Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
836/18.6T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: TRABALHO POR TURNOS
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 220º E 268º, Nº 2, DO CT/2009.
Sumário: I – Considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas – art. 220º do CT/09.

II - Trata-se de uma prática de emprego destinada a fazer uso das 24 horas diárias com vista à disponibilização de serviços durante todo aquele período, procedendo-se, por regra, à divisão do dia em diferentes intervalos de tempo correspondentes a outros tantos turnos diferentes durante os quais diferentes grupos de trabalhadores realizam o seu trabalho.

III - O facto de um trabalhador iniciar a sua jornada de trabalho em tempo diferente do que correspondente aos turnos padronizados, e de a terminar em tempo diferente do que corresponde aos mesmos turnos, não significa necessariamente que existam outros turnos para lá dos padronizados, podendo estar em causa, por exemplo, simples situação de faltas ao trabalho ou de prestação de trabalho suplementar.

IV - Não existe em relação à retribuição do trabalho por turnos consagração legal ou convencional paralela à que existe relativamente à remuneração do trabalho suplementar no sentido de que só é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador – art. 268º/2 do CT/09.

Decisão Texto Integral:








Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

O autor propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, tendo deduzido o seguinte pedido:

Nestes termos e nos melhores de direito,

Deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, em consequência:

a) Declarado que o contrato de trabalho celebrado entre A. e R. cessou em 14.06.2017 com justa causa por falta culposa de pagamento pontual da retribuição (art. 394º do CT) pelo não pagamento dos subsídios de turno durante todo o período de duração da relação laboral ;

b) Condenada a Ré a pagar ao A. a quanta global de €26.726,20 (vinte seis mil setecentos e vinte seis euros e vinte cêntimos) - devidamente discriminada nos artigos 37.º a 46.º da presente P.I. - relativa a salários e subsídios não pagos referentes ao trabalho prestado pelo A. à R., indemnização legal de antiguidade e indemnização por danos não patrimoniais -, bem como juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;

c) Condenada a Ré a, nos termos legais, impossibilitada de praticar todos os actos proibidos pelas disposições conjugadas do art. 324º, ex-vi art. 313º, do C.T., até integral pagamento das quantas em dívida ao ora A.;

d) Condenada a Ré a pagar custas legais e demais encargos com o presente processo.”.

Alegou, em resumo, que tendo sido trabalhador subordinado da ré, resolveu, com justa causa subjectiva para o efeito, o contrato de trabalho entre eles celebrado, sendo que do contrato de trabalho e da sua concreta forma de cessação emergiram para si os créditos salariais e indemnizatório cuja satisfação coerciva exige a prévia condenação da ré a reconhecê-los e a satisfazê-los.

Citada, a ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Alegou, em resumo, que o crédito do autor referente à prestação do trabalho por turnos já foi satisfeito, que caducou o alegado direito do autor à resolução do contrato de trabalho e que o autor não invocou qualquer fundamento para a resolução contratual a que operou.

Também deduziu reconvenção, pedindo que seja declarado que tem o direito a ser indemnizada pelo autor pelo pré-aviso em falta na cessação do contrato de trabalho e pelos danos patrimoniais que por essa via lhe causou, tudo no valor global de €2757,27.

A acção prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta, em relação ao autor, o seguinte:

Em face do exposto decide o Tribunal:

I.

Julgando parcialmente procedentes as ações, condenar a ré «S...» a:

i. Pagar aos autores as seguintes importâncias:

a. Ao autor J..., €5 190,54 (cinco mil cento e noventa euros cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento;

(…)

ii. Não praticar os atos descritos no artigo 313º, nº 1, do Código do Trabalho, sem embargo do previsto no nº 2.

II.

Absolver a ré «S...» do restante peticionado.

III.

Declarar que a ré «S...» tem o direito a manter na sua posse os montantes de €1.838,18 (mil oitocentos trinta e oito euros dezoito cêntimos), retidos aos autores J… .

IV.

Condenar a ré «S...» no pagamento das custas dos processos, na proporção de 19% (dezanove por cento) na ação de processo comum nº 836/18.6T8GRD, …. .

