Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
106/19.2YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS
COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
LITÍGIO DE CONSUMO
TRIBUNAL ARBITRAL
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - TRIBUNAL DA RELAÇÃO - SECÇÃO CENTRAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº 23/96 DE 26/7.
Sumário: 1. A Lei dos Serviços Públicos Essenciais ( Lei nº 23/96 de 26/7 ) é aplicável à relação que se estabelece entre a concessionária do serviço de comunicações electrónicas e o utilizador de tais serviços.

2. A box é um elemento imprescindível para o serviço de televisão prestado pela concessionária, fazendo parte da rede de transmissão do seu sinal.

3. O litígio entre a concessionária e o utente, relativo a dano provocado pela box na televisão, é um litígio de consumo no âmbito de um serviço público essencial, podendo ser sujeito a arbitragem necessária, ao abrigo do disposto no artigo 15º da Lei nº 23/96 de 26/7.

Decisão Texto Integral:






                                                                                              

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

A N (…) instaura ação de anulação da sentença arbitral proferida por tribunal arbitral constituído no âmbito do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Distrito de Coimbra, relativamente à reclamação contra si apresentada por A (…)  invocando a incompetência daquele tribunal arbitral, pois que não aderiu à arbitragem e porque o litígio não cabe na arbitragem necessária.

Devidamente citado, o requerido não veio deduzir oposição.

A questão a decidir é a da competência do tribunal arbitral.


*

Factos a considerar:

O Requerido é cliente da Autora “N(…)”.

Em 10.10.2018, o televisor identificado do Requerido deixou de dar imagem e som.

Esta avaria foi provocada por descarga elétrica a partir da box “N (…)” ligada à entrada HDMI. (…)


*

Levantada a questão da incompetência do tribunal arbitral, este veio a reconhecer a sua própria competência, fazendo-a assentar, não na existência de uma qualquer convenção de arbitragem, mas na ocorrência de uma arbitragem necessária prevista no artigo 15º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho (Lei dos Serviços Públicos Essenciais).

Dispõe o nº1 do citado artigo, sob a epígrafe “Resolução de Litígios e arbitragem necessária”:

“1. Os litígios do consumo no âmbito dos serviços públicos essenciais estão sujeitos à arbitragem necessária quando, por opção expressa dos utentes que sejam pessoas singulares, sejam submetidos à apreciação do tribunal arbitral dos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados.”

O âmbito material da competência do tribunal arbitral necessário previsto naquele artigo circunscreve-se aos litígios referentes a “serviços públicos essenciais”, de consumo, em que a submissão do litígio à jurisdição arbitral resulta da opção do utente pessoa singular.

No caso, o Requerido é pessoa singular que optou por recorrer à arbitragem.

Consagrando aquela lei as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais, em ordem à proteção do utente, inclui, naqueles serviços, o de comunicações eletrónicas (alínea d), nº 2, do artigo 1º).

Este pode ser definido como o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações (serviços de telefone fixo, telefone móvel, internet fixa, internet móvel e televisão por subscrição) e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão. (Portal Anacom)

Reconhecendo prosseguir uma atividade de interesse público, a Autora defende que o problema em causa (dano na TV e na box) não tem conexão com o serviço, parecendo limitar este ao fornecimento enviado.

Devemos considerar que a lei visou medidas adequadas para assegurar o equilíbrio das relações jurídicas que tenham por objeto serviços essenciais, medidas destinadas a proteger o utente de serviços públicos essenciais.

Daí que procure assegurar um bom funcionamento regular do serviço.

Para isso, a relação criada envolve mais do que a simples disponibilidade do fornecimento, implicando também o acesso a uma determinada rede, em processamento regular.

A prestação do serviço de comunicações electrónicas pressupõe a instalação prévia das redes de encaminhamento do sinal respetivo.

A box é um elemento imprescindível para o serviço de televisão prestado pela concessionária, fazendo parte da sua rede de transmissão do seu sinal.

A sua integração no serviço decorre também do previsto no art.3º, alíneas dd) e ff) da Lei 5/2004, de 10.2 (dd) «Rede de comunicações electrónicas» os sistemas de transmissão e, se for o caso, os equipamentos de comutação ou encaminhamento e os demais recursos, nomeadamente elementos de rede que não se encontrem activos, que permitem o envio de sinais por cabo, meios radioeléctricos, meios ópticos, ou por outros meios electromagnéticos, incluindo as redes de satélites, as redes terrestres fixas (com comutação de circuitos ou de pacotes, incluindo a Internet) e móveis, os sistemas de cabos de electricidade, na medida em que sejam utilizados para a transmissão de sinais, as redes de radiodifusão sonora e televisiva e as redes de televisão por cabo, independentemente do tipo de informação transmitida; ff) «Serviço de comunicações electrónicas» o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, sem prejuízo da exclusão referida nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º).

Neste contexto relacional e técnico, podemos concluir que o litígio entre a concessionária e o utente, relativo a dano provocado pela box na televisão, é um litígio de consumo no âmbito de um serviço público essencial, podendo ser sujeito a arbitragem necessária, ao abrigo do disposto no artigo 15º da lei 23/96.

Em consequência, sendo o tribunal arbitral competente, esta ação de anulação é de julgar improcedente.

Decisão.

Pelo exposto, julga-se a ação improcedente.

Custas pela Autora, vencida.                

Coimbra, 2019-09-24


Fernando Monteiro ( Relator )

António Carvalho Martins

Carlos Moreira