Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
308/15.0T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
NEGÓCIO JURÍDICO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO DE TRABALHO
ADMINISTRAÇÃO LOCAL
NULIDADE DO CONTRATO
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – COVILHÃ – 2ª SECÇÃO DE TRABALHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 640º DO NCPC; LEI Nº 23/2004, DE 22/06; ARTºS 121º A 125º C. TRABALHO.
Sumário: I – Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar o ónus de impugnação previsto no artº 640º do nCPC, nomeadamente deve indicar as exactas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que se baseia para discordar do decidido, sob pena de rejeição do recurso quanto à reapreciação da prova.

II – A relação contratual consiste num negócio jurídico que integra a manifestação de duas ou mais vontades para a realização de um objectivo comum. Constituindo um facto voluntário assente em declarações de vontade dirigidas à produção de determinados efeitos jurídicos, existirão tantos negócios quantas as declarações negociais independentes, consensualizadas para um fim comum.

III – Tendo ficado demonstrado que entre as partes processuais foi celebrado um primeiro acordo de vontades, em 14/09/2000, que dispõe sobre um negócio jurídico limitado no tempo (contrato de tarefa), que cessou por caducidade em 01/04/2001, e um segundo acordo de vontades, posterior, verbalmente expressado, para o A. exercer as funções inerentes à categoria de operário, sob a autoridade, direção e fiscalização da R., por prazo indeterminado, mediante retribuição, verificam-se dois negócios jurídicos distintos que se sucedem no tempo.

IV – A celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado com uma entidade da administração local, em desrespeito pela legislação em vigor à época, que não permitia tal tipo de contratação e sem observância das formalidades exigidas pela posterior Lei nº 23/2004, de 22/06, que veio permitir a celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado, torna o negócio jurídico nulo, aplicando-se-lhe o regime jurídico específico previsto nos artºs 121º a 125º do Código do Trabalho.

V – Tendo a empregadora feito cessar o contrato por declaração escrita, comunicada ao trabalhador, sem instrução de prévio procedimento disciplinar, antes da declaração de nulidade do contrato de trabalho, há que considerar que tal conduta constitui um despedimento ilícito.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

            A... intentou ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra União de Freguesias de B... , ambos com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo que a R. seja condenada a:

            - Reconhecer que o A. integrava os seus quadros de pessoal e era detentor do vínculo efetivo.

            - Reconhecer que despediu ilicitamente o A.

            - Reintegrar o A. ao seu serviço sem prejuízo da sua categoria e antiguidade ou, caso opte, ao pagamento da indemnização por antiguidade, nos termos do artº 389º e 391º do Código do trabalho.

            - Ao pagamento das retribuições que o A. deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação até à data do trânsito em julgado da sentença que declare a nulidade do contrato a que estavam vinculados A. e R.

            Ou, subsidiariamente:

            - Acaso o Tribunal venha a declarar a nulidade do contrato a que estiveram vinculados A. e R. esta deverá ser condenada a pagar ao A. a indemnização por antiguidade desde a data em que o A. foi admitido ao serviço da R. até trânsito em julgado da sentença que declare a nulidade do contrato.

            - Pagar as retribuições que o A. deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação até à data do trânsito em julgado da sentença que declare a nulidade do contrato a que estavam vinculados A. e R.

            - Ao pagamento dos juros à taxa legal referente aos pedidos formulados, desde o vencimento das quantias peticionadas até integral pagamento.

            Alegou, em síntese, que sendo trabalhador subordinado da R. desde 14/09/2000, esta operou a cessação do contrato de trabalho, alegando impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber, o que não se verificava, uma vez que as funções que eram desempenhadas pelo A. ao serviço da R. mantém-se e, são agora desenvolvidas, por outros trabalhadores ao seu serviço. Conclui que é ilícita a cessação do contrato de trabalho, porque não precedida de processo disciplinar, devendo, por conseguinte, a demandada ser condenada em conformidade com o peticionado.

            Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível chegar a uma solução consensual que permitisse pôr termo ao litígio.

            A R. contestou por impugnação, defendendo, também, a nulidade do contrato de tarefa celebrado entre os intervenientes processuais, o que por si foi declarado, pelo que inexiste qualquer situação de despedimento. Invocou, ainda, a exceção dilatória da incompetência material do tribunal.

