Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
70/13.1GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
ESCOLHA DA PENA
Data do Acordão: 03/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 18.º E 32.º DA CRP; ART. 412.º DO CPP; ARTS. 40.º E 70.º DO CP
Sumário: I - Incidindo o recurso sobre a matéria de facto cabe exclusivamente ao recorrente fixar o objecto, através da indicação precisa do erro que entende ter sido cometido, e da indicação dos meios que inequivocamente o demonstram, sendo certo que a modificação da decisão de facto só pode dar-se se e quando as provas por si especificadas impuserem decisão diversa da recorrida, não bastando para o efeito, que apenas permitam decisão diversa.

II - Na fase de recurso, a evidenciação da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, face ao termos da decisão isto é, tem que resultar clara e inequivocamente do texto da decisão que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.

III - O critério geral de escolha da pena é o de ser dada prevalência à pena não privativa da liberdade desde que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da pena criminal ou seja, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No [já extinto] Tribunal Judicial da comarca de Tábua o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido A..., com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, b) e d) e 3 do C. Penal.

Na audiência de julgamento de 10 de Julho de 2014 [acta de fls. 184 a 186] foi comunicada ao arguido uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e uma alteração da qualificação jurídica, que passou a ser feita pelo art. 256º, nºs 1, a) e 3 do C. Penal, nada tendo sido oposto ou requerido.

Por sentença de 10 de Julho de 2014 foi o arguido condenado, pela prática dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo 256º, nºs 1, a) e 3 do C. Penal, na pena de dois anos de prisão por cada um deles e em cúmulo, na pena única de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período condicionada ao não exercício pelo arguido, durante a suspensão, do exercício da actividade seguradora em qualquer qualidade.


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            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1 – O arguido não se conforma com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" que o condenou numa pena de prisão de dois anos e oito meses suspensa na sua execução com imposição de condições, pela prática, em autoria material, de dois crimes de falsificação de documento

2 – No entender da defesa não foi efectuada prova de que o arguido tenha alterado documento vulgarmente conhecido por carta verde e o disponibilizado a C... pois que a apólice de seguro desta testemunha foi anulada por falta de pagamento do prédio ou a pedido da própria testemunha no ano de dois mil e treze.

3 – Esta testemunha referiu ter transitado os seus seguros para outro mediador pois o arguido não estava nas melhores condições após ter sofrido um acidente pelo que não se compreende porque seria o arguido a entregar-lhe uma carta verde de seguro que o mesmo não pagou e após já não ser o mediador da testemunha.

4 – A valoração do meio de prova pouco credível e não valoração das declarações do arguido para sustentar a absolvição viola o principio in dubio pro reo e o principio da legalidade que impõe que o Juiz valore de forma favorável ao arguido a incerteza sobre os factos decisivos da causa, o que foi o caso, devendo o arguido ser absolvido por um crime de falsificação no que toca a tais factos (pontos 3, 4, 5 dos factos provados).

5 – Não se justifica no caso em concreto a aplicação de pena de prisão quanto a um crime de falsificação de documento, sem o que é violado o art. 70 do C. Penal., atendo até à falta de antecedentes criminais do arguido.

6 – E desproporcional, por excessiva qualquer pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, devendo antes ser aplicada ao arguido uma pena de multa.

7 – A aplicação de pena de multa ao arguido realizaria adequadamente e de forma suficiente a sua função, enquanto medida de prevenção de futuros crimes.

8 – Mas ainda que assim não se entendesse a pena de prisão a aplicar ao arguido não deveria ser superior ao seu mínimo legal, e deveria ser substituída por multa ou por trabalho a favor da comunidade.

9 – A aplicação de pena de prisão, suspensa da sua execução, com a imposição das obrigações aplicadas na douta decisão recorrida, afasta o arguido de trabalhar, ainda que por conta de outrem, no ramo dos seguros, impedindo-o de retomar uma actividade profissional numa área em que mesmo, face aos seus conhecimentos, e apesar das suas limitações físicas poderia ainda trabalhar e granjear rendimentos para a sua subsistência.

10 – Violou o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" o disposto nos arts. 70 e 71 do Código Penal da República Português.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a decisão judicial que determinou a e ser a decisão substituída por outra que absolva o arguido da prática de um crime de falsificação de documento e bem assim condene o arguido, quanto aos restantes factos, não impugnados em pena de multa, assim se fazendo SÃ, SERENA e OBJECTIVA JUSTIÇA.


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            Respondeu a recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            A. O Tribunal a quo realizou uma correta e precisa aplicação do Direito à matéria de facto provada, a qual não merece qualquer censura, valorando e apreciando corretamente as provas e fundamentando a sua decisão, após a realização de um exame crítico e assertivo da prova produzida, na sua livre convicção, assente na imediação e na oralidade, pelo que não poderá a sua Decisão ser censurada por ilógica ou inadmissível face desde logo às regras da experiência comum e ao princípio da livre apreciação da prova;

                B. A possibilidade de o Tribunal a quo atribuir credibilidade a determinado depoimento e não a outro, mormente quanto às declarações prestadas pelo arguido, em nada pressupõe a violação do princípio consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, que manda que o Juiz julgue segundo a sua livre convicção, desde que devidamente fundamentado (o que ocorreu) ou do princípio in dubio pro reo;

C. Atento o processo decisório que se vislumbra na Douta fundamentação e motivação elaborada pelo Tribunal a quo e que consta da Sentença não podemos concluir que Este ficou num estado de dúvida ou sequer que a sua decisão não se encontra suficientemente suportada;

D. Bem como na determinação da medida da pena principal, tendo efetivado uma correta e adequada aplicação dos critérios legalmente estabelecidos, nomeadamente nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal revelando-se a mesma adequada e conforme à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial que o caso suscita, tendo sido atendidas, consideradas na fixação daquelas todas as circunstâncias atenuantes e agravantes;

E. O Tribunal a que não ultrapassou a medida da culpa do arguido/recorrente, a qual se considera grave, mostrando-se a pena aplicada adequada às finalidades que se pretendem garantir.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Doutamente se suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pelo arguido/recorrente, mantendo-se integralmente a Douta Decisão recorrida, por tal corresponder, in casu, a um ato conforme à Justiça.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, subscrevendo parcialmente a contramotivação do Ministério Público e defendendo a aplicação da pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 6 para cada crime e em cúmulo, a aplicação da pena única de 400 dias de multa, e concluiu pelo parcial provimento do recurso.

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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto, a aplicação do in dubio pro reo e a consequente absolvição da prática de um dos crimes de falsificação de documento;

- A incorrecta escolha da pena [de prisão];

- A excessiva medida da pena de prisão e a incorrecta escolha da pena de substituição decretada [de suspensão da execução da pena de prisão].


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1. A... exerceu as funções de mediador de seguros de COMPANHIA DE SEGUROS P... (à altura, Q... ) desde 01.06.2007, explorando a título próprio e ocupando um escritório, aberto ao público, em Rua (...) Tábua, até pelo menos Março de 2013;

2. No âmbito dessa actividade e pelo menos até finais de 2012, A... tinha acesso ao sistema informático da companhia de Seguros R..., possuindo autorização para emitir e imprimir certificados internacionais de seguro, vulgarmente conhecidos por “carta verde”, bem como papel verde próprio para a sua impressão, disponibilizado pela Seguradora;

3. Entre o dia 01.01.2013 e o dia 13.03.2013, A... acedeu ao ficheiro digital que continha a representação gráfica da apólice n.º 753117338, n.º de série P/101421666503 e, com recurso a um programa de edição gráfica de ficheiros digitais, alterou-o pela seguinte forma, imprimindo-o depois em papel verde, exibindo os timbres e assinatura da seguradora:

a) Substituiu a data de início, passando a figurar 24.01.2013 em substituição de 24.07.2012;

b) Substituiu a data de termo, passando a figurar 15.05.2013 em substituição de 17.11.2012;

4. A... agiu nos termos referidos em Factos 3.) tendo em vista disponibilizar a C... , de quem tratava dos seguros de circulação inerentes às suas viaturas, a carta verde necessária à comprovação da existência de uma relação de Seguro;

5. A... sabia que a apólice com o n.º 753117338 referente ao veículo (...) ZJ tinha validade entre 24.07.2012 e 17.11.2012 e que havia cessado efeitos;


*

6. Em 30.01.2013, ao final da tarde, A... acedeu ao ficheiro digital que continha a representação gráfica da apólice n.º 752379906, n.º de série P/101422118575 e, com recurso a um programa de edição gráfica de ficheiros digitais, alterou-o pela seguinte forma, imprimindo-o depois em papel verde, exibindo os timbres e assinatura da seguradora:

a) Substituiu o n.º da apólice, passando a figurar 752810233 em substituição de 752379906;

b) Substituiu a marca do veículo segurado, passando a figurar DAIHATSU MOVE em substituição de HONDA ACCORD 2.2. i-CTDI Executi;

c) Substituiu a matrícula do veículo segurado, passando a figurar (...)LB em substituição de (...)XL;

d) Substituiu a data de início, passando a figurar 19.08.2012 em substituição de 19.09.2012;

e) Substituiu a data de termo, passando a figurar 19.02.2013 em substituição de 12.01.2013;

f) Substituiu a identidade do tomador, passando a figurar G... , Lg. (...) Ázere em substituição de H..., (...) Tábua;

