Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
294/14.4TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CONTRATO PROMESSA
INDEMNIZAÇÃO
TRADIÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL E CRIMINAL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 306, 308, 309, 325, 326, 406, 410, 442 CC
Sumário: 1. A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC).

2. Na situação de reconhecimento interruptivo da prescrição a que aludem os art.ºs 308º, n.º 2 e 325º, n.º 1, do CC, o reconhecimento da existência da situação de facto que origina a relação de crédito pode interpretar-se como renúncia da parte a prevalecer-se do prazo prescricional decorrido, visto supor a vontade de cumprir, além de que o titular (do direito) pode confiar na opinião manifestada pela outra parte, não tendo, por isso, que a demandar - o direito adquire nova vitalidade por efeito do reconhecimento.

3. Só há lugar à indemnização prevista na 2ª parte do n.º 2 do art.º 442º, do CC, no caso de existir tradição da coisa.

Decisão Texto Integral:


           
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Em 20.3.2014, MM (…) e mulher MF (…) intentaram a presente acção declarativa comum contra R (…), Lda. (1ª Ré) e Sociedade de Construções (…), Lda. (2ª Ré), deduzindo os seguintes pedidos:

            a) que seja determinado o suprimento da declaração negocial das Rés, enquanto promitentes vendedoras, e, em execução específica do contrato-promessa de compra e venda junto com o n.º 9 [documento de fls. 40], conjugado com a declaração negocial do documento junto com o n.º 13, e transferida para os AA. o direito de propriedade sobre o imóvel urbano correspondente ao lote n.º 15, identificado na petição inicial (p. i.).

            b) que seja determinado o cancelamento de quaisquer inscrições que incidam sobre a respectiva descrição a favor de outrem, nomeadamente da 2ª Ré.

            c) subsidiariamente, e a improceder tal suprimento e execução específica por culpa de quaisquer das Rés, que seja declarado resolvido, por incumprimento das Rés, o contrato, e em consequência, condenada a 2ª Ré a indemnizar os AA. do valor actual do imóvel que lhe foi prometido vender, no montante de € 115 000

            d) a não procederem tais pedidos, e subsidiariamente, ser a 2ª Ré condenada a indemnizar os AA. no montante de € 12 475,94, correspondente à devolução em dobro das quantias que entregou à 1ª Ré a título de sinal e princípio de pagamento, cuja responsabilidade foi expressamente assumida pela 2ª Ré no documento junto com o n.º 9.

            e) também em sede subsidiária, e improcedendo os pedidos anteriores, serem as Rés condenadas, em regime de solidariedade, a indemnizar os AA. no montante de € 108 762,03 a título de enriquecimento sem causa.

            Alegaram, em síntese: o A. celebrou com a 1ª Ré um contrato-promessa de compra e venda relativo ao lote de terreno identificado na p. i., tendo os AA. pago o montante de € 4 987,98 a título de sinal e princípio de pagamento, devendo o contrato definitivo ser outorgado no prazo de 120 dias, a contar de 15.3.1986, tendo ficado consignado a possibilidade de execução específica; após a celebração do contrato, o A. passou a deslocar-se ao terreno, efectuando a sua limpeza, manutenção, colocando divisórias e procedendo às medições e cálculos necessários para a construção de uma moradia, dado que lhe tinha sido dito pela legal representante da promitente vendedora que poderia tomar posse imediata do imóvel; não obstante as interpelações efectuadas, a 1ª Ré nunca procedeu à marcação da escritura pública, sendo que mantêm o interesse na realização do negócio; a 2ª Ré comprou o imóvel do qual fazia parte o lote de terreno prometido vender aos AA., tendo feito um novo projecto de loteamento sobreposto àquele que já existia; no entanto, a 2ª Ré tinha conhecimento da existência de contratos-promessa de compra e venda, sabia que haviam sido pagas quantias a título de sinal e assumiu as obrigações que a 1ª Ré havia contraído perante terceiros, nomeadamente os AA., derivadas da celebração dos contratos-promessa; apesar disso, a 2ª Ré não cumpriu as suas obrigações em relação aos AA..

