Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
814/11.6TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: CONFISSÃO
DEPOIMENTO DE PARTE
FACTOS PESSOAIS
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 341º E 352º DO CC E 554º Nº 1 E 454º Nº1 DO CPC
Sumário: I. A confissão como instrumento probatório incide naturalmente sobre factos, “fornece unicamente a prova da verdade do facto ou factos a que respeita”, os quais terão de ser contrários ao interesse do declarante (cf. art.ºs 341.º e 352.º do CC).

II. O depoimento de parte só pode recair sobre factos: factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, por só assim se justificar a especial eficácia probatória que a lei lhe atribui (cf. art.º 554.º, n.º 1, actual art.º 454.º, n.º 1).

III. Factos pessoais são, sem dúvida, os próprios da parte -por si praticados- e os que foram objecto da sua percepção pessoal, aqui se incluindo aqueles relativamente aos quais, tendo em atenção a sua natureza e circunstâncias em que ocorreram, o julgador, em seu prudente arbítrio, conclua deverem ser do conhecimento do depoente.

Decisão Texto Integral: 1. Relatório
No Tribunal Judicial da Covilhã,

A..., Lda., instaurou acção declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, contra B..., SA, pretendendo ser indemnizada pela cessação de contrato de concessão comercial que com a ré havia celebrado e que perdurou durante décadas, até ter sido por esta última denunciado.

A ré contestou e deduziu pedido reconvencional, que foi admitido, tendo os autos prosseguido com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, peças de que reclamaram ambas as partes, com êxito parcial.

Apresentados os pertinentes requerimentos probatórios, requereu a autora o depoimento de parte do presidente do conselho de administração da ré à matéria vertida nos artigos 1.º a 125.º e 179.º e seguintes da base instrutória.

Notificada a parte contrária, veio pronunciar-se e, tendo expressado o entendimento de que os factos acolhidos nos artigos 1.º, 5.º, 7.º, 13.º, 22.º, 24.º, 27.º, 31.º, 33.º a 40.º, 42.º, 46.º, 50.º, 51.º, 54.º, 55.º, 56.º, 81.º a 100.º, 103.º a 107.º, 110.º, 116.º, 121.º a 125.º e 193.º não cumprem o requisito de admissibilidade exigido pelo n.º 1 do art.º 554.º do CPC, pugnou, em consequência, pelo indeferimento parcial do requerido.

Sobre o requerimento em causa recaiu o seguinte despacho:

“(…) Igualmente se admite o requerido depoimento de parte do legal representante da ré, à matéria indicada, por se entender que a mesma é passível de confissão, nos termos do artigo 352º do CC, independentemente do conhecimento concreto que tal representante legal venha depois a revelar possuir”.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a ré o pertinente recurso e, tendo apresentado doutas alegações, rematou-as com as seguintes necessárias conclusões:

“A) O presente recurso vem interposto do Douto Despacho de fls. (…) na parte em que decide admitir o depoimento de parte requerido pela A. na sua exacta extensão.

B) O Tribunal a quo decidiu nos termos expostos sem que se tivesse pronunciado sobre o requerimento de resposta apresentado pela ora R./Recorrente, no qual se opôs ao sobredito depoimento quanto a factos que não são pessoais da Recorrente ou que não devessem ser do conhecimento da mesma.

C) Em concreto, a Recorrente opôs-se a que o depoimento de parte incidisse sobre a matéria vertida nos artigos 1.º, 5.º, 7.º, 13.º, 22.º, 24.º, 27.º, 31.º, 33.º a 40.º, 42.º, 46.º, 48.º, 50.º, 51.º, 54.º, 55.º, 56.º, 81.º a 100.º, 103.º a 107.º, 110.º, 116.º, 121.º a 125.º e 193.º da Base Instrutória.

D) Fundamentou a sua oposição de facto e de direito, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 554.º, do C.P.C.