7. A apólice com o n.º 752379906 certificava a relação de seguro relativa ao veículo HONDA ACCORD 2.2. i-CTDI Executi, matrícula (...)XL, de que era tomador H... e o documento com o n.º P/101422118575 produziu efeitos de certificação da relação de seguro de 19.09.2012 a 12.01.2013, o que A... bem sabia;

8. A apólice com o n.º 752810233 certificava a relação de seguro relativa ao veículo Peugeot 206 1.1 XR, matrícula 52-29-PN, de que era tomador G... , o que A... bem sabia;

9. O veículo DAIHATSU MOVE, de matrícula (...)LB não se encontrava compreendido numa relação de seguro com COMPANHIA DE SEGUROS P... (à altura, Q... ) na altura referida em Factos 6.), o que A... bem sabia;

10. A... agiu nos termos descritos em Factos 6.) a 9.), quando G... se deslocou ao escritório referido em Factos 1.), a fim de lhe solicitar a certificação de uma relação de seguro relativa ao veículo DAIHATSU MOVE;

11. A... aproveitou-se dos meios físicos e informáticos que lhe haviam sido disponibilizados pela Seguradora em razão das suas funções de mediador para alterar os elementos dos certificados internacionais de seguro, dando-lhes aparência de verdadeiros e válidos, com o objectivo que quis e logrou conseguir, de fazer crer a entidades fiscalizadoras e terceiros que os documentos eram verdadeiros e que os dados neles apostos correspondiam à verdade, aparentando que poderiam as viaturas ser usadas em circulação, o que bem sabia falso;

12. A... sabia que os descritos veículos necessitavam de estar enquadrados em seguro de responsabilidade civil automóvel para que pudessem circular na via pública e que a Lei atribui aos certificados internacionais o valor de documento autêntico, para comprovação da relação de seguro;

13. A... sabia que, ao agir nos termos descritos, colocava em causa a fé pública que os certificados internacionais de seguro são merecedores e que abalava a credibilidade de que esses documentos são merecedores, agindo em prejuízo da especial segurança e crédito que a comunidade deposita na sua existência e validade, o que quis e logrou conseguir;

14. A... agiu em benefício de C... e G... , tendo em vista criar uma aparência documental de titulação de contrato de seguro que estes não custearam nem teriam de custear junto da sociedade de seguros, agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por Lei;

15. Não há registo que A... tenha sido já condenado por prática criminal;

16. A... tem licenciatura em economia, encontra-se desempregado desde 2012 e sem rendimentos de qualquer natureza, vive com a mãe, que o apoia e sustenta, esteve envolvido num acidente de viação em 2010 encontrando-se até esta altura em recuperação e em situação de debilidade física, tem por encargos os necessários à sua subsistência e é genericamente bem visto pela sua população de contexto;

(…)”.

B) Nela foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

A. A... possuía, à data referida em Factos 3.) e 6.), autorização da Seguradora para aceder ao seu sistema informático “ R..” e imprimir certificados internacionais de seguro e, nessas situações, acedeu ao dito sistema, imprimindo as mesmas e alterando o seu conteúdo posteriormente;

B. O descrito em Factos 3.) ocorreu quando C... se deslocou ao escritório do arguido, para pagar o prémio de seguro que o arguido lhe disse estar a vencer-se;

C. O arguido sabia que a apólice 753117338 havia sido anulada em 24.01.2012 por falta de pagamento;

D. O arguido agiu nos termos descritos em Factos 6.) a 9.) quando G... lhe pediu a contratualização de uma relação de seguro relativa à viatura aí referida e respectiva emissão de certificado internacional de seguro;

E. A... agiu em seu próprio benefício, fazendo suas as quantias em dinheiro que lhe foram entregues por C... e G... , enquanto os levava a crer que estavam a pagar o prémio pela válida constituição de uma relação de seguro com a sociedade de que era mediador o acusado.

(…)”.

C) Dela consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

3.3.1. Estriba a decisão do Tribunal quanto aos Factos Provados, acima enunciada, a articulação de todos os meios de prova apresentados em Audiência de Discussão e Julgamento de que resultou valor probatório, devidamente articulados com as regras de experiência comum e que permitiram, no seu conjunto, ao Tribunal alcançar as conclusões que infra melhor se fundamentam (arts. 125.º, 127.º e 355.º, a contrario, do CPP).

A decisão quanto aos Factos Não-Provados justifica-se pela circunstância que nenhuma prova que a corroborasse foi produzida que possuísse valor persuasivo, de acordo com as mesmas regras programáticas.

3.3.2. O arguido dispôs-se a prestar declarações e com excepção de algumas circunstâncias de enquadramento geral, mostraram-se desprovidas de qualquer forma de objectividade e isenção, sendo merecedoras de inteiro descrédito.

A postura do acusado foi, desde o início, de hesitação e desconforto, tendo raiado o absurdo e patenteado uma defensividade e desconforto evidentes, razão porque a sua participação na decisão que acima se expressa foi minimal.

A testemunha Z... (agente de seguros da mesma sociedade, que sucedeu ao arguido na exploração da agência de Tábua e respectiva carteira de clientes), por sua vez, apresentou um depoimento francamente esclarecedor, assumiu uma postura objectiva e amplo conhecimento dos procedimentos e práticas da agência de seguros, permitindo extrair conclusões dos documentos juntos e, no geral, oferecendo um depoimento torneado de todo um enredo circunstancial, que descreveu, que lhe atribuiu grande valor persuasivo.                 A este meio de prova associaram-se as testemunhas C... , G... (os co-protagonistas dos episódios narrados em Itens 3.) e 6.)) e F... (marido de G... , que esteve presente na altura do ocorrido em Factos 6.), como estoutra depoente), que directamente vivenciaram os factos em discussão, também assumindo uma abordagem explicativa e confluente com os demais elementos e exibindo uma postura em juízo que não nos mereceu reservas, constituindo esta tríade de meios de prova a peça de charneira que funda a decisão de facto.

As testemunhas M... , K... (militares da GNR envolvidos no desencadear das investigações) e N... (proprietário da viatura DAIHATSU MOVE, de matrícula (...)LB, que emprestou a G... ) não assumiram um grau de importância congénere aos demais, mas, da sua perspectiva, permitiram oferecer sustentação suplementar aos factos que se extraíram daqueloutros depoimentos.

Relativamente às testemunhas arroladas pela defesa, I... , J... e L... , não se apresentaram particularmente úteis, mas não deixaram de concorrer para a decisão em alguma medida (assenta neles o constante de Factos 16.), parte final, desde já o adiantamos), já que não se denotou falta de isenção ou insinceridade, propriamente, mas um conhecimento vago, difuso e pouco claro da matéria que importava apurar.

3.3.3. Vertendo para a decisão em matéria de facto em concreto, Factos 1.) e 2.) foram assumidos pelo próprio arguido e confirmados por todas as discriminadas testemunhas, existindo dissidências apenas (pormenor com evidente importância, porém) quanto à data concreta em que o arguido terá cessado funções na agência de mediação de seguros de Tábua, já que afirmou o acusado, insistentemente, que deixou definitivamente o estabelecimento a partir de 31.12.2012, tendo ainda apresentado os documentos a fls. 158-160 com manifestações disso mesmo.

Ora, o documento (n.º 2) a fls. 159-160 foi claramente adulterado na sua datação, bastando uma visualização a olho nu para perceber que o texto “Tondela, 11 de Dezembro de 2012” no seu canto superior esquerdo é uma falsificação grosseira (o arguido foi confrontado, no encerramento da audiência de discussão e julgamento, com isso mesmo, que nem sequer negou), aposto sobre um texto fotocopiado ou impresso depois de digitalizado (esta parece ser a hipótese mais provável, atendendo ao cariz baço da impressão), dirigido por S... ao arguido sem, em momento nenhum fazer referência ao momento a partir do qual cessou o abastecimento de água.

Também o documento (n.º 1) possui um lettering e qualidade de impressão ligeiramente díspares na datação e, também aqui, o corpo do texto não referencia em momento nenhum a data em que a desocupação do espaço teria tido lugar em termos efectivos, sendo que, de todo o modo, daqui não se retira qualquer tipo de «garantia qualificada» de que o arguido não se encontrasse no locado à data dos factos, já que ficou muito evidente, das suas próprias declarações, a relação cordial e informal que mantinha com o senhorio, hoje decesso, o que em qualquer caso não permitiria admitir que a formalização por escrito fosse inflexível ou de cumprimento rigoroso.

