.º 303/07, de 24/08.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ, ou os respectivos sumários, que adiante forem citados sem referência de publicação.
[3] Cfr. Acórdão do STJ de 09/06/2005 (Revista n.º 05B1196) e demais jurisprudência aí citada.
[4] Cfr. Acórdão do STJ de 27/09/2001 (Revista n.º 2424/01 - 7ª Secção), assim sumariado: «I - A especificação tem uma mera função instrumental dentro da marcha ou sequência processual e não deve, portanto, passar além disso, nomeadamente, interferir com o final e definitivo poder do juiz sentenciador de fixar os factos provados, nos termos do n.ºs 2 e 3 do art.º 659 do CPC, tendo em conta, naturalmente, “os factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados...”. II - O juiz sentenciador não está impedido de alterar o rol de factos da especificação, eliminando o que lá não deveria constar, acrescentando o que o saneador considerou não lhe pertencer, modificando o sentido ou a extensão dos especificados.
III - Por identidade de razão, tendo havido recurso da sentença, pode a Relação, dentro dos seus amplos poderes de 2.ª instância em matéria de facto, exercer, sobre esta, aquele mesmo tipo de intervenções.». (consultável em http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Civieis/Civeis2001.pdf.). Cfr. tb., cfr. o Acórdão do STJ, de 26/9/95, no BMJ 449, pág. 287.

[5] Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245.
[6] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora - 1984 - págs. 419 e 420.
[7] Atente-se, no entanto, que após as alterações introduzidas pelo art.º 6º, do DL n.º 303/2007, no art.º 1º do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, em lugar de se referir “o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação...”, passou-se a referir “o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000…”.
[8] Cfr. Cons. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Processo Geral Simplificado”, 2001, pág. 87.
[9] Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto “in” Código de Processo Civil Anotado, 2.º volume, 2001, pág. 337.
[10] Constante da página do STJ na Internet e acessível através do endereço http://www.stj.pt/?idm=46.
[11] Aresto este acessível no endereço do STJ acima indicado.