Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1211/15.0T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EXAME CRÍTICO DA PROVA
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA COVILHÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS 374.º E 379.º DO CPP
Sumário: I - Na fundamentação, na sentença, da matéria de facto, tem que ficar explanado o processo lógico-racional da convicção do julgador de modo a que a mesma possa ser entendida pelos destinatários e pela comunidade em geral e também para que possa ser sindicada em sede de recurso.

II - A inte­gração das noções de “exame crítico” e “fundamentação” envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.

III - Não constando da fundamentação a mínima explicação sobre o que levou o tribunal a dar como provado o facto, ou da leitura da mesma não resulta de uma forma minimamente clara a prova que poderá estar na base do entendimento do Meritíssimo Juiz, padece a sentença da nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea a), com referência ao art. 374º, n.º 2, do CPP.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

No âmbito do processo acima identificado, foi proferida sentença em que foi decidido condenar o arguido A... como autor de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 105º, nº 1 e 5 e 107º, nº1 ambos do RGIT na pena de um ano e três meses de prisão que se substitui por quatrocentos e cinquenta e cinco dias de multa à taxa diária de sete euros.

Inconformado, o arguido recorreu. Apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“1ª- O Arguido foi condenado como autor material pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo artigo 105, nº1 e 5 e 107, nº1 do RGIT, na pena de um ano e três meses de prisão que substitui por 455 dias de multa à taxa diária de 7 euros.

2ª- O Arguido discorda que seja dado por provado o teor que consta redigido na aliena h) da matéria de facto provada Ao não ter assim decidido o Mmº Juiz “a quo” na sentença que se recorre incorreu na violação das disposições conjugados nº1, nº4 al. b) e nº 7 do artº 105 RGIT, pois nenhuma prova afirma que o Arguido foi notificado para pagar a quantia em dívida em 28/11/2013 e 09/12/2013.

3ª- Pelo contrário, está demonstrado nos autos a fls. 460 e 461 que o Arguido foi notificado para os efeitos previstos na al. b) do nº 4 do artigo 105 do RGIT por ofício remetido por correio em 24 de Fevereiro de 2016 com prova de depósito efectuado em 29 de Fevereiro de 2016.

4ª– Deve assim, ser eliminado dos factos provados que “todos os arguidos foram notificados em 28/11/2013, e 09/12/2013 para procederem ao pagamento de tal quantia, nos termos e para os efeitos do preceituado pelo art. 105º, nº 4, als. a) e b), do RGIT”.

5ª – Deve ficar a passar como provado que “o Arguido foi notificado por ofício remetido por correio em 24 de Fevereiro de 2016 com prova de depósito efectuado em 29 de Fevereiro de 2016 para proceder ao pagamento voluntário nos termos e para os efeitos do preceituado pelo art. 105º, nº 4, als. a) e b), do RGIT, por ofício remetido por correio em 24 de Fevereiro de 2016 com prova de depósito efectuado em 29 de Fevereiro de 2016.”

6ª – Atendendo ao enquadramento jurídico do crime em causa, concretamente ao disposto no nº7 do artigo 105 do RGIT, há que considerar individualmente cada uma das declarações das cotizações junto da Segurança Social e respetivo valor, concretamente no período compreendido entre Outubro de 2008 e Março de 2009.

7ª- Ora, resulta da provada produzida nos autos, nomeadamente documental – Vide documentos a fls. 96 a 159 e fls. 224 e 225 – que “No período de Outubro /2008 a Março/2009, foram objecto das respectivas declarações apresentadas junto da Segurança Social, as seguintes cotizações dos trabalhadores, relativas às remunerações no período de Outubro/2008 a Março/2009:

De Outubro 2008, no valor de 244,75€

de Novembro 2008, no valor de 9551,13€

de Novembro 2008, no valor de 500,00€

de Dezembro 2008, no valor de 19.233,15€

de Dezembro 2008, no valor de 1.000,00€

de Janeiro 2009, no valor de 9.466,91€

de Janeiro 2009, no valor de 500,00€

de Fevereiro 2009, no valor de 9.570,22€

de Fevereiro 2009, no valor de 500,00€

de Março 2009, no valor de 9.207,54€

de Março 2009, no valor de 500,00€

de Março 2009, no valor de 33,38€”.