            Citadas as Rés, apenas a 2ª Ré contestou, invocando, por excepção, a prescrição, em face da data prevista no contrato-promessa para a celebração da escritura pública e da data em que ocorreu a citação nos presentes autos, e ser parte ilegítima, na medida em que uma acção em que seja invocado o incumprimento do contrato-promessa e pedida a execução específica do mesmo, ou a devolução das quantias entregues, deve ser apenas proposta contra os promitentes outorgantes; por impugnação, alegou, nomeadamente, o desconhecimento dos factos alegados que não são pessoais, nem factos de que deva conhecer, e, ainda, que o terreno em causa se encontra devidamente registado na Conservatória do Registo Predial da (...) a seu favor, em virtude de o ter adquirido aos seus proprietários, e que nunca foi transferida a posse do mesmo para os AA., até porque a 1ª Ré nunca foi a proprietária e legítima possuidora do terreno. Concluiu pela improcedência da acção.    

            Em audiência prévia, os AA. pediram e viram indeferida a ampliação do pedido (com dedução de articulado superveniente) e responderam às excepções deduzidas pela 2ª Ré.

            Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a dita excepção de ilegitimidade e relegou para final o conhecimento da excepção de prescrição; delimitou-se o objecto do litígio.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal, por sentença de 12.10.2015, julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou resolvido, por incumprimento das Rés, o contrato-promessa referido em 7. dos factos provados e condenou a 2ª Ré a pagar aos AA. a quantia de   € 47 506,02, absolvendo as Rés do demais pedido.

            Inconformada, a 2ª Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Da impugnação da matéria de facto dada como provada e como não provada pela sentença, e a aceitar-se a tese da recorrente, resultará que se deve considerar como não provados os factos apreendidos em 17, 18, 21, 22 e 23 dos Factos Provados, e como provado o facto apreendido em 4 dos Factos Não Provados.

            2ª - O(s) direito(s) do(s) autores resultante(s) do contrato-promessa prescreveu(ram) em 15.7.2006, tanto mais quanto é certo que os mesmos autores apenas interpelaram a recorrente através de notificação judicial avulsa de 19.8.2013 - o que suficiente seria para soçobrarem as pretensões dos autores.

            3ª - O reconhecimento a que alude o art.º 325º, do Código Civil (CC), para ter os efeitos pretendidos pela sentença, deveria ter sido feito directa e explicitamente aos autores, situação que não ocorreu.

            4ª - É que para que reconhecimento houvesse, interruptivo do prazo de prescrição, face ao contrato-promessa outorgado em 15.3.1986, deveria o mesmo ter sido realizado directamente perante os promitentes compradores (autores), o que não aconteceu.

            5ª - O Assento do STJ de 19.11.1987 (Diário da República, 1ª série, de 12.01.1988), que se crê aqui aplicável, veio determinar que «na vigência do DL 289/73, de 06.6, é válido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvará, a menos que, no momento da celebração desse contrato haja impossibilidade de obtenção do alvará, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão».

            6ª - À data de celebração do contrato-promessa em causa, existiam e vigoravam normas jurídicas que impediam a emissão do alvará relativo ao loteamento em apreço.

            7ª - Por isso que importa concluir que, de acordo com a legislação em vigor e jurisprudência uniformizada, o contrato-promessa com base no qual os autores erigem as suas pretensões no âmbito do presente processo é nulo.

            8ª - Aliás, a mesma conclusão impõe o disposto no art.º 280º do Cód. Civil nos termos do qual «é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja (…) legalmente impossível», como é o caso da promessa de venda de terrenos para construção, compreendidos em loteamentos, antes de obtidas as necessárias licenças.

            9ª - Anulado o negócio, devem as partes ser restituídas à situação anterior a ele, restituindo uma à outra as prestações feitas em execução do negócio anulado.

            10ª - Da impugnação da matéria de facto dada como provada e como não provada, e a aceitar-se a tese da recorrente, resultará que não existiu tradição do terreno prometido vender aos autores, pela única, simples e definitiva razão de que a 1ª Ré não era possuidora (como nunca foi) do imóvel que incluía tal lote de terreno.

            11ª - E, não sendo possuidora, não podia transmitir a mesma posse…

            12ª - Do que se conclui que não pode funcionar o comando normativo plasmado no art.º 442º/2, designadamente no segmento em que diz que «…ou, se houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago».

