Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
97/09.8GBTCS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
CONTRA PROVA
Data do Acordão: 03/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 153º,Nº2 A 6 DO CE,; 2ºE 3º DA LEI N.º 18/2007, DE 17 DE MAIO.
Sumário: 1.A contraprova destinada a infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado não pode ser efectuada pelo mesmo alcoolímetro, aquele que fez o primitivo exame
2.O novo exame, tendo sido efectuado no mesmo analisador quantitativo, traduz-se em prova inválida na medida em que não foi respeitado o direito à contraprova, não podendo por tal razão ser valorada.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

No Tribunal Judicial da Comarca de Trancoso, foi submetido a julgamento, em processo Sumário, o arguido C., filho de V e de M, nascido em ….-1982, BI - … natural de … residente …. Vila Franca do Deão, imputando-lhe a prática, em autoria material, de factos susceptíveis de integrarem um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, nº 1 do C. Penal.
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2. Por sentença de 01 de … de 2009, o tribunal julgou a acusação procedente e, em conformidade, condenou o arguido, pela autoria material do supra referido crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 60 (sessenta dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa total de € 360,00 (trezentos e sessenta euros) e ainda na sanção acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.


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3. Inconformado, recorreu o arguido, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“A. Não pode, de forma alguma, o Arguido/Recorrente concordar com a douta sentença ora recorrida que decidiu pela sua condenação pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292°, n.º1, do CPenal, na medida em que, entende ser tal decisão passível de censura.

B. Isto porque, e desde logo, entende modestamente o Recorrente que não poderia ter sido valorado, como foi, o resultado da "Contraprova" realizada, porquanto, tendo a mesma sido «efectuada pelo mesmo aparelho utilizado no primeiro exame quantitativo», não foram observados no caso presente os pressupostos legais necessários à realização e valoração dessa mesma "Contraprova", resultando o seu resultado como de valoração legalmente inadmissível, por não estarmos então perante uma verdadeira Contraprova.

C. Apesar de tudo o vertido pelo Digníssimo Tribunal "a quo", quanto à observância dos legais pressupostos necessários à realização e valoração de uma qualquer Contraprova, a verdade é que, e desde logo, a simples previsão legal de obrigatoriedade de novo exame "a efectuar através de aparelho aprovado"_afasta uma qualquer possibilidade da contraprova ser efectuada no mesmo aparelho no qual se realizou o primeiro exame quantitativo,

D. Na medida em que, se assim não fosse, e a contraprova pudesse ser realizada através de novo exame a efectuar no mesmo aparelho, sempre se revelaria de todo descabido e totalmente desnecessária a menção, na alínea a) do n. ° 3 do art. 153° do C. Estrada, a "aparelho aprovado", porquanto, nos termos da lei, nº1 desse mesmo art. 153°, o exame de pesquisa de álcool legalmente previsto tem que ser feito em "aparelho aprovado para o efeito".

E. Ademais, sempre haverá aqui que referir ainda o facto de preceituar a lei, no n.° 4 daquele art. 153° do C.Estrada, que optando o examinando pelo novo exame, deve o mesmo de imediato ser a ele sujeito e para tal efeito, conduzido, se necessário ao local onde o novo exame possa ser efectuado, facto, notório, quanto à exigência legal da realização da Contraprova em aparelho diferente, distinto, do utilizado aquando da realização do primeiro exame quantitativo.

F. Senão porque, estando no local, junto do agente de autoridade que efectuou o exame de pesquisa de álcool, o primeiro aparelho, alcoolímetro, utilizado naquele primeiro exame, sempre o mesmo, aparelho, estaria disponível para a realização da outros exames, donde, essa necessidade preceituada na lei de conduzir o examinando ao local onde possa fazer a Contraprova só poderá advir do facto de, naquele local, não existir em funcionamento, outro aparelho aprovado o que implica que a Contraprova não possa ser efectuada no mesmo alcoolímetro.

G. Na verdade, no regime actualmente vigente, não existe uma qualquer norma idêntica à do art. 3°, nº 1 do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro (a qual previa expressamente a possibilidade de realização da Contraprova no mesmo analisador caso não fosse possível o recurso a um outro aparelho naquele aludido prazo de 15 (quinze) minutos), o que, por si só, bastará para se concluir pela intenção clara do legislador em afastar tal possibilidade, de que a Contraprova seja efectuada no mesmo analisador.

