Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
34886/13.4YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: EMPREITADA
DESISTÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
DEFEITOS
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – TRANCOSO – INSTÂNCIA LOCAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1207º E 1208º DO CC
Sumário: 1 - Configura desistência da empreitada (e a extinção do contrato) o dono da obra, durante a execução dos trabalhos, ordenar ao empreiteiro, contra a vontade deste, que não prossiga com a realização dos trabalhos, proibindo-o e ao seu pessoal de entrar na obra.

2 - Desistência, por parte do dono da obra, que é uma faculdade discricionária unilateral, que não carece de fundamento ou de qualquer pré-aviso, que se apresenta como insusceptível de apreciação judicial e que tem efeitos ex nunc.
3 - Tendo – o uso de tal faculdade discricionária unilateral – como “preço” o dever de indemnizar o empreiteiro (pelo interesse contratual positivo) das despesas e trabalhos realizados, bem como do proveito que este poderia retirar da obra completa e não apenas com aquela parte da obra que ele efectivamente realizou.
4 – Operada a desistência, não são pois mais convocáveis as normas do contrato de empreitada sobre a eliminação de defeitos e também não tem o empreiteiro que custear quaisquer obras (feitas por terceiro) para a eliminação dos defeitos que a parte da obra por si executada porventura tenha.
5 – Operada a desistência, a única discussão que pode existir é sobre o montante da indemnização do empreiteiro, ou seja, é apenas aqui, em sede de fixação do montante indemnizatório, que o que está mal executado (defeitos) pode ter alguma relevância jurídica (comprimindo o montante indemnizatório).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , com domicilio na (...) , na Guarda, intentou a presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária (iniciada como injunção), contra B..., residente em (...) , Trancoso, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 8.506,37, sendo € 8.024,88 de capital, € 374,49 de juros de mora, € 5,00 de “outras quantias” e € 102,00 de taxa de justiça liquidada.

Após oportuno e inevitável (em face da manifesta insuficiência alegatória) despacho de aperfeiçoamento (subsequente à oposição), veio o A. então alegar, como fundamento para tal pretensão, que, no exercício da sua actividade de execução e mediação de obras, projectos e consultadoria, celebrou, em 31/08/2012, um contrato de empreitada com a R. respeitante à requalificação agrícola do pavimento e armazém agrícola existente num prédio da R. sito em (...) ; contrato cujos trabalhos, preço e condições de pagamento alinhou e cuja execução, segundo o A., iniciou em Setembro de 2012, sucedendo que, “durante a execução dos trabalhos (…), no inicio do mês de Outubro, a R impediu a continuidade dos trabalhos e deu ordens ao A. (bem como aos seu pessoal) para não entrar mais na sua propriedade”.

Naquela ocasião, já havia executado/concluído diversos trabalhos, razão porque pede que lhe seja pago o valor dos mesmos, descontado do montante de € 3.848,51 que já havia recebido da R..

A R. contestou.

Articulado em que, fundamentalmente, alegou/invocou defeitos nos trabalhos executados e faltas/omissões em relação ao que havia sido combinado; assim, alegou:

 - que tendo-se o A. obrigado à desmatação e limpeza de silvas existentes no terreno, deixou essas silvas ao monte num terreno envolvente, aí tendo espalhado pedras que impedem a entrada de máquinas agrícolas;

 - que o A. não fez qualquer fundação, não preparou o terreno para abrir a caixa onde posteriormente seriam colocados os paralelos, nem respeitou a inclinação do terreno aí existente;

 - que, sem seu conhecimento e autorização, elevou a parte do terreno que iria ser calcetada a partir do portão entrada e, junto de um dos lados do armazém, baixou o nível do terreno que iria ser calcetado e, num dos outros lados, elevou-o, o que conduz a que na junção das duas partes calcetadas que circundam o armazém a água fique estancada.

 - que, no seguimento da execução do trabalho, um banco com pernas e tampos de granito existente ficou com o tampo de pedra rente ao solo, deixando de possuir a sua utilidade como banco;

 - que por força do desnível provocado pela movimentação de terras nenhuma máquina agrícola pode proceder à passagem da parte calcetada para um terreno agrícola sem correr o risco de se virar, o que impede a realização do fim pretendido com a requalificação do espaço, fim esse de que o autor estava ciente;

 - que, por não ter sido executada previamente uma caixa e ao ter sido utilizada cobertura de goma de cimento, a água pluvial corre por cima dos paralelos em direcção ao terreno;

 - que não abriu valas para plantação de arbustos, incluindo todos os trabalhos necessários para o efeito, como impossibilitou esse trabalho, uma vez que a goma de cimento utilizada escorreu para o lugar onde tal vala iria ser aberta.

 - que não forneceu nem aplicou trancas no portão de entrada, nem a chapa metálica em três vãos do muro existente, como se tinha obrigado através do contrato.

 - que aproveitou o lancil que existia junto ao portão da entrada, ao invés de aplicar uma guia de betão no remate da calçada e não removeu a rede de vedação existente com a entrega a vazadouro.

Mais referiu que foi ela que não aceitou a obra e que a mesma foi abandonada pelo A., com os defeitos referidos e por concluir.

Terminou invocando a redução do preço, por não terem sido eliminados os defeitos nem concluída a obra; o que – redução do preço – equivale, no caso e segundo a R., à sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador – em que se julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – e dispensada a selecção/organização de qualquer factualidade assente ou base instrutória.

