Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
339/10.7TBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
FALTA DE CITAÇÃO
ARGUIÇÃO
TEMPESTIVIDADE
SANAÇÃO DA NULIDADE
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 187º, 188º, 189º E 198º DO NCPC.
Sumário: I – As nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

II - A não citação do réu/executado implica a nulidade do processado posterior (artº 194º do CPC, actualmente artº 187º), desde que a falta não se encontre sanada.

III - Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 195º do CPC (actualmente artº 188º), designadamente “Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável” (artº 195º, nº 1, al. e), do CPC).

IV - A nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artºs 196º e 204º, nº 2, do CPC, actualmente arts. 189º e 198º).

V - Nesta matéria, dispõe o art. 196° do C. P. Civil, actualmente art.º 189º, que "Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade".

VI - Por "intervenção no processo" deve entender-se o que se reporta à prática de acto susceptível de por termo à revelia do réu, sendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão.

Decisão Texto Integral:




                                               1 . Relatório

            1.1. O exequente Condomínio do imóvel sito na Rua ... intentou requerimento executivo contra vários executados, entre eles a executada M...

            1.2. A fls. 231 a 233 a executada M... veio requerer que fosse designada não executada nos presentes autos, devendo, por isso, a penhora de vencimento ser dada sem efeito e, por consequência, serem-lhe devolvidas todas as quantias penhoradas, nomeadamente o valor do IRS penhorado em 11/9/2015 ou qualquer bem ou quantia penhorada de seu vencimento.

             Para tanto refere que «o requerimento inicial apresentado em 24/2/2010, em que era executada, e onde foi pedido o valor de 420,00€, com base num título executivo – ata n.º 11 da assembleia de condóminos, realizada em 20 de Fevereiro de 2009, da qual não constava qualquer referência ao período a que se reporta a dívida, nem os montantes de cada período, pelo que a mesma não continha os requisitos exigidos pelo art.º 6, n.º 1, do D.L. 268/94 de 25 de Outubro.

A executada foi citada pessoalmente, em 15/2/2012, para pagar ou se opor á execução (cfr. doc. 1, junto pela AE em 16/4/212).

            Sucede que, notificado o exequente, por despacho de 13/12/2013, para juntar as atas que aprovaram as quotas relativas aos anos de 2007 e 2008 em falta, veio em 6 de Janeiro de 2014 referir não lhe ser possível por as mesmas se encontrarem extraviadas.

            Face ao não título executivo, em 8 de Janeiro de 2014 foi proferido despacho onde, na última parte, declara extinta a execução contra a ora executada.

             Em 12/8/2013 veio o exequente cumular requerimento executivo contra diversos condóminos, mas de entre os quais não consta o nome da executada.

            Conforme se depreende da documentação junta pela Sr.ª AE em 2 de Junho de 2014, qual seja o comprovativo da notificação pessoal da requerida na 1.ª execução, em 15 de Fevereiro de 2012 a executada nunca foi pessoalmente citada do despacho de 8/1/2014, pelo que do mesmo não teve o devido conhecimento, nomeadamente não foi notificada do indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, na parte referente ao montante de 420,00 referente a quotas condominais do ano de 2008.

            E não foi citada para se opor á execução cumulada nem para efectuar o pagamento das quotas condominais referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011 no montante de 1.512,00€.

            As dívidas ao condomínio renovam-se anualmente, nos termos dos art.ºs 1424 e 1431 do C.C., pelo que prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos do art.º 310, al, g), do C.C.

            Ora, já decorreram mais de 5 anos sobre a data o vencimento das quotas de condomínio referentes aos anos de 2009 e 2010 e Janeiro de 2011, pelo que não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão ou interrupção as mesmas estão prescritas».

              1.3. A fls. 247 a 249 foi proferido despacho sobre o requerimento que antecede,  a declarar a requerente executada no âmbito dos presentes autos devendo a execução prosseguir os seus termos, fundamentando tal conclusão com o despacho que se transcreve « Apresente execução deu entrada em 24 de Fevereiro de 2010 e foi instaurada pelo “Condomínio do Prédio sito na Rua ...” contra as condóminas das fracções “G”, “Q”, “R” e “U”, M..., C..., I... e C..., e tinha por base uma acta do condomínio realizada em 20 de Fevereiro de 2009.

