Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1675/13.6TBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO PROMESSA
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 11/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 211/04 DE 20/8, ARTS.405, 406, 442, 483, 485, 762, 808 CC, ARTS.102, 104, 106 CIRE
Sumário: 1. - A violação culposa de dever de informação a cargo de mediador imobiliário, no âmbito da atividade de mediação, perante terceiro interessado, é fonte de obrigação indemnizatória pelo dano causado a esse terceiro.

2. - Cabe ao autor na respetiva ação indemnizatória o ónus da alegação e prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar por violação de dever de informar a que aludem os art.ºs 485.º, n.º 2, e 483.º, ambos do CCiv..

3. - A declaração de insolvência do promitente-vendedor em contrato-promessa de compra e venda de bem futuro com sinal prestado não determina, sem mais, o incumprimento e a extinção do contrato-promessa.

4. - Nesse caso, não tendo a promessa eficácia real, o cumprimento fica suspenso, na subsistência do contrato instrumental, até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.

5. - Até essa tomada de posição do administrador da insolvência, a não disponibilidade pelo promitente-comprador do sinal prestado não constitui um dano indemnizável, cuja reparação não pode ser exigida da sociedade imobiliária interveniente na negociação com base em violação, por esta, de deveres de informação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

M (…), com os sinais dos autos,

intentou ([1]) ação declarativa de condenação, então sob a forma de processo ordinário ([2]), contra

E (…)  Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. no pagamento à A. da quantia de € 60.000,00, correspondente ao valor do sinal por esta pago aquando da assinatura de contrato-promessa de compra e venda elaborado pela R., acrescida de juros moratórios respetivos, à taxa legal, desde a citação.

Para tanto, alegou, em síntese, que ([3]):

- tendo contactado a R., para aquisição de uma casa de férias na zona de X (...) , o comercial daquela deu-lhe a conhecer um empreendimento situado em Y (...) , enaltecendo o profissionalismo e a boa situação financeira do construtor, bem como a segurança do investimento;

- na sequência, a A. celebrou, em 24/08/2010, um contrato-promessa de compra e venda com a sociedade “M (…), Lda.”, que teve por objeto uma fração autónoma sita naquele empreendimento, contrato esse elaborado pela R., como mediadora imobiliário interveniente no negócio;

- a R. sabia que a “M (…), Lda.” não era a construtora do empreendimento, que não detinha licença de construção e que as obras estavam embargadas pela Câmara Municipal de X (...) , tendo omitido essas informações à A.;

- esta somente celebrou o contrato-promessa por ter confiado nas informações prestadas pela R., a qual, violando os seus deveres enquanto mediadora (mormente, deveres de informação), induziu a A. em erro quanto às qualidades do imóvel e do negócio, omitindo a existência de um embargo da obra e a falta de licença de construção;

- a “M (…), Lda.” veio a ser declarada insolvente e a A. não conseguiu reaver a importância prestada de € 60.000,00, entregue a título de sinal.

A R. contestou, concluindo pela improcedência da ação, para o que alegou:

- desconhecer os termos em que o negócio foi apresentado pelo seu comercial;

- ter a A. negociado a compra diretamente com o representante da promitente-vendedora, sendo a R. alheia às condições que aqueles entenderam estabelecer;

- inexistir vínculo laboral daquele comercial relativamente à R., pelo que esta não tem responsabilidade (indemnizatória);

- constarem do contrato-promessa todas as informações de que a R. dispunha, não sendo da responsabilidade desta o facto de a A. ter entregue a quantia de € 60.000,00, a título de sinal, e ter prometido adquirir uma fração em construção, a ser edificada em imóvel não pertença da promitente-vendedora e com licença de construção ao tempo a pagamento;

- perante a documentação que lhe foi entregue, não tinha a R. razões para suspeitar que o empreendimento não tivesse licença de construção ou que as obras estivessem embargadas, tendo confiado que tudo estava em conformidade, sendo que a A., por sua vez, apesar de saber dos problemas de falta de licença e embargo, não se inibiu de ainda entregar mais € 10.000,00, sem a tal ser aconselhada pela R..

A A. deduziu incidente de intervenção principal provocada de “F (…) - Companhia de Seguros, S. A.”, o que foi admitido.

Esta, por sua vez, contestou, concluindo pela improcedência da ação e pela sua absolvição, para o que esgrimiu desconhecer os factos alegados, inexistir responsabilidade civil por parte da R., com a consequência de não haver obrigação de ressarcimento a cargo do segurador de responsabilidade civil daquela.

Realizada audiência prévia, saneado o processo, enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à audiência final, com produção de provas, seguida de sentença – incorporando decisão de facto e de direito –, pela qual foi a ação julgada improcedente, com absolvição da R. do pedido, dispositivo que veio a ser corrigido (ampliado), de molde a traduzir também a absolvição da seguradora interveniente do peticionado ([4]).