Instruído o processo – com a realização duma perícia – foi designado dia para a audiência e, finda a produção de prova, foi proferida sentença, em que a Exma. Juíza concluiu do seguinte modo:

(…) julgar parcialmente procedente a acção e consequentemente:

A. condenar a ré no pagamento ao autor da quantia total de € 7.429,56, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal prevista para os juros civis, desde a data da citação até integral pagamento;

B. Absolver a ré do demais peticionado. (…)”

Inconformado com tal decisão, interpôs a R. recurso de apelação, visando a sua revogação parcial e a sua substituição por decisão que a condene tão só na quantia de € 1.357,48.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

4ª) Para tanto, o Tribunal a quo considerou na motivação que “a nossa convicção quanto aos factos baseou-se na posição assumida pelas partes nos seus articulados e na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida nestes autos, designadamente, da prova documental, constante do processo, do depoimento de parte, da prova pericial e esclarecimentos prestados pelo sr. Perito em audiência e dos depoimentos das testemunhas inquiridas…”.

5ª) O presente processo versando, essencialmente, em questões técnicas, de regras de arte do ofício desenvolvido pela recorrida - trabalhos efectuados e preço dos mesmos - pelo que a essência da sua análise só pode ou podia ser encontrada pela prova pericial, aliás reconhecida como muito importante pelo Tribunal a quo, a qual contraria os fatos que foram entendidos como provados e aqui focados.

6ª) Dado que resultou da prova pericial: (…)

7ª) O Tribunal a quo, contraditoriamente ou por erro, deu dado como provado o “fornecimento e enfiamento de cabo elétrico 4x16 mm, incluindo todos os trabalhos necessários” quando o relatório pericial atestou (…) exactamente o contrário, incluindo, assim, indevidamente no preço dos trabalhos efectuados, o montante de pelo menos € 300,00.

8ª) O Tribunal a quo considerou provados trabalhos efectuados – ponto 8 - sem ter em conta se estavam devidamente feitos e de acordo com as regras da arte, quando, pelas respostas do sr Perito, não postas em causa, e conhecedor das regras da arte em causa, aponta, nas respostas aos quesitos que antes aqui se referem, como obra efectuada de modo defeituoso.

9ª) O Tribunal a quo ignorou a única avaliação possível: a Pericial! Sendo que esta estimou os trabalhos sem qualquer defeito realizados no montante de € 5.505,99, e não de € 9.888,80, como aleatoriamente considerou.

10ª) O Tribunal a quo não considerou, como devia, o preço de € 2.629,50 como o valor das obras a realizar pela recorrente para eliminação dos defeitos levados a cabo pela obra feita pelo autor.

11ª) A avaliação da perfeição ou do defeito das obras efectuadas não era, no caso, matéria que a prova testemunhal pudesse superar a avaliação, a perícia que foi efectuada.

12ª) Há contradição da prova que o Tribunal a quo deu como provado, e que não deveria ter dado, por a mesma não ser condizente e lógica com a avaliação pericial, prova que, no presente caso, para achar um preço e verificar da correcção ou defeitos das obras e trabalhos efectuados, deveria ter sido apreciada com base na prova principal: a pericial!

13ª) Deste modo os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão recorrida tem a ver com:

- o erro de avaliação apreciado pelo Tribunal a quo;

- não ter o Tribunal a quo dado a devida relevância à única prova das regras da arte que se devia ter aplicado, e que a perícia apurou;

- o Tribunal a quo ter também, incorrectamente, quanto à recorrente, considerado que “inexiste, assim, na matéria de facto provada qualquer resquício da existência de defeitos da obra” (pag. 220 da sentença).

14ª) A recorrente considera que foram incorrectamente julgados os pontos plasmados em 8 e 9 da matéria dada como provada na sentença do Tribunal a quo, os quais aqui vão impugnados.

15ª) Pelo que importa decisão diferente a sentença, nomeadamente pelos factos apurados pela perícia efectuada, em consonância com o avaliado pelo sr Perito nas respostas dos quesitos em A) nºs 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8 e 9, e B) nºs 8 e 9.

16ª) Deveria o Tribunal a quo antes ter proferido decisão - atendendo ao pedido na p.i. e contestação, e tendo em conta a necessidade de avaliação de um preço pelos trabalhos efectuados, sem defeito, e pelo preço dos trabalhos que a recorrente vai ter de despender pelo defeitos que os trabalhos e obras efectuados pelo autor - da seguinte maneira:

- que as obras efectuadas sem defeito foram avaliadas em € 5.505, 99;

- a este montante de € 5.505,00 deverá ser descontado o montante que a recorrente pagou ao autor, de € 3.848,51 (ponto 10 dos factos provados)

- que não tendo sido efectuado o referido em 8, al. h) dos factos provados, deveria ser abatida a quantia de € 300,00;

- pelo que somente é devido ao autor a quantia de € 1.357,48 (5.505, 99 - 3.848,51 - 300,00).

- e que a recorrente terá ainda de gastar pelo menos a quantia de € 2.629,50 para proceder à eliminação dos defeitos levados a cabo pela obra feita pelo autor.

17ª) O Tribunal a quo não apurou, como devia, se o autor efectuou obras depois de a recorrente ter chamado à atenção deste das incorrecções levadas a cabo, antes parecendo ter o autor apressado algumas das obras para “justificar” um preço.

18ª) O Tribunal a quo não apurou, como devia, se o autor efectuou obras depois de a recorrente ter chamado à atenção deste das incorrecções levadas a cabo, antes parecendo ter o autor apressado algumas das obras para “justificar” um preço.