            13ª - Ao contrário do que resulta da sentença (que fixa o incumprimento definitivo em 19.8.2013, data da notificação judicial efectuada às Rés), o incumprimento definitivo terá que ser reportado a 04.7.1996.

            14ª - Em consequência do que, na lógica da construção jurídica plasmada na sentença em crise, deverá ser levado em conta para a indemnização a (eventualmente) atribuir aos autores o valor do lote de terreno prometido vender, calculado à data do incumprimento definitivo, ou seja à data de 04.7.1996.

            15ª - A sentença violou, entre outras, as normas dos art.ºs 306, 308º, 309º, 325º, 326º, 410º e 442º do Código Civil e 10º, 22º e 31º do DL 400/84.

            Em resposta, os AA. concluíram pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar, sobretudo: a) erro na apreciação da prova; b) excepção de prescrição; c) demais aspectos da decisão de mérito (se a factualidade apurada corporiza “nulidade” do contrato-promessa; consequências do incumprimento).


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1. A 1ª Ré tem como objecto social a construção e comercialização de imóveis.

            2. A 2ª Ré tem como objecto social a construção civil, comercialização de terrenos para construção e comercialização de vivendas.   

            3. Os autores são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos.  

            4. O imóvel constituído por loteamento urbano, destinado à construção de imóveis de natureza urbana, denominado Quinta (...) , com a área de 11,3995 ha, que confronta de norte e nascente com caminho, sul com F (...) e poente com rua, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o n.º 609/19920225 e aí inscrito a favor da 2ª Ré.

            5. Tal loteamento tem acessibilidades privilegiadas, porque se situa próximo de duas auto-estradas (A23 e A25) e próximo do perímetro urbano, com boa exposição solar, dado que se encontra virado a Sul.

            6. Por intermédio de escritura pública outorgada no dia 04.7.1996, no Cartório Notarial da Guarda, figurando como primeiros intervenientes M (…) na qualidade de procurador de (…); e como segundos intervenientes, (…), em representação da “Sociedade de Construções (…) Lda.” os primeiros declararam vender à segunda e esta declarou comprar o imóvel identificado em 4.     

            7. Por intermédio de acordo negocial reduzido a escrito, celebrado em 15.3.1986, que denominaram de “contrato promessa de compra e venda”, a 1ª Ré “prometeu vender” ao A., e este prometeu comprar-lhe, uma parcela do imóvel descrito em 4., que identificaram como lote n.º 15.

            8. O qual constituía um lote de terreno com a área de 3.200 m² destinado à construção urbana para habitação.

            9. Este, no projecto de loteamento que então havia sido feito, confrontava de norte com o lote n.º 10, de nascente com o lote n.º 16 e com arruamento, de poente com o lote n.º 14 e de sul com o lote n.º 23.

            10. Fazia parte integrante de tal contrato uma planta do referido loteamento, na qual o lote prometido vender se encontrava discriminado e identificado como lote nº 15.  

            11. O preço do imóvel prometido vender foi de 1 500 000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), actualmente € 7 481,96.

            12. Os autores pagaram, logo no acto da assinatura do contrato, a quantia de 1 000 000$00 (um milhão de escudos), actualmente € 4 987,98.

            13. Tal montante foi pago pelo A. à 1ª Ré, a título de sinal e princípio de pagamento do preço total do imóvel prometido vender.

            14. Tendo-lhe a promitente vendedora informado que as prestações seguintes seriam pagas logo que fossem desbloqueados alguns problemas burocráticos relacionados com o licenciamento do loteamento em causa, ou aquando da outorga do contrato de compra e venda definitivo.

            15. Encontrava-se previsto no acordo contratual referido em 7 que o contrato definitivo de compra e venda, a celebrar por escritura pública, teria lugar no prazo de 120 dias a partir de 15.3.1986.

            16. Devendo a 1ª Ré, dentro de tal prazo, marcar o respectivo local, dia e hora, onde se iria realizar a escritura pública, fornecendo ainda todos os documentos necessários à respectiva outorga.

             17. Após a celebração do contrato, o A. passou a deslocar-se  ao interior do lote que lhe havia sido prometido vender pela 1ª Ré.