Inconformada, apelou a A., apresentando alegação e oferecendo as seguintes

(…)

A R. e a Interveniente Apeladas contra-alegaram, pronunciando-se sobre as questões suscitadas em sede de recurso e concluindo pela total improcedência da apelação.

A Interveniente, ademais, requereu a ampliação do objeto do recurso e interpôs recurso subordinado, arguindo a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, em virtude de o dispositivo daquela não conter pronúncia/absolvição de tal Interveniente, âmbito este em que, como referido, ocorreu sanação da nulidade pelo Tribunal recorrido (despacho de fls. 362 e seg.), razão pela qual o recurso interposto por essa Interveniente (incluindo a requerida ampliação de objeto) foi julgado sem efeito (cfr. despacho de fls. 368 e seg.), razão pela qual não cabe aqui conhecer dessa matéria.


***

O recurso interposto pela A. foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor e aplicável na fase recursiva (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([5]) –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito, quanto ao seguinte:

a) Se houve erro de julgamento quanto à decisão da matéria fáctica, implicando a alteração dessa decisão;

b) Se foi alegada e ocorreu causa extintiva do contrato-promessa (designadamente, resolução por incumprimento ou recusa perentória de cumprimento) imputável à promitente-vendedora;

c) Se estão as Apeladas (imobiliária e respetiva seguradora) constituídas na obrigação de indemnizar.


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III – Fundamentação

          A) Da impugnação da decisão da matéria fáctica

1. - A Apelante, no âmago da sua pretensão recursória, manifesta inconformismo com a decisão da matéria de facto, visando a alteração dessa decisão, centrando-se nos pontos 5.º a 8.º da factualidade considerada não provada na sentença, que entende dever ser julgada provada, mais requerendo que, complementarmente, se julgue provado que a R. Imobiliária sabia que o processo de obras mencionado no contrato-promessa era titulado por “D (…), Ld.ª” e não pela promitente vendedora (“M (…) , Ld.ª”), mas omitiu tal informação à A..

Esperava-se, por isso, que a Apelante, ao pretender impugnar a decisão de facto, esclarecesse/concretizasse devidamente, não só quais os factos que, na sua ótica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito fáctico e probatório da impugnação de facto.

Com efeito, ao impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre, para além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas respetivas conclusões, os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados, indicando com exatidão, se for o caso, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição ([6]).

É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente.

Como explicita Abrantes Geraldes ([7]), “A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões”. E acrescenta que se, “para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos” ([8]).

No caso, mediante leitura conjugada das conclusões da Recorrente com a sua alegação recursiva, conclui-se pelo cumprimento suficiente dos ónus legais a cargo da impugnante da decisão de facto – cfr. art.º 640.º do NCPCiv., conjugado com o art.º 639.º do mesmo Cód. ([9]) –, razão pela qual haverá de alterar-se o decidido se “os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv., com itálico aditado).

Vejamos.

(…)

3. - Resta o pretendido aditamento fáctico.

Traduz-se ele, como visto, em ser agora julgado como provado que a R. imobiliária sabia que o processo de obras era titulado por “D (…), Ld.ª” e não pela promitente-vendedora (“M(…), Ld.ª”), mas omitiu tal informação à A..

Ora, se, como também visto, é de ter por assente que tal R. sabia que o processo de obras mencionado no contrato-promessa era titulado por “D (…) Ld.ª” e não pela promitente-vendedora (“M (…), Ld.ª”), atento o por esta expressamente reconhecido sob os art.ºs 44.º, 46.º, al.ª e), e 47.º, todos da sua contestação, já nada foi reconhecido/admitido quanto à também pretendida omissão de tal informação à A., posto que a R. imobiliária afirma, ao invés, que a situação era do conhecimento da Demandante, a qual, ainda assim, aceitou vincular-se na promessa.

E, neste quadro, a A./Apelante não apresenta qualquer elemento de prova consistente e credível que se pudesse perfilar como corroborante do sentido da sua alegação em sede de articulados e das suas declarações em sede de audiência final, sem o que não se encontra sustentação para o pretendido aditamento, neste particular, ao factualismo provado.

Em suma, só parcialmente poderá proceder esta vertente impugnatória, com aditamento ao factualismo provado de um novo facto (ponto 15.º), com o seguinte teor:

«15.º A R. Imobiliária sabia que o processo de obras mencionado no contrato-promessa era titulado por “D (…)” e não pela “M (…) Ld.ª”».

Facto este, agora adotado, que não conflitua com a factualidade julgada não provada, a qual se mantém, designadamente com o juízo negativo sobre se a R. sabia que as obras estavam a ser executadas pela “D (…) Lda.”, visto ser factologia diversa a que se prende com a titularidade quanto ao processo de obras, por um lado, e a referente à execução concreta das obras, por outro lado.

