Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
57/12.1TTLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA LEGAL
OPERAÇÃO AUTOMÁTICA
Data do Acordão: 07/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 829º-A, Nº 4 DO C. CIVIL.
Sumário: I – A medida vertida no nº 4 do artº 829º-A do C. Civil é classificada pela doutrina como uma sanção pecuniária compulsória legal, por ser fixada por lei e automaticamente devida.

II – Este sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação.

III – Por isso, não carece a mesma de ser fixada na sentença proferida na ação declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo.

Decisão Texto Integral:

                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A presente execução, em são exequentes (…), e executada (…), LDª, teve por base transacções, devidamente homologadas, a que se chegou na acção declarativa.

                        Nas mesmas transacções não foi fixado o pagamento de qualquer sanção pecuniária compulsória.

                        Por outro lado, não foram incluídos, no requerimento de execução, quaisquer juros compulsórios.

                        A executada veio aos autos declarar que pagou extrajudicialmente a quantia exequenda aos exequentes, os quais, devidamente notificados, confirmaram esse recebimento.

                        Posteriormente, a  agente de execução apresentou o seguinte requerimento:

                                “C… , Agente de Execução nos autos supra identificados, vem informar e requerer a V. Exa. O seguinte:

                        A executada, no âmbito da presente execução, pagou voluntariamente a quantia exequenda aos exequentes acrescida dos honorários devidos a agente de execução, os quais, de resto, foram a esta foram liquidados.

                        Acontece que, nos termos do disposto no artigo 829º-A n.º 4 do C. Civil, são devidos pelo executado juros compulsórios à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença transitar em julgado até efetivo e integral pagamento.

                        Os juros compulsórios destinam-se em partes iguais ao credor e ao Estado.

                        Isto é 2,5% para o credor exequente e 2,5% para o Estado.

                        O credor exequente prescindiu da quantia de 2,5% de juros compulsórios, que lhe era devida.

                        Acontece que a executada, apesar de notificada para o efeito, não procedeu ao pagamento da quantia de 25.381,59 euros, correspondente a 2,5% de juros compulsórios devidos ao Estado.

                        Encontra-se pois em dívida tal quantia.

                        Requer se pois a V. Exa. se digne informar, com carater de urgência, o seguinte:

                        Se a quantia de 2,5% dos juros compulsórios deverá liquidada;

                        E, em caso afirmativo, se se encontra autorizada a AE a proceder à venda do imóvel penhorado nos autos, pela proposta que se encontra efetuada, para garantia do pagamento dos juros compulsórios de 2,5% devidos ao Estado”.

                        Notificada, a  executada veio dizer que os juros compulsórios não são devidos nem exigíveis.

                        Foi, então, proferido o seguinte despacho:

                        “Da Sanção Pecuniária Compulsória:

                        Foi a executada notificada do requerimento apresentado pela exma solicitadora da execução na qual se levantava a questão da eventual prossecução da execução para cobrança coerciva do montante devido a título de sanção pecuniária compulsória ao Estado.

                        Veio, no seguimento, a executada requerer o indeferimento do requerimento da exma solicitadora já que os juros compulsórios não serão devidos dado não terem sido peticionados no requerimento executivo e não existir qualquer condenação no seu pagamento.

                        Cumpre decidir.

                        De facto constata-se da análise dos autos que nem na ação a que a presente execução se encontra apensa foi decidida a condenação da ré ao pagamento de sanção pecuniária compulsória nem a exequente a peticionou em sede de requerimento executivo.

                        Assim, quid iuris?

                        Conforme art 829º-A nº 4 do CCivil:

                        “Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”.

                        Refere João Calvão da Silva in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, págs 456, que no art supra referenciado atribui-se natureza não indemnizatória ao adicional de juros à taxa de 5% ao ano sendo que tal sanção tem de ser vista como uma sanção pecuniária compulsória legal no âmbito das obrigações pecuniárias que funciona automaticamente, pelo que nunca há a necessidade de ser requerida (quer na ação principal em que se condena ao pagamento de certa quantia em dinheiro quer no requerimento executivo da mesma dependente).

