Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3753/13.2TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
NULIDADE FORMAL
ABUSO DE DIREITO
INALEGABILIDADE
Data do Acordão: 04/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.220, 286, 289, 334 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10, DL Nº 359/91 DE 21/9
Sumário: 1. - A celebração de um contrato exige um encontro convergente de vontades e, tratando-se de contrato sujeito a forma legal, só há vinculação válida se as declarações negociais convergentes dos contraentes, contemplando os elementos essenciais do contrato, obedecerem à forma legalmente imposta.

2. - A solicitação, por via telefónica, de um financiamento (crédito ao consumo) de € 20.000,00, com determinada modalidade de reembolso, apresentada em formulário pré-preenchido, assinado apenas pelo aderente, com referência a determinadas condições gerais predispostas, não passa de proposta negocial, sem vinculação contratual, se a contraparte não a aceita.

3. - Apresentando tal contraparte, por sua vez, contraproposta verbal, referente a diverso montante de financiamento (€ 15.000,00) e outro valor de reembolso mensal em prestações, que foi aceite pelo destinatário, sem redução a escrito, ocorre vinculação contratual em contrato de mútuo mercantil verbal no âmbito de relação de consumo.

4. - Sendo este contrato nulo por vício de forma – inexistência de forma escrita e omissão de entrega de cópia do contrato assinado ao consumidor –, tal invalidade, devidamente invocada, obriga à restituição em singelo de tudo o que haja sido prestado (fica excluída a remuneração do capital, bem como juros moratórios se, ao tempo da instauração da ação, inexistindo mora, já haviam sido restituídos montantes que perfaziam valor global superior à quantia emprestada).

5. - Ainda que se entendesse ter sido celebrado contrato escrito, sujeito apenas, em processo negocial, a alterações posteriores verbais, as estipulações aditadas haveriam de ter-se por reportadas a elementos essenciais do contrato, aos quais se estende a exigência de forma legal (cfr. art.º 221.º do CCiv.), não deixando margem para redução ou conversão contratual (art.ºs 292.º e 293.º, ambos do CCiv.).

6. - O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do contrato, incluindo na extinção e liquidação da relação, designadamente para exercício do poder de invocação da nulidade do contrato por vícios formais.

7. - A análise prudente quanto ao abuso do direito por parte do consumidor que invoca vícios formais do contrato de crédito ao consumo, após período de execução contratual, não prescinde, ante a desigualdade manifesta de meios entre as partes, sendo o consumidor a parte tipicamente débil, da ponderação quanto à conduta do financiador, mormente se, pela forma como atuou, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, infringiu, em termos censuráveis, os deveres cooperação, lealdade e informação impostos pelo princípio da boa-fé, caso em que, assim tendo ocorrido, é de afastar a inalegabilidade da invalidade.

8. - A regra, no âmbito das relações de consumo, é a da proteção do consumidor (normalmente um não especialista, designadamente em questões de contratação de crédito ao consumo, face a um profissional apetrechado), só devendo ser desconsiderada perante conduta manifestamente censurável e injustificada, com grave prejuízo para a contraparte.

9. - Não é de ter por contraditória ou desproporcionada/desequilibrada – ao menos em termos clamorosamente ofensivos da boa-fé objetiva, de molde a constituir abuso do direito – a invocação da nulidade do contrato de crédito pelo consumidor, em caso de inobservância da forma escrita e do dever de entrega de cópia do contrato, mesmo se durante anos houve entrega das prestações de reembolso verbalmente acordadas, com restituição de montante até superior ao emprestado, e o consumidor apenas invocou a invalidade na ação de cumprimento, onde, porém, é pedido o pagamento de quantia superior à que havia sido emprestada.

10. - Podendo a nulidade ser invocada e conhecida a todo o tempo e resultando de atuação imputável ao financiador, cuja prestação é contemporânea do vício (invalidade), não ocorre relevante “investimento de confiança” por aquele – perante a conduta adimplente, e de não invocação da invalidade, da contraparte –, que devesse ser tutelado, no âmbito do abuso de direito, em prejuízo do consumidor, o que levaria ao afastamento da instituída ordem pública de proteção, dirigida à defesa deste.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


***
I – Relatório

C (…)”, com os sinais dos autos,

intentou ([1]) ação declarativa condenatória com processo comum contra

M (…), também com os sinais dos autos,

pedindo que seja a demandada condenada a pagar-lhe a quantia de € 17.077,15, bem como juros de mora vencidos até à data da propositura da ação – no valor de € 271,36 – e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese:

- ter celebrado com a R. um contrato de crédito, pelo qual lhe concedeu financiamento no montante de € 15.000,00, vinculando-se a R. ao reembolso respetivo em 94 prestações mensais e sucessivas de € 255,00, através de débito em conta bancária;

- porém, a R. deixou de ter a conta provisionada, tendo entrado em incumprimento, pelo que a A. resolveu o contrato, através de carta de 28/06/2013, ascendendo a dívida ao montante peticionado.

Contestou a R., alegando, no essencial, que:

- solicitou telefonicamente à A. a concessão de crédito, tendo sido informada por um colaborador desta que deveria assinar, desde logo, um formulário de pedido de proposta de concessão de crédito, o que a R. fez, para que posteriormente fosse celebrado o contrato;

- posteriormente, a R. foi informada telefonicamente por colaboradora da A. de que o crédito tinha sido concedido e que seria depois contactada para formalização do restante procedimento para concessão do crédito, no montante de € 15.000,00, contacto este que não viria a acontecer, apenas tendo o valor negociado sido transferido para a conta indicada pela demandada, sem que houvesse acordo quanto ao montante dos reembolsos mensais;

- donde que nunca tenha a R. firmado qualquer contrato escrito com referência ao montante de € 15.000,00 e ao número de prestações de reembolso em causa, nem lhe tenha sido entregue qualquer cópia do contrato, não estando reunidas as condições de forma contratual exigíveis e sendo usurários os juros pretendidos;

- por isso, apenas aceita reembolsar o capital concedido, deduzido do já amortizado, com juros moratórios civis, à taxa supletiva legal respetiva.

Concluiu pela improcedência da ação ou, caso assim não se entenda, pela sua condenação na restituição do capital concedido, deduzido do amortizado, com os ditos juros moratórios civis.

Respondeu a A., pugnando pela improcedência da matéria de exceção deduzida e insistindo que foi concluído o contrato entre as partes, com referência à quantia mutuada, e que a R., durante anos, foi procedendo aos reembolsos mensais, sendo válidas todas as cláusulas do contrato, sob pena de abuso do direito da R., pessoa que, atenta a sua profissão, não poderia ser tida como desinformada e facilmente influenciável, e que só quando não consegue cumprir vem invocar discordância perante as condições de reembolso acordadas.

Na audiência prévia, saneado o processo, foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, após o que se procedeu à audiência de julgamento, com produção da prova.

Na sentença, onde se conheceu de facto e de direito, foi a ação julgada parcialmente procedente, com a consequente condenação da R. a pagar à A.:

«- a quantia de € 1.705,00 (mil setecentos e cinco euros), correspondente às prestações vencidas e não pagas, à data da resolução do contrato pela A., acrescidas de juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada uma delas e

- a quantia que vier a ser liquidada, correspondente ao capital vencido com a resolução do contrato, excluindo a parte correspondente a juros remuneratórios, imposto e seguros, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, desde 30 de Junho de 2013, até integral pagamento.».