B) Matéria de facto

Ante o aditamento fáctico agora operado, é a seguinte a factualidade provada a considerar:

«1.º No verão de 2010, a autora contactou a ré, que se dedica à mediação imobiliária, tendo em vista investir numa casa de férias na zona de X (...) .

2.º A autora foi atendida por um comercial da ré, que a levou a visitar um empreendimento situado em Y (...) , tendo-lhe apresentado como construtor o Sr(…).

3.º Nessa ocasião, o comercial da ré enalteceu D (…), referindo que o mesmo não tinha dívidas, que era muito sério e que “construía com o dinheiro dos clientes”.

4.º Dias depois, a autora foi contactada pelo comercial da ré, para a informar que a fração autónoma pela qual tinha demonstrado interesse havia sido vendida e que, se pretendia adquirir uma fração naquele empreendimento, era melhor apressar-se.

5.º No dia 22 de agosto de 2010, a autora deslocou-se ao empreendimento referido em 2.º, onde contactou com D (…), tendo negociado com este a compra de uma fração autónoma, pelo preço de 100.000,00€, sendo o valor de 3.000,00€ entregue de imediato e 60.000,00€ a título de sinal.

6.º O referido D (…) contactou a ré para que procedesse à reserva da fração que este lhe indicou e para que fosse preparado o contrato-promessa de compra e venda.

7.º No dia 23 de agosto de 2010, a autora deslocou-se às instalações da ré, onde assinou o “acordo de reserva” de uma fração autónoma no condomínio do (...) bloco A, 1.º andar – cfr. “acordo de reserva” de fls. 18 e 19, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.

8.º A ré diligenciou pela elaboração do “contrato-promessa de compra e venda”, de acordo com as indicações dadas por D (…) e as condições estabelecidas entre este e a autora.

9.º No dia 24 de agosto de 2010, nas instalações da ré, a autora assinou o “contrato-promessa de compra e venda de bem futuro”, em que figurava como promitente-vendedora a sociedade “M (…) Lda.” – cfr. “contrato-promessa” de fls. 21 a 23, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.

10.º O processo de obras n.º 322/2003, onde estava integrada a fração negociada pela autora, estava averbado em nome de “D (…) e não da “M(…), Lda.”.

11.º As obras de construção do empreendimento em questão estavam embargadas desde o dia 3 de novembro de 2009 pela Câmara Municipal de X (...) , por falta de licença administrativa.

12.º As obras nesse empreendimento foram executadas pela “D (…) Lda.” e não pela “M (…) Lda.”.

13.º A “M (…), Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida, em 12 de janeiro de 2012, no âmbito do processo n.º 1930/11.0TBMGR, que correu termos no (extinto) 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande – cfr. publicação do Diário da República de fls. 24 e 25, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.

14.º A ré celebrou com a interveniente “contrato de seguro de responsabilidade civil das entidades mediadoras imobiliárias”, titulado pela apólice n.º 8.250.339, com um limite de capital de cobertura de 150.000,00€ e uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis, de valor nunca inferior a 250,00€ – cfr. documentos de fls. 174 a 184, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.

15.º A R. sabia que o processo de obras mencionado no contrato-promessa era titulado por “D (…) Ld.ª” e não pela “M (…), Ld.ª”.».

E resultou não provada a factualidade seguinte:

«1.º O comercial da ré disse à autora que os imóveis não tinham quaisquer ónus, sendo muito seguro negociar naquele empreendimento, uma vez que havia fortes garantias da construtora, empresa de situação financeira muito boa.

2.º O comercial disse à autora que, se não se decidisse, todas as frações seriam vendidas, porque estavam bem localizadas e eram um investimento seguro.

3.º Aquando da assinatura do “acordo de reserva”, o comercial da ré reforçou que a autora estava a fazer um bom negócio, seguro, e que por isso mesmo as frações estavam a ser vendidas num instante.

5.º A ré sabia que as obras estavam a ser executadas pela “Duarte, Lda.”.

6.º A ré sabia que as obras estavam embargadas pela Câmara Municipal de X (...) .

7.º A autora confiou na ré e decidiu investir porque esta lhe garantiu a segurança do negócio.

8.º A autora não teria outorgado o “contrato-promessa” se a ré a tivesse informado dos problemas de licenciamento e do embargo da obra.» ([10]).

C) Matéria de direito

1. - Da extinção/incumprimento da promessa

1.1. - Considera a Apelante que incorreu em erro de julgamento, em matéria de direito, o Tribunal recorrido, ao ter julgado a ação indemnizatória improcedente, posto que, na ótica da A./Recorrente, estão demonstrados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, ocorrendo responsabilidade civil da R. imobiliária por violação do seu dever de informação perante a Demandante promitente-adquirente.

Assim, o pressuposto da A./Apelante é o de estar devidamente demonstrado o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano (cfr., designadamente, o disposto no art.º 485.º, n.º 2, do CCiv.).

