Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/09.GBSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 40º,44º,50º DO CP
Sumário: 1 A pena de seis meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação não deve ser substituída por pena de suspensão da execução da pena de prisão quando aplicada a agente que apesar de ter sido por diversas vezes condenado por conduzir veículo automóvel sem habilitação legal volta a ser condenado por infracção idêntica e posterior, pese embora o facto de ter confessado integralmente e sem reserva, se encontrar desempregado e padecer de hipertensão e insuficiência renal.
Decisão Texto Integral:



Tribunal da Relação de Coimbra
Secção Criminal
8

A - Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Seia correu termos o processo comum singular supra numerado, no qual o arguido J, filho de A e de M natural de … Seia, nascido a 18 de …de 1967, solteiro, residente em …. Seia, foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização e execução por meios técnicos de vigilância electrónica, a cargo da Direcção-Geral de Reinserção Social.
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Inconformado, interpôs o arguido o presente recurso, pedindo que o mesmo seja considerado provido e que a pena aplicada seja suspensa na sua execução, apresentando as seguintes conclusões:

1 - Tomando em conta a prova produzida é pois evidente que o arguido cometeu um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, nsº. 1 e 2 do D.L. 2/98 de 3/01.
2 - Ora tomando em conta o invocado nos artigos 7, 8 e 9, impunha-se que o tribunal suspende-se a execução da pena de prisão na sua execução por igual período de tempo.
3 - Assim a decisão recorrida violou ou não fez uma aplicação correcta do disposto no artigos 40 n°.2, 50 n°. 1, 53, 70, 71., 72 nº 2 e 73 do C.P bem como os artigos 29 e 30 da Constituição.
Termos em que, tomando em conta o acima alegado e fundamentalmente com o douto suprimento de V.Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente deverá o recorrente ser condenado numa pena de prisão de 6 meses a cumprir em regime de permanência na habitação a qual deverá ficar suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo.
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O Digno magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Seia apresentou resposta propugnando pela improcedência do recurso.
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O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais.
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B.1 - Fundamentação
O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
No dia 26 de Abril de 2009, cerca das 18:00h., na Estrada Municipal de Cide, Seia, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 29-… tendo sido interceptado por militares da Guarda Nacional Republicana;
O arguido conduzia o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1) sem que fosse possuidor de qualquer título que o habilitasse a conduzir, uma vez que a licença de condução nºC-360…., de que havia sido titular, havia caducado em 17 de Junho de 2001, sem que ele tivesse procedido à sua revalidação;
O arguido actuou de forma deliberada, livre e consciente, e não obstante saber que não podia conduzir o veículo em referência na via pública, sem para tal estar devidamente habilitado, não se absteve de tal comportamento, bem sabendo que o mesmo era proibido e punido por lei penal;
O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vem acusado;
O arguido encontra-se desempregado;
O arguido padece de hipertensão e insuficiência renal, sendo acompanhado diariamente no Posto de Saúde de Vide e fazendo diálise três vezes por semana, às 2ª, 4ª e 6ª feiras, na Clínica Beira Diálise, em Mangualde;
A perna esquerda do arguido foi amputada, usando uma prótese em seu lugar;
O arguido encontra-se reformado por invalidez, auferindo uma pensão social no valor de cerca de € 200,00 mensais;
O arguido reside com a sua progenitora, uma companheira e dois filhos de 8 e 20 anos de idade;
A companheira do arguido trabalha como auxiliar no Centro de Dia, em Vide, auferindo cerca de € 480,00 mensais;
A progenitora do arguido aufere uma pensão de € 500,00 mensais;
A casa onde o arguido reside oferece boas condições de habitabilidade ao agregado familiar;
A casa onde o arguido reside oferece boas condições para a aplicação de vigilância electrónica;
O arguido, sua progenitora, companheira e filhos têm uma boa relação familiar;
O arguido sofreu as seguintes condenações:
– No processo nº 25/04.7GBSEI, do 1º Juízo deste Tribunal, por sentença de 01.06.2005, transitada em julgado, pela prática em 18.06.2004 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
– No processo nº 8/07.5GBSEI, deste Tribunal, por sentença de 11.04.2007, transitada em julgado, pela prática em 20.03.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de prisão substituída por 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
– No processo nº 130/07.8GAOHP, do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, por sentença de 18.04.2007, transitada em julgado, pela prática em 10.04.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 4,00;
– No processo nº 305/06.7GAOHP, do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, por sentença de 29.06.2007, transitada em julgado, pela prática em 02.11.2005 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão suspensa pelo período de 18 meses, sujeita ao dever de pagar a quantia de € 300,00, no prazo de 30 dias, aos Bombeiros Voluntários de Oliveira do Hospital;
– No processo nº 230/07.4GAOHP, do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, por sentença de 11.07.2007, transitada em julgado, pela prática em 05.07.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão suspensa pelo período de 18 meses, com regime de prova, e sujeita ao dever de pagar a quantia de € 100,00, no prazo de 30 dias, aos Bombeiros Voluntários de Oliveira do Hospital;