E) Ora, salvo melhor opinião, existe neste caso, a omissão de pronúncia, nos termos do disposto na primeira parte do n.º 2 do art.º608.º do CPC, por remissão do n.º 3 do art.º 613.º do CPC, o que consubstancia a prática – omissão – de um acto que a lei não admite e que influi na decisão da causa (art. 195º, nº 1 do CPC).

F) Termos em que o douto Despacho em crise é nulo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4, do CPC, por este Tribunal não se ter pronunciado sobre questões que devia ter apreciado.

G) Sem prejuízo do já referido, a Recorrente não se pode conformar com o doutamente decido pelo Tribunal a quo relativamente à extensão com que foi admitido o depoimento de parte.

H) De acordo com o referido Douto Despacho, foi admitido o depoimento de parte do legal representante da Recorrente a toda a matéria indicada pela Recorrida no seu requerimento de prova, “por entender que a mesma é passível e confissão”.

I) Salvo o devido respeito, carece de fundamento legal a admissão da totalidade da matéria indicada pela Recorrida no seu requerimento de prova (cfr. n.º 1 do art.º 554.º, do CPC. E art.º 352.º do CC).

J) A matéria vertida nos art.º 1.º, 5.º, 7.º, 13.º, 22.º, 24.º, 27.º, 31.º, 33.º a 40.º, 42.º, 46.º, 48.º, 50.º, 51.º, 54.º, 55.º, 56.º, 81.º a 100.º, 103.º a 107.º, 110.º, 116.º, 121.º a 125.º e 193.º da Base Instrutória, é estranha ao conhecimento da própria Recorrente e/ou não incide sobre factos pessoais ou de que o Presidente do Conselho de Administração da Recorrente devesse sequer ter tido conhecimento, pelo que não é passível de confissão.

K) Termos em que deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que limite o depoimento de parte requerido e não contemple os art.º 1.º, 5.º, 7.º, 13.º, 22.º, 24.º, 27.º, 31.º, 33.º a 40.º, 42.º, 46.º, 48.º, 50.º, 51.º, 54.º, 55.º, 56.º, 81.º a 100.º, 103.º a 107.º, 110.º, 116.º, 121.º a 125.º e 193.º da Base Instrutória”.

Não foram apresentadas contra alegações.

A Mm.ª juíza pronunciou-se no sentido da inexistência da arguida nulidade.

*

Assente que pelas conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:

i. indagar se a decisão recorrida padece do vício da nulidade por omissão de pronúncia;

ii. decidir se os factos indicados poderão ser objecto do requerido depoimento de parte do legal representante da ré/apelante.

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i. da nulidade do despacho proferido por omissão de pronúncia

Importa antes de mais referir que, tendo o despacho sido proferido ao abrigo do CPC anterior ao actualmente em vigor, introduzido pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, é à luz daquele diploma que há-de ser conferida a sua legalidade.

A apelante assaca ao despacho recorrido o vício da omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre os fundamentos da oposição que ofereceu ao requerimento apresentado pela contraparte.

Nos termos da convocada al. d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, a sentença é nula “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.º 660.º, n.º 2), é nula a sentença (e o despacho, por força da extensão operada pelo n.º 3 do art.º 666.º) que deixe de se pronunciar sobre alguns dos mencionados aspecto, nisto consistindo o fundamento da nulidade aqui previsto. Não obstante, e conforme vinha sendo comummente entendido, não integra o assinalado vício a omissão de pronúncia sobre algum dos argumentos ou fundamentos jurídicos invocados pelas partes e não considerados na decisão.[1]

Ademais, quanto ao caso em apreço diz respeito, a verdade é que, tendo a agora apelante defendido a inadmissibilidade do requerido depoimento de parte com fundamento no facto de se “tratar de matéria estranha à própria Ré, e/ou que não incide sobre factos pessoais ou de que o Presidente do Conselho de Administração da ré devesse sequer ter conhecimento”, a tal objecção deu claramente resposta a Mm.ª juiz quando afirmou precisamente o contrário. Se o fez com acerto ou não é já matéria que não contende com a validade formal do despacho, mas antes com o seu mérito.