De tal sentença veio a R., inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([2]):

(…)

Na sua contra-alegação, a A. pugna pelo não provimento do recurso – afirma, designadamente, que a invocação da nulidade do contrato configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium –, mantendo-se a sentença impugnada.


***

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito determinados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito ([3]):

a) Se, concluído o contrato, é manifesta a sua nulidade formal e, nesse caso, se deve ficar paralisado o direito de invocação da invalidade (inalegabilidade) por abuso do direito;

b) No caso de operância da invalidade, quais as consequências do efeito retroativo da declaração de nulidade;

c) No caso contrário, se deve proceder a impugnação da decisão de facto;

d) Se, ante a pretendida alteração fáctica, deve alterar-se também a decisão de direito e em que termos.


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III – Fundamentação

A) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade julgada provada pela 1.ª instância:

«1- A Autora é uma sucursal de uma instituição de crédito francesa, que tem por objecto social operações de financiamento por conta de terceiros, com excepção das operações de carácter puramente bancário, e a corretagem de seguros, bem como todas as operações directamente ou indirectamente ligadas às actividades acima definidas (art. 1º da p.i.).

2- Mediante contacto telefónico, em data não concretamente apurada de Março de 2007, a Ré solicitou à Autora um financiamento de € 20.000,00 (art. 2º da resp.).

3- A A. enviou à Ré o documento junto a fls. 123 e o formulário de fls. 124, em duas vias, pré-preenchido com o valor solicitado (€ 20.000,00) (art. 3º da resp.).

4- A Ré procedeu à devolução à Autora de um das vias do referido formulário devidamente assinado, e da documentação aí mencionada como sendo necessária à análise do crédito: Cópia de Bilhete de Identidade e Número de Identificação Fiscal; Comprovativo de morada; Comprovativo de Número de Identificação Bancária (NIB); e Recibos de vencimento (art. 4º da resp.).

5- Após verificação da documentação enviada pela Ré, para efeitos de confirmação das informações prestadas por esta e para aferir da sua solvabilidade financeira, a Autora informou-a de que apenas lhe poderia disponibilizar a quantia de € 15.000,00 (art. 5º da p.i. e 5º da resp.).

6- O que a Ré aceitou (art. 6º da resp.).

7- A A. atribuiu ao acordo celebrado o n.º 42606587969100 (art. 2º da p.i.).

8- Em consequência do referido em 1) a 6), em 08/05/2007, a Autora disponibilizou à Ré, em conta indicada pela mesma para esse efeito, o montante de € 15.000,00 (art. 3º da p.i. e 7º da resp.).

9- No âmbito do acordo referido em 7), e nas mesmas condições, a Autora disponibilizou à Ré outros financiamentos nas datas e pelos valores que ora se discriminam: € 228,00, em 05/07/2007; € 91,00, em 06/08/2007; € 30,00, em 19/09/2007; € 101,00, em 27/12/2007; € 204,00, em 04/06/2008; € 100,00, em 03/09/2008; € 114,00, em 10/12/2008; € 156,00, em 07/04/2009; € 227,00, em 07/10/2009; € 104,00, em 08/01/2010; € 113,00, em 06/04/2010; e € 69,00, em 11/06/2010 (art. 4º da p.i. e 8º da resp.).

10- Com o referido em 4) a 6), a Ré obrigou-se, perante a A., ao reembolso dos € 15.000,00, em 96 prestações mensais e sucessivas no valor de € 255,00, cada uma (arts. 6º da p.i. 12º da resp.).

11- O referido reembolso deveria ser efectuado através de débito, em conta indicada pela R. para esse efeito, e com o NIB 00 (...) (arts. 6º da p.i. e 13º da resp.).

12- Nos termos da Cláusula 8.2. das Condições Gerais, a R. obrigou-se a manter a sua conta bancária devidamente provisionada, ao dia 1 de cada mês, em montante suficiente para permitir o débito das prestações acordadas de reembolso (art. 7º da p.i.).

13- De acordo com a cláusula 8.4. das Condições Gerais, as prestações mensais de reembolso nunca poderiam ser de valor inferior a uma parte fixa e pré-estabelecida (arts. 9 da p.i. e 14º da resp.).

14- As quantias pagas nos termos referidos em 10) eram imputadas ao valor em dívida pela seguinte ordem:

a) prémio de seguro (se houvesse);

b) impostos e encargos vencidos;

c) penalidades (se existissem);

d) juros vencidos;

e) remanescente do capital em dívida (art. 10º da p.i.).

15- As condições gerais do contrato constituem a página número um do formulário referido em 3) (art. 15º da resp.).

16- A R. tinha conhecimento de que a um valor de financiamento de € 15.000,00 correspondia uma mensalidade de € 255,00, de acordo com a cláusula 2.2 das condições gerais do contrato, bem como das demais condições referidas naquelas cláusulas (arts. 16º e 17º da resp.).

17- Em 05/08/2007, a R. transmitiu à A. que pretendia aderir ao seguro facultativo de protecção ao crédito através da subscrição de um documento intitulado “Boletim de Adesão ao Seguro do Crédito Valor TOP” (arts. 11º da p.i. e 18º da resp.).

18- Tal adesão implicou o prolongamento do prazo de reembolso do crédito – cfr. cláusula 12 das Condições Gerais do documento de fls. 123 (art. 19º da resp.).

19- As condições gerais do contrato de financiamento celebrado entre Autora e Ré não são susceptíveis de negociação (art. 20º da resp.).

20- Ao celebrar um contrato de financiamento de € 15.000,00 com a Autora, a R. aderiu às cláusulas previamente definidas por aquela (art. 21º da resp.).

21- A Ré efectuou os pagamentos com os valores e nas datas seguintes:

1ª: € 255,00 em 01/06/2007;

2ª € 255,00 em 01/07/2007;

3ª € 255,00 em 01/08/2007;

4ª € 255,00 em 01/09/2007;

5ª € 255,00 em 01/10/2007;

6ª € 255,00 em 01/11/2007;

7ª € 255,00 em 01/12/2007;

8ª € 255,00 em 01/01/2008;

9ª € 255,00 em 01/02/2008;

10ª € 255,00 em 01/03/2008;

11ª € 255,00 em 01/04/2008;

12ª € 255,00 em 01/05/2008;

13ª € 255,00 em 01/06/2008;

14ª € 255,00 em 01/07/2008;

15ª € 255,00 em 01/08/2008;

16ª € 270,00 em 01/09/2008;

17ª € 270,00 em 01/10/2008;

18ª € 270,00 em 01/11/2008;

19ª € 270,00 em 01/12/2008;

20ª € 270,00 em 01/01/2009;

21ª € 270,00 em 01/02/2009;

22ª € 270,00 em 01/03/2009;

23ª € 270,00 em 01/04/2009;

24ª € 270,00 em 01/05/2009;

25ª € 270,00 em 01/06/2009;

26ª € 270,00 em 01/07/2009;

27ª € 270,00 em 01/08/2009;

28ª € 270,00 em 01/09/2009;

29ª € 270,00 em 01/10/2009;

30ª € 270,00 em 01/11/2009;

31ª € 270,00 em 01/12/2009;

32ª € 270,00 em 01/01/2010;

33ª € 270,00 em 01/02/2010;

34ª € 270,00 em 01/03/2010;

35ª € 270,00 em 01/04/2010;

36ª € 270,00 em 01/05/2010;

37ª € 270,00 em 01/06/2010;

38ª € 270,00 em 01/07/2010;

39ª € 270,00 em 01/08/2010;

40ª € 270,00 em 01/09/2010;