Registe e notifique.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a ré, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

1. Para ter direito ao pagamento do subsídio de turno tem o trabalhador de alegar e provar os horários determinados e os efectivamente cumpridos;

2. As variações não significativas dos três horários básicos em vigor na ré (manhã, tarde, noite) não constituem novos turnos;

3. A apreciação da existência de um regime de turnos deve partir do horário determinado pela empregadora e não do efectivamente cumprido pelo trabalhador, sob pena de se considerarem turnos diferentes horários com pequenas variações;

4. O cumprimento de horários diferentes dos estipulados pela empregadora só será relevante para efeitos de pagamento do subsídio de turno se o trabalhador alegar e provar que tais horários foram prévia e expressamente determinados pela empregadora ou, pelo menos, cumpridos de modo a não ser previsível a oposição da empregadora ou, ainda, que o trabalho foi prestado nesses moldes no seu interesse.

5. Não sendo feita essa alegação e essa prova, não é exigível o pagamento.

6. Violou a douta sentença recorrida a cláusula 52.ª do ACT da Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e o art.º 268.º, 2, do Código do Trabalho (por analogia).”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação.

Colhidos os vistos legais, importa decidir

II - Principais questões a decidir

Considerando que é pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) saber se foram prestados em regime de trabalho por tunos os tempos de trabalho prestados pelo autor fora dos três turnos padronizados instituídos na ré e que foram contabilizados na sentença recorrida como turnos intermédios ou não padronizados autónomos;

2ª) saber se a remuneração como trabalho prestado em regime de trabalho por turnos dos tempos de trabalho que foram contabilizados na sentença recorrida como turnos intermédios ou não padronizados autónomos exige a alegação e prova de que os horários correspondentes a esses turnos foram prévia e expressamente determinados pela empregadora ou, pelo menos, cumpridos de modo a não ser previsível a oposição da empregadora ou, ainda, que o trabalho foi prestado nesses moldes no seu interesse.

III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido descreveu como provados os seguintes factos:

1.

Os autores são associados de pleno direito do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.

2.

O autor J... celebrou um contrato de trabalho a termo certo, no dia 22 de março de 2010, com a ré, para desempenhar as funções de enfermeiro, “nas diversas valências da S... conforme as respetivas necessidades (…), com o horário de trabalho de 35 horas semanais e a remuneração mensal de 889,42 euros ilíquidos”.

3.

Remuneração essa que foi sofrendo atualizações, tendo, em março de 2015, passado para €909,09 e, em agosto de 2016, para €919,09, valor que se manteve até ao termo da relação contratual, que ocorreu no dia 14 de junho de 2017.

4.

No período compreendido entre janeiro e maio de 2014, o autor J... esteve ausente por licença de parentalidade.

5.

O autor L... celebrou um contrato de trabalho a termo certo, no dia 29 de abril de 2010, com a ré, para desempenhar as funções de enfermeiro, “nas diversas valências da S... conforme as respetivas necessidades (…), com o horário de trabalho de 35 horas semanais e a remuneração mensal de 889,42 euros ilíquidos”.

6.

Remuneração essa que foi sofrendo atualizações, tendo, em março de 2015, passado para €909,09 e, em agosto de 2016, para €919,09, valor que se manteve até ao termo da relação contratual, que ocorreu no dia 7 de agosto de 2017.

7.

O autor A... celebrou um contrato de trabalho a termo certo, no dia 10 de fevereiro de 2014, com a ré, para desempenhar as funções de enfermeiro, “na Unidade de Cuidados Continuados, com o horário de trabalho de 35 horas semanais e [com] a remuneração mensal de 889,42 € ilíquidos”.

8.

Remuneração essa que sofreu uma atualização, passando do suprarreferido valor para €899,42, valor que se manteve até ao termo da relação contratual que ocorreu no dia 13 de junho de 2017.

9.

Enquanto trabalhadores da ré, os autores sempre foram diligentes e assíduos, tendo cumprido sempre com os seus deveres e obrigações laborais.

10.

O autor J... fez a primeira solicitação, à ré, de pagamento do montante que entende devido, no dia 23 de janeiro de 2017, tendo reiterado a interpelação a 23 de março de 2017.

11.

No dia 13 de junho de 2017, o autor J... procedeu, através de comunicação escrita dirigida à ré, à resolução do contrato de trabalho.

12.

A ré efetuou o desconto do valor de €919,09, por danos patrimoniais à instituição, bem como de €1.838,18 relativos à falta de aviso prévio.

13.

No dia 7 de agosto de 2017 o autor L... procedeu, através de comunicação escrita dirigida à ré, à resolução do contrato de trabalho.