            O A. respondeu remetendo para o alegado na petição inicial.

            Atenta a simplicidade da causa, foi dispensada a realização da audiência prévia.

            Procedeu-se ao saneamento do processo, tendo-se julgado improcedente a exceção dilatória da incompetência material do tribunal.

            Dispensou-se a identificação do objeto do processo e a enunciação dos temas da prova.

            Foi fixado à ação, o valor de €5.000,01.

            Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no final da qual, foi proferida decisão sobre a matéria de facto que não sofreu qualquer reclamação.

            Foi, então, proferida a sentença, com a seguinte decisão:

            «Pelo exposto e atentos os considerando tecidos, julgando-se procedentes os pedidos subsidiários deduzidos pelo autor, decide-se:

            a) Declarar a nulidade do contrato de trabalho celebrado, verbalmente, pelas partes em 01/04/2001,

            b) Condenar a ré a pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde 30 dias antes da interposição da presente ação até à data do trânsito da sentença que declara a nulidade do contrato, com dedução do subsídio de desemprego atribuído ao mesmo, caso o tenha sido, o qual deverá ser entregue à segurança social.

            c) Condenar a ré a pagar ao autor uma indemnização correspondente a 30 (trinta) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, desde a data de início do contrato de trabalho (01/04/2001) até ao trânsito em julgado da sentença, tendo por base o valor da remuneração mensal do Autor (€635,07).

            d) A estas quantias acrescem juros à taxa legal de 4% desde o vencimento das quantias arbitradas até efetivo e integral pagamento.»

            Inconformada com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

            […]

           

            Nestes termos e nos demais de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas. deve substituir-se a sentença do Exmo. Juiz A QUO nos termos constantes das conclusões deste recurso.»

            Contra-alegou o A., propugnando pela improcedência do recurso.

            Admitido o recurso pelo tribunal de 1ª instância, os autos subiram à Relação, tendo sido dado cumprimento ao preceituado no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

            O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.

            A R. respondeu a tal parecer nos termos constantes de fls. 101 a 111.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

            II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:

            1ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

            2ª Saber se o tribunal a quo errou na qualificação jurídica dos factos, por apenas ter existido um único contrato de tarefa celebrado entre os intervenientes processuais que cessou por declaração da sua nulidade e não por despedimento ilícito, com as consequências legais.


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            III. Matéria de Facto

            O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

                   […]


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            IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

            Impugna a apelante a decisão sobre a matéria de facto relativa aos pontos 2 e 4 da factualidade dada como assente. Sustenta que a aludida factualidade deveria ter sido considerada não provada, com fundamento na prova documental que indica e tendo em consideração os depoimentos das testemunhas C... e D... , bem como as declarações do legal representante da R. ( E... ).

De harmonia com o normativo inserto no nº1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do Código de Processo do Trabalho, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Este dever consagrado no preceito abrange, naturalmente, situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

Em tal situação, deve o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil.

Preceitua este dispositivo legal o seguinte:

«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Vejamos então se o apelante cumpriu o ónus de impugnação do qual depende a admissão do recurso.

E o que se constata é que, nem nas conclusões nem nas alegações do recurso, o apelante indica com exatidão os momentos ou as passagens da gravação dos depoimentos testemunhais e das declarações do legal representante da R. é em que funda o seu recurso, sendo certo que a prova oral produzida na audiência final foi gravada, conforme se extrai da ata de tal diligência.

Não observou, pois, o apelante o consagrado no nº1, alínea b) e nº2, alínea a) do Código de Processo Civil.

Acresce que da motivação da convicção do tribunal a quo, resulta que a decisão proferida sobre a matéria de facto baseia-se na conjugação da prova testemunhal com a prova documental, pelo que a indicação específica da prova documental que justifica a discordância com o decidido, não basta para que seja sindicada por este tribunal da Relação a decisão assumida em relação à factualidade constante dos mencionados pontos 2 e 4.

Pelo exposto, não tendo o ónus de impugnação legalmente previsto sido devidamente observado pela recorrente, há que rejeitar o recurso na parte que visava a reapreciação da prova (cfr. “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, de António Santos Abrantes Geraldes, 2013, págs. 128/129).