41ª € 270,00 em 01/10/2010;

42ª € 270,00 em 01/11/2010;

43ª € 270,00 em 01/12/2010;

44ª € 270,00 em 01/01/2011;

45ª € 270,00 em 01/02/2011;

46ª € 270,00 em 01/03/2011;

47ª € 270,00 em 01/04/2011;

48ª € 270,00 em 01/05/2011;

49ª € 270,00 em 01/06/2011;

50ª € 270,00 em 01/07/2011;

51ª € 270,00 em 01/08/2011;

52ª € 270,00 em 01/09/2011;

53ª € 261,00 em 01/10/2011;

54ª € 261,00 em 01/11/2011;

55ª € 261,00 em 01/12/2011;

56ª € 261,00 em 01/01/2012;

57ª € 279,72 em 01/02/2012;

58ª € 279,72 em 01/03/2012;

59ª € 261,00 em 01/04/2012;

60ª € 261,00 em 01/05/2012;

61ª € 279,72 em 01/06/2012;

62ª € 279,72 em 01/07/2012;

63ª € 279,72 em 01/08/2012;

64ª € 550,44 em 01/10/2012;

65ª € 50,00 em 01/12/2012;

66ª € 20,00em 01/05/2013; e

67ª € 10,00 em 01/06/2013 (art. 13º da p.i.).

22- Na data referida em 2), a R. exercia a profissão de “Especialista das Ciências Físicas e Engenharia” no Instituto Nacional de Medicina Legal (art. 32º da resp.).

23- A A. remeteu à R., para a Rua de A (...) , em Coimbra, carta datada de 30-06-2013, a comunicar-lhe que procedia à resolução do contrato de crédito, por incumprimento (art. 15º da p.i.).

24- O ponto 10) das Condições Gerais do documento de fls. 123 tem a seguinte redacção: “Incumprimento e Resolução do Contrato”:

1. Caso o Mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade mensal de 4% sobre cada uma das prestações em mora, sem prejuízo de a CODIFIS poder aplicar uma penalização adicional de valor correspondente às despesas determinadas pela constituição em mora de acordo com preçários em vigor.

2. Mantendo-se o incumprimento, a C (…) pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos), sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida. Caso a COFIDIS resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal (art. 17º da p.i.).

25- De acordo com o referido em 24), à quantia de € 15.915,22, que a A. considerava estar em dívida, deduziu o valor de € 149,76, relativo a comissões por mora objecto de anulação (arts. 16º e 18º da p.i.).

26- E acresceu uma comissão por incumprimento definitivo no montante de € 1.261,24, bem como o respectivo imposto de selo no montante de € 50,45 (art. 19º da p.i.).

27- Os valores e prazos de reembolso que se encontram estipulados na proposta de contrato de crédito (fls. 123), são indicativos porque válidos apenas para a primeira utilização do financiamento concedido pela Autora (art. 8º da p.i.).

28- O ponto 6) das Condições Gerais do documento de fls. 123 tem a seguinte redacção: “Custo do Crédito”: O custo do crédito varia em função das utilizações, montante e duração do saldo devedor e é composto pelo crédito utilizado, juros diários vencidos, impostos e demais encargos (excepto o selo do contrato), incluindo o seguro, correspondendo a uma Taxa Nominal Anual de 12% e a uma Taxa Anual Efectiva Global (TAEG) de 13,75%, calculada nos termos do Decreto-Lei n.º 101/2000, de 2 de Junho e Decreto-Lei n.º 359/91, de 2 de Setembro. O custo do seguro, que é facultativo, não está incluído na TAEG.».

B) Substância do recurso

1. - Da conclusão e invalidade formal manifesta do contrato

Na sentença recorrida foi a R., ora Apelante, condenada a pagar à contraparte quantias monetárias (numa parte, quantia já líquida e, noutra, montante a liquidar ulteriormente), pois que ali se considerou que celebraram as partes, validamente, entre si, um contrato oneroso de mútuo mercantil, qualificado como operação de crédito realizada por entidade de crédito, no âmbito de crédito ao consumo – regulado, ao tempo da contratação, pelo DLei n.º 359/91, de 21-09, e, por isso, aplicável in casu –, com vinculação da R. (mutuária) na restituição à A. (mutuante) do capital em prestações, que incluíam também os juros à taxa contratada, sendo, porém, que tal R. incorreu em incumprimento contratual (deixou de pagar diversas prestações vencidas), permitindo a assumida opção resolutiva do contrato pela A., que esta exerceu, também validamente, com as inerentes consequências, quanto a capital em dívida e juros correspondentes.

Entendendo a Apelante que o contrato não chegou a ser celebrado, a não ser na forma verbal, quando a lei exigia forma escrita e entrega de um exemplar do contrato ao consumidor no momento da assinatura, veio a Recorrente arguir a nulidade do contrato por vício de forma (e preterição de outras formalidades legalmente impostas), para além de impugnar a decisão de facto e outros aspetos da decisão de direito.

Vejamos, então, desde já, se foi concluído algum contrato de mútuo – e em que termos – e se ocorre a invocada nulidade por vício de forma, questões que, ante os elementos constantes dos autos, podem ser apreciadas independentemente da decisão da impugnação de facto empreendida pela Recorrente.

Com efeito, mesmo à luz da factualidade dada como provada na sentença – sem levar em conta a respetiva impugnação recursória –, dúvidas não restam de que a R./Apelante solicitou, mediante contacto telefónico, um financiamento de € 20.000,00 à A./Apelada.

Foi nessa sequência que, tendo a A. enviado à R., pelo menos, o documento/formulário de fls. 124 – facto que é aceite de forma incontroversa, apenas vindo questionado se também foi enviado, conjuntamente, o documento de fls. 123 –, a Demandada o assinou e devolveu à A., tal como consta de tal a fls. 124, acompanhado da documentação pessoal ali mencionada.

Ora, a R. alegou (na contestação, alegação que mantém no recurso) que não assinou nenhum contrato com a A. com as condições particulares invocadas nos autos, designadamente quanto ao montante a mutuar (€ 15.000,00), ao número global de prestações de reembolso (94 prestações mensais), seu montante mensal (€ 255,00) e taxas de juro (cfr. art.ºs 23 e segs. da contestação).

Embora aceite que lhe foi mutuada a quantia de € 15.000,00 a título de capital, rejeita as condições de reembolso que a A. pretende impor (art.º 29.º contestação), afirmando que não assinou qualquer contrato com aquelas pretendidas condições particulares, as quais não resultaram de acordo entre as partes.

E compulsados os documentos de fls. 123 e 124, aludidos nos pontos três e seguintes dos factos dados como provados da sentença, constatamos que fls. 123 constitui a fórmula padronizada das “Condições Gerais” do contrato, usadas uniformemente pela A. e por ela assinadas.

Trata-se, pois, do clausulado pré-estabelecido pela A. para o seu modelo de “Contrato de Crédito” em causa, dirigido, originariamente, a uma multiplicidade de destinatários indeterminados e não sujeito a negociação, mas sujeito, isso sim, à disciplina jurídica das chamadas “cláusulas contratuais gerais” (cfr. art.º 1.º da LCCG – DLei n.º 446/85, de 25-10, na redação do DLei n.º 249/99, de 07-07).

Tais das “Condições Gerais”, seguindo o modelo padronizado das cláusulas contratuais gerais, contêm clausulado genérico/geral, não encerrando, assim, logicamente, quaisquer condições particulares de um contrato de mútuo comercial por adesão.