O que deve passar a ser considerado provado na Motivação.

8ª- Ao não ter decido assim incorreu o Mmº Juiz “a quo” num erro de julgamento da matéria de facto.

9ª - É condição de punibilidade do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social (artº 105 nº 4 al. b) e 107 do RGIT) a notificação do devedor para pagar as quantias em dívida, o que não se verifica no caso por ter sido efetuada nos autos já no decurso da Audiência final , devendo o Arguido ser absolvido.

10ª- Ao não ter assim decidido o Mmº Juiz “a quo” na sentença que se recorre incorreu na violação das disposições conjugados nº1, nº4 al. b) do artº 105 e nº 1 do artº 107 RGIT.

Não obstante

11ª- Atendendo que o valor de cada uma das declarações junto da segurança Social relativas às cotizações dos trabalhadores em falta, não ultrapassa os €50.000,00, a moldura penal aplicável é de 1 a 3 anos de prisão, e o prazo prescricional em causa é de 5 anos.

Vide disposições conjugados nº1 e nº 7 do artº 105, artº 107, nº1 e nº2 e artº 21 nº 1 do RGIT.

12ª – À data da constituição de Arguido – 20/10/2015 – já tinham decorrido o período de prescrição de cinco anos, devendo ser julgado prescrito o crime em que foi condenado o Arguido. E assim deve este ser absolvido.

13ª - Ao não ter assim decidido o Mmº Juiz “a quo” na sentença que se recorre incorreu na violação das disposições conjugados nº1 e nº 7 do artº 105, artº 107, nº1 e nº2 e artº 21 nº 1 do RGIT.

14ª- Termos em que deve revogar-se a douta sentença recorrida pelos fundamentos e nos termos invocados na presente motivação, ser substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social”

Respondeu o Ministério Público concluindo (transcrição):

“1 – O arguido foi condenado nestes autos na pena de um ano e três meses de prisão substituída por 455 dias de multa à taxa diária de € 7,00 pela prática em Abril de 2009 de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto e punido pelos artigos 105.º, nºs 1 e 5 e 107.º, n.º 1 ambos do RGIT.

2 – Devidamente analisados os autos, dos elementos juntos aos mesmos, constata-se que o Tribunal a quo apreciou a acusação deduzida nestes autos pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social nos termos do artigo 107.º do RGIT.

3 – Na verdade, o Tribunal a quo considerando os elementos constantes dos autos – designadamente a notificação do arguido para a morada fiscal do mesmo constante nos autos e a documentação junta pela Segurança Social aos autos e certificado de registo criminal do arguido – considerou estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos da prática desse crime.

4 – Vem agora o arguido, e só nesta fase, alegar que não foi notificado para pagar a quantia em dívida quando o foi para a sua morada fiscal em 28.11.2013 (fls. 44 a 47).

5 – Os valores a considerar são os que efectivamente constam na sentença € 60.759,28 conforme acusação submetida a julgamento na qual não se discrimina o valor de cada declaração e o prazo de dez anos de prescrição do procedimento contra ordenacional nos termos dos artigos 21.º e 107.º, nºs 1 e 2 e 105.º, n.º 5 e 118.º, al. b) do Código Penal.”

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que passamos a transcrever nas partes que relevam (transcrição):

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal não houve resposta.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objeto e o âmbito dos mesmos, exceto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (exceto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[[1]].

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[2]].

Questões a decidir:

- Prescrição

- Erro na apreciação da prova

- Integração jurídico-criminal dos factos

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

“a) A arguida “ C... ” resultou da alteração, em meados do ano de 2008, da denominação da firma “F... , Lda”, que foi constituída por escritura publica outorgada no ano de 1982, com o objecto de se dedicar à “indústria de confecções, comercialização da mesma e importação de matérias primas”, sendo seus sócios gerentes B... e A... .