Não obstante se aplicar o disposto no 812.º-D do CPC, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a verdade é que a Sra. Agente de Execução não promoveu a remessa do processo para despacho liminar.

Mais tarde, por requerimento de 12 de Agosto de 2013, a exequente requereu a cumulação da execução nos termos previstos no artigo 54.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, tendo por base uma acta do condomínio realizada em 11 de Abril de 2013. No referido requerimento a exequente declara que reproduz a acta realizada a 11 de Abril de 2013 e especifica os valores em dívida relativamente a cada condómino identificado na acta com excepção da requerente M...

Da referida acta consta que “(...) Todos os montantes devidos ao Condomínio se encontram tempestivamente regularizados com excepção das contribuições devidas pelos Condóminos proprietários das fracções “A”, “G”, “H”, “J”, “L”, “M”, “Q”; “R”, “S”, “T” e “U”, correspondentes 1/10 Aparcamentos, 1.º Direito, 1.º Esquerdo, 2.º Esquerdo, 3.ª Direito, 3.º Esquerdo, 5o Esquerdo, 6o Esquerdo, 7o Direito e 7o Esquerdo, respectivamente, uma vez que não pagaram as respectivas quotizações. (...).”.

Na sequência do referido requerimento, foi proferido despacho de aperfeiçoamento quer do requerimento executivo quer do requerimento onde era pedida a cumulação e foi o exequente notificado para juntar aos autos as actas onde tivessem sido deliberadas as contribuições para as despesas do condomínio em cada um dos anos em dívida.

Nessa sequência, veio a exequente juntar aos autos as actas do condomínio relativas aos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 com a aprovação das despesas e contribuições a serem pagas pelos condóminos.

Posteriormente, em 14 de Novembro de 2013, o tribunal proferiu o seguinte despacho:

“Não obstante a prova documental ora junta - actas do condomínio -, a verdade é que não se conseguem apurar os valores constantes dos requerimentos executivos por referência à mesma, já que nos referidos requerimentos não estão discriminados os valores devidos por cada condómino em cada ano, mas sim o valor global em dívida.

Assim, deverá a exequente apresentar requerimento em que discrimine do total em dívida por parte de cada condómino, qual o valor relativo a cada ano e fazer referência ao valor da prestação de condomínio devida nesse mesmo ano, juntando a acta correspondente onde foi aprovada tal prestação (por exemplo: condómino da fracção “G”: em 2009 são devidos € 564,00, correspondentes a 12 quotas no valor de € 47,00 cada uma, conforme acta no do ano de 2008 que aprovou a quota devida; em 2010: € 564,00, correspondentes a 12 quotas no valor de € 47,00 cada uma, conforme acta no do ano de 2009 que aprovou a quota devida).”

E, em resposta ao solicitado, o exequente juntou novo requerimento de aperfeiçoamento pelo qual, relativamente à Requerente, especifica: “M..., condómina da fracção Q, correspondente ao 5.º esquerdo – valor total da dívida – 1.932,00€ 

a) Ano de 2008 – valor da quota mensal – 42,00 €;

– valor em dívida no valor de 420,00€, referente a 10 meses de quotas, cada uma no valor de € 42,00€, conforme Acta no 10 já junta aos autos, em que foi aprovado Relatório de Contas e Orçamento do ano de 2008 e Acta no 11 também junta aos autos em que foi aprovado Relatório de Contas respeitante ao ano de 2008;

b) Ano de 2009 – valor da quota mensal – 42,00 €;

– valor em dívida no valor de 504,00€, referente a 12 meses de quotas, cada uma no valor de € 42,00€, conforme Acta no 11 já junta aos autos, em que foi aprovado Orçamento do ano de 2009 e Acta no 12 também junta aos autos em que foi aprovado Relatório de Contas respeitante ao ano de 2009;

c) Ano de 2010 – valor da quota mensal – 42,00 €;