A definição de tais “condições particulares” haveria de resultar do seguinte documento de fls. 124 (formulário de proposta de adesão), que foi enviado à R., por ela subscrito e devolvido à A..

Acontece que tal documento de fls. 124 (formulário pré-preenchido) se reporta à solicitação expressa de um mútuo/crédito imediato de € 20.000,00, durante 94 meses, com a mensalidade de € 340,00.

Foi esta a proposta de contrato – com estas concretas “condições particulares” – assinada e comunicada pela R. (contrato de mútuo naquele montante de € 20.000,00, com duração e reembolso aludidos), a qual a A., porém, não aceitou.

Com efeito, tal A. veio a informar, verbalmente, a R. de que apenas lhe poderia mutuar a quantia, inferior, de € 15.000,00, o que seria aceite, também verbalmente, por esta ([4]), razão pela qual inexistem quaisquer “condições particulares” escritas – e assinadas – com referência a tal montante prestado de € 15.000,00.

Quer dizer, o que está documentado por escrito contém condições particulares não objeto de aceitação (as mencionadas a fls. 124), que, por isso, ficaram prejudicadas.

Houve, é certo, um posterior acordo verbal – encontro de vontades não formalizado por escrito – no sentido de um mútuo pelo valor (inferior) de € 15.000,00, com um diverso valor de mensalidade. Este, pois, o contrato celebrado, mas não reduzido a escrito (meramente verbal).

Assim, o que foi reduzido a escrito não traduz um encontro convergente de vontades, não tendo as partes chegado nesse âmbito a vincular-se em contrato (as condições particulares pretendidas pela R. não foram acolhidas pela A.).

E as condições particulares acordadas – aquelas em que as partes reciprocamente assentiram – não foram reduzidas a escrito. São meramente verbais.

Temos, pois, salvo o devido respeito, um contrato celebrado que é meramente verbal, com referência aos elementos essenciais do mútuo, seja quanto ao montante mutuado, seja quanto ao respetivo reembolso (número e periodicidade das prestações e respetivo montante, onde se salienta, quanto ao “custo do crédito”, uma elevada TAEG de 13,75%).

As condições gerais (fls. 123) são uma mera pré-formulação da A. (mesmo se com rúbrica aposta), sem qualquer concretização relativamente ao negócio com a R..

O que foi efetivamente acordado – encontro de vontades – não foi reduzido a escrito assinado pelas partes, havendo, por isso, de concluir-se que os elementos essenciais do contrato celebrado não foram formalizados por escrito.

Donde que não exista um contrato que observe a forma legal/escrita, seja para o mútuo comercial (crédito ao consumo) seja para o mútuo civil (art.º 1143.º. do CCiv.).

Com efeito, dispõe o art.º 6.º (com a epígrafe “Requisitos do contrato de crédito”) do aludido DLei n.º 359/91 que:

«1 - O contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura.

2 - Para além dos requisitos exigidos em geral para os negócios jurídicos, do contrato de crédito devem constar também os seguintes elementos:

(…)

d) As condições de reembolso do crédito;

(…)».

E no art.º 7.º, quanto à invalidade do contrato de crédito, consta:

«1 - O contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no n.º 1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do n.º 2, nas alíneas a) a e) do n.º 3 e no n.º 4 do artigo anterior.

(…)

4 - A inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor».

E, quanto à forma legal do contrato de mútuo civil ([5]), estabelece a redação aplicável do art.º 1143.º do CCiv. que o «mútuo de valor superior a 20000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário».

Termos em que o contrato de crédito discutido nos autos teria de ser reduzido a escrito e assinado por ambos os contraentes e, ainda que fosse de natureza civil, sempre seria indispensável a celebração mediante documento – onde não faltassem os elementos essenciais do negócio – assinado pelo mutuário, sob pena de nulidade (cfr. art.º 220.º do CCiv.).

Donde que ocorra nulidade por vício de forma (art.ºs 220.º, 286.º e 289.º, todos do CCiv.).

E ainda que se entendesse – o que não se aceita – que havia sido celebrado contrato escrito, sujeito apenas a estipulações/alterações acessórias/adicionais (posteriores ou contemporâneas) ao documento contratual, nem assim o contrato deixaria de ser nulo, visto que as estipulações aditadas haveriam de ter-se por reportadas a elementos essenciais do contrato, aos quais se estende a exigência de forma legal (cfr. art.º 221.º do CCiv.), não deixando margem para redução ou conversão contratual (art.ºs 292.º e 293.º, ambos do CCiv.).

Em suma, ocorreu processo negocial entre as partes, com elaboração de proposta escrita, não tendo, porém, sido obtido um acordo contratual escrito, mas meramente verbal ([6]), como tal formalmente inválido (nulo), tendo essa invalidade sido invocada pela parte interessada.

Ao que acresce que, se não há contrato escrito, também não poderia, logicamente, ter sido entregue à mutuária/consumidora um exemplar do contrato escrito e assinado, como era obrigatório nesta relação de consumo de crédito, sob pena também de nulidade, estabelecida esta em benefício do consumidor, visto como a parte mais frágil na relação contratual e, por isso, carecida de um regime legal protetivo, compensador do desequilíbrio negocial entre as partes.

A A./Apelada, porém, esgrime que a invocação da nulidade por vícios formais é abusiva, não devendo ser atendida.

2. - Do abuso do direito de invocação da nulidade contratual

Cabe, então, saber se no caso deve, à luz da boa-fé objetiva, ficar paralisado o direito/poder de invocação da invalidade (inalegabilidade) por abuso no seu exercício, na modalidade de comportamento contraditório (venire contra factum proprium).

Assim, defende a A./Recorrida que a contraparte – pessoa com nível académico superior, que já havia celebrado outros contratos com a A. – apenas em tempo de incumprimento do seu dever contratual (quanto ao reembolso do mútuo), e após seis anos de cumprimento e solicitação de novos financiamentos, veio, finalmente, na ação condenatória de cumprimento, invocar a invalidade do contrato, quando os anos sucessivos de cumprimento, com conhecimento do clausulado contratual, deixavam confiar seriamente em que não viria a pugnar pela nulidade do mútuo com fundamento em desconhecimento desse clausulado (por falta de comunicação à mutuária/consumidora), de que beneficiou por tão longo período temporal, sendo ainda que em momento algum o seu comportamento mostrou desconhecer tal clausulado, o que gerou confiança na A./Recorrida de que a contraparte tinha dele perfeito conhecimento.

Quem tem razão?

Como explicitado em Ac. STJ de 15/11/2007 ([7]):

«Dir-se-á, em síntese, por um lado, ser a boa fé uma exigência do direito imposta pela necessidade de impedir que a obrigação sirva para a consecução de resultados intoleráveis para as pessoas de consciência razoável.

E, por outro, que age de boa fé quem o faz com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, por via de uma conduta honesta e conscienciosa, com correcção e probidade, sem prejudicar os interesses legítimos daquela ou proceder de modo a alcançar resultados não toleráveis por uma consciência razoável.

(…)

Expressa a lei ser ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334º do Código Civil).

Reporta-se, pois, este artigo à existência de um direito substantivo exercido com manifesto excesso em relação aos limites decorrentes do seu fim social ou económico, em contrário da boa fé ou dos bons costumes, proibindo essencialmente a utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de interesses exorbitantes do fim que lhe inere.

(…)

O entendimento da jurisprudência, no seguimento da doutrina, tem sido no sentido de que este instituto funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correcção imperantes na ordem jurídica.