19ª) Por tudo isto e erro de avaliação da prova, deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e proferido acórdão em conformidade com o aqui concluído e pedido.

O A. respondeu, sustentando que a sentença recorrida não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pela recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Foram dispensados os vistos legais, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

*

II – Fundamentação de Facto

A – Factos provados:

1) O Autor tem como objeto comercial a execução e mediação de obras e projetos, consultadoria de pequenas obras.

2) Autor e ré subscreveram o documento de fls. 44 e 45, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, intitulado “contrato de empreitada” tendo por objeto a requalificação de pavimento e armazém agrícola”, sito em (...) , (...) , pelo preço de 11.098,80 €, acrescido de IVA à taxa de legal, a ser pago da seguinte forma:

- 20% na adjudicação dos trabalhos;

- 50% na realização de 50% dos trabalhos contratualizados;

- 30% no dia seguinte à conclusão dos trabalhos.

3) Os trabalhos acordados no documento referido em 2) foram:

a. Demolição de casa existente no terreno, com entrega a vazadouro os resíduos resultantes indicados pelo cliente;

b. Desmatação e limpeza de silvas existentes no terreno, com o auxílio de meios manuais e mecânicos, com entrega e vazadouro dos resíduos resultantes;

c. Abertura de vala para plantação de arbusto, pelo cliente, incluindo todos os trabalhos necessários;

d. Preparação do tereno com abertura de caixa, para posterior aplicação de calçada;

e. Fornecimento e aplicação de calçada em cubos de granito cinza 11x11, incluindo fundação, assentes em areão, com cobertura a goma de cimento, incluindo todos os trabalhos necessários a um bom funcionamento;

f. Fornecimento e aplicação de guia em betão no remate da calçada, incluindo fundação e todos os trabalhos necessários a um perfeito acabamento;

g. Fornecimento de pintura de portão da entrada, com tinta antiferrugem, incluindo o corte dos picos existentes no portão e todos os trabalho necessários a um bom acabamento;

h. Fornecimento e aplicação de tranca no portão de entrada, incluindo todos os trabalhos necessários a um bom funcionamento;

i. Remoção da rede de vedação existente com entrega a vazadouro;

j. Fornecimento e aplicação de chapa metálica, em três vãos, do muro existente, incluindo todos os trabalhos necessários;

k. Trabalhos de retroescavadora 40€/h.

4) Autor e ré acordaram que os trabalhos mencionados em 3) teriam início em 6 de setembro de 2012 e termo em 31 de outubro de 2012.

5) O Autor iniciou a execução dos trabalhos no início do mês de Setembro de 2012.

6) Ainda no decurso da execução das obras, no início do mês de Outubro, a Ré, por sua iniciativa e contra a vontade do Autor, deu ordens a este para não prosseguir com a realização dos trabalhos, proibindo-o e ao seu pessoal de entrar na sua propriedade.

7) Em face da atitude da Ré o autor não executou mais nenhum trabalho por conta do contrato referido em 2).

8) Aquando do referido em 6) o autor tinha executado os seguintes trabalhos:

a. Desmatação e limpeza de silvas existentes no terreno, com o auxílio de meios manuais e mecânicos, com entrega e vazadouro dos resíduos resultantes em duas partes do terreno agrícola envolvente;

b. Preparação do terreno com abertura de caixa, para posterior aplicação de calçada;

c. Fornecimento e aplicação de calçada em cubos de granito cinza 11x11, incluindo fundação, assentes em areão, com cobertura a goma de cimento, incluindo todos os trabalhos necessários a um bom funcionamento.

d. Fornecimento e aplicação de guia em betão no remate da calçada, incluindo fundação e todos os trabalhos necessários a um perfeito acabamento.

e. Trabalhos de retroescavadora;

9) Os trabalhos referidos em 8) que coincidem com os indicados em 3) importam o preço de € 9.888,80 [nove mil oitocentos e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos], mais IVA.

10) Ao abrigo do contrato referido em 2) a Ré pagou ao autor o montante de € 3.848,51 [três mil oitocentos e quarenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos].

11) O autor enviou à ré e esta recebeu a carta constante de fls. 50, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, datada de 19 de dezembro de 2012, com o seguinte teor:

[…] Assunto: Pagamento de dívida.

Dirijo-me a Vªs. Ex.sª na qualidade de Advogado de C... para expor e solicitar o seguinte:

O meu cliente efetuou diversos fornecimentos de serviços de construção civil a Vª Exª.

Assim e depois de Vª Exª ter impedido o meu cliente continuar a execução dos trabalhos e de ter proposto a retirada de todos os trabalhos que ali realizou, o que é contraproducente, pois, os trabalhos estavam bem executados não resultou outra alternativa senão sair da mesma.

Todavia, e de acordo com a medição dos trabalhos executados até esta data encontra-se por liquidar o valor de 8.024,88€, Após várias tentativas do meu cliente no sentido de obter o referido pagamento, tal, ainda, não aconteceu.

Neste sentido, sou a reclamar o pagamento da importância referida, aguardando o mesmo no prazo de 8 dias a contar desta data, caso tal não aconteça, nesse prazo, somos obrigados a recorrer à via judicial para total pagamento de débito acrescido de juros de mora [….].

12) Para execução dos trabalhos de calcetamento, a autor procedeu a movimentação das terras, principalmente do lado esquerdo do armazém, onde baixou a quota do terreno, e do direito, onde a aumentou.