                        Citando o Acórdão do STJ de 12-04-2012, relatado pelo Mmo Juiz Conselheiro Pinto Hespanhol, onde se cita muito oportunamente o decidido no Acórdão também do STJ de 23-01-2003, relatado pelo Mmo Juiz Conselheiro Araújo Barros, ambos in www.dgsi.pt:

                        “ A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efetuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória – no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em Julgado) – poderá funcionar automaticamente. Parece, por conseguinte, que a sanção pecuniária compulsória, cujo “fim não é (nem atenta a sua natureza de adstreinte” (…), o poderia ser), o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência” (…) constitui “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça. (…)

                        Assim, de harmonia com o entendimento transcrito, a que se adere (…) a sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do citado artigo 829º-A opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação.”.

                        Tal entendimento resulta ainda da redação do art 716º, nº 3 do C.P.C. de 2013, nos termos do qual:”(…) o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação”.

                        Assim atendendo aos valores de ordem pública inerentes à consagração deste instituto, e conforme preceitos legais e jurisprudência do STJ supra citada, temos de concluir que são devidos juros compulsórios pela executada desde a data do trânsito em julgado da decisão até à data do pagamento da quantia exequenda, pelo que a execução terá de prosseguir para cobrança da parte pertencente ao Estado (dado que a exequente prescindiu do que lhe cabia).

                        No mesmo sentido Acórdão do TRL de 20-06-2013, relatado pelo Mmo Juiz Desembargador Ezaguy Martins, in www.dgsi.pt.

                        Notifique.

                        Após trânsito vão os autos ao MºPº para requerer o que tiver por conveniente dado que a execução será por este impulsionada (dívida ao Estado).

                        As diligências na presente execução passarão a ser da competência de oficial de justiça – art 722º, nº 1 alínea a) do C.P.C.”.     

                                                                       x

                        Inconformada, veio a executada apelar, formulando as seguintes conclusões:

                        […]

                        Não foram apresentadas contra-alegações.

                        Foram colhidos os vistos legais, sendo que o Exmº Procurador Geral Adjunto entendeu não ser de emitir parecer.

                                                                       x

                        Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões,  temos, como única questão em discussão, a de saber se são devidos os juros compulsórios previstos no nº 4 do artº 829º-A do Cod. Civil, apesar de não terem sido estipulados nas transacções efectuadas e sido incluídos no requerimento executivo

                                                        x

                   Como circunstancialismo relevante temos o descrito no relatório do presente acórdão.

                                                               x

- o direito:

                        Dispõe o artº 829º- A, do Cod. Civil, nos seus nºs 1 e 4:

                        “1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

(…)

4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.

                        A figura da sanção pecuniária compulsória foi introduzida no nosso direito pelo DL nº 263/83, de 16 de Junho, que, inspirando-se fundamentalmente no modelo francês das astreintes, aditou ao Código Civil o citado artº 829º-A.

                        Com o propósito de evitar que as decisões judiciais ficassem reduzidas a "simples flatus vocis", criou-se, entre nós, esse instituto, a que se reconheceu "uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia", pois, além de reforçar "a soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça", favorece o cumprimento "das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis" (preâmbulo desse DL) – cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 19/12/91, Col. Jur. , Ano XVI,  V, 147.

                        A medida vertida no nº 4 é classificada pela doutrina como “uma sanção pecuniária compulsória legal”, por ser fixada por lei e automaticamente devida, enquanto a prevista no nº 1 do mesmo artigo é considerada uma “sanção pecuniária compulsória judicial”, por ser fixada na própria sentença condenatória – cfr. João Calvão da Silva, Sanção Pecuniária Compulsória, BMJ nº 359, pag. 103, A. Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, 1990, pag. 126.