Uma das vertentes do abuso do direito é o designado venire contra factum proprium, no confronto com o princípio da tutela da confiança, como é o caso de ser exercido contra alguém que, com base em convincente conduta, positiva ou negativa de quem o podia exercer, confiou em que tal exercício não ocorresse e programou em conformidade a sua actividade.

Dir-se-á, nessa hipótese, que o titular do direito opera o seu exercício no confronto de outrem depois de a este fazer crer, por palavras ou actos, que o não exerceria, ou seja, depois de gerar uma situação objectiva de confiança em que ele não seria exercido.».

Ora, tanto na negociação/formação como no cumprimento/execução dos contratos e, bem assim, no exercício de direitos ou posições jurídicas correspondentes (designadamente, o direito/poder de invocar a nulidade do contrato), devem as partes conformar-se com o princípio da boa-fé (cfr. art.ºs 227.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, ambos do CCiv., respetivamente), adotando, nesse âmbito, conduta honesta, correta e leal, e, a mais disso, comprometida, não só com a confiança gerada na contraparte (com correspondente investimento desta última), mas em geral com o interesse contratual de ambas as partes (aquele que visam atingir/satisfazer com o cumprimento do negócio), de molde a que não resulte desnecessária e intoleravelmente prejudicado/comprometido o interesse contratual de qualquer delas.

É que o princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabili­dade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, indicando um certo modo de atuação dos sujeitos, considerado conforme à boa-fé ([8]), a qual deve estar presente no âmbito das tarefas valorativas e aplicativas aos casos concretos, tendo em conta a natureza e função económico-social do contrato ([9]) a que se visa aplicar ([10]) e da relação jurídica estabelecidas entre as partes.

Assim, é hoje patente o papel relevante do princípio da boa-fé, fundando, por vezes, mormente em situações de desigualdade entre as partes ([11]), designadamente quando uma delas esteja sujeita a deficit informativo, a imposição legal de deveres de informação, mas ainda de lealdade e prote­ção, de uma parte à outra, por forma a salvaguardar o fim contratual tido em vista por esta última – aqui o princípio da boa-fé “constitui o fundamento jurídico”, enquanto o “fundamento material” se encontra “na desigualdade ou desnível da informação” (esta de caráter técnico e complexo), em situação de “particular necessidade de protecção” de um dos interlocutores ([12]), no escopo de, na medida do possível, deixar, afinal, compensada, em termos substanciais, aquela desi­gualdade anterior.

Bem se compreende, assim, que, no contexto das relações civis e, mais ainda, das de índole comercial, onde predomina, de certo modo, o individualismo, abrindo horizontes, através da influência conformadora do princípio da liberdade contratual, a que cada uma das partes nos contratos aja por forma a obter para si, dentro dos limites da lei, o máximo possível de vantagens ou utilidades, sem se preocupar com os interesses da outra parte, que podem, por isso, ficar subalternizados ou até inviabilizados, podendo levar, por essa via, a um saldo da execução da relação contratual, vista a finalidade do contrato, manifestamente desequilibrado, surja já por vezes uma outra atmosfera relacional, em que o campo contratual se abre como espaço de novas interpenetrações de interesses, com inovadoras perspetivas dos direitos e deveres a cargo de cada parte, onde postulados ético-jurídicos de lealdade, correção e honestidade, e até solidariedade, corresponsabilizam todos os contraentes no levar da relação duradoura estabelecida, até ao seu final, por caminhos de razoabilidade, equilíbrio e máximo proveito comum possível.

Neste âmbito já não haverá lugar para o estrito egoísmo individualista, em que cada parte se preocupa apenas consigo própria, na obtenção e consolidação de todos os seus interesses motivadores da contratação, se necessário à custa do total sacrifício do escopo contratual da outra parte, mas, em vez disso, para um novo paradigma de todo o caminho da execução do pacto contratual, sujeito já a exigências de indeclinável eticização.

Ora, nesta perspetiva, é patente a importância do princípio da boa-fé, como veículo essencial concretizador insubstituível dos postulados ético-jurídicos do sistema, impressores de tal dimensão ética, dominantes na nossa ordem jurídica.

Os mecanismos que atualmente podem ser usados neste âmbito, tendentes a projetar sobre as diversas dimensões e fases da relação contratual as necessárias valorações ético-jurídicas, através da mediação concretizadora da boa-fé objetiva, são vários.

Entre eles conta-se a tutela da confiança, que tem pressupostos bem definidos na doutrina ([13]), por marcada influência germânica, e acolhidos na jurisprudência. Com efeito, é pacífico que a proteção jurídica da confiança sempre implica: a) uma situação de confiança, conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjetiva ([14]) e ética, característica da pessoa que, não violando os deveres de cuidado que se lhe imponham ante as circunstâncias do caso, ignore estar a lesar direitos de outrem ou quaisquer posições alheias; b) uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível, segundo o padrão do homem normal, c) um investimento de confiança, consistente em ter havido, da parte do sujeito que confia, um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada; d) a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção conferida ao confiante – tal pessoa, por ação ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante ou ao fator objetivo que a tal conduziu (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil …, cit., I, t. I, ps. 186 e seg.) ([15]).

Por sua vez, outro daqueles mecanismos, o chamado princípio da primazia da materialidade subjacente – focado na finalidade contratual projetada –, parte da ideia de que o Direito tem como escopo a obtenção de soluções efetivas, não se bastando, pois, com aparências, como a mera adoção de condutas apenas formalmente conformes aos objetivos jurídicos, antes exigindo uma conformidade no plano material, substancial. Os exercícios jurídicos devem ser avaliados, segundo a boa-fé, em termos materiais, de acordo com as suas efetivas consequências. Daí a primazia ou prioridade para soluções jurídicas de materialidade ou substância – a justiça material – em vez de soluções meramente formais (de justiça apenas formal), importando ao caso a exigência de equilíbrio/proporção no exercício de posições jurídicas, postulando a necessidade de sindicar condutas, mesmo se permitidas, à luz do sistema, vedando as atuações gratuitamente danosas para outrem ou as gravemente desequilibradas – condutas que, em vista de uma vantagem mínima para o próprio, provocam um dano máximo para outrem ([16]).

Como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência:

«No âmbito da fórmula “manifesto excesso” cabe a figura da conduta contraditória – “venire contra factum proprium” – que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara.

O abuso do direito – “como válvula de escape”, que deve ser, só deve funcionar em situações de emergência, para evitar violações chocantes do Direito.

Como escreve o Prof. Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil” – Colecção Teses, pág.745:

“O venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo.

O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.”» ([17]).

No caso dos autos, a defesa da R./Apelante exprimiria abuso do direito, por comportamento contraditório (“venire”), se o que agora almeja – a declaração de nulidade do contrato e consequente reembolso, apenas, do capital concedido, deduzido do entretanto amortizado, sujeito, somente, a juros moratórios civis, à taxa supletiva legal de 4% ao ano ([18]), ou mesmo, atualmente, a sua absolvição, por já ter reembolsado valor superior ao mutuado ([19]) – não fosse compaginável como o seu comportamento anterior, frustrando a confiança, se merecedora de proteção, investida pela contraparte em que o contrato permaneceria intocado em termos de validade, de molde a não perder a sua contrapartida pelo financiamento/“custo do crédito”, tendo em conta a aludida TAEG de 13,75%, e, em caso de resolução por incumprimento da mutuária, não perder a posição vantajosa quanto a penalidade (8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal), comissão por incumprimento definitivo e imposto de selo.