Por isso, na economia da ação, cabia a A. mostrar (alegando e provando) que ocorreu violação pela R. imobiliária de um dever seu de informação, violação essa culposa e geradora de um dano determinado.

Tal dano, a que se reporta o pedido indemnizatório, respeita ao sinal prestado, não recuperado, no âmbito da promessa, a qual ficou por cumprir pela promitente-vendedora, que veio a ser declarada insolvente e que nada restituiu.

Sendo líquido que não pode haver indemnização sem dano (este é pressuposto e critério de medida daquela), cabe, pois, apurar se ocorrem os pressupostos do direito indemnizatório por violação de dever de informar.

Desde logo, deve notar-se que estamos perante contrato-promessa de compra e venda “de bem futuro”, como expressamente referido no contrato celebrado, posto que a sociedade promitente-vendedora (“M (…) Ld.ª”) apenas era, por sua vez, promitente-compradora do prédio rústico onde se encontrava em construção o conjunto habitacional, que haveria de ser submetido ao regime de propriedade horizontal e de onde haveria de emergir a fração autónoma prometida comprar e vender entre a Demandante e aquela sociedade.

1.2. - No nosso ordenamento jurídico-civil vigora o princípio da liberdade contratual, termos em que as partes nos contratos têm, dentro dos limites legais, a faculdade, não só de fixar livremente o conteúdo dos contratos que celebram, como de neles incluir as clausulas que lhes aprouver (art.º 405.º, n.º 1, do CCiv.).

E, nos termos do disposto no art.º 406.º, n.º 1, do CCiv., tais contratos devem ser pontualmente cumpridos, nos precisos termos acordados, só podendo ser modificados ou extintos por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

O contrato-promessa, que pode ser bilateral ou unilateral, consiste numa convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato com outrem.

No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela ([11]), tal contrato “... cria a obrigação de contratar, isto é, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. Trata-se de uma obrigação de prestação de facto positivo”.

Assim, o contrato é bilateral se ambos os contraentes se obrigam à celebração do contrato prometido, sendo unilateral se apenas um de tais contraentes se obriga a tal.

Ao contrato-promessa são aplicáveis as disposições legais referentes ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa (art.º 410.º, n.º 1, do CCiv.).

Por outro lado, dispõe o art.º 441.º do CCiv., que no contrato-promessa de compra e venda se presume que tem caráter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.

Se a parte que constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; e se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquela a faculdade de exigir o dobro do que prestou (art.º 442.º, n.º 2, do CCiv.).

Por sua vez, dispõe o art.º 798.º do CCiv. (norma já atinente ao incumprimento culposo da obrigações em geral) que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

E estabelece o art.º 801.º do CCiv. que, tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação (n.º 1); e, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato (n.º 2).

Mas dispõe o art.º 442.º, n.º 4, do mesmo Cód., que, na ausência de estipulação em contrário, não haverá lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste.

Diversa do incumprimento contratual é a situação de simples mora, ficando o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (art.º 804.º, n.º 2, do CCiv.).

O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou (art.º 762.º, n.º 1, do CCiv.), devendo tal realização ser integral, exceto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos (cfr. art.º 763.º, n.º 1, do mesmo Cód.).

O momento em que a obrigação deve ser cumprida pode ser fixado por convenção das partes, podendo este prazo convencional ser originário ou subsequente (cfr. art.º 777.º do CCiv.).

O devedor só fica constituído em mora depois de interpelado para cumprir, havendo, porém, mora da sua parte, independentemente de interpelação, quando, designadamente, a obrigação tiver prazo certo (art.º 805.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv.).

A simples mora debitoris não confere, por regra, mais que um direito indemnizatório (cfr. art.º 804.º, n.º 1, do CCiv.), não pondo em causa a subsistência do vínculo contratual, sendo que nas obrigações pecuniárias a indemnização decorrente da mora do devedor corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (art.º 806.º, n.º 1, do CCiv.), sendo devidos os juros legais, exceto se antes da mora for devido juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diverso do legal (art.º citado, n.º 2).

Porém, pode o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não ser realizada dentro do prazo que razoavelmente seja fixado pelo credor, caso em que se considera não cumprida, em definitivo, a obrigação (art.º 808.º, n.º 1, do CCiv.).

Mas a perda de interesse para o credor deverá ser apreciada objetivamente (art.º 808.º, n.º 2, do CCiv.), pois que se pretende “… evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele (credor) ou à perda infundada do interesse na prestação. Atende-se, por conseguinte, ao valor objectivo da prestação, não ao valor da prestação determinado pelo credor, mas à valia da prestação medida (objectivamente) em função do sujeito” ([12]).