– No processo nº 52/03.1GBSEI, do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, por acórdão de 27.11.2007, transitado em julgado, pela prática em 23.11.2003 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 3,00; e
– No processo nº 27/07.1GBSEI, do 1º Juízo deste Tribunal, por sentença de 10.03.2008, transitada em julgado, pela prática em 02.07.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por igual período.
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Factos não provados:
Não existem factos não provados.
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O tribunal recorrido apresentou como motivação da decisão de facto os seguintes considerandos:
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
Os factos constantes da acusação resultaram provados com base no teor do documento a fls. 38, assim como na confissão livre, integral e sem reservas do arguido em relação aos factos que lhe são imputados.
Tribunal teve igualmente em conta as declarações prestadas pelo arguido no que respeita à prova da factualidade descrita nos pontos 5) a 14), que se afiguraram sérias e credíveis, conjugadas com o teor do relatório social elaborado pela Direcção-Geral de Reinserção Social na sequência do determinado a fls. 66 e junto aos autos a fls. 75 e ss.
Quanto aos antecedentes criminais, atendeu-se ao teor do certificado de registo criminal do arguido a fls. 82 e ss”.
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Cumpre decidir.
B.2 - A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.
Mas não está o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.
Não se verifica qualquer das circunstâncias supra referidas, pelo que é, assim, questão a abordar na presente decisão, a eventual suspensão da pena imposta ao arguido.
O arguido foi condenado nos presentes autos na pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização e execução por meios técnicos de vigilância electrónica, a cargo da Direcção-Geral de Reinserção Social, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.
A sentença recorrida faz referência a outros processos nos quais o arguido foi condenado, todos da mesma natureza.
Assim:
– No processo nº 25/04.7GBSEI, do 1º Juízo deste Tribunal, por sentença de 01.06.2005, transitada em julgado, pela prática em 18.06.2004 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
– No processo nº 8/07.5GBSEI, deste Tribunal, por sentença de 11.04.2007, transitada em julgado, pela prática em 20.03.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de prisão substituída por 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
– No processo nº 130/07.8GAOHP, do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, por sentença de 18.04.2007, transitada em julgado, pela prática em 10.04.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 4,00;
- No processo nº 305/06.7GAOHP, do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, por sentença de 29.06.2007, transitada em julgado, pela prática em 02.11.2005 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão suspensa pelo período de 18 meses, sujeita ao dever de pagar a quantia de € 300,00, no prazo de 30 dias, aos Bombeiros Voluntários de Oliveira do Hospital;
– No processo nº 230/07.4GAOHP, do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, por sentença de 11.07.2007, transitada em julgado, pela prática em 05.07.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão suspensa pelo período de 18 meses, com regime de prova, e sujeita ao dever de pagar a quantia de € 100,00, no prazo de 30 dias, aos Bombeiros Voluntários de Oliveira do Hospital;
– No processo nº 52/03.1GBSEI, do Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, por acórdão de 27.11.2007, transitado em julgado, pela prática em 23.11.2003 de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 3,00; e
– No processo nº 27/07.1GBSEI, do 1º Juízo deste Tribunal, por sentença de 10.03.2008, transitada em julgado, pela prática em 02.07.2007 de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução por igual período.
Por referência aos processos referidos na sentença recorrida, o arguido tem vindo a praticar os ilícitos penais desde 2004.
Assim, os factos descritos e a personalidade demonstrada pelo ar­guido, não nos autorizam a concluir que a sua actuação foi ocasional ou que interiorizou o desvalor da sua conduta.
Por outro lado, o arguido tem beneficiado nos anteriores processos de patente tolerância, tendo o mesmo beneficiado da fixação de penas leves, tendo os tribunais feito uso, no âmbito da natureza e medida das anteriores penas, de critérios tolerantes com penas de multa e de prisão suspensas na sua execução que frustraram as necessidades de prevenção.
Ora, face à prática de novo ilícito criminal praticado menos de dois anos volvidos sobre a última condenação, impõe-se um mais solene aviso ao arguido, pois que maiores são o seu grau de culpa e mais exigentes as necessidades de prevenção, quer geral quer especial.
E será mesmo caso para nos questionarmos sobre se a pena ora decretada cumpre a sua função!
Face a isto, revela-se ser insuficiente a censura do facto e a ameaça da pena para afastar o arguido da delinquência, satisfazendo as necessi­dades de reprovação e prevenção do crime.
Convém ter presente que a decisão de suspender a pena tem na base uma “prognose social favorável” ao arguido, prognose que implica um risco e uma esperança.
Esperança que o arguido não voltará a delinquir, risco na valoração da capacidade do arguido de entender a censura ética que lhe é feita neste momento.
Face ao que se vem de dizer, a esperança de que o arguido sentirá a condenação como uma advertência não será escassa?
Por outro lado, os elementos invocados pelo arguido recorrente por remissão das suas conclusões – em nada alteram estes considerandos.
O recorrente invoca:

7 - Mesmo que se considere que o arguido agiu com dolo intenso, que foi directo, aumentando assim a sua culpa, a verdade é que existem circunstancialismos atenuantes, designadamente:
- a circunstância de o arguido se encontrar familiarmente integrado, tendo uma filha menor a seu cargo;
- o facto de se encontrar reformado por invalidez;
- a circunstância de o aqui recorrente ter confessado integralmente e sem reservas os factos porque foi julgado;
- ter assim colaborado decisivamente na descoberta da verdade:
- a circunstância de o recorrente ser uma pessoa doente, já que sofre de hipertensão e de insuficiência renal necessitando de controlar diariamente a tensão arterial pela manhã no posto de saúde da Vide e de fazer diálise 3 vezes por semana (segundas, quartas e sextas numa clínica de Mangualde) onde se desloca da Vide onde reside;
- Sendo que por outro lado o arguido aguarda transplante renal estando inscrito nos Hospitais do Porto, Coimbra e Lisboa para se submeter a tal transplante.
- Por outro lado há cerca de 15 anos a esta parte sofreu o arguido um grave acidente de viação ficando sem uma perna, usando uma prótese.
8 - Aliás isto mesmo resulta quer do relatório do IRS quer da douta sentença recorrida.
9 - Naturalmente que o tribunal deverá levar em consideração a circunstância de o arguido aqui recorrente nesta data já ter o titulo de habilitação legal para conduzir (doc.I).


Nenhum destes elementos é justificador da conduta reiterada do arguido que se não resumiu à condução estradal ilegal mas que se estendeu a umas ofensas corporais qualificadas, o que torna a posse de qualquer título de condução uma insignificância para a análise que ora envidamos.
Tendo presente que se pretende um objectivo de prevenção especial de socialização, os autos evidenciam que o arguido não interiorizou as anteriores condenações como uma advertência, sendo agora maior o seu grau de culpa.
Pelo que supra ficou exposto, nomeadamente, os factos descritos e a personalidade demonstrada pelo ar­guido, entende o Tribunal que a culpa demonstrada pelo arguido e as necessidades de prevenção conduzem à conclusão de que o tribunal recorrido fez acertado uso dos critérios contidos nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal, pelo que é de confirmar a sentença recorrida.
Não se vislumbra qualquer violação de preceitos constitucionais.
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C - Dispositivo
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Coimbra,

João Gomes de Sousa

Calvário Antunes