Porém, é certo que a nulidade pode ser invocada a todo o tempo, independentemente do estado de cumprimento a que chegou a relação estabelecida, podendo mesmo ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286.º do CCiv.).

O facto de a R. ter procedido durante vários anos ao reembolso quanto a prestações acordadas nada diz, a nosso ver, sobre uma vontade amadurecida de não querer invocar a nulidade do contrato, porventura então não consciencializada.

De notar que, como referido, a R./consumidora é vista pelo legislador como a parte débil na relação de crédito, a merecer, por isso, especial proteção, de molde a alcançar-se, dentro do possível, a pretendida posição de equilíbrio material entre as partes, tanto mais que, para além de consumidora, a R./Apelante se encontrava ainda na posição de visada/aderente em contrato de adesão ([20]), assim em situação negocial de consabida inferioridade face à contraparte predisponente.

Ora, como refere também a jurisprudência do STJ ([21]), no concernente à «ponderação de abuso do direito por parte do consumidor que invoca vícios do contrato, após o início da sua execução, o Tribunal deve actuar com particular prudência, já que, na relação de financiamento» ao consumo, «é patente a desigualdade de meios» em que se encontra o consumidor, «sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a entidade financiadora (…), prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa fé», caso em que, assim tendo ocorrido, «não deve ser paralisado o direito do consumidor».

Tudo para concluir que «nas relações de consumo a regra é a protecção do consumidor, só devendo ser desconsiderada, em casos de conduta, a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo da contraparte», vista esta como «profissional do no mercado de crédito com o arsenal de meios logísticos, marketing, publicidade, de que dispõe» ([22]) e a decorrente e consabida – acrescenta-se – superioridade negocial face ao comum consumidor aderente (normalmente um não especialista em questões de contratação de crédito ao consumo, ainda que já tenha sido anteriormente parte em contratos dessa natureza, o que não lhe retira a qualidade de consumidor aderente e, enquanto tal, objeto de especial proteção legal, como parte débil na relação).

Assim, não se vê que o cumprimento parcial, ainda que durante vários anos, quanto ao reembolso de prestações em relação verbal de mútuo/crédito para consumo ([23]), ademais com recurso a clausulado contratual geral, pelo consumidor aderente constitua, de per si, comportamento apto a convencer a contraparte de que jamais invocaria a nulidade do contrato, convencimento esse que também não poderia resultar do simples decurso do tempo ([24]), nem da adesão, logo em agosto de 2007 (o financiamento havia sido disponibilizado em maio desse ano), a seguro facultativo de proteção ao crédito, implicando o prolongamento do prazo de reembolso.

Acresce que o quadro factual em que a R./Apelante (a parte débil na relação negocial) invocou a nulidade, não exprime abuso do direito, por não ser clamorosa e chocantemente violador das regras da boa-fé, mormente se atentarmos nos deveres a cargo da A./Apelada enquanto entidade de crédito predisponente – perante consumidor aderente –, que deu causa ao vício ocorrido, ante a prática negocial que adotou, que a levou a não se preocupar em formalizar, como exigia a lei, por escrito o acordo concreto de financiamento alcançado, de molde a conter a assinatura das partes, e entregar um exemplar do contrato assinado à R., sem o que não poderiam ter-se por observadas as exigências de transparência impostas neste âmbito da contratação, imposição essa pelo princípio da boa-fé, em proteção da parte débil, com vista a esbater, no possível, a desigualdade/assimetria inicial de poder negocial entre as partes.

É certo que a R. exercia a profissão de especialista das ciências físicas e engenharia no INML, o que faz dela especialista em medicina legal, mas não demonstra, obviamente, especial domínio em matérias jurídicas de contratação de crédito ao consumo, com recurso à figura das cláusulas contratuais gerais.

Donde que só possa continuar a ser vista como um comum consumidor aderente, sem perda, pois, da sua posição, legalmente perspetivada, de parte débil/desfavorecida neste plano negocial, assim carente da concedida proteção legal.

Por outro lado, os moldes em que o acordo foi alcançado entre as partes, ao arrepio, como visto, de legislação protetiva do consumidor aderente, não permitem concluir que à R. foi dado adequado conhecimento do clausulado contratual.

E nem esse é o primeiro fundamento da nulidade, posto que esta decorre desde logo da inobservância da forma escrita legal.

Isto é, a nulidade não resulta, em primeira linha, de causa consubstanciada em desconhecimento do clausulado, mas de vício de forma do contrato, prejudicando, por isso, a invocação de que a A./Recorrida confiou no não aproveitamento da invalidade fundada em falta de comunicação do clausulado.

Quer dizer, ainda que pudesse entender-se que nunca o comportamento da R. mostrou desconhecer o clausulado, em termos de gerar confiança à contraparte quanto ao seu inteiro conhecimento, tal não seria contraditório com a invocação da nulidade fundada noutra causa, a inobservância da forma legal do negócio.

E mesmo quanto à não entrega de exemplar assinado do contrato, cabe dizer, com o Ac. TRL de 21/04/2016 ([25]), que, sendo «a nulidade um vício cognoscível a todo o tempo, em que a passagem do tempo não interfere com a operatividade da omissão ocorrida (falta de entrega de um exemplar do contrato de mútuo ao mutuário), e emergindo a nulidade de atuação imputável ao financiador, cujo investimento no negócio é, afinal, contemporâneo da nulidade, dificilmente se poderá encontrar, da parte do financiador, um “investimento de confiança”, decorrente da inércia da contraparte na arguição da nulidade, que justifique a proteção do financiador (com invocação do abuso de direito), em detrimento do consumidor, derrogando-se os mecanismos de proteção do consumidor à luz do padrão da boa-fé» ([26]).

Ou, noutros termos, pode dizer-se que, «quer o regime da nulidade, quer o abuso do direito têm uma natureza de protecção de ordem pública, pelo que nenhuma pode ser usada como forma de inviabilizar a invocação da outra», sendo que «a nulidade em causa tem uma natureza muito especial de protecção dos consumidores, pelo que permitir a neutralização da nulidade através da figura do abuso do direito, nos termos invocados, seria manter-se “o risco que o legislador pretende evitar e, portanto, ficaria praticamente sem campo de aplicação o normativo sancionatório em apreço”» ([27]).

Em suma, e salvo o devido respeito, num âmbito em que se impõe uma ordem pública de proteção em defesa do consumidor ([28]), não pode ter-se como verificado o invocado abuso de direito – por grave contradição ou flagrante desproporção/desequilíbrio no exercício de posição jurídica –, improcedendo esta questão suscitada pela Apelada.

Verificada e operante deve ter-se então a nulidade do contrato de mútuo em causa, o que deixa prejudicada, por outro lado, a apreciação da impugnação recursória da decisão da matéria de facto.

Resta ver qual a repercussão do efeito retroativo da declaração de nulidade sobre a economia da ação.

3. - Das consequências da retroatividade da declaração de nulidade

Em termos de liquidação da relação contratual enferma de nulidade, o efeito retroativo legal obriga à restituição de tudo o que houver sido prestado pelos contraentes (art.º 289.º, n.º 1, do CCiv.).

Tal obrigação de restituição contempla, assim, indiscutivelmente, o capital mutuado, mas não quaisquer juros remuneratórios, que pressupõem a validade e a execução do programa contratual, mesmo se lhe sobrevier incumprimento por parte do mutuário.