14.

A ré efetuou o desconto do valor de €1.838,18 relativos à falta de aviso prévio.

15.

No dia 13 de junho de 2017, o autor A... procedeu, através de comunicação escrita dirigida à ré, à resolução do contrato de trabalho.

16.

A ré efetuou o desconto do valor de €899,42, por danos patrimoniais à instituição, bem como de €1.798,84 relativos à falta de aviso prévio.

17.

A ré funcionava em regime de três turnos, sendo o primeiro com entrada às 08.00 horas e saída às 16.00 horas; o segundo com entrada às 16.00 horas e saída às 24.00 horas; e o terceiro com entrada às 00.00 horas e saída às 08.00 horas, sem prejuízo de, por vezes, serem cumpridos horários intermédios ou parcialmente diferentes, como discriminado no quadro infra.

18.

O autor J... recebeu um total de €7.818,60 de retribuição pelo trabalho noturno que prestou entre 2010 e 2016.

19.

A ré pagou ao autor J... a quantia de €3.225,14, a título de subsídio de turno não pagos, acrescida de €462,42 de juros compensatórios, com a retribuição de junho de 2017.

20.

O autor L... recebeu um total de €9.343,64 de retribuição pelo trabalho noturno que prestou entre 2010 e 2016.

21.

A ré pagou ao autor L... a quantia de €2.194,96 em subsídios de turno não pagos, acrescida de €359,08 de juros compensatórios, com a retribuição de agosto de 2017.

22.

O autor A... recebeu um total de €3.156,99 de retribuição pelo trabalho noturno que prestou entre 2010 e 2016.

23.

A ré pagou ao autor A... a quantia de €779,67 em subsídios de turno não pagos, acrescida de €46,86 de juros compensatórios, com a retribuição de junho de 2017.

24.

Ao longo da relação laboral, os autores trabalharam para a ré, na Unidade de Cuidados Continuados, no ..., cumprindo os horários que constam do relatório pericial de fls. 431 a 449.”.

B) De direito

Primeira questão: saber se foram prestados em regime de trabalho por tunos os tempos de trabalho prestados pelo autor fora dos três turnos padronizados instituídos na ré e que foram contabilizados na sentença recorrida como turnos intermédios ou não padronizados autónomos.

 “Considera-se trabalho por turnos qualquer organização do trabalho em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, contínuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas.” – art. 220º do CT/09.

Trata-se de uma prática de emprego destinada a fazer uso das 24 horas diárias com vista à disponibilização de serviços durante todo aquele período, procedendo-se, por regra, à divisão do dia em diferentes intervalos de tempo correspondentes a outros tantos turnos diferentes durante os quais diferentes grupos de trabalhadores realizam o seu trabalho.

Nos termos da cláusula 31ª/2 do CCT aplicável à relação de trabalho entre o apelado e a apelante (Acordo Colectivo de Trabalho publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 47/2001, de 22/12, outorgado entre a Santa Casa da Misericórdia de Abrantes e outras e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação» e outros, com as alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego nº 3/2010, de 22/1, “Apenas é considerado trabalho em regime de turnos o prestado em turnos de rotação contínua ou descontínua em que o trabalhador está sujeito às correspondentes variações do horário de trabalho.

Nos termos da cláusula 52ª/1 do CCT aplicável, “A prestação do trabalho em regime de turno confere direito aos seguintes complementos de retribuição, calculados com base na retribuição mensal efectiva:

a) Em regime de dois turnos em que apenas um seja total ou parcialmente nocturno — 15%;

b) Em regime de três turnos ou de dois turnos, total ou parcialmente nocturnos — 25%.”

Assim sendo, arrogando-se o autor ao direito aos complementos salariais acabados de enunciar, o mesmo tinha que provar que trabalhou em regime de dois turnos, sendo um deles total ou parcialmente nocturno, ou que trabalhou em regime de três ou dois turnos, total ou parcialmente nocturnos.

Compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável.” – art. 212º/1 do CT/09.

Compete ao empregador, assim, definir os períodos de prestação de trabalho dos trabalhadores e, nessa medida, se organiza ou não em turnos aqueles tempos de prestação.