H. Preceitua o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n. ° 18/2007, de 17 de Maio, no seu art. 3°, que "os métodos e equipamentos previstos na presentes lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no n. ° 3 do art. 153° do Código da Estrada",

I. Mais, referindo, no nº 2 do art. 1° que "a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue", e, nos nºs 1 e 2 do art. 2° que" quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que, possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos", sendo que, nessa sequência, "O agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário." (negrito e sublinhado nossos).

J. Ao que acrescerá o facto de parecer evidente que a Contraprova se destina a infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado, pois que, a requisição/solicitação para a realização da Contraprova, por parte de um qualquer examinando, sempre resultará, como parece óbvio, do facto de não concordar o mesmo com o resultado apresentado aquando da realização do primeiro teste, podendo, tal desconfiança ter variadíssimos fundamentos, como sejam, o erro de procedimento na utilização e manipulação do aparelho, ou, mesmo, a avaria desse aparelho, o que resultará no seu deficiente funcionamento relativamente às medições que efectua.

K. Não se afigurando sequer viável que, prendendo-se a realização da Contraprova essencialmente com a necessidade de dar oportunidade à defesa de se resguardar de um qualquer defeito do aparelho, esse seu direito de defesa possa resultar convenientemente/suficientemente assegurado com a realização de novo exame por intermédio da utilização do mesmo aparelho.

L. Até porque, para além de não existir na lei actualmente vigente uma qualquer norma idêntica ao art. 3°, n.º1, do Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30 de Outubro, veio ainda o legislador ampliar de 15 (quinze) para 30 (trinta) minutos e, bem assim, incluir o termo "sempre que possível" no que se refere ao intervalo de tempo entre o exame e a Contraprova, o que, leva a concluir pela sua intenção de facilitar a utilização de um segundo aparelho que não se encontrasse no local.

M. Na vigência do Regulamento aprovado pela Lei n,º18/2007, de 17 de Maio, a Contraprova a que se referem os nºs 3, al. a) e 4, do art. 153° do C.Estrada, terá forçosamente que ser realizada em aparelho distinto do que foi utilizado no exame a que refere o n. ° 1 do mesmo art. 153°, pelo que, prevalecendo, nos termos do disposto no n.º6 do mesmo preceito legal, o resultado da contraprova sobre o resultado do exame inicial, no caso presente seria sempre, e unicamente, o valor resultante da Contraprova aquele que relevaria para efeitos de determinação concreta da taxa de alcoolemia.

N. Pelo que, tendo a requerida Contraprova sido realizada fora das condições legais, sendo certo que, mais não foi do que uma repetição do primeiro exame, haverá que considerar que ao contrário daquilo que pretendia o ora Recorrente, e que expressamente manifestou ao agente de autoridade e em auto, não foi realizada devidamente essa Contraprova, o que, naturalmente, se traduz em prova inválida na medida em que não foi respeitado o direito à contraprova, não podendo por tal razão ser valorada,

O.Sendo de concluir, então, pela inexistência do apuramento do resultado prevalecente da Contraprova, e, nessa sequência, pela inexistência do apuramento da TAS com que o ora Recorrente conduziria o dito veículo automóvel, porquanto afastado que foi o resultado do exame inicial,

P. O que, aliada ao facto de mais não ser possível determinar a realização da requerida Contraprova, levará a concluir por não verificado um dos elementos objectivos do tipo de crime em apreço, a condução de veículo com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l, o que resultará na necessária e obrigatória absolvição do ora Recorrente.

Q. No sentido de tudo o supra exposto, permitimo-nos enunciar toda uma série de Jurisprudência mais recente, como sejam, pela sua clareza, os Doutos Arestos deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.10.2008, 10.12.2008 e 18.02.2009, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Processos 39/08.8GCGRD.C1, 288/07.6GTAVR.C1 e 166/08.1 PAPBL.C1, e, do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 30.04.2008 e 09.02.2009, proferidos, respectivamente, no âmbito dos processos 0810062 e0815179 (todos acessíveis in www.dgsi.pt).