13) A elevação do terreno feita pelo autor provoca um desnível significativo entre a parte calcetada e o terreno agrícola, visíveis na fotografia de fls. 90 e na segunda fotografia de fls. 187, o que dificulta e torna mais perigosa a passagem de tratores entre essas zonas.

14) A ré impôs aos funcionários do autor a elevação do terreno referida em 13).

15) A água pluvial corre por cima dos paralelos em direção à propriedade, verificando-se um ligeiro estancamento da mesma no início da pavimentação, do lado esquerdo, junto ao portão, na parte que liga a calçada a um terreno da ré.

16) O autor aproveitou um lancil existente para proceder ao remate da calçada na zona referida em 13).

*

B. Factos não provados

a) A ré tenha sido interpelada para proceder ao pagamento da quantia de € 9.888,80 [nove mil oitocentos e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos] em 19 de dezembro de 2014;

b) As silvas tenham voltado a nascer por o autor não ter terminado os trabalhos de desmatação e limpeza de silvas, nem ter entregado as que removeu a vazadouro de resíduos;

c) O autor tenha espalhado pedras que impedem a entrada de máquinas agrícolas para poder lavrar o terreno;

d) O estancamento das águas se deva aos trabalhos efetuados pelo autor e que o mesmo provocará infiltração de água no armazém;

e) Existisse no local um banco com pernas e tampo de granito e que devido à movimentação de terras efetuada pelo autor o mesmo tenha perdido qualquer utilidade como banco;

f) A ré tinha transmitido ao autor que pretendia com a requalificação do pavimento maior acessibilidade da entrada do portão para o terreno para o mesmo ser lavrado e que em consequência da movimentação de terras efetuada pelo autor se encontre impedido o acesso ao terreno agrícola por máquinas agrícolas;

g) A abertura de valas para plantação de arbustos se tenha tornado impossível por a goma de cimento ter escorrido para o lugar onde a vala iria ser aberta;

h) As guias de betão no remate da calçada sejam demasiado frágeis para suportar a passagem de máquinas agrícolas e alfaias sem serem destruídas por esmagamento;

i) O autor tenha abandonado os trabalhos;

j) A ré tenha apontado ao autor defeitos que a obra padecia e solicitado que fosse removida terra, aplainado o terreno e recolocados os paralelos de forma a permitir a entrada de máquinas agrícolas no terreno a partir da calçada e reposto o banco em pedra existente junto da habitação, por forma a continuar a ser utilizado;

k) A remoção dos paralelos e da terra e a colocação de novos paralelos irá importar para a ré um custo de cerca de € 7.000,00 [sete mil euros], a remoção e limpeza de resíduos e pedras e a remoção de goma de cimento um custo de € 1.000,00 [mil euros] e a substituição de guias de betão um valor de € 700,00 [setecentos euros].

*

III – Fundamentação de Direito

Não se discute – nunca se discutiu – que as partes hajam celebrado um contrato de empreitada; que, por definição legal (art. 1207º C. Civil), é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

E quando alguém se obriga a realizar uma obra, mediante um preço – como aconteceu entre A. e R. – fica obrigado, não só a efectuar os trabalhos e a fornecer os materiais necessários à execução da obra, como também e fundamentalmente a que o resultado final – obra – fique concluído em conformidade com o convencionado e sem vícios; é o que claramente resulta do art. 1208.º do CC.

Daí o dizer-se que é obrigação do empreiteiro executar a obra sem defeitos; que, no contrato de empreitada, o cumprimento do empreiteiro ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou vícios (1208.º CC), configurando “deformidades” as discordâncias relativamente ao plano convencionado e constituindo “vícios” as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

Temos pois que em litígios, como é o caso, emergentes de contrato de empreitada podemos ter dois momentos de discussão: um primeiro, tendo em vista fixar/estabelecer os elementos essenciais da fase estipulativa do concreto contrato invocado, tendo em vista apurar os concretos trabalhos/obras a executar, bem como o preço dos mesmos; e um segundo, sobre as vicissitudes ocorridas na fase executiva e dinâmica do contrato, em que se apura se o empreiteiro executou todos os trabalhos acordados e sem defeitos ou vícios.

Começando pois pelo momento/fase estipulativa, pode dizer-se que não há, neste momento, qualquer discussão sobe os elementos essenciais do contrato celebrado, ou seja, sobre o conteúdo do contrato de empreitada; que é o que consta dos pontos 2 e 3 dos factos provados, segundo os quais, pelo preço de 11.098,80 €, acrescido de IVA à taxa de legal, a ser pago da forma ali referida, o A. acordou executar uma requalificação de pavimento e armazém agrícola, num prédio da R., para o que foi acordado realizar os trabalhos detalhados no ponto 3 dos factos provados.

Passemos pois ao momento/fase executiva – onde verdadeiramente reside o litígio – sede em que logo sobressaem os factos constantes dos pontos 5, 6 e 7.

Diz-se aí que “o Autor iniciou a execução dos trabalhos no início do mês de Setembro de 2012”; e que “no decurso da execução das obras, no início do mês de Outubro, a R., por sua iniciativa e contra a vontade do A., deu ordens a este para não prosseguir com a realização dos trabalhos, proibindo-o e ao seu pessoal de entrar na sua propriedade”, pelo que “ o autor não executou mais nenhum trabalho por conta do contrato”.

Factos estes que – não sendo alvo de qualquer divergência recursiva e estando por isso completamente estabilizados nos autos – claramente configuram e representam, concordamos completamente com a sentença recorrida, uma extinção contratual; mais exactamente, a desistência do dono da obra a que se refere o art. 1229.º do C. Civil.