Segundo resulta do ponto 17º) dos factos descritos como provados, “A ré funcionava em regime de três turnos, sendo o primeiro com entrada às 08.00 horas e saída às 16.00 horas; o segundo com entrada às 16.00 horas e saída às 24.00 horas; e o terceiro com entrada às 00.00 horas e saída às 08.00 horas, sem prejuízo de, por vezes, serem cumpridos horários intermédios ou parcialmente diferentes, como discriminado no quadro infra.”.

De quanto acaba de descrever-se resulta que a ré instituiu um esquema de trabalho por turnos de rotação contínua, com três turnos padronizados de oito horas cada um e que preenchem 24 horas por dia dos 365 dias por ano  (08.00 - 16.00 horas – 1º turno; 16.00 horas - 24.00 horas – 2º turno; 00.00 - 08.00 horas – 3º turno).

Além disso, também daí resulta que existiam trabalhadores da ré que prestavam por vezes a sua actividade em períodos de trabalho com hora de início diferente das 8h, 16h e 24h, assim como com horas de termo diferentes das 16h, 24h e 8h.

Socorrendo-nos dos horários que constam do relatório pericial de fls. 431 a 449 para que se remete no ponto 24º) dos factos provados, podemos exemplificar em relação ao apelado e no que concerne apenas ao mês de Julho de 2010, períodos de trabalho com início as 8h30m, 8h40m e 9h10m ou com termo às 17h20m, 18h30m, 18h40m, 18h45m ou 19h50m.

Noutro exemplo, nos dias 16 a 20 de Novembro de 2011 o apelante iniciou a sua jornada de trabalho às 15h e terminou-a às 23h30m.

Ou seja, está provado que o autor trabalhou para a ré em múltiplos períodos com horas de início e de fim distintas daquelas que marcavam o início e o fim de cada um dos referenciados turnos padronizados.

O problema está agora em saber se pode ser qualificado como trabalho prestado em regime de trabalho por turnos aquele que é prestado em períodos distintos daqueles que integravam os dos turnos padronizados a que se aludiu, posto que pelo facto de um trabalhador iniciar a sua jornada de trabalho em tempo diferente do que correspondente aos turnos padronizados, e de a terminar em tempo diferente do que corresponde aos mesmos turnos, não significa necessariamente que existam outros turnos para lá dos padronizados, podendo estar em causa, por exemplo, simples situação de faltas ao trabalho ou de prestação de trabalho suplementar.

No caso em apreço a solução desse problema surge incontroversa em face do que foi decidido do ponto de vista fáctico.

Na verdade, conjugando o ponto 17º) dos factos provados com o “… discriminado no quadro infra.” nele referenciado e que por isso passou a fazer parte integrante da decisão fáctica[1], é forçoso concluir-se que já na decisão fáctica[2] se consideraram como turnos os horários intermédios ou parcialmente diferentes referenciados nesse ponto 17º) – é a própria decisão recorrida quem se lhes refere como turnos intermédios ou não padronizados autónomos para: i) neles integrar os tempos de trabalho prestado pelo autor não coincidentes com as horas de início e de fim de qualquer dos três turnos padronizados instituídos na ré e em relação aos quais a hora de início e a hora de termo da prestação de trabalho não se contenham dentro dos limites desses turnos padrão[3]; ii) deles excluir, reversamente, os tempos de trabalho prestado pelo autor não coincidentes com as horas de início e de fim dos três turnos padronizados instituídos na ré e em relação aos quais a hora de início e a hora de termo da prestação de trabalho se contenham dentro dos limites dos turnos padrão[4] [5].

Procurando demonstrar o afirmado no antecedente parágrafo, verifique-se que relativamente ao mês de Novembro de 2011 consta daquele quadro, para que se remete ao nível da decisão fáctica e que dela faz parte integrante, que o apelado trabalhou em 3 turnos; conjugando esse elemento fáctico com os que constam do relatório pericial de fls. 431 a 449 e para os quais se também se remete no ponto 24º) dos factos descritos como provados, conclui-se que ao nível da decisão fáctica foram considerados como turnos dois padronizados (os das 16h às 24h – v.g. 2 a 16, 21, 25 e 26 de Novembro – e das 00h às 08 horas – v.g. 30 de Novembro), e um intermédio ou não padronizado autónomo (das 15h às 23h30m – v.g. 16 a 20 de Novembro).