As testemunhas C... , G... , F... , Z... foram, de sua parte, contundentes em afirmar a presença do arguido na agência de seguros até Março de 2013 e mesmo parte da prova arrolada pela defesa, concretamente J... e L... , ofereceram confirmação a esta circunstância, a que se associa ainda o documento a fls. 56 (do apenso de inquérito) que atesta cabalmente que a relação de representação/mediação entre Q... e o arguido apenas conheceu um ponto final em 08.04.2013, assim mesmo depois da data tida por provada.

A este respeito, apenas I... ofereceu confirmação a que a actividade seguradora do arguido teria cessado na viragem do ano de 2012/2013 mas, quando interpelado para oferecer confortação a esse facto nas contra-instâncias soçobrou claramente, inflectindo voz e discurso e degradando a sua aptidão persuasiva.

O arguido, pois, ficou isolado na sua obstinada afirmação de que teria abandonado o escritório, vagando o espaço em que se instalava, logo em Dezembro de 2012, ficando o tribunal cabalmente persuadido que, efectivamente, a sua exploração da agência e sua presença na loja se prolongou até, pelo menos, Março do ano subsequente, o que se patenteia na decisão.

É certo, porém, que por essa altura havia já incidências relativas à regularidade da actividade do acusado como mediador, de que se havia apercebido a Seguradora sua representada, que, segundo explicou Z... , se havia já movido (desde finais de 2012) para afastar a colaboração com o arguido por haver inconsistências relativas ao pagamento de seguros junto do agente, o que recebe confirmação dos documentos a fls. 55-56 do inquérito apenso e de fls. 93 (do inquérito apenso), em que se atesta que, a partir de 29.12.2012, ao arguido estava vedado o acesso ao sistema interno da seguradora para impressão de CIS.

A actividade de mediador do arguido, em 2013, pois, estaria numa fase de liquidação, de progressiva desinstalação dos meios para exercício da representação de seguros, estando já projectada e em curso a substituição da actividade que desenvolvia pelo próprio Z... , que receberia a zona de actividade do acusado e respectiva carteira de clientes (de novo, confortada esta versão pela narrativa, muito convincente, desta testemunha), mas a sua presença na loja, durante este período de transição, constitui uma evidência que decorreu, de forma patente, desta constelação probatória, está bom de ver, sem prejuízo das limitações inerentes à situação descrita.

3.3.4. Relativamente à manipulação dos documentos que se descreve a Factos 6.) e 9.), o seu cariz forjado decorre da sua simples leitura, sem necessidade sequer de qualquer especial conhecimento pericial para que se atinja essa conclusão.

Assim, quanto ao documento a fls. 52 (referenciado em Factos Provados 6.)), basta confrontar o cabeçalho do certificado internacional de seguro (CIS, de ora avante) que patenteia o nome “ G... ”, com o nome do tomador, em quadro 9. do CIS (“ H... ”) e a diferença de letra e impressão que se exibe no destaque do quadro de validade (3.) e, por sua vez, a matrícula de veículo seguro e respectiva descrição (quadros 5., 6. e 7.) em face dos demais dados impressos no documento, para perceber que existiu uma adulteração óbvia do texto que corporiza.

A testemunha Z... , mediador de seguros, explicou com grande compleição dos procedimentos dos agentes a propósito da emissão destes documentos e, sendo um profissional do ramo, não teve dificuldades, da simples confrontação com o CIS, em atestar o seu carácter forjado, também por esta ordem de motivos.

Z... explicou ainda que, em Março de 2013, não havia ainda sucedido na actividade do arguido, que este se encontrava no local, munido de consumíveis, meios informáticos e papel fornecido pela seguradora, estabelecendo um enredo de circunstâncias que associam o arguido ao episódio em questão.

Com importância decisiva, G... e F... , ouvidos como testemunhas, explicaram que, na altura referenciada em Factos 6.), o veículo DAIHATSU MOVE lhes foi emprestado por N... (também testemunha ouvida em juízo e que o confirmou inteiramente), enquanto o seu próprio automóvel, avariado, foi depositado para reparação junto deste último, com advertência expressa, pelo garagista, que deveriam contratar seguro provisório para poderem circular, o que descuraram, procurando evitar esse encargo, pontual mas significativo, na economia do casal.

Surpreendidos por uma fiscalização da GNR que detectou a circulação da viatura DAIHATSU MOVE sem seguro válido (onde interveio o militar K... , que confirmou inteiramente o sucedido, convergido com aqueles depoentes), resolveram então dirigir-se à agência de seguros do arguido A... , que proveu, perante G... e F... , pela fabricação do documento a fls. 52 e nos termos caracterizados em Itens 6.) da decisão, destinado a simular que a viatura possuía seguro válido à altura da fiscalização policial, tendo por base o número de apólice de uma outra viatura de marca PEUGEOT, segurada em nome de G... (cfr. documento de fls. 66, certificativo dessoutra relação de seguro, que atesta Factos Provados 8.)) e um CIS de H... , cuja cópia depositada junto de Q... se acha a fls. 95 do inquérito apenso (Factos Provados 7.)).

Está bom de ver, a imputação constante da acusação, nesta parte, surge como um todo coerente e todo este universo de prova entre si se complementa e converge, desenhando um quadro muito coerente e inteiro da actuação do arguido e da manipulação conjugada de dados referentes a relações de seguro reais que colheu para elaborar o documento forjado, que congrega circunstâncias verídicas (parciais) para imprimir uma imagem credível de uma realidade falsa.

A negação destas circunstâncias pelo arguido perante o amontoar de meios de prova que o desmentiram tem-se como incrível e impassível de valoração positiva: seria necessário que todas estas testemunhas laborassem num delírio colectivo profundo para que todas elas mentissem, ou que por ele nutrissem um ódio de tal forma profundo que as movesse à concertação de uma requintada fantasia, com um calculismo maquiavélico francamente invulgar, hipóteses bizarras que, de forma nenhuma (!) se divisaram ou se permitiu, sequer, suspeitar existirem, da sua postura em juízo, antes pelo contrário.

                Teve-se por comprovado, pois, o elenco de circunstâncias que se patenteia em Factos Provados 6.) a 10.).

3.3.5. Já no que tange Factos Provados 3.) a 5.), o documento a fls. 11 (do inquérito apenso), de leitura sofrível, já que se trata de uma simples fotocópia (explicou a testemunha C... que o original foi por si destruído, por o entender inútil, a dado ponto), ainda assim permite divisar as mesmas discrepâncias no lettering da impressão das datas de validade apostas no documento (de resto, salta à vista a qualidade desse printing, em face de todos os outros elementos da apólice) e, em qualquer caso, o confronto com a cópia depositada nos serviços da sociedade de seguros (fls. 30 e 90 do inquérito apenso) permite concluir cabalmente que as datas foram fabricadas (n.º 101421666503 – cfr. fls. 11 e 30 do inquérito apenso), até porque a apólice (a relação de seguro entre D... e Q... com respeito ao automóvel (...) ZJ) havia cessado em 24.10.2012, como atestou documentalmente a seguradora (fls. 31 do inquérito apenso).

Claro ficando que a apólice foi forjada, D... , ouvido como testemunha, confirmou cabalmente que recebeu o CIS cuja cópia se acha a fls. 11 (do inquérito apenso) das mãos do próprio arguido, já que era ele quem lhe oferecia serviços de mediação no âmbito do seguro automóvel da viatura em questão.

É certo que, por essa altura, explicou D... , os sobressaltos na relação com o arguido haviam já motivado que deslocasse a mediação para outro agente quanto a alguns dos veículos que utiliza e possui, mas a testemunha foi unívoca em afirmar que, quanto ao veículo (...) ZJ e o CIS a fls. 11 do inquérito apenso, o mesmo lhe foi disponibilizado por A... , não abrindo sequer hipótese para outra proveniência alternativa.

Desta forma, quando o modus operandi se identifica, em tudo, com as circunstâncias descritas em Factos Provados 6.) a 9.) e quando não se associa a elaboração e entrega do CIS a C... a qualquer outra pessoa, antes se identifica inteiramente com a pessoa do arguido, a persistência num estado de dúvida sobre a autoria dos factos relativos à apólice forjada e junta a fls. 11 (do apenso de inquérito) não constituiria o produto de um raciocínio orientado por um padrão de racionalidade (reasonabledoubt), antes cabalmente o derruba, sedimentando uma convicção firme sobre a verificação do comportamento pelo acusado, de tal forma que a renitência ou hesitação a este respeito, pelo julgador, não constituiria o produto de um raciocínio orientado pela razão, mas uma obstinação cega pela inocência do acusado (unreasonabledoubt), a que evidentemente se não atende.

Decidiu-se, pois, nos termos que se descrevem em Factos Provados 6.) a 10.).