Em face do exposto julga-se improcedente a arguida nulidade.

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ii. dos factos que podem ser objecto de depoimento de parte

Confissão, di-lo o artigo 352.º do Código Civil[2], “é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.

A confissão como instrumento probatório incide naturalmente sobre factos (cf. art.º 341.º), “fornece unicamente a prova da verdade do facto ou factos a que respeita”[3], os quais terão de ser contrários ao interesse do declarante -factos constitutivos dum seu dever ou sujeição, extintivos ou impeditivos de um seu direito, ou modificativos duma situação jurídica que o favorece, aqui se incluindo ainda a negação da realidade de um facto favorável à sua posição[4]. Confessando, a parte reconhece como verdadeiro um facto que tem interesse em negar, o que legitima a conclusão, segundo a regra da experiência de que ninguém mente em contrário do seu interesse, de que o facto é verdadeiro[5]. No entanto, “o fundamento lógico da confissão é o conhecimento que a parte tem da veracidade do facto. A parte confessa o facto porque está convencida de que ele é exacto”[6], assumindo-se a confissão como uma declaração de ciência, só assim se justificando que funcione como meio de prova, apto a convencer o juiz da realidade do facto afirmado.

Decorrência do que vem de se dizer, o depoimento de parte -que pode ter lugar por iniciativa oficiosa (art.º 552.º, n.º 1 do CPC em vigor ao tempo da prolação do despacho recorrido, actual artigo 452.º) ou a requerimento da parte contrária ou de um seu comparte (art.º 553.º, n.º 3, actual art.º 453.º, n.º 3)- só pode recair sobre factos: factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, por só assim se justificar a especial eficácia probatória que a lei lhe atribui (cf. art.º 554.º, n.º 1, actual art.º 454.º, n.º 1)[7].

Vistas as palavras da lei, logo se reconhece a identidade com a fórmula usada pelo n.º 3 do artigo 490.º, que rege quanto ao ónus de impugnação[8], donde valer para ambos os preceitos a interpretação que haja de ser feita dos conceitos utilizados.

Factos pessoais são, sem dúvida, os próprios da parte -por si praticados- e, bem assim, aqueles que foram objecto da sua percepção pessoal[9]. Numa outra abrangente formulação, “constitui facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento, não só o acto praticado por ele ou com a sua intervenção, mas também o acto de terceiro perante ele praticado (incluindo a declaração escrita que lhe seja endereçada), ou o mero facto ocorrido na sua presença[10], e ainda o conhecimento de facto ocorrido na sua ausência”[11]. Se as primeiras categorias de actos não suscitam particulares dúvidas, sendo de fácil apreensão o fundamento da sua caracterização como pessoais da parte a quem se exige o depoimento, já as últimas exigem a sua sujeição, por banda do julgador, a uma ponderação adicional.

Com a alusão aos “factos de que a parte deve ter conhecimento” visou a lei “(…) cobrir os casos em que, pela natureza do facto e circunstâncias próprias em que ele se produziu, o juiz deve entender, segundo o seu prudente arbítrio, usado em conformidade com as regras da experiência, que a parte dele teve conhecimento; tal expressão mais não estabelece do que a presunção de que determinado facto, não consistente em acto praticado pela própria parte, lhe é pessoal, isto é, caiu no âmbito das suas percepções, pelo que, em lugar de exprimir o segundo membro duma dicotomia de conceitos, fundado num dever ético de conhecimento, vem apenas reforçar o conceito de facto pessoal”[12][13]

Sendo esta a interpretação a fixar ao preceito -sem esquecer que os factos em causa terão de cumprir os requisitos do art.º 352.º do CC- encontramo-nos agora em condições de sindicar a decisão recorrida, na parte impugnada.

Estão em causa os seguintes factos:

“1.º- A Autora, doravante também designada por A..., tem como objecto social a distribuição de produtos alimentares e bebidas.

5.º- A empresa da Autora iniciou a sua actividade no ano de 1954 através da empresa individual que então girava sob a firma de C..., pai do sócio maioritário e gerente da Autora.