– valor em dívida no valor de 504,00€, referente a 12 meses de quotas, cada uma no valor de € 42,00€, conforme Acta no 12 já junta aos autos, em que foi aprovado orçamento para o ano de 2010 e Acta no 13 em que foi apresentado e aprovado Relatório de Contas até ao ano de 2010, nomeadamente, as quotizações em atraso e montantes das contribuições devidas ao condomínio até Outubro de 2010 e Acta no 15 já juntas aos autos em que foi aprovado relatório de contas do ano de 2010;

d) Ano de 2011 – valor da quota mensal – 42,00 €;

– valor em dívida no valor de 504,00€, referente a 12 meses de quotas, cada uma no valor de € 42,00€, conforme Acta no 15 já junta aos autos, em que foi aprovado orçamento para o ano de 2011 e quotizações em atraso e montantes das contribuições devidas ao condomínio até Março de 2011e Acta no 17 já junta aos autos em que foi aprovado relatório de contas do ano de 2011 e acta no 18 já junta aos autos, em que foi aprovado contribuições e quotizações devidas ao condomínio até Abril de 2013.”

Na sequência dos requerimentos e dos documentos juntos aos autos, o tribunal proferiu despacho em 8 de Janeiro de 2014, no qual decidiu relativamente à Requerente M...:

“Relativamente à executada M..., e uma vez que não foram juntas as actas relativas ao ano de 2008 e as actas juntas, só por si não podem servir de base à presente execução na parte a que se refere o montante de € 420,00 referente a quotas condominiais daquele ano, indefere-se liminarmente o requerimento inicial executivo,por manifesta falta de título executivo, na parte referente ao montante de € 420,00 referente a quotas condominiais do ano de 2008.

Relativamente ao montante de € 1.512,00, referente a quotas condominiais referentes aos anos de 2009, 2010, 2011, não sendo caso de indeferimento liminar, proceda-se à citação da executada para, em 20 dias, pagar a quantia exequenda ou, querendo, no mesmo prazo, deduzir oposição à execução.”.

Na sequência do despacho proferido, a Requerente foi notificada pela Sra. Agente de Execução mas, ao contrário do que constava do despacho, foi notificada do requerimento executivo inicial (quotas devidas no ano de 2008) e não do despacho que determinou a execução relativa às quotas em dívida referentes aos anos de 2009, 2010 e 2011.

Vem, agora, a Requerente, após notificação na sequência de penhora do vencimento, invocar que a execução foi declarada extinta quanto a si no despacho proferido em 8 de Janeiro de 2104 relativamente ao requerimento executivo inicial e que o exequente requereu a cumulação da execução inicial mas não contra si, pelo que o despacho proferido em 8 de Janeiro de 2014 na parte referente ao prosseguimento da execução quanto aos anos de 2009, 2010 e 2011 só se pode ter ficado a dever a mero lapso.

Acrescenta, ainda, que as quotas do condomínio relativas aos anos de 2009 e 2010 e Janeiro de 2011 já prescreveram.

Conclui: No âmbito da 1.ª execução, a requerente não é executada em virtude do que consta do despacho de 8 de Janeiro de 2014, indeferimento liminar do requerimento executivo inicial.

No âmbito da execução cumulada, a requerente não é executada.

Sem prescindir e mesmo que assim se não entenda, o que só por mero dever de ofício se admite, as quotas de condomínio referentes aos anos de 2009, 2010 e Janeiro de 2011, já se encontram prescritas.

Pede: Ser ordenado que a requerente não é executada nos presentes autos, não sendo parte, devendo a penhora do vencimento ser dada sem efeito, e devendo ser devolvidas todas as quantias penhoradas à executada, nomeadamente o valor do IRS penhorado em 11-09-2015, qualquer bem ou qualquer quantia penhorada do vencimento da executada.

Cumpre apreciar e decidir.

Não restam dúvidas que a execução relativamente à Requerente apenas abrange os anos de 2009, 2010 e 2011.

De facto, relativamente ao ano de 2008 foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a execução.

No que se refere aos anos de 2009, 2010 e 2011 e embora a Requerente venha alegar que no requerimento para cumulação sucessiva de execuções nada é pedido relativamente à Requerente, a verdade é que a acta que foi junta com o requerimento de cumulação menciona a dívida relativa à Requerente e nos requerimentos subsequentes após convite ao aperfeiçoamento do requerimento, o exequente refere expressamente a dívida da Requerente, pelo que, ainda, que se entendesse que no requerimento inicial de cumulação não é referida a Requerente, a verdade é que nos requerimentos posteriores é feito pedido relativamente à Requerente e, como tal, não restam dúvidas que é pedida a cumulação também relativamente à executada.