1.3. - É certo que a lei permite a celebração de contrato-promessa quanto a coisa futura. Como referem, sem controvérsia, Pires de Lima e Antunes Varela, “Não produzindo o contrato-promessa efeitos translativos, mas apenas a obrigação (obrigação de prestação de facto) de celebrar o contrato definitivo, deve entender-se que também lhe não são aplicáveis as disposições que declaram nula a alienação de coisa alheia (…). Nada impede, por exemplo, que se prometa a venda de bens alheios ou parcialmente alheios” ([13]). E o que vale para a promessa de alienação de coisa alheia também colhe aplicação à promessa quanto a bem futuro, por ainda não existente (física ou materialmente) ao tempo da celebração do contrato, desde que não seja de existência impossível ([14]), prevendo-se mesmo a venda de bens futuros (cfr. art.ºs 880.º e 893.º do CCiv.).

Aliás, nenhuma das partes questiona a validade do contrato-promessa celebrado, enquanto reportado a bem (fração autónoma) futuro.

Cabe, então, verificar o que aconteceu à relação contratual (entre as partes no contrato-promessa), de modo a apurar da existência do dano invocado.

Esse contrato foi resolvido/extinto por alguma das partes ou ocorreu incumprimento definitivo, impossibilidade irremediável de cumprimento ou recusa perentória a cumprir, pela promitente-vendedora ou, depois, pelo Administrador de Insolvência (AI)?

Ou deve considerar-se que, não extinto, e sem recusa perentória de cumprimento, o vínculo contratual se mantém em vigor?

Desde logo, a A./Apelante não mostra (não alega nem prova) a operância de qualquer causa extintiva desse vínculo preliminar/instrumental (contrato-promessa) anteriormente à declaração de insolvência da sociedade promitente-vendedora.

Ocorrido o evento insolvencial, à insolvente sobreveio a massa insolvente, com o seu AI, o qual poderia até cumprir o contrato-promessa, desde que ainda vigente.

Se bem se interpreta, a A./Recorrente parece pressupor que a declaração de insolvência da promitente-vendedora é, por si só, demonstrativa desse culposo incumprimento ou impossibilidade de cumprimento.

Mas assim não parece dever entender-se – ao menos de forma automática –, já que a massa insolvente, com o seu AI, segue-se à sociedade declarada insolvente, assumindo as suas anteriores relações contratuais vigentes, que não se extinguem, sem mais, pelo facto da declaração insolvencial – cfr. art.ºs 36.º, 46.º, 50.º, n.º 2, 51.º, 55.º, 81.º, 91.º e principalmente 102.º, 104.º e 106.º, todos do CIRE, Ana Prata e outros, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, Almedina, Coimbra, 2013, mormente ps. 307 e segs., e os Acs. STJ n.º 4/2014, de Uniformização de Jurisprudência (Cons. Paulo Távora Victor), em DR, 1.ª Série, n.º 95, 19/05/2014, ps. 2882 e segs., e de 21/06/2016, Proc. 3415/14.3TCLRS-C.L1.S1 (Cons. Júlio Gomes), em www.dgsi.pt.

Cabia, pois, à A./Apelante, se pretendia demonstrar o seu dano e responsabilizar a imobiliária e respetiva seguradora (em vez da declarante promitente-vendedora), por violação de dever de informação ou esclarecimento, mostrar o irremediável naufrágio do vínculo instrumental (o dito contrato-promessa), tornando impossível o cumprimento da promessa (a celebração do contrato prometido de compra e venda) e a recuperação do sinal prestado.

O que não foi feito, faltando, desde logo, a respetiva alegação de suporte.

Aliás, a A. alegou ter, após a celebração do contrato-promessa e já informada por D (…) dos problemas surgidos no plano administrativo, acedido a pagar mais € 10.000,00 (para além dos € 60.000,00 já pagos, quando o preço da prometida venda era de € 100.000,00 e se tratava de promessa referente a “bem futuro”, por estar em construção e a sociedade promitente-vendedora ser apenas titular de uma posição jurídica de promitente-adquirente de prédio rústico, onde era realizada a edificação), para entrar na posse de um apartamento (cfr. art.ºs 41.º e segs. da petição).

Logo partindo para a alegação da declaração de insolvência da “M (…), Ld.ª”, ocorrida em fevereiro de 2012, e reclamação de créditos no processo insolvencial, sendo-lhe reconhecido crédito no valor de € 70.000,00, sem reconhecimento de direito de retenção, bem como da inexistência de licenciamento administrativo (de construção) a favor daquela sociedade insolvente, da existência de embargo, da propriedade das obras a favor de outra sociedade (“D (…) Ld.ª”), situação que considera impeditiva da realização do contrato prometido (cfr. art.ºs 44.º a 68.º da petição).

Sem alegar, porém, ter sido posto fim ao contrato-promessa, por via da respetiva resolução ou outra causa extintiva, designadamente a recusa de cumprimento por parte do AI, pelo que nada mostra estar esse contrato extinto, extinção que deveria ser operada entre as respetivas partes contratantes, a A. e a sociedade “M (…) Ld.ª” (ou a respetiva massa insolvente), que não é parte nestes autos.