3.3.6. De referir que a defesa apoiou as suas esperanças na geração de um estado de incerteza sobre a prática dos factos pelo arguido em duas circunstâncias: por um lado, no facto de em 2013 o arguido não possuir acesso à impressão de CIS no sistema R... (o que ganhou ampla consistência pelo documento a fls. 93 do apenso de inquérito, embora Z... tenha apresentado reservas sobre a efectividade desse facto, plasmado no documento), sendo-lhe impossível imprimir, por essa altura, certificados de seguro; por outro lado, na circunstância de ser possível a outros mediadores (designadamente, B..., que se refere a fls. 103 do apenso de inquérito) imprimir esses certificados e, consequentemente, realizarem eles próprios a fabricação dos documentos.

Ora, efectivamente, temos por incomprovado que A... tivesse acesso à impressão de CIS no sistema R... à data dos factos (ainda que Z... haja afirmado essa circunstância como possível e mesmo provável, o seu testemunho foi insuficiente para sustentar uma convicção, perante o cariz categórico do documento a fls. 93 do apenso de inquérito), como temos por inalcançado que, nas alturas referidas em Factos 3.) e 6.), o arguido haja efectivamente impresso os CIS que aqui estão em questão com recurso a esse sistema (cfr. Factos Não-Provados A.)).

De resto, teríamos como extravagante que os documentos fossem manipulados depois de impressos com recurso a um programa informático de edição de imagem, como descreve a acusação: a edição digital compreende-se melhor trabalhando o autor sobre o ficheiro informático, que depois imprime, menos que imprimindo primeiro num suporte físico em papel, para depois procurar adulterá-lo (para que o teria que voltar a digitalizar).

O arguido não precisava, a título nenhum, de poder imprimir CIS no sistema R... para proceder da forma por que procedeu e foi explicado por Z... (e mesmo confirmado pelo próprio arguido), com grande compleição e de forma segura, que o sistema gera um ficheiro PDF do CIS que, como é evidente, com recurso a programas informáticos de acesso universal, se permite adulterar na sua representação, sem necessidade (mesmo se desaconselhando o contrafactor) a previamente imprimi-los.

Foi considerando isso mesmo que se decidiu nos termos que se descrevem em Factos Provados 3.) e 6.) em articulação com o Item A.): não se demonstrou que o arguido tivesse acedido ao programa R... na funcionalidade de impressão dos CIS (que se tem por duvidoso a que se tivesse acesso e, como tal, por incomprovado), mas apenas que os ficheiros informáticos representando a imagem digital das apólices forjadas estavam acessíveis ao arguido (pelo sistema R... ou por base de dados que antes haja constituído, pela sua gravação em disco rígido) e que foram então adulterados, através de um sistema de edição cuja identidade concreta se desconhece, para depois serem finalmente impressos, por simples aparelhos de hardware elementares.

Existe, pois, relativo insucesso da acusação, que não deixou de se deixar transparente na decisão de facto, mas sem que isso possua grande relevo na decisão final a proferir, não deixamos de anotar.

Relativamente à personagem alternativa (outro mediador de seguros) que tivesse agido no sentido da criação dos CIS falsos, louvamo-nos no que antes dissemos: as testemunhas E... , F... e G... e o que se extrai das suas declarações e dos documentos juntos ao processo dissiparam qualquer dúvida racional sobre a inocência do arguido, razão por que se remete para o que vai dito em 3.3.2. a 3.3.5 da presente sentença, não cabendo conjecturar hipóteses fantasiosas e irrealistas cuja prova ou as circunstâncias factuais do caso subiudicio não mobilizam como de possível verificação (ainda que de desigual grau de probabilidade), como será o caso de intervenção divina, fenómenos inexplicáveis, eventos metafísicos ou a intervenção de sujeitos de identidade desconhecida, de escassa ou inexistente ligação à quadrícula circunstancial que co-envolve o caso subiudicio.

3.3.7. Já no que tange Factos Provados 11.) a 13.) e 14.) decorrem dos mesmos meios de prova, sendo simples reprodução especificada das conclusões a que já nos conduzimos, sendo que as consequências da actuação para a segurança do tráfego jurídico e para o crédito que o ordenamento oferece aos CIS forjados, bem como quanto à consciência da reprovação e punição das condutas, em especial, não apenas decorrem de regras de experiência comum, atenta a sua consciência universal (art. 351.º do CC), como ainda foram confirmados a viva voz pelo arguido, pese embora haja enjeitado a sua participação nos mesmos.

3.3.8. Não deixamos de fazer notar, porém, que existiu uma significativa medida de decaimento da acusação no que se refere a Factos Não-Provados B.) a E.).

Assim, quanto ao Item D.), surge extravagante que se diga que a apólice 753117338 houvesse cessado efeitos em 24.10.2012 (como se afirma a fls. 31) quando a sua data de validade se prolonga, no CIS em depósito na seguradora, até 17.11.2012 ( Z... explicou que este diferimento do momento da cessação poder-se-á dever a meios de pagamento automáticos, existindo uma décalage que se justifica por esse motivo, mas de todo o modo parece ilegítima, até por isso, a afirmação que a relação de seguro cessou na data de 24.10.2012), decidindo-se, pois, pelo juízo de incomprovação.

Quanto ao Item C.), sublinhamos que exprime apenas a não-demonstração de que a apólice tivesse sido entregue a C... quando este se apresentou no escritório de mediação para efectuar o pagamento (já que este explicou que realizava pagamentos por débito directo na sua conta bancária) e nada mais (!).

De facto, não resultou da prova produzida em juízo que existisse uma correlação entre a fabricação dos CIS pelo arguido e o embolsamento do valor de prémios a esse título devidos, razão por que se tem por Não-Provado o constante de Factos D.) e E.).

Na realidade, G... foi muito clara em afirmar que não foi propriamente iludida pela falta de validade da relação de seguro: quando foi submetida a fiscalização pela GNR, foi para evitar a perspectiva de uma coima (pela falta de seguro automóvel) que se dirigiu ao acusado para lhe resolver o problema, sabendo perfeitamente que não possuía relação de seguro nas datas emuladas no CIS forjado, razão por que não se pode ter por enganada pelo arguido, como se não pode ter por adquirido que este pretendia embolsar valores devido por prémios de seguro relativos a relações com Q... de que tivesse criado uma aparência.

De sua parte e quanto a C... , este explicou que fazia os pagamentos relativos a prémios de seguro directamente a Q... , através de débito automático na sua conta bancária, razão por que o mediador não teria a possibilidade, pela forjação do documento, de embolsar o respectivo valor, mas não nos mereceu dúvidas que, pela actuação, o arguido agiu em benefício desta testemunha, que não precisou de custear o seguro para ficar munido da respectiva aparência documental.

Decidiu-se, pois, pela incomprovação dos Itens

3.3.9. Factos Provados 15.) funda-se no CRC do arguido junto aos autos a fls. 106, que inteiramente o comprova, também aqui (art. 169.º do CPP) e Factos 16.) nas declarações do acusado sobre as suas condições sócio-económicas, que nesta parte não nos mereceram reservas de maior.

(…)”.

            D) E a seguinte fundamentação quanto à escolha e determinação da pena:

            “ (…).

                5.1.1. Na modulação das Consequências Jurídicas do Crime e na consecução dos seus objectivos programáticos, a Lei Criminal estabelece, nos arts. 41.º a 69.º do CP, um elenco de penas (principais, acessórias e de substituição) diversificado e plástico, tendo por escopo oferecer adaptabilidade à reacção criminal quando em face dos circunstancialismos específicos do caso concreto e por forma a maximizar os efeitos da punição com o mínimo de sacrifício possível para o arguido, evitando desproporções ou insuficiências.

A pena deverá ser escolhida em função da sua aptidão para o desempenho das finalidades a que se propõe: de reposição e reforço das expectativas da comunidade na vigência da norma violada pelo contra-factual que decorre da sua execução sobre o agente que feriu o comando normativo (protecção de bens jurídicos que gozem de tutela penal) e, outrossim, pela reconformação do arguido ao comportamento de direito, eliminando o foco criminógeno por via da sua ressocialização (cfr. art. 40.º/1 do CP).

No plano dos princípios – atendendo ao Princípio da Proporcionalidade na intrusão em direitos, liberdades e garantias (art. 18.º/3 da CRP) e ao objectivo de ressocialização que viemos de indicar, considerando o efeito potencialmente criminógeno que o encarceramento consigo transporta –, a Pena que importe privação da liberdade sempre ficará relegada para um plano secundário (cfr. art. 70.º do CP), compartimentando-se aos casos em que se demonstre que a prisão é indispensável para a realização dos fins próprios da Acção Criminal e quando de outra forma não sejam passíveis de serem obtidos, pura e simplesmente, os efeitos que pela Pena se pretendem obter.