            18. Tendo procedido à confirmação da sua área e confrontações e manutenção dos sinais divisórios do terreno, nomeadamente estacas e uma cruz em tinta vermelha sobre as agremiações rochosas situadas no limite do terreno.

            19. Tais sinais e elementos foram aí colocados anteriormente pelo legal representante da promitente vendedora, e que o demarcavam dos demais lotes.

            20. O A. limpou tal espaço das herbáceas e lixos que surgiam no seu interior.

            21. E mandou proceder às medições e cálculo de implantação de uma moradia unifamiliar que aí pretendia construir.

            22. Tendo contratado com terceiros para lhe elaborarem o respectivo projecto.

            23. Que para esse efeito se deslocaram ao referido lote.

            24. O A. actuou nos termos referidos em 17 a 23 dado que lhe tinha sido dito pelo legal representante da promitente vendedora que podia de imediato ocupar o imóvel, fazer o respectivo projecto para a construção que aí pretendesse erigir, bem como para proceder à construção de caboucos ou alicerces e paredes no mesmo, se assim pretendesse.

            25. Até ao momento a 1ª Ré nunca marcou a data para a celebração do contrato definitivo, pese embora o A. a tivesse sucessivas vezes instado nesse sentido.

            26. Por intermédio de notificação judicial avulsa, de 19.8.2013, os autores requereram a notificação das Rés para marcarem o dia, hora e local para a realização do contrato definitivo.

            27. Os autores mantêm interesse na realização do respectivo negócio, pretendendo entregar a parte restante do preço em falta.

            28. Até à presente data, as Rés ainda não efectivaram a marcação da escritura pública.

            29. Após a celebração do contrato de compra e venda referido em 6. a 2ª Ré fez um novo projecto de loteamento, diferente do já anterior elaborado pela 1ª Ré.

            30. Sobrepondo novos lotes de diferente configuração, sobre os iniciais, demarcados no primeiro projecto de loteamento.

            31. Aquando da celebração da escritura pública referida em 6, a 2ª Ré tinha conhecimento que a 1ª Ré tinha celebrado, com terceiros, contratos-promessa de compra e venda de lotes integrados no referido imóvel, contemplados no projecto inicial de loteamento.

            32. Destinados, designadamente, à construção urbana de moradias.

            33. Sabia, igualmente, a 2ª Ré que a 1ª Ré havia recebido, de tais promitentes compradores várias quantias a título de sinal e princípio de pagamento do preço da venda de tais lotes.

            34. A 2ª Ré, assumiu as obrigações que a 1ª Ré havia contraído para com os terceiros, derivadas dos contratos-promessa de compra e venda em referência, incluído o dos autores.    

            35. Para tanto, por intermédio de documento datado de 04.7.1996, a 2ª Ré assumiu o encargo e responsabilidade pela resolução das questões relativas ao cumprimento de tais contratos-promessa de compra e venda.

            36. Tal documento, denominado de “declaração”, foi subscrito pela 2ª Ré, representada pelos seus gerentes (…) e do mesmo consta, nomeadamente: “(…)  2. A declarante tem conhecimento de que a sociedade “R (...) celebrou em tempo com terceiros, contratos-promessa de compra e venda de partes a destacar do aludido prédio, tendo  chegado a receber sinais e, ainda, de que alguns desses terceiros construíram edificações em partes do prédio hoje comprado pela declarante. 3. Para os devidos e legais efeitos declara que nada exigirá dos vendedores por eventuais indemnizações e gastos que tenha que vir a suportar um virtude da situação descrita no número anterior, sendo da sua inteira responsabilidade a resolução das questões emergentes de tal situação. 4. Assim, a declarante passa a ser a única responsável por todas as indemnizações e outras verbas que possam ser exigidas pelos terceiros atrás referidos, ainda que essa exigência seja feita directamente aos vendedores do mencionado prédio vendido por escritura hoje outorgada. 5. Uma das razões determinantes do preço do imóvel hoje comprado foi a situação descrita na presente declaração e as obrigações nela assumidas”. 