*

V. Direito

Em sede de recurso, argumenta o apelante que entre as partes processuais apenas existiu um único vínculo contratual compreendido entre 01/10/2000 e 01/12/2014, que foi o contrato de tarefa mencionado nos autos. Por conseguinte, nega a existência da relação contratual laboral, com início em 01/04/2001, considerada na decisão recorrida.

Na decisão da 1ª instância escreveu-se, sobre a impugnada questão, o seguinte:

«Resulta da matéria de facto provada que, o A. foi admitido ao serviço da R., através de um contrato, que esta designou como sendo um “contrato de tarefa”, pelo período de seis meses, tendo sido outorgado pelas partes para vigorar no período compreendido entre 1 de Outubro de 2001 e 31 de Março de 2001.

Em 1 de Abril de 2001 após ter operado a cessação do referido contrato, o A. foi admitido ao serviço da R. através de contrato sob forma verbal e por prazo indeterminado, para sob a sua autoridade, direção e fiscalização exercer a categoria de Operário, mediante retribuição mensal que á data em que a R. fez operar a cessação do contrato de trabalho do A. se cifrava em 635,07€, detendo o A. nessa data a categoria que a R. designava como sendo de Assistente Operacional.

Temos, assim, uma sucessão de contratos, no que concerne ao primeiro, denominado “contrato de tarefa” cumpre referir que, à data da sua celebração, o mencionado contrato estava sujeito ao regime jurídico estabelecido no Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro, em cujo artigo 7.º, n.º 2 pode ler-se “…o contrato tarefa caracteriza-se por ter como objetivo a execução de  trabalhos específicos, de natureza excecional, sem subordinação hierárquica, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido…” (sublinhado nosso).

(…)

De todo o modo, não obstante o vício que afeta a validade deste contrato, é manifesto que o mesmo em causa cessou os seus efeitos, em 31/03/2001, data em que se verificou o seu termo, pois foi contratualmente, estabelecido o prazo de seis meses para a sua duração, sem qualquer possibilidade de renovação (cfr, ponto 18. da matéria de facto provada) – cfr. artigo 278º do Código Civil.

Sucede que, após o fim deste contrato, o autor manteve-se ao serviço da ré, como resulta da matéria de facto provada, tendo no dia 01/04/2001, sido admitido ao serviço da R. através de contrato sob forma verbal e por prazo indeterminado, para sob a sua autoridade, direção e fiscalização exercer a categoria de Operário, mediante retribuição mensal certa.

Em face desta materialidade, dúvidas não podem subsistir acerca da natureza laboral da relação estabelecida.

(…)

Revertendo ao caso dos autos, com interesse para a resolução desta questão temos a seguinte factualidade:

 O A. foi admitido ao serviço da R. através de contrato sob forma verbal e por prazo indeterminado, para sob a sua autoridade, direção e fiscalização exercer a categoria de Operário, mediante retribuição mensal que, á data em que a R. fez operar a cessação do contrato de trabalho do A., se cifrava em 635,07€, detendo o A. nessa data a categoria que a R. designava como sendo de Assistente Operacional.

 O A. desde a data em que operou a caducidade do contrato de tarefa passou a integrar o quadro de pessoal efetivo da R., ou seja, desde 1 de Abril de 2001.

 O autor prestava a sua atividade em regime de horário completo, era a R. que lhe dava ordens e instruções, que o A. executava diariamente, integradas por tarefas indiferenciadas, que a R. desenvolve em benefício das populações que representa.

 No período em que o A, permaneceu ao serviço da R. esta pagava-lhe salário mensal, Subsídio de Férias e Subsídio de Natal.

 Sobre estas remunerações, a R. efetuava mensalmente no salário do A. os descontos a título de contribuições e procedia junto da Segurança Social ao pagamento das respetivas contribuições.

Desta factualidade resulta que, relativamente à presunção contida no artigo 12º n.º 1 do Código do Trabalho, verificam-se os indícios legalmente tipificados nas alíneas c) e d) do citado artigo.

Cremos que a verificação destes indícios é, por si só, suficiente para se concluir pela existência de um contrato de trabalho, não tendo a ré logrado ilidir a presunção legal que resulta do preceito em causa.

Na verdade, da matéria de facto apurada resulta que o autor exercia a sua atividade para a ré, sem autonomia, com sujeição a um horário de trabalho fixo, recebendo ordens de outrem na execução das tarefas que realizava, auferindo uma retribuição certa e periódica.