R. Não obstante, tudo o exposto, apraz referir ainda o facto de a sujeição do ora Recorrente à Contraprova através da utilização de um aparelho diverso implicar, apenas e só, um lapso temporal de cerca de 30 (trinta) minutos na deslocação a um outro Posto da GNR, o que, naturalmente, sempre resultará que, ao assim agir, conduzindo o Recorrente a esse outro Posto, estaria o agente fiscalizador a respeitar o preceituado na lei, mormente, nos arts. 3° e 2°, n. ° 1, do Regulamento aprovado pela Lei n,º 18/2007, de 17 de Maio.

S.Por outro lado, entende modestamente o Recorrente pela ausência de prova bastante e suficiente que suportasse os factos provados, vertidos na douta sentença impugnada, no que respeita ao preenchimento dos elementos constitutivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez a si imputado.

T. Entendendo como incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto vertidos na douta sentença recorrida:

- Sujeito a exame para detecção de álcool no aparelho DRAGER, modelo 7110 MKIII P, série ARTL-094, averiguou-se que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue determinada em 1,58 g/litro.

- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente no exercício da condução de veículo automóvel, na via pública, não obstante saber que tinha ingerido bebidas alcoólicas e se encontrava influenciado pelo álcool.

- O arguido sabia ainda que a condução de veículo automóvel, nessas circunstâncias se traduzia num facto proibido e punido pela lei penal como crime.

U. Na verdade, a convicção do Digníssimo Tribunal  “a quo” está alicerçada numa prova inválida e ilegal, porquanto, para formar a sua convicção, quanto ao estado de embriaguez em que o Recorrente "supostamente" se encontraria, baseou-se, apenas e só, nos resultados dos exames de detecção de álcool realizados (não obstante o já supra exposto quanto à invalidade de tal prova), e não, contrariamente ao vertido na sua fundamentação, nas concretas declarações do arguido, ora Recorrente, no que a tais factos dizem respeito.

V. Isto porque, a convicção do Digníssimo Tribunal "a quo" teve por base uma "hipotética" confissão integral e sem reservas que, pura e simplesmente, não existiu, na medida em que, em momento algum o ora Recorrente admitiu como válidos e verdadeiros os resultados apresentados nos dois exames que lhe foram efectuados, limitando-se, isso sim, e a instâncias da Meritíssima Juiz a confirmar haver feito dois exames e nos mesmos ter dado tal resultado, mas, continuando a afirmar não perceber o porquê dos mesmos.

W. Bastando, para tal, aferir-se do concreto teor das declarações do ora Recorrente, prestadas em sede de audiência de julgamento e já supra transcritas em sede de motivação (que, nos termos do disposto no nº 4 do art. 412° do C. P. Penal, justificam a sua discordância quanto aos pontos de facto supra identificados), nas quais o Recorrente afirma estar convicto que não acusasse um tal nível de TAS, pelo que, nessa sequência, e por entender por elevado o resultado apresentado, solicitou então a realização da Contraprova.

X. Sendo certo que, dessas declarações, nunca poderá resultar uma qualquer confissão integral e sem reservas da parte do mesmo, pois que, pois que, em momento algum foi declarado pelo aqui Recorrente ter conduzido o seu veículo automóvel na via pública com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l.

Y. Porquanto, se limitou a confirmar o resultado do exame e da contraprova, mas nunca afirmou serem verdadeiros tais resultados, bem pelo contrário, ao ter solicitado a contraprova demonstrou inequivocamente a sua desconfiança em relação ao resultado apresentado e consequentemente à fiabilidade do aparelho.

Z. Pelo que, se deverá concluir que, jamais o Recorrente confessou, "integralmente e sem reservas" estar alcoolizado e muito menos ter a consciência de que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime, motivo pelo qual a confissão integral e sem reservas dos factos aludida na douta sentença recorrida, nunca existiu, ainda que mais não seja nos termos legalmente exigidos pela nossa lei processual penal, devendo, por isso, ser declarada a sua nulidade nos termos do art. 344, nºs 1 e 4 do C.P. Penal.