Noutro exemplo: relativamente ao mês de Novembro de 2013 consta daquele quadro, para que se remete ao nível da decisão fáctica e que dela faz parte integrante, que o apelado trabalhou em 3 turnos; conjugando esse elemento fáctico com os que constam do relatório pericial de fls. 431 a 449 e para os quais se também se remete no ponto 24º) dos factos descritos como provados, conclui-se que ao nível da decisão fáctica foram considerados como turnos dois padronizados (os das 8h às 16h – v.g. 1 a 4 de Novembro - e das 16h às 24h – v.g. 6 a 26, 28 e29 Novembro), e um intermédio ou não padronizado autónomo (das 14h às 21h – 27 de Novembro).

Num último exemplo: relativamente ao mês de Dezembro de 2016 consta daquele quadro, para que se remete ao nível da decisão fáctica e que dela faz parte integrante, que o apelado trabalhou em 7 turnos; conjugando esse elemento fáctico com os que constam do relatório pericial de fls. 431 a 449 e para os quais se também se remete no ponto 24º) dos factos descritos como provados, conclui-se que ao nível da decisão fáctica foram considerados como turnos dois padronizados (o das 16h às 24h – 2, 3, 21 a 27 de Dezembro – e o das 00h às 8h – 29 e 30 de Dezembro), e cinco intermédios ou não padronizados autónomos (das 14h às 21h – 4 de Dezembro – das 14h às 20h30m – 13 de Dezembro – das 14h30m às 22h30m – 17 de Dezembro – das 14h30m às 23 – 18 de Dezembro - e das 14h às 22h – 19 de Dezembro).

Ora, a decisão fáctica não foi impugnada no segmento em que considerou como tendo sido prestado em turnos o tempo de trabalho prestado pelo autor nos denominados turnos intermédios ou não padronizados autónomos, circunstância que só por si obsta a que possa agora considerar-se que esses tempos de trabalho não podem ser valorados como tendo sido prestados em regime de trabalho por turnos.

A igual conclusão pode chegar-se por outra via.

Na verdade, consta da sentença recorrida, designadamente, que “No estabelecimento em que os autores prestavam funções, denominado “Unidade de Cuidados Continuados”, cumpriam-se três horários diferentes: das 00.00 horas às 08.00 horas, das 08.00 horas às 16.00 horas e das 16.00 horas às 24.00, sem prejuízo de, por vezes, serem cumpridos horários intermédios ou parcialmente diferentes, como resulta do relatório pericial.

(…)

A facilidade de apreensão dos termos da prestação de trabalho pelos autores só é posta em causa pela prestação de trabalho em turnos intermédios ou não padronizados, especialmente utilizados na prestação de trabalho nos Lares, ainda que também surjam pontualmente na Unidade de Cuidados Continuados.

No que respeita a esses turnos, só não se deverão considerar turnos autónomos aqueles em relação aos quais a hora de início e a hora de termo da prestação de trabalho se contenham dentro dos limites dos turnos padrão.

Assim, por exemplo, a prestação de trabalho entre as 08.30 horas e as 14.30 horas deverá ser considerada como prestação de trabalho no turno das manhãs, ou seja, entre as 08.00 horas e as 16.00 horas. Já o trabalho prestado entre as 14.30 horas e as 22.30 horas, por exemplo, deverá ser considerado um turno autónomo.

Na verdade, inexiste razão para procurar integrar os turnos não padronizados no âmbito dos três turnos padronizados, especialmente quando o horário de termo da prestação de trabalho vai para além do horário de algum dos turnos padronizados4”.

Ora, o assim exarado pelo tribunal recorrido não é objecto de divergência explicitada nas conclusões da apelante, onde apenas se sustenta que: i) não podem considerar-se turnos os tempos de trabalho que envolvam pequenas ou não significativas variações[6] relativamente aos horários correspondentes aos três turnos padronizados em vigor na ré, sem enunciação de um qualquer exemplo desse tipo de variação que divergentemente tenha dado origem à qualificação pela sentença recorrida de um tempo de trabalho como turno não padronizado autónomo (conclusões 1ª a 3ª); ii) o cumprimento de horários diferentes dos estipulados pela empregadora não releva para efeitos de pagamento do subsídio de turno se o trabalhador não alegar e/ou não provar que tais horários foram prévia e expressamente determinados pela empregadora ou, pelo menos, cumpridos de modo a não ser previsível a oposição da empregadora ou, ainda, que o trabalho foi prestado nesses moldes no seu interesse (conclusões 5ª e 6ª).