Contemplados podem ficar também os juros de mora – se mora debitoris houver –, entendendo-se que, na sequência da declaração de nulidade do contrato de mútuo, «são, também, devidos juros de mora, como frutos civis», «desde a citação ou da interpelação admonitória se esta tiver tido lugar, sendo que vale como interpelação a citação judicial para a acção» ([29]).

Ora, resulta dos autos que a A./Apelada entregou à R./Apelante o montante total de € 16.537,00 (factos 8 e 9 da sentença), como pretende a Recorrente.

Os pagamentos efetuados por esta (num total de 67), constam do facto 21 da sentença, prolongando-se de 01/06/2007 a 01/06/2013 e ascendendo ao montante global de € 17.410,04 naquela data de 01/06/2013, isto é, em tempo anterior à comunicação de resolução do contrato pela A. (cfr. facto 23).

Assim sendo, inexistindo interpelação anterior, é certo que ao tempo da declaração pretendidamente resolutiva já estava totalmente restituída quantia correspondente – até excedente – ao montante disponibilizado/prestado pela A..

Quer dizer, restituído totalmente o capital que havia sido prestado, nada mais haverá agora a restituir, sendo que também não deverá ocorrer pagamento de juros de mora, já que tal restituição se completou anteriormente à dita declaração resolutiva e, assim, à instauração da ação e citação da R..

Em suma, operando a nulidade do contrato e tendo já ocorrido restituição do prestado, nada mais havendo a restituir ou prestar, deve a R./Apelante ser absolvida do pedido ([30]), ficando prejudicado o demais suscitado na sede recursiva.

Procede, pois, a apelação, restando revogar o juízo condenatório da 1.ª instância.


***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - A celebração de um contrato exige um encontro convergente de vontades e, tratando-se de contrato sujeito a forma legal, só há vinculação válida se as declarações negociais convergentes dos contraentes, contemplando os elementos essenciais do contrato, obedecerem à forma legalmente imposta.

2. - A solicitação, por via telefónica, de um financiamento (crédito ao consumo) de € 20.000,00, com determinada modalidade de reembolso, apresentada em formulário pré-preenchido, assinado apenas pelo aderente, com referência a determinadas condições gerais predispostas, não passa de proposta negocial, sem vinculação contratual, se a contraparte não a aceita.

3. - Apresentando tal contraparte, por sua vez, contraproposta verbal, referente a diverso montante de financiamento (€ 15.000,00) e outro valor de reembolso mensal em prestações, que foi aceite pelo destinatário, sem redução a escrito, ocorre vinculação contratual em contrato de mútuo mercantil verbal no âmbito de relação de consumo.

4. - Sendo este contrato nulo por vício de forma – inexistência de forma escrita e omissão de entrega de cópia do contrato assinado ao consumidor –, tal invalidade, devidamente invocada, obriga à restituição em singelo de tudo o que haja sido prestado (fica excluída a remuneração do capital, bem como juros moratórios se, ao tempo da instauração da ação, inexistindo mora, já haviam sido restituídos montantes que perfaziam valor global superior à quantia emprestada).

5. - Ainda que se entendesse ter sido celebrado contrato escrito, sujeito apenas, em processo negocial, a alterações posteriores verbais, as estipulações aditadas haveriam de ter-se por reportadas a elementos essenciais do contrato, aos quais se estende a exigência de forma legal (cfr. art.º 221.º do CCiv.), não deixando margem para redução ou conversão contratual (art.ºs 292.º e 293.º, ambos do CCiv.).

6. - O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do contrato, incluindo na extinção e liquidação da relação, designadamente para exercício do poder de invocação da nulidade do contrato por vícios formais.

7. - A análise prudente quanto ao abuso do direito por parte do consumidor que invoca vícios formais do contrato de crédito ao consumo, após período de execução contratual, não prescinde, ante a desigualdade manifesta de meios entre as partes, sendo o consumidor a parte tipicamente débil, da ponderação quanto à conduta do financiador, mormente se, pela forma como atuou, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, infringiu, em termos censuráveis, os deveres cooperação, lealdade e informação impostos pelo princípio da boa-fé, caso em que, assim tendo ocorrido, é de afastar a inalegabilidade da invalidade.

8. - A regra, no âmbito das relações de consumo, é a da proteção do consumidor (normalmente um não especialista, designadamente em questões de contratação de crédito ao consumo, face a um profissional apetrechado), só devendo ser desconsiderada perante conduta manifestamente censurável e injustificada, com grave prejuízo para a contraparte.

9. - Não é de ter por contraditória ou desproporcionada/desequilibrada – ao menos em termos clamorosamente ofensivos da boa-fé objetiva, de molde a constituir abuso do direito – a invocação da nulidade do contrato de crédito pelo consumidor, em caso de inobservância da forma escrita e do dever de entrega de cópia do contrato, mesmo se durante anos houve entrega das prestações de reembolso verbalmente acordadas, com restituição de montante até superior ao emprestado, e o consumidor apenas invocou a invalidade na ação de cumprimento, onde, porém, é pedido o pagamento de quantia superior à que havia sido emprestada.

10. - Podendo a nulidade ser invocada e conhecida a todo o tempo e resultando de atuação imputável ao financiador, cuja prestação é contemporânea do vício (invalidade), não ocorre relevante “investimento de confiança” por aquele – perante a conduta adimplente, e de não invocação da invalidade, da contraparte –, que devesse ser tutelado, no âmbito do abuso de direito, em prejuízo do consumidor, o que levaria ao afastamento da instituída ordem pública de proteção, dirigida à defesa deste.


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V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando, em consequência, a sentença recorrida e, na improcedência da ação, absolvendo a R./Apelante do contra si peticionado.

Custas da ação e da apelação a cargo da A./Apelada.

Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.

Versos em branco

Coimbra, 04/04/2017
Vítor Amaral (Relator)
Luís Cravo (1.º Adjunto)
Fernando Monteiro (2.º Adjunto)


([1]) Em 20/11/2013.
([2]) Aperfeiçoadas, na sequência do despacho de convite do Relator de fls. 248 e seg. dos autos em suporte de papel, e que se reproduzem (cfr. fls. 253 e segs.).
([3]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([4]) Como referido na fundamentação da decisão de facto da sentença, a única testemunha inquirida – arrolada pela A. e sua funcionária (técnica de gestão de outsourcing para esta, como resulta da ata de fls. 179) – disse que a A., “após análise, aprovou a concessão de crédito no montante de € 15.000,00, ao invés dos € 20.000,00 solicitados”, mais afirmando que “em 7-05-2007, a A. telefonou à R. para indagar da respectiva aceitação da concessão do crédito de € 15.000,00 que tinha sido aprovado, tendo a mesma respondido afirmativamente, pelo que em 8-05-2007, o referido montante lhe foi disponibilizado pela A. na conta bancária por si indicada” e, bem assim, que “Não foi enviada à R. qualquer outra documentação, mas sim uma carta a comunicar a aprovação por montante inferior, constando os valores mensais a pagar da já referida tabela, constante das condições gerais e da informação pré-contratual”.
([5]) Definido no art.º 1142.º do CCiv. como aquele em que uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
([6]) Na verdade, concorreram no caso, a final, uma proposta negocial e a respetiva aceitação pela contraparte/destinatária, só que mediante encontro de vontades meramente verbal. Assim, da proposta negocial verbal constam os elementos do contrato, não faltando, do lado contrário, a concordância com os respetivos termos, a aceitação da proposta. Havendo, pois – como há –, proposta séria de negócio, contemplando os elementos essenciais do contrato, proposta essa que chegou à destinatária (cfr. art.º 224.º do CCiv.), forçoso é concluir que essa proposta foi efetivamente aceite (cfr. art.º 232.º do CCiv.) se tal destinatária declara que com ela concorda e a aceita, iniciando-se de seguida o cumprimento contratual. Temos, por isso, um contrato verbal, em que se quiseram vincular ambas as partes, pois que concluído/firmado, em termos de suficiente completude.
([7]) Proc. 07B3933 (Cons. Salvador da Costa), disponível em www.dgsi.pt.