            37. Os autores reconheceram e reconhecem a 2ª Ré, a partir de 04.7.1996, como investida nas obrigações de promitente vendedora, que antes estava assumida pela 1ª Ré relativamente ao sobredito contrato.

            38. O actual valor do terreno objecto do contrato promessa referido em 7 é de cerca de € 50 000.

            39. A 2ª Ré foi citada para a presente acção em 25.3.2014 e a 1ª Ré foi citada para a presente acção em 27.6.2014.

            40. A titularidade do imóvel descrito em 4. nunca esteve inscrita na Conservatória do Registo Predial a favor da sociedade “R (...) , Lda.”.

            2. E deu como não provado:

            a) As partes contraentes fizeram consignar expressamente no referido contrato-promessa de compra e venda a faculdade de o mesmo ser objecto de execução específica

            b) Após a celebração do contrato o A. passou a deslocar-se com uma periodicidade semanal ao interior do lote. 

            c) O valor actual do lote de terreno objecto do contrato-promessa referido em 7. dos factos provados é de cerca de € 115 000.

            d) A sociedade “R (…), Lda.” nunca foi, pelo menos em exclusivo possuidora do imóvel referido em 4 dos factos provados.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            a) A 2ª Ré/recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, invocando a prova pessoal e documental produzida nos autos e em audiência de julgamento - pugna para se dê como não provada a matéria de facto aludida em II. 1. 17, 18, 21, 22 e 23, supra, e como provada a matéria dita II. 2. d), supra.

            b) Esta Relação procedeu à audição dos depoimentos produzidos em audiência de julgamento, conjugando-os com os restantes meios de prova.

            c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[1], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que reanalise, designadamente, a credibilidade das testemunhas e verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

            E na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[2], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

            (…)

            Soçobra, pois, a pretensão da apelante de ver modificada a decisão de facto.

            4. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição (art.º 306º, n.º 1, do CC).

            Se a dívida for assumida por terceiro, a prescrição continua a correr em benefício dele, a não ser que a assunção importe reconhecimento interruptivo da prescrição (art.º 308º, n.º 2, do CC).

            O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309º, do CC).

            A prescrição é [ainda] interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido (art.º 325º, n.º 1, do CC).

            A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte (art.º 326º, n.º 1, do CC).

            A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º (n.º 2).

            5. Ora, tendo em consideração, principalmente, a factualidade descrita em II. 1. 31, 33, 34 [A 2ª Ré, assumiu as obrigações que a 1ª Ré havia contraído para com os terceiros, derivadas dos contratos-promessa de compra e venda em referência, incluídos o dos aqui autores], 35 [por intermédio de documento datado de 04.7.1996, a 2ª Ré assumiu o encargo e responsabilidade pela resolução das questões relativas ao cumprimento de tais contratos-promessa de compra e venda/documento de fls. 135, parcialmente reproduzido em II. 1. 36, supra], 36 e 37 [os autores reconheceram e reconhecem a 2ª Ré, a partir de 04.7.1996, como investida nas obrigações de promitente vendedora, que antes estava assumida pela 1ª Ré relativamente ao sobredito contrato], supra, é irrecusável que a dívida inicialmente existente na esfera jurídica da 1ª Ré foi assumida pela 2ª Ré, pelo que, em princípio, o prazo de prescrição continuaria a correr em benefício dela.

            Porém, a 2ª Ré assumiu, inequivocamente, as obrigações que a 1ª Ré havia contraído, reconhecendo o direito dos autores e dos demais promitentes compradores, o que consubstancia facto interruptivo da prescrição - a aludida actuação da 2ª Ré foi realizada ante o(s) titular(es) do(s) direito(s) ou a ele(s) dirigida (cf. os art.ºs 308º, n.º 2 e 325º, n.º 1, do CC).     