Assim, no processo judicativo de escolha e aplicação de Pena, o Tribunal sempre oferecerá primazia às penas não-privativas, equacionando ainda a substituição ou suspensão da Pena de Prisão (quando aí se chegue), revelando-se a sua aplicação com carácter de efectividade o resultado de um processo decisório depurativo e excludente (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.05.2008 in www.dgsi.pt).

5.1.2. O crime de falsificação de documento agravado constante do art. 256.º/1, al. a) e n.º 3 do CP aqui em causa prevê por reacção à prática delinquencial, daqui partiremos, punição com pena de prisão de seis meses a cinco anos (arts. 41.º-46.º do CP) ou multa de 60 a 600 dias (arts. 47.º-49.º do CP).

5.1.3. Já quanto à medida da Pena, será de convocar o mesmo contexto de interesses, pois que os propósitos de Prevenção Geral e Especial também aqui constituem o húmus essencial da Pena a determinar, convocando-se a ideia de Culpa (como juízo ético-jurídico de censura, perante a actuação do arguido, livre mas descomprometida com os valores axiológico-normativos estruturantes do ordenamento) como seu limite inultrapassável (cfr. art. 71.º/1 do CP).

Neste domínio, o facto penal deverá ser observado como uma estrutura de conjunto cuja decomposição permitirá definir, no interior da moldura penal estabelecida pelo tatbestande respeitando aquele «limiar de culpa», um ponto óptimo de prevenção geral (em que da forma mais eficiente se obtém a reposição da Paz Social) e um seu ponto mínimo (ponto último em que a reposição das expectativas comunitárias é ainda possível), assim se desenhando uma moldura de prevenção geral que servirá de quadro ao julgador.

Será no interior desta moldura que se convocará a conceptualização de prevenção especial de ressocialização, para concretamente se definir um ponto de optimização das finalidades da pena e realizando a convergência dos seus diversos factores (cfr. FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, Coimbra, pp. 227-230).

Os factos que aqui cumprirá avaliar serão todos os que, no âmbito do fenómeno criminal que conforma o “themadecidenduum” envolvam os citados interesses e princípios, exemplificativamente elencados no art. 71.º/2 do CP, devendo ser convocados como referentes comprovativos da ressonância social transportada no facto (i), da censurabilidade do comportamento do agente (ii) e do grau de desconformidade da sua personalidade com os comandos normativos promanados pela Ordem Jurídica (iii).

De fora do raciocínio que aqui explanamos ficarão, porém, todos os factos que o Legislador haja tomado de antemão para a definição da moldura penal do crime, conquanto a sua dupla consideração importaria o sancionamento do mesmo evento por duas vezes, o que confronta a Proibição de Bis in Idem, o que o Ordenamento Jurídico-Penal não outorga (cfr. FIGUEIREDO DIAS, op. loc. cit., pp. 232 e ss).

5.2. Determinação Concreta da Pena (Escolha e Medida)

5.2.1. Em primeiro lugar, relativamente à culpa e ao papel que desempenha na determinação concreta da pena, é certo que o arguido actuou com dolo directo (forma mais grave de culpa) e que a conduta requereu tempo, preparação, imaginação, destreza no manuseamento de sistemas informáticos, esforço e frieza de ânimo (na manipulação dos documentos, mobilização de conhecimentos intelectuais para utilização de ferramentas informáticas para edição das imagens e uma mente criativa para criar o procedimento) (cfr. Factos 3.) e 6.)).

A frieza de ânimo ínsito a este procedimento, exigindo múltiplos actos, meditação e empenho, projecta uma conduta dotada de grau de censurabilidade expressivo e sensível, bem como um cariz insidioso a todos os títulos reprovável, uma vez que o arguido fez-se usar da posição de mediador de seguros (consolidada actividade que desenvolvia) utilizando esta janela de oportunidade para forjar os documentos, de forma oportunista e torpe.

A evidente associação de consequências gravosas para o tráfego jurídico no domínio da segurança rodoviária, potenciando impunidade à fiscalização viária por autoridades policiais e projectando um dimensionado risco de que lesões e danos sobre coisas e, principalmente, sobre pessoas, ficassem por ressarcir, mostra uma forte falta de sensibilidade e consciencialização pelo comando quebrado, bem como pelas pessoas que se vissem confrontadas com as consequências que derivassem do comportamento do arguido, ao que de todo foi absolutamente insensível.

De algum modo depondo no sentido da erosão da censurabilidade, o crime a que reporta Factos 6.) surge praticado de forma desajeitada e pouco competente (compartimentando conclusões sobre sagacidade e eficiência na execução do facto penal), já que do simples confronto entre o cabeçalho e a identificação do tomador deriva a conclusão que o documento era forjado.

O grau de ilicitude mostra algum dimensionamento, sem prejuízo do cariz autêntico dos documentos ter sido já considerado na subsunção ao tipo agravado (questão, por esse motivo, impassível de nova convocação para agravar a pena concreta), conquanto orbitamos no âmbito da falsificação da certificação transnacional de um mecanismo de segurança na circulação automóvel, sinalizador de perigos sensíveis para a integridade de terceiros, concluindo-se pela prática do delito numa área particularmente sensível.

Diremos ainda que, quanto ao crime referenciado em Factos 6.), se foi mais extensa a intervenção do arguido na fabricação do documento, a menor perícia na falsificação (já que ficou o nome do tomador original do CIS utilizado como «base de trabalho», deixando mais permeável o suporte à detecção da sua falsidade) é de molde a diminuir o grau de perigo que a fabricação representou para o tráfego jurídico, mitigando o plano da anti-juridicidade, o que permite ter ambos os delitos como de identificada intensidade de ilicitude.

No que reporta às necessidades de prevenção geral, temo-las também por significativas.

A destituição de credibilidade de documentos certificativos de seguro, atendendo à importância das matérias que são coevas à sua existência, é deflagrador de forte ressonância social, já que neste tipo de relações se atingem pessoas em situação de grande vulnerabilidade (os sinistrados, em acidentes viários) e num âmbito em que existe uma utilização egoísta, para simples alívio de um encargo de contratação, mais ou menos relativizável quando em confronto com as utilidades que a viatura representa, de um instrumento de perigo para terceiros (o automóvel), ao mesmo passo que se impede a fiscalização eficiente da situação: a credibilidade dos CIS é essencial para oferecer consistência e previsibilidade ao que pode o cidadão comum esperar seja o seu nível de segurança nas relações de dano provocado por circulação viária por engenhos perigosos, razão por que a pena terá que oferecer restituição a esta ampla medida de lesão da confiança no Direito como instrumento de prevenção deste tipo de fenómenos delinquenciais.

Ingressando agora nas necessidades de prevenção especial, o arguido não possui antecedentes criminais (cfr. Factos Provados 15.)), não se demonstrou existir ganância ou rendimentos que houvessem derivado da actividade criminal (cfr. Factos Não-Provados E.)), os factos, se autónomos, são temporalmente próximos (Factos Provados 3.) e 6.)) e não existe motivo, neste contexto, para pensar que os episódios não estivessem mais ou menos localizados no trajecto de vida do arguido, que, de resto, se mostra inserido socialmente, havendo ainda nota de uma situação de debilidade pessoal, que não deixará de ser sopesada (cfr. Factos 16.)).

Por sua parte, o arguido cessou já a actividade como mediador e não tem ligações, ao momento presente, a instituições de seguros (cfr. Factos Provados 16.)), o que permite relativizar as perspectivas de recidiva sobre este tipo de comportamentos, já que está afastado o contexto que o potenciaria.

Todos estes factores são de convocar no sentido da erosão do dimensionamento da pena, quanto a ambos os crimes, existindo, porém, como contra-peso e ainda no domínio das necessidades de ressocialização, a fórmula de execução dos delitos: um comportamento descomplexado e frontalmente dirigido à obtenção de uma adulteração de documentos em prejuízo do público, sem qualquer sinal de auto-censura ou de auto-reprovação pelos comportamentos assumidos e consequências a que se conduziu.

Todo este quadro evidencia um flagrante desprezo pelo comando normativo abrogado e sinaliza, por necessária deriva, importantes necessidades de reintegração no contexto normativo.

5.2.2. Tudo considerado, entendo que a pena de multa é já um mecanismo de reacção penal desajustado, projectando ineficiência (pela insuficiente intrusão que realiza) para constituir a sanção aplicável e, convocando os factores enunciados e a moldura legal aplicável:

Reputo justa, necessária, adequada e proporcional aos crimes a que se reportam Factos 3.), praticado entre 01.01.2013 e 13.03.2013 e Factos 6.), praticado no dia 30.01.2013, a pena de DOIS ANOS DE PRISÃO, por cada um deles.