A verdade, porém, é que a executada M... não foi citada para proceder ao pagamento da quantia exequenda relativa aos anos de 2009, 2010 e 2011, no montante de € 1.512,00 mas sim para pagamento da quantia exequenda de € 412,00 do ano de 2008, quando relativamente a tal quantia foi proferido despacho liminar de indeferimento.

Estamos perante uma situação de nulidade da citação prevista no n.º 1 do artigo 191.º do CPC. A verdade é que a referida nulidade não é de conhecimento oficioso e a Requerente já teve intervenção no processo e não a invocou. De facto, a executada foi notificada após a realização da penhora do vencimento e em tal notificação é identificada a quantia exequenda e a verdade é que decorrido o prazo para a oposição, nada requereu – cfr. n.º 2 do artigo 191.º do CPC.

Alega a Requerente que as quotas do condomínio relativas a 2009, 2010 e Janeiro de 2011 já prescreveram.

Quanto a essa matéria, importa esclarecer que a prescrição não é de conhecimento oficioso e, portanto, querendo a Requerente invocar a prescrição terá que deduzir embargos à execução.

De qualquer maneira, sempre diremos que estabelece o n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” E o n.º 2 que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”. Ou seja, a prescrição interrompe-se com a instauração da acção executiva.

Em face do exposto, declara-se que a Requerente é executada no âmbito dos presentes autos devendo a execução prosseguir os seus termos.

Notifique.»

1.3. Não se conformando com tal despacho dele recorreu terminando a sua motivação, com as seguintes conclusões: ...

1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.5. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Factos com interesse para a questão.

2.1.- O requerimento executivo deu entrada em 24/2/210;

2.2.- Entre os executados figurava a requerente, pedido valor de 420,00€;

2.3.- Foi dada à execução a ata n.º 11 datada de 20/2/2009;

2.4.- A requerente foi citada pessoalmente desse requerimento em 15/2/2012;

2.5.- Em 13/12/213 a exequente foi notificada para juntar as atas de aprovação das quotas relativas aos anos de 2007 e 2008;

2.6.- Em 6/1/2014 o exequente veio referir que não as podia juntar por não saber das mesmas.

2.7.- Por despacho de 8/1/2014, parte final, foi indeferido liminarmente o requerimento executivo quanto à requerente, relativamente aos quotas de 2007 e 2008, por falta de título;

2.8.-  No mesmo despacho e relativamente ao montante de 1.520,00€, referente às quotas dos anos 2009, 2010 e 2011, ordenou a citação da requerente para, em 20 dias, pagar ou nomear bens à penhora, ou no mesmo prazo deduzir oposição à execução.

2.9. - Em 12/8/2013 o exequente apresentou requerimento de cumulação de execução, no qual não figurava a exequente, embora da acta junta (ata n.º 18) figurasse o nome da requerente como devedora;

2.10. - A requerente não foi citada do despacho de 8/1/2014, nem do requerimento de cumulação de execução;

2.11.- A requerente apresentou em 22/2/2016 a referir não ser executada nestes autos, devendo a penhora de vencimento ser dada sem efeito, devendo ser devolvidas todas as quantias penhoradas (…).

3. Motivação

3.1. É, em princípio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.

Assim, a questão a decidir consiste em saber se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro a ordenar a notificação do despacho de 8-01-2014, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 728.º, n.º 4 concedendo-lhe prazo para se opor à execução, declarando-se nulas e sem nenhum efeito as diligências de penhora levadas a cabo sem respeito pelo disposto na al. c) do art. 812.º-D do anterior CPC (aprovado pelo DL 44129 de 28 de Dezembro de 1961, com as alterações introduzidas pelo Dl 38/2003 de 8 de Março e Dl 199/2003 de 10 de Setembro), por não estar sanada a falta de citação.

Vejamos.

O tribunal “a quo” entendeu que a falta de citação se encontra sanada face à  intervenção da requerente nos autos,  não a tendo invocado.

Em sentido oposto vai a recorrente.