Impõe-se, pois, da factualidade dada como provada, inferir da existência da supra referida subordinação jurídica que, determina a tutela laboral da situação jurídica do autor.»

Efetivamente, face à realidade factual demonstrada, afigura-se-nos que a mesma não permite dar razão ao apelante.

É consabido que a relação contratual consiste num negócio jurídico que integra a manifestação de duas ou mais vontades para a realização de um objetivo comum. Constituindo um facto voluntário assente em declarações de vontade dirigidas à produção de determinados efeitos jurídicos, existirão tantos negócios quantas as declarações negociais independentes, consensualizadas para um fim comum.

No caso em apreço nos autos, resultou demonstrado que em 14 de setembro de 2000, o A. foi admitido ao serviço da R. através de contrato que esta designou como sendo um contrato de tarefa pelo período de seis meses e que em 1 de abril de 2001, após ter operado a caducidade deste contrato, o A. foi admitido ao serviço da R. através de contrato sob a forma verbal e por prazo indeterminado, para sob a sua autoridade, direção e fiscalização exercer a categoria de Operário, mediante retribuição mensal, passando, então, a integrar o quadro pessoal efetivo da R..

Sem embargo do A. ter permanecido ininterruptamente ao serviço da R., desde 14 de setembro de 2000, resulta do acervo factual que os intervenientes processuais manifestaram declarações de vontade distintas, em momentos cronológicos diferentes, com vista à obtenção de efeitos jurídicos diversos.

Um primeiro acordo de vontades, manifestado em 14 de setembro de 2000, dispõe sobre um negócio jurídico limitado no tempo, que cessou por caducidade, em 01/04/2001, conforme resultou demonstrado.

Um segundo acordo de vontades, verbalmente expressado, pretende que o A. exerça as funções inerentes à categoria de Operário, sob a autoridade, direção e fiscalização da R., por prazo indeterminado, mediante retribuição.

Existem efetivamente dois negócios jurídicos celebrados entre os intervenientes processuais que se sucedem no tempo.

Logo, não podemos dar razão ao apelante quando afirma que apenas existiu um único vínculo contratual compreendido entre 01/10/2000 e 01/12/2014, que foi o contrato de tarefa mencionado nos autos. Aliás tal argumentação, fundava-se na procedência da impugnação da decisão da matéria de facto apresentada. A rejeição da mesma e a manutenção dos factos assentes, condicionou, desde logo, a tese defendida pela recorrente.

Reconhecido, pois, que bem andou o tribunal a quo, ao decidir que se verificou uma contratação sucessiva, importa caracterizar o segundo negócio jurídico celebrado entre as partes processuais.

O tribunal de 1ª instância qualificou-o como contrato de trabalho.

Tendo o segundo negócio jurídico sido celebrado em 01/04/2001, a legislação aplicável para a qualificação do contrato é o DL 49 408 de 27/8 (doravante designado por LCT), de harmonia com o preceituado no nº1 do artigo 8º da Lei nº99/2003, de 27/8, bem como do nº1 do artigo 7º da Lei nº7/2009, de 12 de fevereiro, e não ao Código do Trabalho de 2009, conforme fez o tribunal a quo.

Tem sido este, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdãos de 02/05/2007, P.06S4368; 17/10/2007, P. 07S2187; 16/09/2008, P. 08S321; de 10/11/2010, P. 3074/07.0TTLSB.L1.S1; 15/04/2015, P. 329/08.0TTCSC.L1.S1), com o qual concordamos.

Não obstante, como foi referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/3/2009, P.08S3052, in www.dgsi.pt, “ em sede de qualificação jurídica do contrato, a aplicação de um ou outro regime, não assume qualquer relevância prática, tanto quanto é certo que a definição introduzida pelo art. 10º do CT corresponde, na sua essência, à que já constava do art. 1º da LCT  e do art. 1152º do Código Civil” -  o Código do Trabalho referido nesta citação é naturalmente o de 2003, mas a apreciação continua pertinente.

Deste modo, podemos afirmar que Contrato de Trabalho é aquele através do qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta (cfr. arts. 1º da LCT, 10º do CT de 2003 e 1152º do CC.).