Assim sendo, da factualidade alegada e provada não resulta que o contrato-promessa esteja extinto, nem da declaração de insolvência resulta, como consequência necessária, tal extinção ([15]).

Donde que haja, salvo o devido respeito, tal promessa de ter-se por ainda subsistente – porventura, com suspensão de cumprimento (art.º 102.º, n.º 1, do CIRE) –, à luz da qual colhe sentido e sustentação a prestação do sinal com vista à “compra e venda de bem futuro”, o que parece afastar a materialização do dano, quantificado em € 60.000,00, cuja indemnização se pretende, posto que não se vislumbra motivo válido para a reclamação imediata do sinal prestado (cfr. art.º 442.º, n.º 2, do CCiv.).

Em suma, se o direito indemnizatório pressupõe a verificação de um dano, a dever se objeto de indemnização, in casu o dano invocado é reportado ao contrato-promessa e ao sinal prestado.

O pressuposto danoso da A. teria de ser o da sua privação do montante do sinal prestado (por não restituído) e o incumprimento da promessa, no sentido de demonstrar um prejuízo correspondente ao valor desse sinal perdido, sem qualquer contrapartida a seu favor.

Teria, pois, de ser alegada e provada factualidade demonstrativa, para além da realização da prestação do sinal, do incumprimento culposo ou da impossibilidade culposa de cumprimento pela contraparte.

Sem isso, o que permanece é um contrato-promessa em vigor (ainda que com o cumprimento suspenso, por força da ocorrida declaração de insolvência), já que não resolvido/extinto, que se saiba, por qualquer das partes.

Ora, se o contrato-promessa permanece de pé, não se consubstanciam razões para a exigência de devolução, pela parte promitente-adquirente, do valor do sinal prestado, o que logo afasta o dano contratual.

E, afastado este, falha o pressuposto da pretendida indemnização pela imobiliária e respetiva seguradora, que depende do desfecho da relação contratual referente à promessa.

Quer dizer, falta a demonstração de um dano em que se ancorasse a obrigação de indemnizar à luz do disposto nos art.ºs 485.º e 483.º, n.º 1, ambos do CCiv..

Mas mesmo que assim não se entendesse, a ação deveria improceder, como se verá de seguida.

2. - Da violação do dever jurídico de prestação de informação

2.1. - É à luz da factualidade provada (e da não provada) que cabe verificar se estão as Apeladas (imobiliária e respetiva seguradora) constituídas na obrigação de indemnizar por via de violação, negligente ou dolosa e danosa, do dever jurídico de prestação de informação.

E já vimos que não se demonstra dano.

Mas houve violação do dever de informar a cargo da R./Apelada imobiliária?

2.2. - As exigências da boa-fé negocial e de execução contratual – postulando a adoção de uma conduta honesta, correta e leal – e os deveres de informação e proteção da confiança da ora A./Apelante, também a cargo da R./Apelada (enquanto imobiliária interveniente e emitente de informações), impunham que esta dispusesse, por sua vez, de um quadro de informação exato/adequado/coerente (não contraditório), por forma a afastar toda a hipótese de erro da sua parte, consabido que o domínio completo e preciso dos condicionalismos pessoais/patrimoniais/contratuais da promitente vendedora – incluindo relacionamentos/negociações com terceiros, designadamente entidade(s) bancária(s) ou administrativa(s) – a ela pertencia, podendo a R./Apelada ter também algum domínio desse complexo de condicionalismos, desde logo, se, e na medida em que, disso informada pela contraparte no contrato por si celebrado, a “M (…), Ld.ª”, ou por terceiros, nomeadamente no âmbito de informação obtida por iniciativa da própria imobiliária.

Por isso, merecia relevância o apuramento exaustivo do dito quadro de informação de que dispunha a R./Apelada e a própria A., enquanto destinatária final da informação, designadamente o que foi, ou não, sendo transmitido a esta, sabido que era a promitente-vendedora quem, como dito, detinha a informação essencial em causa (referente à sua pessoa e interesses patrimoniais e ao seu relacionamento com terceiros, fosse a entidade com a qual prometera, por sua vez, celebrar contrato de transmissão do prédio rústico, fosse a entidade administrativa/camarária ou quem estivesse na titularidade do processo de licenciamento da obra edificativa), posto que a pretensão condenatória se reporta a dever indemnizatório por violação culposa de um dever de informação, como tal gerador de um dano, cabendo, por isso, à Demandante o ónus da prova dos pressupostos do direito a indemnização (art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.).