AA. Ora, não podendo resultar, da prova produzida, a consciência da parte do Recorrente, de que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal, nem, tão pouco, a efectiva TAS com que circulava, na medida em que, a conclusão quanto à medida da mesma teve por base, não só uma prova inválida, com referência ao já supra referido quanto à Contraprova efectuada, mas também, uma "alegada" confissão integral e sem reservas que efectivamente nunca existiu,

BB. Deverá a matéria factual supra referida ser alterada, passando a constar, da matéria de facto provada o seguinte:

- Nessa ocasião foi o arguido sujeito a exame para detecção de álcool no aparelho DRAGER, modelo 7110 MKIII P, série ARTL-094.

- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente no exercício da condução de veículo automóvel, na via pública, não obstante saber que tinha ingerido bebidas alcoólicas.

CC. E, da matéria de facto não provada:

- Na sequência da sujeição do arguido a exame para detecção de álcool averiguou-se que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue determinada em 1,58 g/litro.

- O arguido sabia que se encontrava influenciado pelo álcool.

- O arguido sabia ainda que a condução de veículo automóvel, nessas circunstâncias se traduzia num facto proibido e punido pela lei penal como crime.

DD. Donde, atenta a alteração que deverá ocorrer na decisão a proferir sobre a matéria factual, sempre será de concluir pela absolvição do ora Recorrente no que concerne ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual foi condenado, por não se verificarem preenchidos os elementos constitutivos desse tipo de crime.

EE. A douta Sentença ora recorrida violou os arts. 153°, nºs 3. al. a), e do C.Estrada, 2° e 3° do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, 344°, nºs 1 e 4 do CP.Penal, e, 292°, n. ° 1, do CPenal, e, ainda, o disposto nos arts. 18°, nºs 1 e 3 e 32° da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser a douta Sentença ora recorrida revogada e substituída por outra, que decida pela absolvição do Recorrente da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual havia sido condenado, com o que, modestamente se entende, V. Exas., farão, como sempre, inteira e sã Justiça. ”


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4. Nos termos do artº 413 do C.P.P., veio o M.P. responder, a fls. 71, mas por extemporânea, foi tal resposta desentranhada dos autos.
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5. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, no seu douto parecer, quando da vista a que se refere o art. 416.º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de dever ser procedente o recurso (fls. 79/82).
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6. Notificado, então, o arguido, nos termos e para os efeitos consignados no artº 417º, n.º 2, do C. P. Penal, o mesmo nada disse.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

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II. Fundamentação:
1. Delimitação do objecto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem.

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no artº 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

No caso sub judice, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

         - Nulidade da contraprova, porque efectuada no mesmo analisador;

         - Nulidade da confissão, nos termos do art. 344º, nº 1, do C. Processo Penal;  
  - Errada decisão proferida sobre os pontos 2, 3, 4 e 5 dos factos provados.

                                          *
Vejamos então.

2. Na sentença recorrida foram dados como provados e não provados os seguintes factos (transcrição):

 “2.1 Matéria de Facto Provada:

Discutida a causa resultou provada a seguinte matéria de facto:

- No dia 20 de ----, cerca das 04:26 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula----68, na EN nº 102 – Cruzamento do Zabro, Trancoso, quando foi fiscalizado pela autoridade policial.

- Sujeito a exame para detecção de álcool no aparelho DRAGER, modelo 7110 MKIII P, série ARTL -094, averiguou-se que o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue determinada em 1,58 g/litro.

- O arguido ingeriu bebidas alcoólicas antes de conduzir.

- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente no exercício da condução de veículo automóvel, na via pública, não obstante saber que tinha ingerido bebidas alcoólicas e se encontrava influenciado pelo álcool.

- O arguido sabia ainda que a condução de veículo automóvel, nessas circunstâncias, se traduzia num facto proibido e punido pela lei penal como crime.

- A contraprova efectuada, a pedido do arguido, foi efectuada pelo mesmo aparelho  utilizado no primeiro exame quantitativo.

- O Posto da GNR de Trancoso dispõe apenas de aparelho para efectuar exame quantitativo (Drager 7110 mK III P ARTL 0094).

- O aparelho Drager 7110 mK III P ARTL 0094 encontra-se aferido;

- A utilização de um aparelho diverso para a realização do exame implicaria a deslocação a outro Posto da GNR da região, sendo que o mais próximo se situa a cerca de 30 minutos.