Pelo seguinte:

Mediante o contrato de empreitada pretende o dono da obra, como já referimos, obter um determinado resultado: a realização duma obra. Assim, para o caso de perder o interesse na obtenção desse resultado – por alteração da sua vida, da sua situação económica, etc. – ou no caso de perder a confiança no empreiteiro, o art. 1229.º do C. Civil concede-lhe a faculdade de se desvincular “a todo o tempo” do negócio.

Desvinculção/desistência, por parte do dono da obra, que é uma faculdade discricionária unilateral, que não carece de fundamento, que se apresenta como insusceptível de apreciação judicial, que não carece de qualquer pré-aviso e que tem efeitos ex nunc.

Pelo que, sendo assim, havendo razões para permitir e consagrar tão lata desistência, logo se percebe que a mesma tem que ser acompanhada por uma solução que não deixe sem tutela os interesses do empreiteiro.

Se o dono da obra perde a confiança no empreiteiro – se, perdoe-se-nos a expressão, o “não o quer ver mais à frente” – tem, segundo a lei, a liberdade de o afastar da execução da obra; sem lhe dar qualquer explicação, sem lhe dar qualquer pré-aviso e sem sujeitar a sua decisão à apreciação dum tribunal, porém, como é evidente, o uso de tanta discricionariedade e unilateralidade tem como “preço” colocar o empreiteiro patrimonialmente ileso; ou seja, o exercício, por parte do dono da obra, da faculdade de desistir da obra tem como correspondente o dever de indemnizar[1] o empreiteiro das despesas e trabalhos realizados, bem como do proveito que este poderia retirar da obra (cfr. art. 1229.º).

Mais detalhadamente, o dono da obra, caso desista da empreitada, tem que pagar ao empreiteiro a soma das despesas que este teve com a aquisição dos materiais, transporte, etc., acrescida do valor do trabalho incorporado na obra, em que se inclui o trabalho do empreiteiro e de todos aqueles que para ele trabalharam, sendo a isto ainda somado o proveito que o empreiteiro poderia retirar da obra (entendida como obra completa e não apenas com aquela parte que ele efectivamente se realizou); do que resulta, em síntese, que o empreiteiro é indemnizado, em caso de desistência do dono da obra, pelo interesse contratual positivo.

Concluindo, no enquadramento jurídico do litígio, é de tal indemnização – pelo interesse contratual positivo – que os autos/recurso tratam; a R., ao ordenar ao A. para não prosseguir com a realização dos trabalhos e ao proibi-lo (e ao seu pessoal) de entrar na propriedade/obra, desistiu da obra, pelo que extinguiu o contrato e, em consequência, tem que indemnizar o A. “dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”.

É pois, insiste-se, neste enfoque jurídico – tendo em vista computar o direito indemnizatório do A. – que deve ser visto/aproveitado tudo o que é referido (e ficou provado) nos autos.

Enfoque jurídico que, não será despiciendo mencioná-lo, prejudica outras ponderações jurídicas como as respeitantes à redução do preço e/ou à resolução contratual, uma vez que, enfatiza-se, como resulta do facto constante do ponto 6, o contrato de empreitada dos pontos 2 e 3 ficou extinto, por desistência da R.[2], no mês de Outubro de 2012; e, claro está, não se resolve um contrato que já está extinto, nem se reduz o preço dum contrato em que o direito ao preço já está convertido em direito a indemnização.

Concentremo-nos pois, extinto o contrato, sobre o cálculo do montante indemnizatório do A..

Começando por dizer, embora o A. não haja alegado, como devia, “gastos”, “trabalho” e “proveito da obra”, que o que disse e o modo como o fez satisfaz suficientemente a previsão do art. 1229.º do C. Civil.

Efectivamente, alegou que efectuou a totalidade de 4 (de 10) trabalhos parcelares previstos no contrato e pediu o montante correspondente ao preço de tais 4 trabalhos, isto é, acabou por alegar e pedir, a propósito de tais 4 trabalhos, os respectivos “gastos”, “trabalho” e “proveito”; e alegou e pediu do mesmo modo em relação a um 5.º trabalho (previsto no contrato com um preço unitário – “trabalhos de retroescavadora a € 40/h”).

Por sua vez, a R. invocou, com relevo para tal cálculo (do montante indemnizatório), que os trabalhos alegados pelo A. não foram todos feitos e que apresentam defeitos.

Somos pois chegados, isto dito, ao centro do objecto do recurso, em que, basicamente, a R. pretende, exclusivamente com base na prova pericial, a alteração da decisão de facto, passando a dar-se como provado que os trabalhos executados sem defeito pelo A. ascendem ao montante de € 5.505,99 (e não de € 9.888,80) e que o valor das obras a realizar pela R., para eliminação dos defeitos, ascende a € 2.629,50; para daqui concluir/extrair que o montante indemnizatório devido ao A. é bem inferior ao fixado na sentença recorrida.

Que dizer?

Quando está em causa o esclarecimento de factos que envolvem e exigem conhecimentos especiais – designadamente, técnicos – e sempre que, justamente por isso, são chamadas a pronunciar-se no processo – a referir as sua percepções e a fazer as suas apreciações – pessoas que é suposto possuir tais conhecimentos (o que se lhes reconhece com a sua nomeação como peritos), as percepções e as apreciações que estas pessoas/peritos tenham produzido no processo não podem – como regra, isso é, sem fortes, consistentes e explícitas razões – ser abaladas por meros depoimentos testemunhais, mais ou menos “impressionistas”, sobre os mesmo factos.