            Perante tal enquadramento fáctico e normativo, dúvidas não restam de que a Ré reconheceu o direito dos AA., de forma a interromper a prescrição [no descrito circunstancialismo, a 2ª Ré afirmou/reconheceu “a existência da situação de facto que origina a relação de crédito”, sendo, pois, “razoável que perca o benefício do prazo prescricional já decorrido”, porquanto “tal reconhecimento pode interpretar-se como renúncia da sua parte a prevalecer-se desse prazo, visto supor a vontade de cumprir, além de que o titular pode confiar na opinião manifestada pela outra parte, não tendo, por isso, que a demandar”; “o titular pode legitimamente admitir que o seu direito adquire nova vitalidade por efeito do reconhecimento”], e, estes, por intermédio de notificação judicial avulsa de 19.8.2013, requereram a notificação das Rés para marcarem o dia, hora e local para a realização do contrato definitivo [II. 1. 26, supra], sendo que, a partir de 04.7.1996, sempre os AA. reconheceram a 2ª Ré como investida nas obrigações de promitente vendedora, dado que tais obrigações foram assumidas perante si e sempre tiveram conhecimento dessas circunstâncias.[3]

            Verificada, assim, uma causa de interrupção da prescrição, aquando do reconhecimento do direito dos AA. por parte da 2ª Ré e, posteriormente, com a sua notificação judicial avulsa, não logrou a 2ª Ré provar que tenha decorrido o prazo prescricional impeditivo do exercício do direito dos AA. (cf. os art.ºs 309º, 326º, n.º 1 e 342º, n.º 2, do CC), pelo que nenhuma censura merece a decisão recorrida ao julgar improcedente a dita excepção de prescrição.

            6. Relativamente à pretensa “nulidade” do contrato-promessa agora invocada pela Ré contestante [na sequência do que já afirmara em alegações orais; cf. as “conclusões 5ª, 6ª, 7ª, 8ª e 9ª” das alegações de recurso/ponto I, supra], dir-se-á, apenas, que, se, por um lado, nada se poderá objectar ao expendido pela Mm.ª Juíza a quo na sentença recorrida - mormente, quando, tendo presente, designadamente, o disposto no art.º 892º, do CC, veio a concluir que “a circunstância de, à data da celebração do contrato-promessa, o imóvel objecto do mesmo ser ou não da titularidade da promitente vendedora, não assume, pois, relevância como (…) pretendido pela segunda ré” -, por outro lado, a factualidade dada como provado é manifestamente insuficiente para que se pudesse dar por verificada a existência de licenciamento ilegal ou irregular (v. g., por pretensa violação, entre outras, das disposições dos art.ºs 10º, 22º e 31º do DL n.º 400/84, de 31.12) gerador de “nulidade” do contrato-promessa, além que era claramente diverso o acervo fático considerado no aresto citado na alegação de recurso.[4]

            7. O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º, n.º 1, do CC), designadamente, mediante a sua resolução fundada na lei ou em convenção (art.º 432°, n.º 1, do CC).

            Para constituir fundamento de resolução do contrato e servir de justificação para a perda de sinal, restituição do sinal em dobro, ou para a indemnização pelo valor da coisa à data do não cumprimento da promessa (art.º 442º, n.ºs 2 e 4, do CC)[5], o incumprimento culposo tem de ser definitivo - só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no art.º 442°, n.° 2, do CC, não bastando, para o efeito, a simples mora [que é necessário transformar em incumprimento definitivo, nos termos gerais do art.º 808°, do CC].[6]

            Só há lugar à indemnização prevista na 2ª parte do n.º 2 do art.º 442º, do CC, no caso de existir tradição da coisa.[7]

            8. A Ré/recorrente não logrou ver modificada a decisão sobre a matéria de facto, sendo que, como decorre da contestação de fls. 100 (cf., v. g., o art.º 13º/fls. 103) e da alegação de recurso (a partir da “conclusão 10ª”, inclusive/ponto I, supra), essa pretendida alteração seria imprescindível para uma diferente decisão de mérito, à luz do disposto no art.º 442º, do CC.     

            Demonstrada a tradição do terreno/lote prometido vender aos AA. - ou seja, a disponibilidade fática ou empírica mencionada em II. 1. 17 a 24, supra -, a própria recorrente não enjeita a aplicação do referido art.º da lei civil substantiva (como na decisão sob censura), no segmento em que reza: «…ou, se houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor (determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago».