- O arguido é vendedor de máquinas auferindo mensalmente cerca de 500,00€.

- O arguido vive, sozinho em casa arrendada, pagando mensalmente 150,00 euros de renda.

- O arguido contraiu um empréstimo para aquisição de automóvel pagando mensalmente 120,00 euros.

- O arguido tem o 9º ano de escolaridade.

- O arguido não tem antecedentes criminais.
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2.2 Matéria de Facto Não Provada:

Não há.
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2.3 Motivação da Decisão de Facto:

A convicção do Tribunal, no que concerne à facticidade típica, baseou-se nas declarações do arguido, no depoimento da testemunha P. que se mostrou, esclarecedor, convincente e credível, no depoimento da testemunha abonatória R., que foi esclarecedor e convincente, no talão do DRAGER de fls. 5, no que se refere aos antecedentes criminais, ao C.R.C. de fls. 18, examinado em audiência, e no que se refere ao aparelho Drager 7110 mK III P ARTL 0094 o mesmo encontra-se aferido tal como resulta do certificado de verificação junto aos autos a fls. 13 conjugado com o depoimento da testemunha P., (Drager 7110 mK III P ARTL 0094 tendo sido também nas declarações do arguido que se acedeu às suas condições sócio-económicas.”


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3. Do mérito do recurso:

Na sequência de acção de fiscalização do trânsito por agente da autoridade, o recorrente sujeitou-se a exame realizado mediante utilização de aparelho aprovado para o efeito, que acusou uma TAS de 1,65 g/l, com a qual não se conformou, requerendo a realização da contraprova, como lhe permitia o nº2, do art.153, do C.E.

Tal contraprova realizou-se no mesmo aparelho, como decorre do auto de notícia de fls.5 e 6, acusando uma TAS de 1,58g/l, elemento probatório em que o tribunal recorrido se apoiou para concluir que o arguido conduzia com essa taxa, conforme factos provados de fls. 28.

O recorrente questiona a validade da prova, defendendo que a contraprova teria de ser realizada em aparelho diferente do usado no primeiro exame.

Como se sabe, nos termos do artº 153º do Código da Estrada o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

O nº 2 do artº 153º regulamenta a obtenção de prova acrescentando: se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito, ou, se tal não for possível, verbalmente, daquele resultado, das sanções legais dele decorrentes, de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e de que deve suportar todas as despesas originadas por esta contraprova no caso de resultado positivo.

A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:

a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;

b) Análise de sangue.

No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.

Como se vê a alínea a), do nº 3, do art. 153º, do C. da Estrada, refere-se a novo exame, a realizar através de aparelho aprovado. Ora, se o exame de pesquisa de álcool previsto no nº 1 do artigo citado tem que ser feito em aparelho aprovado para o efeito, se o novo exame (o da contraprova) pudesse ser feito no mesmo aparelho tornava-se desnecessária a menção no nº 3 a aparelho aprovado.

  Depois, e nos termos do nº 4, do art. 153º, do C. da Estrada, optando o examinando pelo novo exame, deve o mesmo de imediato ser a ele sujeito e para tal efeito, conduzido, se necessário, ao local onde o novo exame possa ser efectuado.

Por outro lado há ainda a considerar o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, que foi aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, o qual estabelece no seu artº 2º o método de fiscalização nos seguintes termos:

“ 1— Quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos.

2— Para efeitos do disposto no número anterior, o agente da entidade fiscalizadora acompanha o examinando ao local em que o teste possa ser efectuado, assegurando o seu transporte, quando necessário.

3 — Sempre que para o transporte referido no número anterior não seja possível utilizar o veículo da entidade fiscalizadora, esta solicita a colaboração de entidade transportadora licenciada ou autorizada para o efeito.

4— O pagamento do transporte referido no número anterior é da responsabilidade da entidade fiscalizadora, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 158º do Código da Estrada.”

Por sua vez, no artº 3º, do mesmo diploma, estipula-se que: “ Os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no nº 3 do artigo 153º do Código da Estrada.”