6. O Concurso de Crimes

6.1. Surpreende-se da Matéria factícia apurada e da sua subsunção ao direito que viemos de realizar uma prática plúrima de factos criminais, descontinuada e sem consistência de unicidade (do ponto de vista jurídico, não puramente naturalístico), existindo uma autonomização evidente de desvalores de acção, pela verificação destacada e múltipla do resultado proibido lesivo do Ordenamento e, outrossim, de culpa, esta projectada na formulação de uma vontade criminal desvaliosa penalmente relevante que se mostra causal com aquelas acções.

Tal concurso afigura-se real, por não existir qualquer relação de especialidade, consunção ou subordinação entres os crimes que se interseccionam (cfr. EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, Vol. II, Coimbra, 1971, pp. 204 e ss), verificando-se, pois, concurso de infracções criminais (art. 30.º/1 do CP), impondo-se a punição do respectivo agente de acordo com as suas regras específicas (art. 77.º do CP).

Considerando as penas concretas alcançadas quanto a cada um dos ilícitos criminais por que o arguido será condenado, temos que a moldura concursal se situará entre DOIS ANOS DE PRISÃO e QUATRO ANOS DE PRISÃO (cfr. art. 77.º/2 do CP).

Apenas depois de apurada a pena concreta, considerando as penas parcelares, se conjecturará a mobilização de penas que importem uma intrusão menos dimensionada na esfera pessoal do arguido, se se puder alcançar que por essa via se realizam de forma adequada as finalidades de prevenção que orientam o presente julgamento (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.05.2011 no Proc. 1040/06.1PSLSB.S1 in www.dgsi.pt).

6.2. Apreendido o quadro em que nos movimentamos, cumprirá agora convocar a factualidade específica inerente ao concurso, ou seja, aqueles pontos factuais relacionados com o carácter plúrimo da conduta do agente que entre si convergem e demonstram do particular impacto social ou das especiais necessidades de ressocialização que o seu cariz múltiplo revela.

Deste juízo ficarão de fora, não será demais frisar, os itens já valorados na elaboração da norma incriminatória (v.g. como pressupostos da punição ou como factores qualificativos) bem como os que foram chamados na determinação concreta das penas individuais: trata-se, agora, de aferir a visão de conjunto que resulta do comportamento infraccional, não da realização de uma dupla valoração do mesmo iter, que sempre seria proibida, no que poderão ser convocados, conquanto importem a esta visão específica da determinação da pena concursal, os critérios enumerados no mesmo art. 71.º/2 do CP (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2010 in www.dgsi.pt, relatado pelo C. Conselheiro Pires da Graça).

6.3. Ora, no caso dos Autos, sucede que os crimes foram praticados em momentos temporalmente próximos e no interior de contextos factuais de solicitação semelhantes (no âmbito da actividade de mediador que o arguido, à altura, desenvolvia), de onde deriva um acantonamento temporal do evento que permite compartimentar o fenómeno delitual a um único trecho de vida, de alguma forma erodindo a censura ética sobre os comportamentos.

Denotando alguma ubiquidade, em face do que já dissemos, sucede, porém, que as condutas criminais, vistas de forma específica, representam uma duplicação da lesão da ordem pública, na vertente da autenticidade de documentos e fé pública que neles se deposita, por se dirigirem à violação de um mesmo bem eticamente tutelado e num mesmo domínio do paradigma ético-axiológico, abrindo uma chaga na disciplina ético-comunitária que se terá, por esta via, por francamente mais dimensionada, o que depõe no sentido da elevação da sanção, em contraponto ao que antes se disse.

Tudo considerado, julgo justa, necessária e adequada a PENA ÚNICA, quanto aos dois crimes praticados e em CÚMULO JURÍDICO, de DOIS ANOS E OITO MESES DE PRISÃO.

6.4. A Substituição da Pena de Prisão

Em face da pena única aplicada, cumpre conjecturar da possibilidade de substituição da pena privativa da liberdade alcançada por uma medida sancionatória que, constituindo uma interferência menos dimensionada na esfera pessoal do arguido, permita ainda assim a obtenção dos fins da pena num limiar compatível com os interesses penais que a conduta suscita.

Não tendo por comportável qualquer outra medida de substituição, atendendo à pena concreta aplicada ao arguido e, tanto mais, considerando a expressividade do ilícito e das necessidades de prevenção que emergem da matéria provada, temos porém que a advertência solene e firme que a suspensão da pena corporizara se assoma como uma forma de reacção penal perfeitamente apta a obter os escopos a que se dirige a sanção criminal aplicada, conquanto se mostre associada a deveres de conduta que permitam garantir a descontextualização do arguido do plano de oportunidade à comissão de infracções congéneres, potenciando de forma adequada a efectivação da conformação do arguido ao cumprimento dos deveres de abstenção que lhe são assacáveis.

Dito de outro modo, desde que se mostre obstruído o acesso a uma posição de confiança e de disponibilidade de meios congénere à que se verificava e que colocou o agente do delito numa situação particularmente propícia, bem como se dissipe a suspeição gerada no extracto social ferido, no âmbito da relação de seguros, a suspensão da execução da pena será francamente apta a representar um adequado contra-factual do crime, se articulada com a supressão da intervenção do arguido no tráfego jurídico-económico da contratação de seguros (art. 51.º/1, corpo do texto e al. a) do CP) e, outrossim, como a estrutura de medidas mais apta a obter a ressocialização plena do arguido e a pacificação social que se visa.

A pena de prisão de DOIS ANOS E OITO MESES DE PRISÃO, pois, ficará suspensa na sua execução por IGUAL PERÍODO (cfr. art. 50.º/5 do CP), com a proibição de o arguido exercer funções, em qualquer qualidade, designadamente como trabalhador subordinado ou prestador de serviços e a qualquer título (gratuita ou onerosamente, esporádica ou profissionalmente) no ramo da actividade seguradora. 

(…)”.


*

*


Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto, da aplicação do in dubio pro reo e da consequente absolvição da prática de um dos crimes de falsificação de documento

1. Alega o recorrente – conclusões 2 a 4 – que não foi efectuada prova de que tenha alterado o documento conhecido por carta verde e o tenha disponibilizado à testemunha C... , pois que a respectiva apólice foi anulada, ou por falta de pagamento, ou a pedido da testemunha, em 2013, ficando por perceber a razão pela qual teria então entregue uma carta verde de um seguro que não foi pago e após ter deixado de ser o mediador da testemunha, tendo por isso a valoração de meio de prova pouco credível e a desconsideração das suas próprias declarações violado o princípio in dubio pro reo e o princípio da legalidade, face à incerteza existente quanto aos pontos 3 a 5 dos factos provados, impondo-se a sua absolvição quanto ao crime neles consubstanciado.

No corpo da motivação, relativamente aos aspectos focados, apenas se acrescenta que a condenação do arguido, quanto ao crime em questão, assentou exclusivamente no depoimento, contraditório e pouco claro, da testemunha identificada.

Vejamos então.

A lei configura o recurso da matéria de facto, entendido este como a impugnação ampla da matéria de facto regulada essencialmente no art. 412º do C. Processo Penal, como um remédio para reparar o que tem por excepcional no julgamento feito pela 1ª instância, o cometimento de erro na definição do facto, razão pela qual não pode nem deve ser perspectivado como um novo julgamento, como se aquele outro, o da 1ª instância, não tivesse existido.

Por isso que o citado art. 412º impõe ao recorrente a observância do ónus de uma tripla especificação, a saber: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio], acrescendo, relativamente às concretas provas, que quando estas tenham sido gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação.

Como se vê, cabe exclusivamente ao recorrente fixar o objecto do recurso de facto, através da indicação precisa do erro que entende ter sido cometido, e da indicação dos meios que inequivocamente o demonstram, sendo certo que a modificação da decisão de facto só pode dar-se se e quando as provas por si especificadas impuserem decisão diversa da recorrida, não bastando para o efeito, que apenas permitam decisão diversa [circunstância esta, frequentemente ignorada pelos recorrentes].

Vejamos agora, se em que medida, deu o recorrente cumprimento ao ónus referido.

Relativamente à especificação dos concretos pontos de facto que o arguido entende incorrectamente julgados resulta mais ou menos claro das conclusões formuladas que a sua dissensão com a decisão proferida tem por objecto os pontos 3 a 5 dos factos provados, referentes ao crime de falsificação de documento cuja prática foi temporalmente situada, seguindo-se aqui o decidido no Dispositivo da sentença recorrida, entre 1 de Janeiro e 13 de Março de 2013. 

Relativamente à especificação dos concretos meios de prova impositores de decisão diversa da recorrida, resulta das conclusões formuladas serem as declarações do arguido e o depoimento da testemunha C... .