7.º- Esta integrou os activos da firma C... e foi constituída para dar continuidade à distribuição dos produtos contratuais na zona geográfica que a Ré lhe havia confiado.

13.º- Por sua vez, a Autora é uma pequena empresa familiar que se dedicava à distribuição das marcas da Ré na referida zona geográfica, tendo no ano de 2009 o seu volume global de negócios ascendido a € 943.815,90.

22.º- Tendo em vista promover os produtos da Ré, a A. utilizava o seu conhecimento dos referidos concelhos e da respectiva clientela, bem como o seu prestígio comercial na região, para prospeccionar o mercado, angariar novos clientes, aumentar as compras por parte dos clientes regulares, detectar as necessidades de abastecimento e assegurar a boa presença dos ditos produtos na área que lhe fora confiada.

24.º- A A. mantinha ainda actualizado um ficheiro de clientes com a indicação de transacções com os mesmos efectuadas tendo a Ré, através dos seus representantes comerciais que visitavam regularmente a A., e que acompanhavam por vezes os seus empregados nas vendas, completo acesso a tais informações.

27.º- A A. efectuava directamente a distribuição das marcas da R. no território não recorrendo a subagentes, nem a sub-distribuidores.

31.º- Continuou porém a A. a verificar as suas necessidades de abastecimento, a receber as encomendas, e a efectuar os fornecimentos a partir dos seus armazéns.

33.º- Desde o início que a A. desenvolveu um enorme esforço organizativo e financeiro.

34.º- A A. teve que adquirir um armazém e um terreno apropriado para assegurar o abastecimento do mercado que lhe estava confiado.

35.º- Teve que adequar a sua organização administrativa às exigências da R., nomeadamente teve que se equipar informaticamente de forma a poder responder a todas as informações solicitadas pela R.

36.º- De dispor de viaturas para os seus vendedores e outras adaptadas ao transporte dos refrigerantes, em bom estado de conservação e devidamente pintadas, ostentando as inscrições publicitárias com cores e marcas segundo indicação e modelo dado pela Ré.

37.º- A dispor de Notas de Encomenda e Facturas identificadas com as marcas da R.

38.º- A adquirir equipamento, empilhadores e vário mobiliário de escritório.

39.º- A possuir uma equipa de vendas organizada de acordo com os padrões exigidos pela R.

40.º- Face ao crescimento e desenvolvimento do negócio de distribuição das marcas da “ X...” no território do contrato, e ainda às expectativas de perduração deste criadas pela R., o sócio fundador da A. associou a esta com a concordância da Ré, o seu próprio filho, que passou a ser o seu principal dinamizador.

42.º- Instalação essa que obrigou a A. a substituir o seu antigo sistema informático por aquele que era adequado aos ditos padrões da “D...”.

46.º- Tendo, em consequência disso, a A. rejeitado a distribuição de outras marcas concorrentes, e das quais lhe foi oferecido o exclusivo para os referidos concelhos.

48.º- A Autora iniciou a comercialização e distribuição dos produtos da R. em especial da marca X... praticamente numa época em que esta marca surgiu pela primeira vez no mercado.

Assim,

50.º- Na data da cessação do acordo sub-judice” a A. tinha 534 clientes habituais ou pontos de venda para as marcas da Ré.

51.º- As características e tipos destes clientes conquistados pela A. para os produtos da R. eram os estabelecimentos de restauração e hotelaria, retalhistas e estabelecimentos similares sediados nos ditos concelhos.

54.º- A A., por sua conta, colocou dezenas de vitrinas, máquinas de cerveja, arcas e aparelhos de vending, com a publicidade dos produtos da Ré nos principais restaurantes, hotéis, cafés, e demais estabelecimentos de restauração e hotelaria bem como nos bares da Faculdade de Medicina, do Hospital da Covilhã, de Associações Culturais e Desportivas sediadas nos concelhos que a Ré lhe atribuiu.