Assim, apresentando o obrigado à prestação de informação versão contrária face à da parte demandante, alegando que a informação que prestou lhe havia sido transmitida, não se tratando de matéria radicada na esfera de representação e disponibilidade próprias do obrigado à informação, a que, por isso, só mediatamente o devedor da prestação informativa teve acesso, importava apurar se lhe foi efetivamente prestada a informação alegada e qual o quadro de informação global que lhe foi disponibilizado ou a que teve acesso, bem como se omitiu a promitente-vendedora factos relevantes de que tinha conhecimento e, por outro lado, se acedeu, ou não, a promitente-adquirente à informação relevante.

Ora, produzidas, apreciadas e agora reapreciadas as provas, continua a constar dos factos não provados que:

- o comercial da R. tenha dito à A. que os imóveis não tinham quaisquer ónus, sendo muito seguro negociar naquele empreendimento, uma vez que havia fortes garantias da construtora, empresa de situação financeira muito boa;

- aquele comercial tenha dito à A. que, se não se decidisse, todas as frações seriam vendidas, porque estavam bem localizadas e eram um investimento seguro;

- aquando da assinatura do “acordo de reserva”, o dito comercial reforçou que a A. estava a fazer um bom negócio, seguro, e que por isso mesmo as frações estavam a ser vendidas num instante;

- a R. sabia que as obras estavam a ser executadas pela “D (…) Ld.ª” e que estavam embargadas pela Câmara Municipal de X (...) ;

- a A. confiou na R. e decidiu investir porque esta lhe garantiu a segurança do negócio;

- a A. não teria contratado se a R. a tivesse informado dos problemas de licenciamento e do embargo da obra.

E persiste provado que tal aqui R. diligenciou pela elaboração do “contrato-promessa de compra e venda de bem futuro” de acordo com as indicações dadas por D (…) e as condições estabelecidas entre este e a A..

Donde que não logre a A./Apelante provar o quadro fáctico em que assentava a pressuposição da ação.

Apenas se provou que o processo de obras n.º 322/2003, onde estava integrada a fração negociada, estava averbado em nome de “D (…) Lda.” e não da sociedade promitente vendedora, “M (…), Ld.ª”, que as obras de construção do empreendimento estavam embargadas desde 03/11/2009 (por falta de licença administrativa) e que foram executadas pela D (…) Ld.ª” (e não pela “M (…)Ld.ª”).

Quanto ao conhecimento desses factos, apenas se logrou provar que a R. sabia que o processo de obras era titulado por “D (…), Ld.ª” e não pela “M(…), Ld.ª”. Porém, não se prova que tenha tal R. omitido esta informação à A. e que esta última a desconhecesse ao tempo da celebração do contrato-promessa, sendo que, como já dito, se tratava de promessa referente a “bem futuro”.

No mais, não vem demonstrada qualquer omissão relevante de informação pela R. Imobiliária (quanto a factos que esta conhecesse ao tempo da negociação e da promessa), posto não se ter conseguido provar que ela soubesse que as obras estavam a ser concretamente executadas pela “D (…), Ld.ª” ([16]) e estavam embargadas.

Tal como não logrou a A. provar que só contratou por ter confiado na R., ante garantia desta quanto à segurança do negócio.

Não se demonstra, assim, salvo o devido respeito, a imputada violação relevante de dever de obtenção e transmissão de informação a cargo da imobiliária interveniente no negócio, que fosse geradora de dever de indemnizar para as RR./Apeladas (a Interveniente enquanto seguradora de responsabilidade civil da imobiliária), ao abrigo do disposto nos art.ºs 16.º, n.º 1, al.ªs c) e d), e 22.º, n.ºs 3 e 4, ambos do DLei n.º 211/04, de 20-08 (responsabilidade civil solidária por danos causados a terceiros), e tendo em conta o disposto nos art.ºs 483.º, n.º 1, e 485.º, n.º 2, estes do CCiv..

Por isso é de concluir que a sentença não merece censura ao finalizar assim:

«Nem resultou provado – nem sequer foi alegado – que a ré tivesse omitido o dever de se certificar da capacidade e legitimidade da “M (…)” para contratar, no caso, para vender as frações que integravam o empreendimento no (...) . Também não ficou demonstrado – e não foi alegado – que a ré tivesse omitido o dever de se certificar das características do imóvel objeto do contrato de mediação, mormente averiguando junto da entidade competente se a obra estava devidamente licenciada.

Por outro lado, a circunstância de o comercial da ré, aquando da visita ao empreendimento, ter enaltecido D (…), referindo que o mesmo não tinha dívidas, que era muito sério e que “construía com o dinheiro dos clientes” e, dias depois, ter, de certa forma, exercido alguma pressão para que se apressasse na aquisição da fração, uma vez que aquela em que se tinha mostrado interessada já tinha sido vendida, não tem virtualidade para consubstanciar a violação de qualquer dos deveres acima descritos, mormente do dever de não induzir em erro os interessados, avisando-os quando conheça alguma circunstância capaz de influenciar a decisão de contratar. Tal abordagem insere-se no âmbito dos usos da área em questão (mediação imobiliária) e não era apta a condicionar ou influenciar decisivamente a decisão da autora de contratar.