Por outro lado, prescreve o art. 621º/1/1ª parte do NCPC, que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: …”, sabendo-se que existe hoje uma corrente jurisprudencial e doutrinária consolidada no sentido de que a força do caso julgado abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado – neste sentido, por exemplo, acórdãos do STJ de 28/3/2019, proferido no processo 6659/08.3TBCSC.L1.S, de 20/6/2012, proferido no processo 241/07.0TTLSB.L1.S1, de 12/7/2011, proferido no processo 129/07.4.TBPST.S1, de 8/3/2007, proferido no processo 07B595, de 19/2/2016, proferido no processo 6B4446, e de 15/5/1999, proferido no processo 99A422; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/9/2019, proferido no processo 9531/17.2T8LSB.L1-2, acórdãos da Relação de Évora de 23/7/2014, proferido no processo 209/09.1TBVRS.E1, e de 30/6/2016, proferido no processo 1375/06.3TBSTR.E1; acórdãos da Relação de Coimbra de 18/10/2016, proferido no processo 788/13.9TYVNG.C1, de 5/7/2011, proferido no processo 393/09.4TBSEI.C1, e de 15/3/2005, proferido no processo 4128/04; acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 3/6/2019, proferido no processo 2388/17.5T8VLG.P1; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/5/2016, proferido no processo 1275/14.3T8CHV.G1; Vaz Serra, R.L.J., ano 110º, pp. 232 e ss; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 3ª edição, p. 201; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 579.

Tudo conjugado, tem de concluir-se no sentido em que transitou em julgado o segmento da decisão recorrida que qualificou como tendo sido prestados em regime de trabalho por turnos os tempos de trabalho que foram contabilizados naquela decisão como turnos intermédios ou não padronizados autónomos.

Segunda questão: saber se a remuneração como trabalho prestado em regime de trabalho por turnos dos tempos de trabalho que foram contabilizados na sentença recorrido como turnos intermédios ou não padronizados autónomos exige a alegação e prova de que os horários correspondentes a esses turnos foram prévia e expressamente determinados pela empregadora ou, pelo menos, cumpridos de modo a não ser previsível a oposição da empregadora ou, ainda, que o trabalho foi prestado nesses moldes no seu interesse.

Comece por recordar-se que emerge do ponto 17º) dos factos provados que os horários intermédios ou parcialmente diferentes foram “… cumpridos …”, emergindo do ponto 24º) desses mesmos factos que os autores “…  trabalharam para a ré … cumprindo os horários que constam do relatório pericial de fls. 431 a 449.”.
O referido no antecedente parágrafo e a utilização naqueles pontos de facto do verbo cumprir aponta claramente para uma situação de acatamento, de obediência, de sujeição ou submissão, isto é, de cumprimento pelo trabalhador de horários de trabalho hétero-determinados, que não para uma situação de prestação de trabalho em regime temporal autodeterminado pelo trabalhador.

Por outro lado, “Compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável.” – art. 212º/1 do CT/09.

A significar que compete ao empregador definir os períodos de prestação de trabalho dos trabalhadores e, nessa medida, se organiza ou não em turnos aqueles tempos de prestação.

Assim sendo, se o autor prestou trabalho em cumprimento de horários de trabalho e se a competência para a elaboração destes é do empregador, deverá concluir-se, por tal corresponder a uma regra legal que não se mostra afastada pela decisão fáctica, que os tempos de trabalho que integram os turnos independentes ou não padronizados autónomos foram prestados em horários definidos pela empregadora, ora ré.

Neste enquadramento, estaria satisfeito o ónus de alegação e prova que a apelante faz impender sobre o apelado, como condição para o pagamento da retribuição do trabalho por turno, de que o trabalho assim prestado o foi em cumprimento de horários prévia e expressamente determinados pela empregadora.

Por outro lado, não existe em relação à retribuição do trabalho por turnos consagração legal ou convencional paralela à que existe relativamente à remuneração do trabalho suplementar no sentido de que só é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador – art. 268º/2 do CT/09.

Nem se vislumbra um paralelismo entre as situações de trabalho por turnos e de trabalho suplementar que justifique, por interpretação extensiva ou analógica, a aplicação ao primeiro do regime de (in)exigibilidade retributiva legalmente consagrado em relação ao segundo.

Há, aliás, diferenças entre essas duas situações que podem justificar um regime de (in)exigibilidade retributiva diferenciado.