55.º- No ano de 2006 a margem bruta de comercialização dos produtos abrangidos pelo contrato, correspondente à diferença entre o preço pago à R. e o preço de tabela da A. aos seus clientes retalhistas foi de €472.371,16 (cfr. doc. 9).

56.º- A referida margem bruta foi de:

a) 489.700,92 em 2007 (doc. 10);

b) 475.327,64 em 2008 (doc. 11);

c) 331.125,97 em 2009 (doc. 12);

d) 286.313,24 em 2010 (doc. 13);

81.º- A F... comunicou a estes que era o novo agente distribuidor da B...; “Que a A... tinha sido excluída da representação das marcas da Ré”; “que ela ( F...), ao contrário da A..., podia vender-lhe todos os produtos e marcas do portefólio da B...”; “que a A... “já fechou”; que “vai falir”, que “vai encerrar”, que “não tem hipóteses de sobreviver”,

82.º- Comunicações que, aliás, também foram feitas pelo inspector e promotor de vendas da Ré para a zona, Sr. E....

83.º- Em face de tais comportamentos, a A. passou a enfrentar dificuldades de penetração no mercado, não conseguindo sequer escoar o stock de produtos da Ré.

84.º- A A. possuía capacidade de gerar um lucro médio anual de € 410.967,78.

85.º- A ré bem sabia que a actividade desenvolvida pela A. dependia totalmente da subsistência do contrato “sub judice”.

86.º- Assim como sabia que a ruptura unilateral das relações comerciais mútuas, provocaria, como aliás, provocou a paralisação social da A., que deixará de ter os proveitos para suportar os actuais custos fixos.

87.º- A Ré sabia que a A. teria, como efectivamente terá, de encerrar o seu estabelecimento.

88.º- Sabia que a A. teria, como terá, de pagar uma indemnização aos seus trabalhadores a título de indemnização por cessação dos contratos de trabalho.

89.º- Nas actuais condições do mercado a A. não dispõe nem disporá de negócio alternativo.

90.º- A Autora despendeu a quantia de € 168 076,68 a título de investimentos realizados por causa do acordo de distribuição «sub judice» e ainda não amortizados integralmente à data da resolução.

91.º- Com efeito, a A. adquiriu um pavilhão industrial para armazenar e coordenar a distribuição dos produtos da Ré, no qual despendeu € 111.999,10.

92.º- Para o mesmo fim adquiriu expositores, prateleiras e um empilhador, no que despendeu € 7.717,00.

93.º- Adquiriu viaturas afectas à actividade de distribuição no montante global de € 104.997,05.

94.º- Adquiriu mobiliário diverso, computadores e software e aparelhos de ar condicionado no que gastou € 5.834,47.

95.º- Em obras de remodelação das instalações e reclames gastou € 64.995,82.

96.º- E em licença de gestão gastou € 1.450,00.

97.º- Do valor global desses investimentos (€ 296.993,44), apenas amortizou € 165.637,28, pelo que falta amortizar € 131.356,16.

98.º- Quantia que se encontra impossibilitada de amortizar face à paralisação da sua actividade em consequência directa e necessária da resolução operada pela Ré.

99.º- Após a resolução do contrato a A. distribuiu apenas os produtos da Ré que tinha em stock à data da comunicação da resolução do contrato.

100.º- Uma vez esgotado este stock a A. abandonará completa e duradouramente a clientela granjeada ao longo de 57 anos.

103.º- A A. não beneficia em nada dos negócios que, após a cessação do contrato, vierem a ser concluídos com a clientela por ela angariada.

104.º- A quebra de exclusividade e a forma como se processou a cessação do contrato, na prática com efeitos imediatos, transmitiu na praça a ideia de que a A. tinha adoptado procedimentos menos correctos que teriam forçado B..., a tirar-lhe a distribuição que passou a ser feita por uma empresa da terra.

105.º- A perda inesperada e súbita da representação e distribuição dos produtos da B..., é dificilmente explicável aos clientes e, sobretudo, aos actuais e potenciais fornecedores da Autora e aos bancos, tornando inevitáveis as suspeições quanto à seriedade, idoneidade e eficácia comercial da Autora.