Ora, uma vez que, como é evidente, o alcoolímetro onde o examinando fez o exame de pesquisa de álcool previsto no nº 1 permanece junto do agente da autoridade que o efectuou, podendo pois efectuar mais exames, a necessidade prevista na lei de conduzir o examinando ao local onde possa fazer a contraprova só pode derivar de, no local, não existir em funcionamento, outro aparelho aprovado o que implica que a contraprova não possa ser efectuada no mesmo alcoolímetro.

Ora, a contraprova destina-se, como é evidente, e infirmar o resultado apurado no exame de pesquisa de álcool no ar expirado. E, como se viu, ela pode ser feita através de novo exame, ou através de análise ao sangue, cabendo a escolha ao examinando. Na questão sub judice o recorrente, como consta do auto de fls. 5, optou pela realização da contraprova através de novo exame pelo que apenas sobre esta modalidade de contraprova nos debruçaremos.

            Isto porque a desconfiança do examinando relativamente ao resultado dado pelo exame de pesquisa de álcool no ar expirado pode ter diversos fundamentos que vão desde o erro de procedimento na utilização e manipulação do aparelho por parte do agente da autoridade, até à avaria do aparelho, que leva ao seu deficiente funcionamento relativamente às medições que efectua. Ora, se na primeira situação seria aceitável que a contraprova fosse efectuada no mesmo aparelho – posto que agora a sua utilização e manipulação fosse já a correcta – já o mesmo não sucede na segunda. Com efeito, se o aparelho, suspeita o examinando, está avariado, que certeza pode ser dada pela realização de novo exame no mesmo? Obviamente que nenhuma.

         E a lei, ainda que nunca o afirme de forma directa, parece hoje pressupor que a contraprova realizada através de novo exame, deverá ser feita num outro aparelho. (neste sentido vidé, entre outros Ac. da Rel. de Guimarães, de 28/04/2008, in CJ 2/08, pág. 303, Acs. da Rel. de Coimbra de 18/02/09, Proc. 166/08.1PAPBL.C1, Procº 39/08.8GCGRD.C1, de 08.10.2008 e Procº 288/07.6GTAVR.C1, de 10.12.2008  e Ac. da Rel. de Lisboa de 22/04/09, Proc. n.º 148/06.8SCLSB e Ac. da R. do Porto de 20 de Abril de 2008, Procº. nº 0810062, in, http://www.dgsi.pt)

Aqui chegados, analisando a matéria de facto dada como provada, constata-se que o arguido foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue através do aparelho DRAGER, modelo 7110 MKIII P, série ARTL -094, tendo perante o resultado obtido solicitado a realização da contraprova, tendo esta sido realizada exactamente no mesmo aparelho.

         Ou seja, em vez da contraprova fez-se um exame, que mais não foi do que a repetição do primeiro efectuado, exame repetido que o tribunal a quo validou, ao considerá-lo como meio de prova no qual aliás, baseou a sua convicção de facto, em violação do disposto no art. 153º, nºs 3, a) e 4, do C. da Estrada.

Assim sendo, o novo exame, tendo sido efectuado no mesmo analisador quantitativo, traduz-se em prova inválida na medida em que não foi respeitado o direito à contraprova, não podendo por tal razão ser valorada.

Prevalecendo o resultado desta (art.153, nº6, C.E.) e não tendo sido apurado de forma válida o respectivo resultado, há que concluir que não ficou provada a TAS com que o arguido conduzia, razão por que se declara não provada a taxa de álcool no sangue que consta da matéria de facto provada.

Na sequência de tal alteração fáctica, não se mostra preenchido o tipo legal de crime imputado ao arguido, impondo-se a sua absolvição, como defende o Exmº PGA no seu douto parecer.

         Ora não se provando a taxa de álcool no sangue, é completamente desnecessária a apreciação de todas as restantes questões.

 

                                                      *****

III – Decisão.

Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso do arguido, alterando-se a decisão recorrida, absolvendo agora o arguido da prática do crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º nº 1 e 69º nº 1 CP, de que vinha acusado.   

Sem custas.

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 (Processado e revisto, pelo relator, o primeiro signatário.

   Consigna-se que o verso de todas as folhas vai em branco)




Coimbra,



....................................................................

Calvário Antunes

....................................................................
Mouraz Lopes