A nomeação definitiva de peritos – o requerimento da peritagem e o cumprimento das formalidades preparatórias da peritagem – significa (deve/devia significar) que estamos perante factos que suscitam e exigem uma percepção de “especialistas” e, por outro lado, que estamos perante pessoas com idoneidade e competência.

De tal modo que, sendo-se severo e rigoroso, sobre os factos por eles percepcionados e apreciados não pode/deve admitir-se produção de prova testemunhal – que, por natureza, se destina a esclarecer factos passados que as testemunhas tenham presenciado e não a fazer apreciações sobre factos (passados ou presentes)[3].

Porém, uma vez que (também) a prova pericial é apreciada livremente (389.º do C. Civil), não podemos excluir a hipótese de certos e concretos testemunhos, em face da sua solidez, consistência, credibilidade e proficiência, poderem colocar em crise ou mesmo infirmarem as percepções e apreciações dos peritos; prova testemunhal que, é sabido, é apreciada livremente pelo tribunal, o que significa que o tribunal não está vinculado, na sua apreciação, a quaisquer regras legais estritas, sendo sim, recorrendo a todas as circunstâncias envolventes, a todos os detalhes, munindo-se de todo o seu sentido crítico e analítico, fazendo uso de toda a sua perspicácia e experiência, que o tribunal avalia o depoimento das testemunhas, só “validando” para a sua versão factual o que lhe merece valor e crédito.

Para além de tudo isto, importa, pragmaticamente, não ocultar ou escamotear a enorme diferença que não raras vezes existe entre a teoria e a prática; ter presente que há perguntas e quesitos que se fazem aos peritos que não exigem conhecimentos especiais, ou que exigem, isso sim, o conhecimento (testemunhal) de factos passados, assim como, recorrentemente, a quantidade de perguntas e quesitos “mal feitos” (em que não se pergunta exactamente o que está verdadeiramente em discussão nos autos).

Enfim, tudo isto para dizer e concluir que não há, no confronto entre a prova testemunhal e a prova pericial, uma prevalência desta sobre aquela (como parece ser o entendimento da R/recorrente); sendo sempre, na concreta apreciação, que tudo se decide, quando todas as provas são criticamente sopesadas/avaliadas/analisadas.

Pelo que, descendo ao concreto, analisando o relatório pericial (de fls. 137/9) que a R/recorrente invoca e transcreve, logo notamos que os dois pontos/motivos chave de tal alegação – valores das obras efectuadas pelo A. e valores dos trabalhos para eliminar os defeitos – são referidos pelo Sr. perito “secamente”, sem justificação e motivação.

Ou seja, refere tais valores – € 5.505,99 e € 2.629,50, respectivamente – porém, sobre o modo como lá chega, não diz rigorosamente nada; não sabemos que parcelas/montantes compõem tais valores globais e que critérios utilizou para chegar aos mesmos (se os seus, se os normais e do mercado ou se os que eventualmente possam resultar do concreto contrato de empreitada celebrado entre as partes), pelo que dar tais valores globais como provados, apenas a partir de tal relatório pericial, seria fazer da decisão judicial um mero “proforma”, consistente na homologação das conclusões do relatório pericial; e, é sabido, a decisão judicial importa e exige um juízo próprio, independente e fundamentado de quem julga.

Continuando no concreto e passando agora aos esclarecimentos prestados (por duas vezes) pelo perito, Eng. D..., as coisas não mudam significativamente de figura.

Ficamos a saber, é certo, que foi a partir do contrato/listagem de fls. 46 que procurou chegar aos preços unitários do contrato celebrado entre as partes e que foi a partir destes que construiu os dois referidos valores; mas não esclareceu devidamente – não lhe foram feitas as devidas perguntas – as parcelas de tais valores globais.

Aliás, a maior parte dos seus primeiros (e mais longos) esclarecimentos – para quem como nós só tem acesso ao registo sonoro – são bastante indecifráveis/incompreensíveis; tais esclarecimentos decorreram em tom ameno e coloquial, foram certamente muito proveitoso para quem estava na sala de audiências, mas, para nós, é impossível perceber o que quer que seja no meio de tantos “aqui”, “ali”, “olhe para aqui”, “até aqui”, “inclinado daqui para ali”, “ali está direito”, “deste lado”, “aqui até parece haver inclinação”, “era aqui e ali”, “é aqui nesta zona”, “tem que corrigir por aqui”, “esta parte tinha que ser progressivamente inclinada”, “este lado também tem”[4].

É até algo revelador que depois de uma hora de esclarecimentos, o Sr. Perito tenha sido chamado para uma segunda sessão de esclarecimentos, no final da audiência, com as mesmas perguntas circulares e repetidas.

Verdadeiramente e encurtando razões, de todo os esclarecimentos do Sr. Perito, só ficámos devida e suficientemente esclarecidos duma coisa: que a inclinação da calçada, na parte que dá acesso à propriedade/pomar, não será a mais correcta, o que dificulta a circulação dos tractores, aspecto/inclinação que tem que ser corrigido; é mesmo desta forma – dizendo “a obra está bem executada, o que não está bem feito é o acesso para a propriedade” – que o Sr. Perito termina a 2.º sessão de esclarecimentos.

E é também justamente por isto que o referido valor global referido no relatório pericial, de € 5.505,99, para as obras efectuadas pelo A. se nos afigura inconsistente e pouco compreensível.