106.º- A Autora era uma sociedade com uma imagem de grande seriedade e lisura de comportamento, granjeado por mais de 57 anos de intensa actividade nos concelhos acima referidos, imagem essa que constitui um excelente capital da empresa pela facilidade de relacionamento e obtenção de créditos que proporciona junto de fornecedores e bancos.

107.º- Essa imagem e as relações de facto com importante valor económico que lhe estão subjacentes foram profundamente afectados com a atitude da B....

110.º- E a preços tão baixos que, por vezes, era impossível à A. acompanhá-los.

116.º- A A. foi várias vezes surpreendida com preços inferiores praticados pela Ré relativamente a outros agentes distribuidores.

121.º- Acresce a tudo isso que em virtude da dita fusão a A. deixou de poder comercializar os produtos da marca XX... e XY... que representava 5% do volume global de vendas das marcas da Ré.

122.º- Por causa desse comportamento, entre 1.01.2009 e a data da cessação do acordo «sub-judice», a A. perdeu, pelo menos, vendas de produtos da Ré e os correspondentes lucros no montante mínimo de € 100.000,00.

123.º- De facto, até 31.12.2008 a média anual dos lucros da A. com os produtos da Ré rondava os € 480.000,00.

124.º- A partir de 1.1.2009 e até 31.12.2010, essa média anual de lucros foi de €308.500,00.

125.º- Esta descida de lucros resultou do supra alegado.

193.º- A autora possui em stock produtos da Ré de valor superior a € 43.359,84, que não conseguiu revender em consequência directa e necessária da concorrência do novo distribuidor nomeado para a zona pela Ré, e que passou a operar no mercado a partir de, pelo menos, Fevereiro de 2011”.

Da análise dos factos aqui em causa logo se constata não estarmos perante factos pessoais da ré, no seu sentido mais estrito de actos por esta praticados ou directamente percepcionados, por tê-los presenciado, havendo pois de indagar se estão cobertos pela extensão da lei, quando sujeita ao depoimento da parte ainda aqueles factos de que deva ter conhecimento, com o sentido que se deixou precisado.

E começando pela matéria vertida no artigo 1.º, a referência a “objecto social” faz apelo ao objecto que ficou a constar do pacto social, tratando-se assim de facto carecido de ser documentalmente demonstrado, encontrando-se subtraído à confissão atento o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 354.º do Código Civil.

Por outro lado, vistos os factos constantes dos artigos 5.º, 7.º, 22.º, 27.º, 31.º, 33.º, 34.º, 38.º, 40.º, 42.º, 46.º, 50.º, 51.º, 54.º, 55.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º, 93.º, 94.º, 95.º, 96.º, 97.º, 98.º, 99.º, 100.º, 104.º, 105.º, 106.º, 107.º, 110.º, 116.º, 122.º, 123.º, 124.º, 125.º e 193.º, não vemos como pretender que se encontram no âmbito da percepção do legal representante da ré para presumir que deles tem conhecimento. Com efeito, trata-se inequivocamente de factos que respeitam à vida da sociedade autora, a opções de gestão da responsabilidade da respectiva gerência e que escapam, em termos de percepção, ao legal representante da ré, isto independentemente do conhecimento concreto que deles possa eventualmente ter (mesmo os referentes aos lucros alegadamente auferidos pela autora nos anos perguntados, dependendo obviamente, para além de outros factores, da estrutura de custos daquela, que a ré presumivelmente não conhece, não se inscrevem no círculo daqueles que são alvo da sua percepção). E por assim ser não são objecto de confissão, ao contrário do entendimento expendido pela Mm.ª Juíza “a quo”, e que não pode assim subsistir.