Vejamos

As nulidades de processo, importando a anulação do processado, são desvios do formalismo processual: prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei e a realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido (Manuel de Andrade, Noções Elem. Proc. Civil, 1979, p. 176, e A. Varela, Manual Proc. Civil, 1984, p. 373).

A não citação do réu/executado implica a nulidade do processado posterior (artº 194º, do CPC, actualmente artº 187º), desde que a falta não se encontre sanada.

Como se sabe, existem duas modalidades de nulidade da citação: a falta de citação propriamente dita, prevista no artº 195º do CPC (actualmente artº 188º), e a nulidade da citação, em sentido estrito, regulada no artº 198º do mesmo diploma legal (actualmente artº 191º).

Há falta de citação nas situações descritas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 195º do CPC (actualmente artº 188º), designadamente “Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável” (artº 195º, nº 1, al. e), do CPC).

A nulidade (falta) da citação (nulidade principal) deve ser arguida com a primeira intervenção no processo, em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artºs 196º e 204º, nº 2, do CPC, actualmente arts. 189º e 198º).

Como refere o Prof. A. dos Reis (Comentário, vol. 2º, pág. 446/447 e CPC Anot., I, 3ª ed., pág. 313), para a arguição da falta de citação não há prazo; enquanto o réu se mantiver em situação de revelia, ou melhor, enquanto se mantiver alheio ao processo, está sempre a tempo de arguir a falta da sua citação, só perdendo o direito de o fazer se intervier no processo e não reagir imediatamente contra ela. J. Rodrigues Bastos (Notas ao Cód. Proc. Civil, 2ª ed., vol. I, pág. 397/398), depois de referir que o réu deve arguir a falta de citação logo que intervenha no processo, isto é, no acto que constitua a sua primeira intervenção, observa que ainda que o réu tenha conhecimento do processo, desde que não intervenha nele, pode arguir em qualquer altura a falta da sua citação.

Por outro lado, a nulidade da citação existe quando não hajam sido observadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei (artº 198º do CPC, actualmente artº 191º), preceituando o n.º 2 do preceito “O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.”.

Enunciado o quadro legal e a doutrina, reportando-nos ao caso concreto, constata-se que se pondera na decisão recorrida, além do mais, o seguinte:
            Resulta dos autos que a recorrente foi citada do requerimento executivo que deu entrada em 24/10/2010, não tendo sido citada do despacho de 8/1/2014, nem do requerimento de cumulação de execução de fls. 94 (cfr. facto 2.10.).

Sendo que a recorrente interveio nos autos em 22/2/2016 (cfr. facto 2.11.), a referir não ser executada nestes autos, devendo a penhora de vencimento ser dada sem efeito, devendo ser devolvidas todas as quantias penhoradas.

Nesta matéria, dispõe o art. 196° do C. P. Civil, actualmente art.º 189º, que "Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade".

E sobre o que se deve entender por "intervenção no processo", ensina Rodrigues Bastos, em "Notas ao Código de Processo Civil", que a mesma reporta-se à prática de acto susceptível de por termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão.

No mesmo sentido, salienta Lebre de Freitas, em "Código de Processo Civil Anotado", Vol. I, que ao intervir no processo o réu (ou o Ministério Público) tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se.

E importante, para que essa intervenção no processo possa assumir tal relevo, é, no dizer do Acórdão da Relação do Porto, de 17.12.2008, disponível em www.dgsi.pt, que a mesma pressuponha "o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação; se, com esse conhecimento, o requerente intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada".

Será, que a intervenção da executada nos autos em 22/2/2016 (cfr. facto 2.11.) fls. 231 a 233) é suficiente para sanar a nulidade invocada?

Em nossa opinião tal intervenção sana a falta de citação, desde logo, por a executada se ter apercebido da toda a tramitação dos autos, tanto assim que a descreve no seu requerimento transcrito em 1.2., e se não invocou, nesse requerimento, a falta de citação, foi por entender desnecessário.

                                       3- Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal desta Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo o despacho recorrido.

Custas pela recorrente (devendo ter-se presente o apoio judiciário).

Relator:
António Domingos Pires Robalo

Adjuntos:

1º -
Silvia Pires
2º -
Jorge Manuel Loureiro