Se na economia do contrato celebrado entre as partes, só o fornecimento e aplicação da calçada ascendia a € 7.689,60, não compreendemos, tendo ainda sido feitos outros trabalhos pelo A,, como é que o Sr. Perito, à luz dos preços do contrato e dizendo que “a obra está bem executada, chega ao referido valor de € 5.505,99[5].

Concluindo pois neste ponto, com base no exame pericial e nos esclarecimentos do Sr. Perito, não se pode/deve proceder a qualquer alteração à decisão de facto e dar como provado que os trabalhos executados pelo A. ascendem apenas ao montante de € 5.505,99; ou dar como provado qualquer valor para as obras a realizar pela R. para eliminação dos defeitos; ou acrescentar um facto respeitante à inclinação da calçada e dificuldade de circulação dos tractores, uma vez que isto mesmo já consta do facto contante do ponto 13.

Ademais – daí toda a exposição inicial sobre o enquadramento e enfoque jurídicos do litígio – não tem o A. que custear quaisquer obras para a eliminação dos defeitos que a obra por si executada porventura tenha.

A R. desistiu, discricionariamente, da execução/conclusão da obra; extinguiu o contrato a seu “belo prazer”, pelo que, a partir daí, não são convocáveis as normas do contrato de empreitada sobre a eliminação de defeitos e, naturalmente, também não assiste ao dono da obra o direito a ser reembolsado com o que gaste com a eliminação/reparação de defeitos.

Não estamos evidentemente a querer dizer que a existência de defeitos, numa obra de que o dono da obra desistiu da conclusão, é algo em absoluto juridicamente irrelevante; estamos apenas a dizer que a existência de defeitos não dá direito à sua eliminação/reparação e ou ao reembolso dos gastos com a sua eliminação/reparação.

O mais das vezes – e o caso dos autos é certamente um desses casos – o dono da obra usa a faculdade que o art. 1229.º do C. Civil lhe concede por ter perdido a confiança no empreiteiro; ou porque a obra está objectivamente a “correr mal” ou porque subjectivamente não está contente com o que o empreiteiro está a executar.

O dono da obra pode até estar “cheio de razão”, porém, ao usar a faculdade que o art. 1229.º do C. Civil lhe concede, está justa e exactamente a colocar-se fora da discussão sobre as “razões”.

Desistiu da obra e colocou ponto final do contrato!

A partir daqui a única discussão que pode existir é sobre o montante da indemnização do empreiteiro, ou seja, é aqui, neste sede e perspectiva, que o que está mal feito pode ter relevância jurídica (comprimindo o montante indemnizatório).

Não é isto sequer o que imediatamente se extrai do art. 1229.º do C. Civil, em que, como já se referiu, se diz que o dono da obra indemniza o empreiteiro “dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”; ou seja, à primeira vista – reconhece-se – parece que é indiferente à indemnização o resultado (obra) em parte porventura já executado pelo empreiteiro, porém, à luz do princípio geral da boa fé (cfr. art. 762.º do C. Civil), aplicável também a quem exige o cumprimento duma obrigação indemnizatória, parece que o que foi/está mal executado não pode/deve deixar de ter o seu relevo em sede de fixação do montante indemnizatório.

Relevo que, observa-se, não coincidirá com o custo da eliminação/reparação de defeitos, até porque ao empreiteiro não foi sequer dada a possibilidade de cumprir sem defeito, o mesmo é dizer, de ele próprio proceder, com os seus meios, à reparação.

Daí o termos referido que o A. não tem que custear quaisquer obras para a eliminação dos defeitos que a obra por si executada porventura tenha.

Os defeitos que a obra por si executada porventura tenha poderiam dar, quando muito, lugar a uma redução do montante indemnizatório; por certo a uma redução equitativa, nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil, da indemnização.

Mas – é a observação final – no caso nem isso.

É que – concorda-se com a sentença recorrida – como resulta, encadeadamente, dos factos dos pontos 12, 13, e 14[6], na origem da inclinação da calçada, que dificulta a circulação dos tractores, está uma elevação do terreno “imposta” pela R.; ou seja, “sibi imputet”, não havendo assim lugar a uma qualquer redução equitativa do montante indemnizatório referido no ponto 9 dos factos provados.

Improcede, assim, tudo o que em contrário a R/apelante invocou e concluiu na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio do recurso e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que se lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições indicadas.

*

Tanto mais que o que se refere na conclusão 7.ª – em que se diz que o tribunal a quo, contraditoriamente ou por erro, deu dado como provado o “fornecimento e enfiamento de cabo elétrico 4x16 mm, incluindo todos os trabalhos necessários” quando o relatório pericial atestou (…) exactamente o contrário, incluindo, assim, indevidamente no preço dos trabalhos efectuados, o montante de pelo menos € 300,00 – se deve a um equívoco.

É que tal trabalho, assim como os outros dois trabalhos do designado orçamento 181/6 (estes dois outros trabalhos no valor de € 184,00), não estão incluídos na condenação imposta à R. e de que a mesma recorre.

Tudo resulta do seguinte equívoco:

Disse-se a dado momento, na motivação de facto da sentença:

E assim, destes meios probatórios, e, em particular, do confronto dos documentos de fls. 46 e 47, dúvidas não subsistem que o valor de € 9.888,80, apontado pelo autor como somatório de todos os trabalhos realizados, corresponde unicamente ao preço dos trabalhos executados ao abrigo do contrato de empreitada referido em 2) dos factos provados.