b) Para o exercício daquela actividade a arguida sociedade inscreveu-se na Repartição de Finanças da Covilhã, tendo-lhe sido atribuído o NIF (...) ;

c) Quer pelo facto de ter inscrito os seus gerentes, quer pelo facto de ter outros trabalhadores ao seu encargo, a arguida sociedade arguida, por si, e como empregadora, inscreveu-se no Regime Geral da Segurança Social , tendo-lhe sido atribuído o NISS (...) ;

d) No exercício da sua actividade industrial impendia sobre a sociedade / arguida a obrigação de reter, no acto de pagamento das remunerações mensais aos seus gerentes e aos trabalhadores por sua conta, as cotizações legais a entregar à Segurança Social, montantes esses que, como bem sabia, pertenciam à Segurança Social e a ela deveriam ser entregues;

e) Assim, actuando por si própria e como entidade patronal dos assalariados que tinha por sua conta, a arguida sociedade, apesar de ter efectuado as retenções a que alude o art. 5/2 do DL 103/80, de 09/05 e o art. 24° da Lei n.º 28/84 aos seus trabalhadores e órgãos estatutários e equiparados, não entregou esses montantes nos cofres da S. Social, utilizando tais quantias em benefício próprio como se lhe pertencessem.

f) Com efeito, a arguida sociedade, nos períodos de Maio a Julho/2008, Outubro/2008 a Março/2009 não entregou para os Cofres da Segurança Social, pelo pessoal que trabalhava por sua conta, as cotizações correspondentes ao valores globais de, respectivamente, 32 647, 91 euros; 60 759, 28 euros

g) A arguida não entregou nos cofres da Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte àquele que as cotizações respeitavam, nem nos noventa dias seguintes a essas datas a totalidade das cotizações retidas aos salários pagos aos trabalhadores e órgãos estatutários.

h) Não obstante terem todos os arguidos sido notificados em 28/11/2013, e 09/12/2013, para procederem ao pagamento de tal quantia, nos termos e para os efeitos do preceituado pelo art. 105°, nº4, als. a) e b), do RGIT, o que é certo é que os arguidos nada pagaram;

i) Quantias essas que integraram na sua esfera patrimonial, e com o intuito de prejudicarem o Estado, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam, o que sabiam fazer sem a autorização, e contra a vontade do Estado Português:

j) O arguido A... praticou estes factos na qualidade de representante legal da arguida “ C... ”, agindo em nome e no interesse dela, tendo intenção de lhe trazer maiores proventos do que os que normalmente resultariam da escrituração normal da sua contabilidade, e do cumprimento atempado das suas obrigações fiscais e assistenciais;

k) O arguido actuou em cada um dos período de forma livre, deliberada e consciente;

l) Bem sabendo que tal conduta não lhes era permitida e que a mesma era punida por lei.

m) A Arguida sociedade foi declarada insolvente em 30/03/2009;

n) A... foi constituído arguido em 20/10/2015;

o) O arguido tem antecedentes criminais pela prática de idênticos crimes por condutas reportadas a 2010.

p) Os períodos em que ocorreram em período de queda abruta de encomendas e quebra de receitas resultante da crise global que afectou sector.”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):

“(Factos) Não provados:

1. A arguida sociedade procedeu ao pagamento dos salários do mês de Dezembro de 2009;

2. O arguido tenha agido continuada.”

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

“Os factos dados como provados resultam do mapa de cotizações e fls. 16 a 19, certidão de fls. 5 a 15, declarações de remunerações de fls. 55 a 85 e cópia de recibos de vencimentos, bem como declarações do arguido que confessou os factos dados como provados e depôs sobre a sua situação pessoal bem como sobre a situação do sector na data dos factos; sobre os vertidos em sede não provados colhem a sua demonstração no teor da certidão de fls. 43 e de onde resulta, que os salário de Dezembro e subsídios não foram pagos pela sociedade, bem como se deu como não provada a continuidade e unidade de condutas atento aos lapsos temporais existente entre cada um deles; as testemunhas D... e E... que disseram ter trabalhado para a sociedade arguida até finais de 2009”

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Questão levantada pelo recorrente é a prescrição do procedimento criminal.

Afirma a sua verificação, mas não a fundamenta.

Fá-lo sem qualquer razão uma vez que sendo o crime punível com prisão até dez anos (artigos 105º, nº 1 e 5 e 107º, nº 1 ambos do RGIT), o prazo de prescrição é também de dez anos (artigos 21º, nº 2 do RGIT e 118º, nº 1, alínea b. do Código Penal), e por isso, tendo-se o crime consumado em 15 de Abril de 2009 (artigo 5º, nº 2 do RGIT, 5°, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio e 10.° n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08 de Junho), a prescrição apenas poderia ocorrer em 15 de Abril de 2019.