            E, dadas as apuradas vicissitudes da relação contratual das partes, o incumprimento definitivo do contrato-promessa - ao contrário do que parece ser a perspectiva da 2ª Ré/recorrente - ocorreu ao tempo da notificação judicial avulsa efectuada às Rés [foi com a notificação judicial avulsa de fls. 61 e seguintes, de 19.8.2013, que os AA. converteram a mora em incumprimento definitivo/cf. o art.º 808º, n.º 1, do CC[8]] e subsequente comportamento omissivo.[9]

            Por conseguinte, a indemnização atribuída aos AA., na sentença, foi reportada à data do não cumprimento da promessa, nos termos legais [cf., principalmente, II. 1. 4, 6, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 34, 35, 37 e 38, supra].

            9. À data da celebração do contrato-promessa, o A. efectuou o pagamento do sinal e ficou então acordado (o que releva, independentemente das vicissitudes que posteriormente ocorreram, nomeadamente após a aquisição do terreno pela 2ª Ré), que poderia tomar posse do prédio, como, de facto, tomou, praticando os actos que ficaram provados.

            Existiu, pois, a tradição da coisa objecto do contrato-promessa, pelo que a consequência da resolução poderia ser o valor da coisa à data do incumprimento (art.º 442º, n.º 2, 2ª parte, do CC).

            Avaliado o lote de terreno prometido vender à data do incumprimento definitivo, deduzido o preço do imóvel prometido vender e atendido o valor pago a título de sinal, obteve-se o montante de € 47 506, 02 [€ 50 000 - € 7 481,96 + € 4 987, 98], operação de cálculo que não suscitou nem suscita qualquer reparo.

            10. Improcedem, desta forma, as demais “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas da apelação pela 2ª Ré/apelante.


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17.5.2016


                       

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Fernanda Ventura

             

[1] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[2]Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[3] Sobre a matéria, cf., nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 277 e 290 e Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, BMJ, 106º, págs. 217 e seguintes e 261.

[4] Cf. o acórdão da RP de 19.4.2010-processo 66/2001.P1, publicado no “site” da dgsi, citado na alegação de recurso.

   Ao contrário da situação versada neste aresto, no presente caso não se demonstra, designadamente, que ao tempo da celebração dos contratos-promessa existisse lei, regulamento ou acto administrativo a impedir a emissão do alvará de loteamento, e bem assim que o projecto de loteamento tenha sido indeferido (e respectivo circunstancialismo) - in casu, o loteamento onde se situava o lote prometido vender aos AA. foi aprovado, e, aparentemente, não haveria impossibilidade legal na emissão do respectivo alvará (de loteamento) e que chegou a ser emitido (cf. o documento de fls. 51 e 51 verso).

[5] Preceitua o art.º 442º, do CC (sob a epígrafe “sinal”): Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível (n.º 1). Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago (n.º 2). Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º (n.º 3). Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento (n.º 4).

[6] Vide, neste sentido, entre outros, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, pág. 95, nota (2); Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, Coimbra, 1988, pág. 81 e Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pág. 297; Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, pág. 70, nota 1; Almeida Costa, Contrato-Promessa, Uma síntese do Regime Actual, separata da ROA, ano 50, I, pág. 54 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 12.3.1991, 24.10.1995, 10.12.1997, 26.05.1998, 08.02.2000 e 12.7.2001, in BMJ 405º, 434; CJ-STJ, III, 3, 78; V, 3, 164; VI, 2, 100; VIII, 1, 72 e IX, 3, 30, respectivamente, e acórdãos do STJ de 20.01.2005-processo 04B4389, 22.3.2007-processo 07A543, 07.02.2008-processo 07A4437, 10.7.2008-processo 08B1849 e 10.9.2009-proceso 170/09.2YFLSB, publicados no “site” da dgsi.
[7] Vide, nomeadamente, F. Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral/Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 2009, págs. 206 e seguintes.

[8] Sobre esta matéria, vide ainda, entre outros, Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Obra Dispersa, Vol. I, Braga, 1991, págs. 163 e segs e Antunes Varela, RLJ, 121º, 10 e 128º, 138 e o acórdão do STJ de 07.02.2008-processo 07A4437, in CJ, XVI, 1, 85 (e “site” da dgsi).
[9] Sempre se dirá - como na sentença recorrida - que a execução específica também deixou de ser possível, dada a impossibilidade de celebrar escritura pública de compra e venda de um lote de terreno que, em termos físicos, deixara de existir.