Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
233/12.7GDAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
FUNDAMENTO DE FACTO
REMISSÃO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 06/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 389.º-A, N.º 1, ALÍNEA A) E 379.º, N.º 1, DO CPP
Sumário: I - Ainda que no âmbito de processo sumário, a lei não permite que a matéria de facto, mesmo relativa às condições pessoais do arguido, seja considerada provada por remissão para as declarações daquele ou de qualquer outra pessoa interveniente no julgamento.

II - A violação dos ditames legais no referido contexto, ou seja, o dever de fixação precisa e objectiva da matéria de facto, determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, por omissão (parcial) das menções referidas na al. a) do n.º 1 do artigo 389.º-A do mesmo diploma.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo sumário que correram termos pelo Juízo de Instância Criminal do Tribunal Judicial de Anadia, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:

“1) Condenar o arguido A... pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a), do C. Penal:

1.1) Na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, a € 5,00 (cinco euros) diários, num total de € 600,00; e

1.2) Na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias.

2) Condenar o arguido no pagamento das custas, fixando-se a t.j. em ½ UC (art.os 344º, nº 2, al. c), 513º e 514º do CPP e 8º, nº 5, do RCP)”.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 2920, n.º 1 e 690, n.º 1, a), ambos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 5, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 meses e 15 dias.

2. Contudo, considerando as fortes exigências de prevenção especial que se fazem sentir neste caso, entendemos que o arguido deve ser condenado em pena de prisão, suspensa na sua execução.

3. Isto, essencialmente, em razão da condenação anterior que o arguido já sofreu, em pena de multa, em 2010, por crime da mesma natureza e da taxa de álcool no sangue que apresentava (1,61 gr/l), o que eleva as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir no caso em apreço.

4. Mas também considerando prementes necessidades de prevenção geral, atenta a frequência, gravidade e consequências da criminalidade rodoviária, impondo-se dissuadi­-la e contribuir para o restabelecimento do sentimento de segurança da comunidade face à violação da norma.

5. Tudo a reclamar que se opte pela pena de prisão, pois de outro modo não se verão satisfeitas, in casu, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, a qual, tendo em conta os critério do art. 71° do CP, deve ser fixada em 2 meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

6. Não o entendendo assim e condenando o arguido nos moldes referidos, a sentença recorrida violou as normas constantes dos arts. 70° e 292°, n.º 1, ambos do Código Penal.

7. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido nos termos expostos.

            Não houve resposta.

            Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer sufragando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância.

            Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

            O âmbito do recurso afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

            No caso vertente a única questão resultante das conclusões do recurso consiste em averiguar se a pena de multa é insuficiente para assegurar as exigências de prevenção, reclamando estas a opção por uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução. Contudo, para além desta, uma outra questão, que obsta à apreciação da anteriormente enunciada, se suscita oficiosamente: A nulidade da sentença por parcial ausência de fixação da matéria de facto.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

            Na fixação da matéria de facto, efectuada por remissão, a Mmª Juiz do tribunal a quo ditou o seguinte:

            “Dou por provados todos os factos constantes do auto de notícia e ainda do aditamento de fls. 19, a situação económica, familiar e profissional ora relatada pelo arguido e ainda o facto de o mesmo ter sido condenado por sentença de 26 de Março de 2010, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 6 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses e 15 dias”.

            Ora, é certo que a lei prevê, no art. 389º-A do CPP, que a sentença proferida em processo sumário seja de imediato proferida oralmente, devendo ser documentada. Dela deverão constar necessariamente a indicação dos factos provados e não provados, o que poderá ser feito por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucinto das provas. O que a lei não admite é que a matéria de facto seja considerada assente por remissão para as declarações do arguido ou de qualquer outro sujeito processual, o que bem se compreende. Os factos assentes deverão necessariamente ser fixados pelo juiz de modo preciso e inequívoco, o que sendo compatível com a remissão para peças processuais oralmente apresentadas, já não o é com a remissão para as declarações dos sujeitos processuais, que normalmente terão um conteúdo mais amplo do que o que releva para efeitos de fixação de matéria de facto e que muitas vezes se oferecem como imprecisas ou hesitantes. Daí que relativamente aos factos com relevo para a decisão resultantes da audiência – como sucede com os factos relativos às condições pessoais do arguido, nomeadamente, nos casos em que não tenha sido apresentada contestação ou quando a matéria a considerar como provada divirja do alegado – incida sobre o juiz a obrigação de os especificar. Não foi esse o caminho trilhado no caso vertente, em que a matéria de facto relativa às condições pessoais do arguido foi “fixada” por remissão para as respectivas declarações, o que viola o dever de fixação precisa e objectiva da matéria de facto. Consequentemente, a sentença recorrida é nula, nos termos do art. 379º, nº 1, do CPP, por parcial ausência das menções referidas no nº 1, al. a), do art. 389º-A do mesmo diploma (matéria de facto relativa às condições pessoais – sociais e económicas – do arguido

III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, anula-se a sentença proferida, devendo o tribunal a quo proferir sentença em que observe o referido supra.

Sem tributação.

                                                                                 

                       (Jorge Miranda Jacob - Relator)

                       (Maria Pilar de Oliveira)