Uma vez que tal data ainda vem longe, a prescrição não ocorreu e o recorrente nem a teria invocado se este tivesse dado cumprimento ao disposto no artigo 412º, nº 2, a. e b. do Código de Processo Penal[[3]], pois teria de imediato reparado na sua falta de razão.

Assim sendo, improcede o recurso nesta vertente.

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Acontece que a sentença é nula por força do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a.

Explicando:

Na sequência do determinado no artº 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, dispõe o n.º 2, do art.º 374º que ao relatório da sentença “segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” ou, por outras palavras, a lei impõe “que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e os não provados, para o que os deve enumerar, ou seja, indicar um a um, mas também que explicite expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, isto é, dando a conhecer as razões pelas quais valorou ou não valorou as provas e a forma como as interpretou, impondo, ainda, obviamente, o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos me m ao direito aplicável, sendo que em caso de condenação está o tribunal obrigado, como não podia deixar de ser, à determinação motivada da pena ou penas a cominar (singulares e conjunta), posto o que deve proceder à indicação expressa da decisão final, com indicação das normas que lhe subjazem” (Conselheiro Oliveira Mendes, in Código Penal Comentado, pág. 1169).

No dizer de Germano M. Silva, in “Curso de Processo Penal”, I, pág. 290, a fundamentação traduz-se “na concretização dos elementos que em razão das regras da experiência e dos critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduziu o que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido”, ou seja, com a fundamentação pretende-se que, de uma forma sintética, mas precisa, se atinja o processo lógico-racional que levou à convicção do tribunal, por forma a facilitar o controlo da decisão do julgador, a viabilizar a sindicabilidade da mesma e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e pela comunidade em geral[[4]].

A este respeito, pode também ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 2007[[5]] que “a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que ser­viram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um por outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor dos documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da sua convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao pro­cesso, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência. A inte­gração das noções de "exame crítico" e "fundamentação" envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.”

Assim sendo, no entendimento de que existe a necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade e de que igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade às formalidades legais e às garantias constitucionais[[6]], podemos concluir que na fundamentação da sentença tem que ficar explanado o processo lógico-racional da convicção do julgador de modo a que a mesma possa ser entendida pelos destinatários e pela comunidade em geral e também para que possa ser sindicada em sede de recurso.

No entanto, tal explanação “não obriga os julgadores a uma escalpelização de todas as provas que foram produzidas e, muito menos, a uma reprodução do tipo gravação magnetofónica dos depoimentos prestados na audiência”, mas apenas que, partindo da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção, o tribunal enuncie “as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Janeiro de 2002, Processo nº 3063/01 – 3ª, SASTJ nº 57, 69).

No caso “sub judice” o Meritíssimo Juiz recorrido não explica qual foi o fio condutor do seu raciocínio para dar como provado que o ora recorrente foi um dos arguidos que foi notificado “em 28/11/2013 e 09/12/2013, para proceder[em] ao pagamento de tal quantia, nos termos e para os efeitos do preceituado pelo artigo 105°, nº 4, alíneas a) e b), do RGIT”, sendo certo que tal não pode resultar de uma mera convicção.

Não só não consta da fundamentação a mínima explicação sobre o que levou o tribunal a dar como provado tal facto, como da leitura da mesma não resulta de uma forma minimamente clara, pelo menos para terceiros, como é o nosso caso, que prova poderá estar na base do entendimento do Meritíssimo Juiz.

Por isso, padece a sentença da nulidade prevista no art.º 379º, n.º 1, alínea a., com referência ao art.º 374º, n.º 2.

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Em face do exposto, acorda-se em anular nesta parte a sentença sob recurso, a qual deverá ser substituída por outra que colmate a lacuna apontada à fundamentação, havendo lugar à produção de prova suplementar se necessário.

Acorda-se ainda em julgar improcedente a invocada prescrição.

Sem tributação.

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Coimbra, 8 de Março de 2017

(Luis Ramos – relator)

(Olga Mauricio – adjunta)


[1] Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).
[2] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011.
[3] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem
[4] Neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de Inimputáveis e «in dubio pro reo»”, Coimbra. 1997, pág. 13
[5] In www.dgsi.pt, tal como todos os demais cuja acessibilidade não seja localmente especificada
[6] Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2011