Nestas circunstâncias, não se pode afirmar que a ré tenha incumprido deveres legais de informação, de lealdade, de esclarecimento e de colaboração e, portanto, que se tenha preenchido o pressuposto da ilicitude necessário à sua responsabilização por danos causados à autora.».

Improcedem, pois, as conclusões da Apelante em contrário.

                             

                                                 ***

IV – Decisão
Pelo exposto, negando-se provimento à apelação, mantém-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pela A./Apelante.

                                                 ***

Coimbra, 28/11/2017

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


Vítor Amaral (relator)

                    Luís Cravo
Fernando Monteiro

Sumário elaborado pelo relator (cfr. art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - A violação culposa de dever de informação a cargo de mediador imobiliário, no âmbito da atividade de mediação, perante terceiro interessado, é fonte de obrigação indemnizatória pelo dano causado a esse terceiro.

2. - Cabe ao autor na respetiva ação indemnizatória o ónus da alegação e prova dos pressupostos da obrigação de indemnizar por violação de dever de informar a que aludem os art.ºs 485.º, n.º 2, e 483.º, ambos do CCiv..

3. - A declaração de insolvência do promitente-vendedor em contrato-promessa de compra e venda de bem futuro com sinal prestado não determina, sem mais, o incumprimento e a extinção do contrato-promessa.

4. - Nesse caso, não tendo a promessa eficácia real, o cumprimento fica suspenso, na subsistência do contrato instrumental, até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.

5. - Até essa tomada de posição do administrador da insolvência, a não disponibilidade pelo promitente-comprador do sinal prestado não constitui um dano indemnizável, cuja reparação não pode ser exigida da sociedade imobiliária interveniente na negociação com base em violação, por esta, de deveres de informação.


([1]) Em 02/08/2013.
([2]) A que agora corresponde a forma comum.
([3]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, a síntese da decisão recorrida.
([4]) Cfr. dispositivo de fls. 301 e despacho de supressão de nulidade da sentença de fls. 362 e seg. dos autos em suporte de papel.
([5]) Processo instaurado após 01/01/2008 (mas antes de 01/09/2013)e decisão recorrida posterior a 01/09/2013 (cfr. sentença de fls. 289 e segs., de 02/02/2017, bem como osart.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados a partir de 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursória, o regime previsto no NCPCiv.).
([6]) Cfr.art.º 640.º do NCPCiv., bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 126 esegs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, QuidJuris, Lisboa, págs. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
([7]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 115. 
([8]) Op. cit., p. 118, com itálico aditado. 
([9]) Se é certo que das conclusões da Apelante não resulta a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos convocados, tal pode ainda depreender-se – e aproveitar-se – da antecedente alegação recursória (incluindo transcrição parcelar).
([10]) Foi exarado ainda que “O tribunal não se pronuncia quanto à demais factualidade alegada pelas partes, por ser irrelevante para a decisão da causa, conclusiva, encerrar matéria de direito ou revestir natureza impugnativa”.
([11]) Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 376.
([12]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1986, p. 72.
([13]) Cfr. Código Civil Anotado, vol. I, cit., p. 378.
([14]) O art.º 280.º do CCiv. sanciona com a nulidade “o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”.
([15]) Estamos perante promessa sem eficácia real (cfr. art.º 413.º do CCiv.), não resultando provada factualidade demonstrativa da existência de traditio (matéria que a A. não alega de forma clara, apenas clarificando que não lhe foi reconhecido direito de retenção no âmbito da insolvência). Por isso, inexistindo evento extintivo anterior, cabia ao AI a opção entre a execução da promessa ou a recusa de cumprimento, ficando o cumprimento do contrato preliminar/instrumental suspenso até à formulação dessa opção (cfr. art.ºs 106.º, n.º 2, e 102.º, ambos do CIRE). Aliás, na falta de declaração optativa, podia a A. “fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção”, findo o qual se consideraria que o AI recusava o cumprimento (n.º 2 do art.º 102.º do CIRE), com as consequências previstas nos n.ºs 5 do art.º 104.º e 3 do aludido art.º 102.º [cfr. al.ªs a) a e)], ambos do CIRE.
([16]) Se do contrato-promessa consta que era a promitente vendedora quem estava a edificar o conjunto habitacional, quando era outra a sociedade que efetuava as obras no local, também é fora de dúvida que não se mostra que a imobiliária soubesse que as obras estavam a ser concretamente executadas pela “D (…), Ld.ª” e que tenha omitido essa informação à A., não sendo de olvidar, por outro lado, que se tratava de “bem futuro”, a edificar em prédio rústico pertença de terceiro (de que a “M (…)p, Ld.ª” era apenas promitente compradora), o que não impediu a mesma A. de se vincular em contrato-promessa.