([8]) Vide Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, Almedina, Coimbra, 1999, p. 180.
([9]) O contrato é visto na sua função instrumental de realização de interesses, falando­‑se a este propósito em “economia do contrato” – cfr. Sousa Ribeiro, “Economia do Contrato”, Autonomia Privada e Boa Fé. BFD, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, ps. 969 e ss.. Como refere este Autor, a boa-fé pode ser perspetivada como “fonte normativa dos comportamentos devidos para o atingimento dos fins contratuais”, aparecendo os seus ditames como instrumento apontado à conformidade da execução contratual aos objetivos negociais das partes (cfr., op. cit., p. 974).
([10]) Cfr. Judith Martins-Costa, Os campos normativos da boa-fé objetiva: as três perspectivas do Direito privado brasileiro, em Estudos de Direito do Consumidor, Centro de Direito do Consumo, n.º 6, 2004, p. 105.
([11]) Cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, Coimbra, 1989, p. 165.
([12]) Cfr. Sinde Monteiro, op. cit., ps. 360 e segs..
([13]) Salientando-se nesta sede – no entendimento tradicional da tutela da confiança no âmbito da boa-fé – Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português cit., t. I, ps. 175 e segs., mormente 184 e segs., e Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 3.ª reimp., 2007, ps. 1248 e seg.. Já com uma outra construção da teoria da confiança, autonomizando a responsabilidade específica pela confiança da responsabilidade pela violação de deveres de conduta segundo a boa-fé, cfr. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2004, ps. 431 e segs..
([14]) A boa-fé subjetiva contrapõe-se à boa-fé em sentido objetivo. Assim, a boa-fé objetiva reporta-se a princípios, regras, ditames ou limites por ela transmitidos ou para um modo de atuação dito “de boa-fé”, enquanto regra ou padrão de conduta dos sujeitos. A boa-fé atua, pois, nesta sua dimensão, como uma regra de conduta imposta do exterior e que os sujeitos devem observar. Ela pode atuar como corretivo de normas passíveis de comportar aplicação concreta contrária ao sistema ou, diversamente, como a única norma atendível no caso; mas concretiza-se sempre em regras objetivas de atuação (assim Menezes Cordeiro, Tratado …, cit., p. 180). Já a boa-fé subjetiva, por sua vez, reporta-se a um estado interior/subjetivo da pessoa (diz-se em relação àquele sujeito que atua “de boa-fé”, contrapondo-se, assim, à atuação “de má-fé”), comportando dois sentidos possíveis: um sentido psicológico e um sentido ético. No nosso ordenamento jurídico, porém, a boa-fé subjetiva é sempre ética, só a podendo invocar, e dela beneficiar, quem, sem culpa, desconheça certa ocorrência. Não basta, pois, aqui, um mero desconhecimento, sendo necessário, ainda, que o mesmo não seja culposo ou censurável – cfr. Menezes Cordeiro, Tratado …, cit., p. 182.

([15]) Assim, se aquele primeiro pressuposto (al. a)) se reporta à boa-fé subjetiva, o segundo (al. b)) prende-se com a ideia de razoabilidade, o terceiro (al. c)) com a de desenvolvimento de atividades baseadas na confiança, as quais não podem ser desfeitas sem prejuízos, e o último (al. d)) com a de responsabilidade, pela situação criada, da pessoa que vai ser onerada.
([16]) Cfr., ainda, Menezes Cordeiro, Tratado …, cit., t. I, ps. 189 e seg..
([17]) Vide, inter alia, o Ac. STJ de 09/09/2008, Proc. 08A2123 (Cons. Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt, enfatizando que a conduta «integradora do “venire” terá, objectivamente, de trair o “investimento de confiança”, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, in concreto, injustiça».
([18]) Cfr. art.º 35.º da contestação, onde expressamente aceita esse dever, em sintonia, de algum modo, com o efeito retroativo da declaração de nulidade (art.º 289.º, n.º 1, do CCiv.).
([19]) Cfr. petitório recursório.
([20]) Cfr., por todos, o Ac. STJ de 03/05/2007, Proc. 06B1650 (Cons. Pires da Rosa), em www.dgsi.pt.
([21]) Vide Ac. STJ de 30/10/2007, Proc. 07A3048 (Cons. Fonseca Ramos), em www.dgsi.pt.
([22]) Assim também o Ac. TRL de 23/10/2014, Proc. 85/10.1TBMTJ-A.L1-8 (Rel. Carla Mendes), em www.dgsi.pt.
([23]) Note-se que a A. formulou um pedido global de € 17.077,15, bem como juros de mora, considerando que em 01/06/2013 se encontrava em dívida a quantia de € 15.915,22 (cfr. art.ºs 16.º a 20.º da petição inicial e respetivo petitório).
([24]) Vide Ac. STJ de 07/01/2010, Proc. 08B3798 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), em www.dgsi.pt, e demais jurisprudência ali mencionada.
([25]) Proc. 187/14.5TBTVD.L1-2 (Rel. Jorge Leal), em www.dgsi.pt.
([26]) No mesmo sentido, cfr. o Ac. TRC de 07/02/2017, Proc. 1288/11.7TBVIS-A.C1 (Rel. Maria João Areias), disponível em www.dgsi.pt, em que foram, respetivamente, 1.º e 2.º Adjuntos os aqui Relator e 1.º Adjunto. Também no mesmo sentido, o Ac. TRC de 04/05/2010, Proc. 328/09.4TBGRD-C1 (Rel. Gonçalves Ferreira), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «Vista a regra de protecção do consumidor, que subjaz às relações de consumo, não age em abuso do direito o mutuário que invoca a nulidade do mútuo, por falta da entrega de exemplar do contrato no momento da sua assinatura, mesmo que tal aconteça já depois de ter cumprido parcialmente o contrato»; e o Ac. TRL de 06/02/2014, Proc. 574/11.0TJLSB.L1-2 (Rel. Teresa Albuquerque), ainda em www.dgsi.pt.
([27]) Cfr. Ac. TRL de 13/09/2012, Proc. 1098/07.6TVLSB.L1-2 (Rel. Jorge Vilaça), em www.dgsi.pt, citando o já mencionado Ac. STJ de 07/01/2010 (Proc. 08B3798).
([28]) Sobre a noção de ordem pública de proteção, oriunda da doutrina francesa, cfr. Baptista Machado, Do princípio da liberdade contratual, in Obra dispersa, vol. I, Scientia Iuridica, Braga, 1991, ps. 642 e seg..
([29]) Vide Ac. TRL de 03/07/2012, Proc. 1837/08.8TBACB.L1-1 (Rel. Pedro Brighton), em www.dgsi.pt.
([30]) Poderia pensar-se que esta solução deixaria a A./Apelada prejudicada, por não receber, para além do mais, a retribuição do capital (tendo em conta até aquela elevada TAEG de 13,75%). Porém, seguro é que tal resulta do efeito retroativo legal da declaração de nulidade contratual, cuja causa à mesma A. é imputável.