Com efeito, competindo ao empregador definir os horários de trabalho, considerando a normalidade legal com que é encarada, por ausência de enunciação legal de condicionantes específicos da sua admissibilidade, a instituição de um regime de prestação do trabalho por turnos[7] (art. 220º a 222º do CT/09), a imposição legal desse regime em determinadas circunstâncias (art. 221º/1 do CT/09),  a circunstância de que essa implementação importa uma prévia e específica organização dos tempos de prestação de trabalho que é da competência do empregador  (arts. 198º, 200º e 212º do CT/09), deve partir-se do princípio que o trabalho prestado em regime de turnos o foi por determinação prévia do empregador, não fazendo sentido, por isso, que se imponha ao trabalhador o ónus de alegação e prova dessa prévia determinação.

Por outro lado, não se registam em relação ao trabalho por turno: i) a necessidade de desincentivar o recurso ao trabalho suplementar associada à excepcionalidade da sua admissão legal; ii) a necessidade de proteger a entidade patronal de modo a não obrigá-la a remunerar trabalho suplementar em relação ao qual é alheia, no que concerne à determinação da sua realização  e ao proveito dele emergente; iii) a necessidade equitativa e até constitucionalmente imposta (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 635/99, de 23/11//99) de obrigar a entidade patronal a remunerar o trabalho suplementar prestado com o seu conhecimento (implícito ou tácito) e sem a sua oposição, ou prestado por iniciativa unilateral do trabalhador para acorrer a circunstâncias de força maior, ou prevenir prejuízos ou riscos iminentes de carácter grave, de que a entidade patronal não teve conhecimento a tempo de mandar realizar o trabalho suplementar necessário para lhes fazer face e que teria mandado realizar se deles tivesse tido conhecimento oportuno (Mota Veiga, Lições de Direito Trabalho, 1997, pp. 442 e 443; Liberal Fernandes, Comentário às Leis da Duração do Trabalho e do Trabalho Suplementar, 1995, pp. 151 e 152).

Ora, são as necessidades enunciadas no antecedente parágrafo que justificam o estatuído no art. 268º/2 do CT/09, segundo o qual “É exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.

Não se verificando tais necessidades no caso do trabalho prestado por turnos, não se justifica que em relação à exigibilidade da sua remuneração seja aplicado o lugar paralelo do transcrito art. 268º/2 do CT/09.

É negativa, assim, a resposta a esta questão, com a consequente improcedência do sustentado nas conclusões 4ª) e 5ª).

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 15/1/2021.


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)

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[1] Trata-se do quadro que em relação ao apelante se pode consultar nas pp. 15/25 a 18/25 do suporte digital que incorpora a sentença
[2] De forma menos rigorosa em face da melhor técnica jurídica e até da separação legalmente imposta entre fundamentação de facto e fundamentação jurídica, pois incorpora-se na decisão fáctica, ainda que remissão, um quadro discriminativo que se enuncia já em sede de fundamentação jurídica.
[3] Socorrendo-nos da exemplificação contida na sentença recorrida, “… o trabalho prestado entre as 14.30 horas e as 22.30 horas …”, o qual deve considerar-se, para lá dos três turnos padronizados, como turno relevante para efeitos de apuramento dos créditos do autor por prestação de trabalho por turnos, pois que é insusceptível de ser plenamente integrado nos limites de qualquer dos três turnos padronizados instituídos na ré.
[4] Socorrendo-nos da exemplificação contida na sentença recorrida, “… a prestação de trabalho entre as 08.30 horas e as 14.30 horas…”, o qual não deve considerar-se, para lá dos três turnos padronizados, como turno relevante para efeitos de apuramento dos créditos do autor por prestação de trabalho por turnos, pois deveria considerar-se parte integrante do turno entre as 8h e as 16h.
[5] No próprio relatório pericial de fls. 431 a 449 já se tinham excluído dos turnos relevantes para quantificação do direito do autor por trabalho por turnos, os tempos de prestação de trabalho integralmente compreendidos nos limites de um turno padrão de entre os 3 instituídos na ré, sendo contabilizados para esse efeito, apenas, os tempos de trabalho que se iniciaram e/ou terminaram fora das horas limite  dos três turnos padronizados.
[6] Sem explicitação concretizadora que seja pequena ou não significativa variação.
[7] Por contraposição à excepcionalidade legal da prestação do trabalho suplementar (art. 227º do CT/09).