            No entendimento de Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, edição de 1995, pág. 407, “Através da sanção pecuniária compulsória, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado” e a inclusão da mesma como medida coerciva de cumprimento, visou, fundamentalmente, dois aspectos: por um lado, a importância que o cumprimento das obrigações assume, em particular para o credor; por outro lado, o respeito devido às decisões dos tribunais, enquanto órgãos de soberania e, por isso, é muito similar "à presunção adoptada pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias" – vide Pinto Monteiro, in ob. cit., pág. 112..

                        O último destes aspectos focados tem uma importância vital num Estado de Direito. Efectivamente, estando em causa uma decisão judicial, no caso uma sentença de condenação dos devedores no cumprimento da obrigação a que se encontram vinculados, “… não está só em jogo o natural interesse do credor na realização prática da prestação a que tem direito, mas ainda o interesse geral da credibilidade da decisão judiciária e da própria Justiça”. Cfr. Calvão da Silva, BMJ 359, pág. 52.
                        Segundo os mesmos autores, trata-se de um sanção de aplicação geral, a todas as obrigações pecuniárias.

                        O tribunal não intervém na sua fixação, já que, como se viu, é fixada por lei e automaticamente devida.

                        Foi o que se entendeu no Ac. do STJ de 12-04-2012, citado na sentença, ao referir-se que “a sanção pecuniária compulsória prevista no nº 4 do citado artigo 829º-A opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação.”.
                        E precisamente por isso, não carece a mesma de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo, o que aconteceu no caso concreto.

                O mesmo Supremo Tribunal de Justiça decidiu, em Acórdão de 18-05-2006, proc. 06S384, in www.dgsi.pt, que “Nos termos do artigo 805º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a secretaria, no âmbito do processo de execução, pode liquidar a final a sanção pecuniária compulsória que for devida, o que significa que, mesmo que o exequente não tenha especificado esse valor no requerimento de execução, o tribunal pode oficiosamente levá-lo em consideração na decisão final com base na liquidação efectuada nos termos previstos naquele preceito.”.        

                        Pelo mesmo entendimento alinha José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5ª ed., Coimbra Editora, 2009, pág. 98: “A liquidação pela secretaria tem também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória (…): executando-se obrigação pecuniária a liquidação não depende de requerimento do executado, devendo ser feita oficiosamente pela secretaria, a final (art. 805-3); executando-se obrigação de prestação de facto infungível, o exequente tem de a requerer, quer já tenha sido fixada na sentença declarativa, quer o seja pelo juiz da execução.”

                        Em conformidade, decidiu-se no Ac. da Rel. de Lisboa de 20/6/2013, proc. 23387/10.2YYLSB-B.L1-2, in www.dgsi.pt, conforme o seu sumário:

                        “I - Executando-se obrigação pecuniária, a liquidação da correspondente sanção pecuniária compulsória deve ser feita oficiosamente pela secretaria, a final, nos termos previstos no art.º 805º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

                        II – Assim, ainda que o exequente não tenha especificado esse valor no requerimento executivo, o tribunal pode considerá-lo oficiosamente, na decisão final, com base na liquidação efectuada.

                        III - Extinta a execução, e designadamente por via de desistência da instância, sem que se mostre liquidado o montante correspondente àquela sanção, tem o M.º P.º, em representação do Estado, legitimidade para requerer o prosseguimento da execução, relativamente à metade da sobredita sanção pecuniária, que assim devida for”.

                        Pelo exposto, não há que trazer à colacção qualquer ofensa de caso julgado, nos termos em que a apelante a configura.  

                        Improcede, assim, o recurso.
                                                                       x
                        Decisão:

                        Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

                        Custas pela apelante.

                                                          

                                                                       Coimbra, 13/07/2016

                                                          

                                                                   (Ramalho Pinto)         

                                              

                                                                 (Azevedo Mendes)

                                  

                                                            (Joaquim José Felizardo Paiva)