Aliás, veja-se que o documento de fls. 47 discrimina os valores totais e parciais correspondentes aos trabalhos realizados por conta do orçamento n.º 181/1 [€9.888,80] e os valores respeitantes àqueloutros trabalhos também efectuados, mas cujo preço o autor acabou por não peticionar, respeitantes ao orçamento n.º 181/6 [€484,00].

Mas não é exactamente assim; como aliás resulta do que se concluiu, mais à frente, na discussão/fundamentação jurídica[7]:

Como vimos, assiste-lhe o direito ao preço dessas mesmas obras realizadas, que se contabiliza em €9.888,80 [nove mil oitocentos e oitenta e oito euros e oitenta cêntimos], igualmente acrescida de IVA, e ao qual será abatido o montante já pago pela ré, de €3.848,51 [três mil oitocentos e quarenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos].

O que perfaz a quantia de €6.040,29 [seis mil e quarenta euros e vinte e nove cêntimos], e não a de €6.524,29 [seis mil quinhentos e vinte e quatro euros e vinte e nove cêntimos], indicada em 8.º da petição inicial aperfeiçoada, à qual acresce IVA.

A diferença (€ 484,00) entre estes dois últimos valores diz respeito justamente aos 3 trabalhos do designado orçamento 181/6, diferença essa que não está incluída na condenação – e bem porque tal orçamento/contrato não foi incluído na causa de pedir – mas que indiscutivelmente estava pedida.

E é justamente por isto – por a R. não estar condenada em tais € 300,00 – que o referido na conclusão 7.º é irrelevante; de tal forma que, em coerência e harmonia, retirámos do ponto 8 dos factos provados as alíneas f), g) e h) (que não dizem/diziam sequer respeito a trabalhos indicados no ponto 3).

*

*

*

IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e consequentemente confirma-se a sentença recorrida.

Custas, nesta instância, pela R/apelante.

*

Coimbra, 24/02/2015

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)

[1] A desistência da obra é lícita, mas conduz a uma obrigação de indemnizar; trata-se de um dos exemplos de responsabilidade por factos lícitos.

[2] A desistência do art. 1229.º do C. Civil será uma situação sui generis, a “meio caminho” entre a revogação e a denúncia. Não é, claramente, uma resolução, uma vez que esta é vinculada (depende dum fundamento) e opera retroactivamente (ex tunc); não é uma revogação, uma vez que esta, embora discricionária e não retroactiva, tem uma origem bilateral; e não é uma denúncia, uma vez que esta, embora discricionária, não retroactiva e unilateral, é específica dos contratos de duração indeterminada e a empreitada é de execução continuada.

[3] O pragmatismo na condução da audiência – e a circunstância da distinção entre testemunha e perito, clara em teoria, não se apresentar assim tão nítida, por vezes, na prática – acaba por, compreensivelmente, permitir que se pergunte às testemunhas “tudo e mais alguma coisa” e que estas a tudo respondem, comprometendo-se não raras vezes com afirmações pretensamente seguras sobre factos que exigem conhecimentos técnicos complexos, sem se dar conta que, assim, com tal ligeireza afirmativa, apenas estão a revelar o modo interessado como se colocam perante o litígio.

[4] Não estamos, esclarece-se, perante um registo sonoro mau ou inaudível. O caso é outro e diverso: o que foi dito está gravado – as perguntas e as respostas – porém, não sempre se alcança ou deduz, da audição da gravação, o que estava a ser perguntado e/ou o que foi realmente respondido. E – é a questão – em face disto, o que fazer? Nada há na lei, a nosso ver, que diga que incumbe ao juiz a responsabilidade de “realizar/produzir” registos sonoros que captem o que vai para além dum “mero” e normal registo sonoro. Assim: Uma coisa é um registo sonoro da audiência não ser audível, “defeito” não imputável às partes – que não controlam ou dominam o processo mecânico de registo – e que por isso tem que dar lugar à repetição da audiência; outra coisa, diversa, é a prova produzida ter decorrido de tal modo que, depois, quem está apenas a ouvir o registo sonoro, não consegue apreender sempre o efectivo sentido/conteúdo declarativo das palavras que vai ouvindo. Ou seja, é às partes que tem que ser “debitado” o conteúdo “defeituoso” do registo sonoro, enquanto registo com aspiração a retratar exaustivamente toda a prova produzida em audiência. Significa o que se acaba de dizer que não foi cometida, imputável ao tribunal, qualquer irregularidade que gere e implique a anulação/repetição da audiência de julgamento; e, por outro lado, que só valorámos e reapreciámos o que foi por nós assimilado e compreendido.

[5] Mais, não está sequer afastada – em face do relatório e esclarecimentos – a hipótese do montante referido para a eliminação dos defeitos ser o que no fundo é necessário para concluir/acabar os trabalhos invocados pelo A.; e de, por conseguinte, na tese pericial, os € 5.505,99 (em que o Sr. Perito avaliou os trabalhos sem defeito) serem totalmente devidos ao A. (importando ainda lembrar, coisa que a R/recorrente não toma em conta, que estamos a falar de valores sem IVA).
[6] Cuja inclusão, designadamente, do facto constante do ponto 14 não é constada pela R..
[7] E como também resulta da leitura atenta dos art. 7.º e 8.º da PI aperfeiçoada, ou seja, € 9.888,800 menos € 3.848,51 não “dá”, como ali se diz, € 6.524,29; para dar € 6.524,29 teve antes que se adicionar € 484,00 (dos 3 trabalhos do designado orçamento 181/6) ao minuendo.