Já no que respeita à concreta indicação das passagens da prova gravada – as declarações do arguido e o depoimento da testemunha – em que se funda a impugnação, o ónus respectivo apenas pode ser considerado cumprido, ainda que com alguma benevolência, relativamente ao depoimento da testemunha, na medida em que, quer no corpo da motivação, quer nas conclusões formuladas, se afirma ter a testemunha referido «ter transitado os seus seguros para outro mediador pois o arguido não estava nas melhores condições após ter sofrido um acidente», e já não no que concerne às declarações do arguido, pois quanto a estas, em lugar algum das conclusões ou do corpo da motivação procedeu à imposta especificação e a tanto não equivale a mera afirmação de que não foram valoradas as suas declarações para sustentar as sua absolvição [ainda que, efectivamente, tenham sido desconsideradas para efeitos probatórios, como decorre da motivação de facto e pelas razões nela expostas].

Será portanto, com este objecto e limites fixados pelo arguido, nos termos que se deixam assinalados, que será conhecida a impugnação ampla da matéria de facto deduzida.

2. Os factos provados sindicados têm o seguinte teor:

- [3] Entre o dia 01.01.2013 e o dia 13.03.2013, A... acedeu ao ficheiro digital que continha a representação gráfica da apólice n.º 753117338, n.º de série P/101421666503 e, com recurso a um programa de edição gráfica de ficheiros digitais, alterou-o pela seguinte forma, imprimindo-o depois em papel verde, exibindo os timbres e assinatura da seguradora:

a) Substituiu a data de início, passando a figurar 24.01.2013 em substituição de 24.07.2012;

b) Substituiu a data de termo, passando a figurar 15.05.2013 em substituição de 17.11.2012;

- [4] A... agiu nos termos referidos em Factos 3.) tendo em vista disponibilizar a C... , de quem tratava dos seguros de circulação inerentes às suas viaturas, a carta verde necessária à comprovação da existência de uma relação de Seguro;

- [5] A... sabia que a apólice com o n.º 753117338 referente ao veículo (...) ZJ tinha validade entre 24.07.2012 e 17.11.2012 e que havia cessado efeitos.

Resulta da motivação de facto da sentença que a convicção do tribunal a quo quanto a estes factos foi alcançada com base no depoimento da testemunha C... [e não, D..., como dela, certamente por lapso, consta] conjugado com a observação dos documentos de fls. 11, 32 e 94 [e não 30 e 90, como, certamente por lapso, consta da motivação de facto] e com o teor do documento de fls. 31, todos do inquérito apenso.

Sendo os documentos de fls. 11, 32 e 94, todos, cópias da carta verde P/101421666503 753117338, emitida para o veículo Renault Megane 1.5 DCI C. Authent, com a matrícula (...) ZJ, que tinha como tomador, C... , enquanto no primeiro deles – que é cópia da carta verde apresentada pelo referido C... à autoridade policial em 13 de Março de 2013, no seguimento de acidente de viação então ocorrido – o período de validade é de 24 de Janeiro de 2013 a 15 de Maio de 2013, nos outros dois – que constituem cópia da carta verde que consta dos ficheiros da seguradora – o período de validade é de 24 de Julho de 2012 a 17 de Novembro de 2012. Por outro lado, resulta de fls. 31 – declaração emitida pela seguradora Q... [hoje, P... , cfr. fls. 93] – que a apólice respectiva foi anulada em 24 de Outubro de 2012.

É assim evidente que a carta verde apresentada pela testemunha C... , no descrito circunstancialismo, não correspondia à original, relativamente ao respectivo período de vigência, constituindo por isso, um documento falso.

O tribunal a quo considerou provada a autoria do arguido relativamente à falsificação, com base no depoimento da testemunha C... que afirmou ter recebido a carta verde de que fls. 11 do inquérito apenso é cópia das mãos do arguido que, embora já não fosse o seu mediador de seguros quanto a alguns dos seus veículos, era quem tratava dos assuntos daquela concreta viatura. Por sua vez, e a tanto se reduz a sua argumentação, afirma o arguido ser incompreensível que tenha entregue à testemunha uma carta verde de um seguro que ela não pagou e quando dela já não era mediador.   

Ouvido o depoimento prestado pela testemunha C... na audiência de julgamento, dele resulta ter afirmado, na parte em que agora releva, que em Maio de 2013 embateu numa outra viatura, deu os seus dados e o outro condutor interveniente pediu-lhe para fazer uma fotocópia da carta verde, o que foi feito, que a carta verde tinha-lhe sido entregue pelo arguido não podendo precisar a data, que tinha vários seguros das suas viaturas no arguido, em quem confiava e tinha por pessoa séria, que o arguido pagava os seus seguros e à medida que ia ao escritório dele, acertavam as contas, que recebia as cartas verdes antes de caducarem as anteriores, sendo o arguido quem normalmente lhe telefonava, que não pediu a anulação da apólice em 2012, o arguido teve um acidente, não ficou bem, que mudou os seguros para outro mediador.

Ora, ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, não vemos que este depoimento tenha sido contraditório e pouco claro, não nos tendo apercebido de apercebido, tanto quanto a audição do respectivo registo gravado permite a imediação da prova, de qualquer motivo ou razão substancial para o desconsiderar. Aliás, o tribunal da Relação, embora a tanto não estivesse obrigado, pelas razões supra expostas, ouviu igualmente as declarações do arguido que, para além de negar a prática de todos os factos [portanto, os relativos à testemunha C... e os relativos à testemunha G... ], acrescentou ter encerrado o escritório de mediação em 31 de Dezembro de 2012, ter nesta data ficado sem password para aceder ao sistema informático da companhia seguradora e não mais ter acedido ao mesmo sistema a partir da data mencionada. Sucede que a testemunha G... – cujos factos a ela relativos o arguido não sindica no presente recurso – logrou precisar temporalmente a data em que se dirigiu ao escritório do arguido. Com efeito, estando documentalmente provado nos autos que no dia 29 de Janeiro de 2013 foi fiscalizada pela GNR [cfr. fls. 6 e 23] e surpreendida sem ser portadora de carta verde em vigor, a testemunha afirmou ter-se dirigido ao escritório do arguido um ou dois dias depois, tendo dele obtido, nessa ocasião, uma carta verde com período de validade para 29 de Janeiro de 2013. Daqui resulta que o arguido, mesmo depois de 31 de Dezembro de 2012, continuou a trabalhar em seguros e porque a carta verde apresentada por C... tinha o período de validade compreendido entre 24 de Janeiro e 15 de Maio de 2013, é perfeitamente possível que, tal como afirmou a testemunha, o documento lhe tenha sido entregue pelo arguido. E é certamente por isso que na motivação de facto se aponta para a semelhança do modus operandi nas duas distintas situações que constituem o objecto do processo.

Numa outra perspectiva, as razões que podem ter determinado a emissão de uma carta verde relativamente a um seguro não pago e portanto, anulado, tendo em conta a afirmação da testemunha C... de que quem pagava os seus seguros era o arguido, sendo as contas acertadas posteriormente, à medida que se deslocava ao escritório daquele, podem ser várias, mas só o arguido as poderia explicar, aliás, como sucederia com a explicação para ter actuado como actuou, relativamente à testemunha G... , visto que nem mediador desta era. 

Em suma, a decisão proferida quanto ao ponto 3 dos factos provados tem pleno sustento na prova documental e testemunhal produzida e valorada pelo tribunal a quo, com observância dos parâmetros estabelecidos no art. 127º do C. Processo Penal.

Os pontos 4 e 5 dos factos provados, relativos ao dolo do arguido, resultam indiscutivelmente provados da conjugação da prova daquele ponto 3 com as regras da experiência comum, tudo em absoluto respeito ao conteúdo do princípio da livre apreciação da prova [o dolo é sempre um facto da vida interior do agente, um facto subjectivo, não directamente apreensível por terceiro pelo que, a sua demonstração probatória, sobretudo quando não existe confissão, não podendo ser feita directamente, designadamente, através de prova testemunhal, tem que o ser por inferência, resultando a sua demonstração da conjugação da prova de factos objectivos – em especial, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum].    

Os concretos meios de prova especificados pelo arguido como impondo decisão diversa são, como se viu, insusceptíveis de conduzirem a tal resultado.

Devem pois manter-se os factos impugnados, nos seus exactos termos.

3. Pretende ainda o arguido que a valoração de prova pouco credível – depoimento da testemunha C... – e a não valoração das suas declarações viola o princípio in dubio pro reo e o princípio da legalidade.

Ainda que se trate de uma repetição de argumentação, a menção feitas aos referidos princípios impõe pronúncia sobre a questão.

Relativamente ao princípio da legalidade, e aqui entendemo-lo como, da legalidade da prova (cfr. art. 125º do C. Processo Penal) não vemos onde ele possa ter sido preterido, na medida em que todas as provas produzidas eram admissíveis por lei. 

Quanto ao mais.

O pro reo decorre do princípio da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa) e dá resposta à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido. Produzida a prova, se no espírito do juiz subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível,sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido. Se, pelo contrário, a incerteza não existe, se a convicção do julgador foi alcançada para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.
Na fase de recurso, a evidenciação da violação do pro reo passa pela sua notoriedade, face ao termos da decisão isto é, tem que resultar clara e inequivocamente do texto da decisão que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.
Em qualquer caso, a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que este não logrou ultrapassar e fez constar da sentença.