Já no que respeita aos factos vertidos nos art.ºs 13.º, no segmento em que se pergunta se “a autora se dedicava à distribuição das marcas da ré na referida zona geográfica”, 24.º, 35.º, 36.º, 37.º e 39.º, atento o seu conteúdo, fazendo estes últimos apelo a instruções emanadas da própria ré, entendemos que cumprem o assinalado requisito. Deste modo, tratando-se de factos de que a ré deve ter conhecimento, para usar as palavras da lei, podendo assim ser objecto de confissão, mantém-se, quanto a eles, o admitido depoimento de parte do legal representante da apelante.

  *

III Decisão

Em face a todo o exposto, acordam os juízes que constituem a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogam o despacho recorrido na parte em que admitiu o depoimento de parte do legal representante da ré aos factos vertidos nos artigos 5.º, 7.º, 22.º, 27.º, 31.º, 33.º, 34.º, 38.º, 40.º, 42.º, 46.º, 50.º, 51.º, 54.º, 55.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º, 89.º, 90.º, 91.º, 92.º, 93.º, 94.º, 95.º, 96.º, 97.º, 98.º, 99.º, 100.º, 104.º, 105.º, 106.º, 107.º, 110.º, 116.º, 122.º, 123.º, 124.º, 125.º e 193.º, mantendo-o quanto ao mais.

Custas da apelação a cargo da apelante e dos apelados, na proporção de 1/10 para a primeira e 9/10 para estes, correspondendo aos respectivos decaimentos.

                                                          *

Maria Domingas Simões (Relatora)

Nunes Ribeiro

Helder Almeida

[1] Neste preciso sentido, Lebre de Freitas, “A acção declarativa comum - À luz do Código Revisto”, 2.ª ed., págs. 303 e 315-316.

[2] Diploma a que pertencerão as disposições doravante citadas sem menção da sua origem.

[3] Prof. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. IV, reimpressão Coimbra 1987, pág. 70.

[4] Assim, Lebre de Freitas, ob. cit. pág. 239.

[5] Idem.

[6] Prof. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 73.

[7] De referir que o NCPC, tendo previsto de forma inovadora “a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, tal diligência se justificar” (cf. a Exposição de motivos da proposta de lei n.º 113/XII), introduzindo o art.º 466.º, epigrafado de “Declarações das partes”, nos termos do qual as partes podem requerer, até ao início das alegações, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo, não deixou de consagrar que as declarações assim prestadas estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal, salvo quando constituírem confissão, não divergindo portanto do entendimento que há muito vinha sendo defendido (sobretudo para os casos em que o depoimento era oficiosamente suscitado pelo Tribunal, conforme passou a estar expressamente previsto no n.º 1 do art.º 552.º CPC na sequência da revisão de 1995/1996, correspondendo-lhe o actual art.º 452.º).

Por outro lado, podendo ver-se na inovação uma aproximação ao testemunho, a verdade é que, consoante resulta do disposto nos actuais artigos 454.º, n.º 1 e 463.º, o depoimento de parte, quando requerido pela parte contrária continua (ainda) a ter como função a obtenção da confissão.

[8] O preceito aparece reproduzido no n.º 3 do art.º 574.º do CPC.

[9] Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. III, pág. 61, reportando-se à formulação da lei alemã § 138, que esteve na origem da regra do § 1.º do art.º 423.º do Projecto, acolhido sem alterações no § 1.º do art.º 494.º, preceito que comentava.

[10] Categorias que podem ser aproximadas da definição, do ponto de vista do documentador, dos factos abrangidos pela força probatória do documento autêntico, conforme assinala Manuel de Andrade, Noções elementares de Processo Civil”, pág. 136, citado por Lebre de Freitas in ob. cit., nota 51, na pág. 98.

[11] Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 98, a propósito do n.º 3 do art.º 490.º do CPC.

[12] Idem, págs. 98-99.

[13] Assim, também A. dos Reis, CPC anotado, vol. IV, pág. 93, para quem “saber se o facto é de molde a dever ser conhecido do depoente, é apreciação confiada ao livre arbítrio do julgador, que deverá atender à natureza do facto e circunstâncias em que se produziu para concluir se deverá considerar-se do seu conhecimento”.