Lida a sentença recorrida, particularmente, a sua motivação de facto, dela não resulta que o Mmo. Juiz a quo tenha permanecido na dúvida quanto a qualquer dos factos que considerou na decisão e impugnados no recurso, sendo certo que na motivação de facto foi exposto de forma clara e facilmente apreensível todo o processo lógico que conduziu à certeza alcançada sobre os factos integradores do objecto do processo, plasmados na decisão de facto proferida.

Em conclusão, não se mostrar violado o in dubio pro reo nem, por via dele, violada a presunção de inocência constitucionalmente consagrada.
Deste modo, considera-se definitivamente fixada a matéria de facto, nos exactos termos em que o foi pela 1ª instância.

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Da incorrecta escolha da pena [de prisão], da excessiva medida da pena de prisão e da incorrecta escolha da pena de substituição decretada [de suspensão da execução da pena de prisão]

            4. Alega o recorrente – conclusões 5 a7 – que é excessiva e injustificada a aplicação de pena de prisão, dada até a inexistência de antecedentes criminais, podendo a pena de multa assegurar, de forma adequada e suficiente, os fins da pena.

            Os factos provados determinam a prática pelo arguido de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, a) e 3 do C. Penal [conjugado com o art. 83º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto] com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. 
            Vejamos então se é ou não de manter a pena decretada.

Dispõe o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E estabelece o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Prevenção e culpa são assim, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal), reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena. A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

Muito frequentemente a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. Nestes casos, como é o dos autos, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta. Para tanto, o tribunal deve atendera todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

Posto isto.

5. Colocado perante a aplicação, em alternativa, de pena de prisão ou de pena de multa, o tribunal a quo, reconhecendo embora a primazia dada pela lei à segunda, optou pela pena privativa da liberdade. No raciocínio que a tanto conduziu, considerou o dolo directo, a criatividade, a frieza de ânimo e o oportunismo do arguido como qualificadores da conduta e o grau menos perfeito da falsificação relativamente à carta verde da testemunha G... como atenuante da conduta, todos referidos à sua culpa, considerou o relativo grau de ilicitude, considerou como significativas as exigências de prevenção geral, e considerou, quanto às exigências de prevenção especial, a inexistência de antecedentes criminais, a ausência de rendimentos provenientes das condutas ilícitas ou a falta de prova de terem aqueles sido o móbil de tais condutas, a aproximação temporal das condutas, a cessação da actividade de mediador de seguros, a inserção social e a debilidade pessoal do arguido, e terminou, apontando estes factores como atenuadores da medida concreta das penas e, com o sentido inverso, o modo de execução dos factos e a ausência de auto-censura.

Como é sabido, a preferência pelas reacções criminais não privativas da liberdade decorre do princípio da proporcionalidade consagrado no art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Por isso, o critério geral de escolha da pena é o de ser dada prevalência à pena não privativa da liberdade desde que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da pena criminal ou seja, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial. Neste âmbito, de acordo com a lição de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 333), a prevenção geral constitui apenas o limite à actuação da prevenção especial de reintegração, visando assegurar o conteúdo mínimo de integração necessária à defesa do ordenamento jurídico, de tal forma que a pena não privativa da liberdade só não deverá ser aplicada quando a execução da prisão se revele fundamental para que não fiquem definitivamente afectadas a tutela dos bens jurídicos e a confiança da comunidade na validade das normas violadas.  

Pois bem.

Se é certo ter o arguido actuado com dolo directo bem como, revelando as suas condutas intensa energia criminosa, afigura-se-nos excessivo considerá-las praticadas com frieza de ânimo e de forma torpe. Por outro lado, ainda que a sua execução tenha sido feita com recurso a meios informáticos, a ‘criatividade’ revelada de forma alguma assume parâmetros elevados na medida em que as fabricações efectuadas não tiveram assinalável qualidade, não resistindo, aliás, à mais pequena sindicância, acrescendo que tão pouco, para o efeito, seriam requeridos grandes conhecimentos informáticos.

Ora, ainda que o arguido não tenha assumido o desvalor das suas condutas e a necessidade da respectiva censura penal, afigura-se-nos que a sua qualidade de delinquente primário, aliada à circunstância de se encontra socialmente inserido e de, não exercendo mais as funções de mediador e de ser muito provável que não mais as voltará a exercer, ser praticamente nulo o perigo de repetição desta específica conduta, em muito reduzem as exigências de prevenção especial in casu, existentes. 

Assim, sendo, não vemos, ressalvado sempre o devido respeito por diversa opinião que, atento o concreto circunstancialismo dos autos, as exigências de prevenção geral, ainda que significativas, reduzam, já, a pena de multa, pena criminal que é, à condição de reacção ineficiente, não obstante, repete-se, a ausência de qualquer sinal de auto-censura por banda do recorrente, e tornem indispensável, para assegurar a tutela do bem jurídico violado e a estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade, a aplicação de pena de prisão.

Deve, em suma, ser o arguido sancionado, por aplicação mais adequada, crê-se, do critério fixado no art. 70º do C. Penal, em pena de multa, procedendo pois, nesta parte, a pretensão recursória o que determina, por outro lado, o não conhecimento, por preclusão, das demais questões suscitadas no recurso, cabendo agora determinar a medida concreta das penas de multa.


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            Da determinação da medida concreta das penas de multa, parcelares e unitária

6. Como se disse, escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, para tanto, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra si (art. 71º, nºs 1 e 2 do C. Penal).

            É mediano o grau de ilicitude do facto, não foram graves as suas consequências, o arguido violou em grau elevado o dever decorrente da sua qualidade de mediador de seguros e agiu sempre com dolo intenso.

            São significativas as exigências de prevenção geral mas não se fazem sentir as exigências de prevenção especial.

            Militam a favor do arguido a sua condição pessoal e económica, a inexistência de antecedentes criminais e a circunstância de estar inserido socialmente.

            Tudo ponderado, considera-se que uma pena parcelar, para cada crime, fixada próxima do primeiro quarto da moldura abstracta aplicável, mais concretamente, a pena de 180 dias de multa, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e é plenamente suportada pela culpa do arguido.

7. Relativamente à pena única a fixar decorrente do concurso de crimes, há que dizer que a punição do concurso é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – (art. 77º, nº 2 do C. Penal), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (art. 77º, nº 1 do C. Penal).

O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso determinante da pena única é a personalidade do agente. Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, ob. cit., pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Os dois crimes que integram o concurso foram executados de formas semelhantes e estão relativamente próximos no tempo. A inexistência de antecedentes criminais e a circunstância de o arguido já não exercer a actividade seguradora, aliadas à forte probabilidade de não mais exercer esta actividade, permite afirmar que estamos longe de uma tendência criminosa, tudo levando a crer que se tratou de um mero episódio, embora grave, na vida do arguido.

O concurso não deve, pois, funcionar como agravante pelo que, atenta a moldura penal proposta – 180 a 360 dias de multa – considera-se adequada a pena única de 270 dias de multa.

8. O critério geral de determinação do quantitativo diário da multa encontra-se previsto no art. 47º, nº 2 do C. Penal nos termos do qual, tal quantitativo é fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos. Haverá portanto que considerar a totalidade dos rendimentos próprios do arguido, independentemente da sua fonte, deduzidos de impostos, deveres jurídicos de assistência e obrigações duradouras sobre os rendimentos (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª Edição, 2013, pág. 47).

            Posto isto.

            O arguido, como vem provado, apesar de licenciado em economia, encontra-se desempregado desde 2012, não aufere rendimentos de qualquer natureza, vive com a mãe, por quem é sustentado, e encontra-se ainda a recuperar, fisicamente, das consequências de um acidente de viação sofrido em 2010.

Devendo a multa, por um lado, e enquanto pena criminal, representar sempre um sacrifício para o condenado, e sendo a situação económica e financeira do arguido, por outro, precária, e não sendo provável a alteração deste status quo a curto prazo, deve o respectivo quantitativo diário ser fixado no mínimo legal, ou seja, em € 5.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:

A) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido A... – pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, a) e 3 do C. Penal – nas penas parcelares de 2 anos de prisão e de 2 anos de prisão e, em cúmulo, na pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de dois anos e oito meses sujeita à condição, no período de suspensão, do não exercício da actividade seguradora.

B) Condenar o arguido António Pedro Bandeira Nunes – pela prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, a) e 3 do C. Penal – nas penas parcelares de 180 (cento e oitenta) dias de multa e de 180 (cento e oitenta) dias de multa e, em cúmulo, na pena única de 270 (duzentos e setenta) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), perfazendo a multa global de € 1.350 (mil trezentos e cinquenta euros).

C) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.


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            Recurso sem tributação, atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).

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Coimbra, 11 de Março de 2015


 (Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)