São pois características fundamentais do contrato de trabalho:

- a tipicidade (é um contrato dotado pela lei de um nomen juris e objeto de um regime legal privativo, composto em grande parte por regras injuntivas);

-a consensualidade (em regra, vigora o princípio da liberdade de forma, bastando o simples consenso das partes);

-a bilateralidade (é um contrato sinalagmático, ou seja, com obrigações para ambos os contraentes, havendo entre elas uma relação de correspetividade);

-a onerosidade (ambas as partes suportam esforços económicos, de acordo com uma equivalência pré-estabelecida);

-durabilidade (é um contrato tendencialmente duradouro)

Estas características, todavia, nem sempre são suficientes para distinguir o contrato de trabalho de outras figuras contratuais, que também as possuem.

Assim, a maior parte da doutrina e da jurisprudência, tem defendido que, para que se reconheça a existência de um contrato de trabalho, é fundamental que se verifique a subordinação jurídica do trabalhador.

Segundo Monteiro Fernandes, a subordinação jurídica, consiste “numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem”, (Dir. do Trabalho, 10ª ed., p.121).

Pela celebração do contrato de trabalho o trabalhador coloca-se, pois, “sob a autoridade e direção” da entidade patronal, a qual tem o poder de direção da atividade do trabalhador- artigo 39º da LCT, a que corresponde o dever de obediência por parte deste - artigo 20º, nº1, al. c) da LCT.

Efetivamente, no contrato de trabalho é ao empregador que cabe programar, organizar e definir como, quando, e com que meios deve cada trabalhador executar a sua atividade, de modo a melhor contribuir para os fins empresariais em vista (cfr. Galvão Teles, BMJ, 83, 165).

É que o conteúdo da prestação obrigacional é indeterminado, havendo sempre lugar a uma especificação pelo empregador, no que toca à modalidade concreta pretendida do serviço abstratamente prometido no contrato. E esta possibilidade do empregador moldar, organizar e dirigir a atividade do trabalhador, dentro dos termos do contrato e das normas que o regem, é que constitui a especificidade típica do contrato de trabalho.

Existem, contudo situações de particular complexidade, em que as ideias de subordinação e de autonomia se apresentam mais esbatidas e que coincidem, regra geral, com atividades de conteúdo muito técnico exercidas ou trabalhadores que não recebem sistematicamente ordens do empregador, pautando o exercício das suas funções mais por objetivos estabelecidos.

Mazzoni, citado por Monteiro Fernandes (ob. Cit., p.122), refere:

“Quanto mais o trabalho se refina e assume carácter intelectual, mais difícil é estabelecer uma nítida diferenciação, porque a subordinação tende a atenuar-se cada vez mais, na relação de trabalho subordinado, e a avizinhar-se daquela genérica supervisão, por parte do empregador, que se encontra também na relação de trabalho autónomo (...)”.

Por isso, para se apreender a existência da subordinação jurídica, nestes casos, recorre-se a métodos aproximativos, baseados na interpretação de fatores de indiciação: a vinculação a um horário, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de um controle externo do modo de prestação, a obediência a ordens e sujeição à disciplina da empresa; a retribuição em função do tempo de trabalho, a propriedade dos instrumentos de trabalho, a exclusividade da atividade laborativa, o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, o gozo de férias, os regimes fiscais, de segurança social e a sindicalização do trabalhador.

Ensina, porém, Monteiro Fernandes:

“Cada um destes elementos tomados per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta. Não existe fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso”, (ob.cit., p. 133 e 134).

Feitas estas considerações sobre os critérios que têm vindo a ser utilizados para a qualificação e distinção do contrato de trabalho de outros contratos, importa passar à apreciação do caso concreto.

Resulta da factualidade assente, com relevância, que o A. foi admitido para exercer as funções inerentes à categoria de Operário, prestando a sua atividade em regime de horário completo recebendo para tanto ordens e instruções da R., que lhe pagava um salário mensal, subsídio de férias e subsídio de natal. A R. efetuava mensalmente no salário do A. os descontos a título de contribuições e procedia junto da Segurança Social ao pagamento das respetivas contribuições. O A. integrava o quadro de pessoal efetivo da R..

Ora, atendendo ao acervo factual descrito, julgamos resultar evidente que o A. não exercia a sua atividade com autonomia, pois estava sujeito às diretrizes oriundas da R. em matéria de organização do trabalho, sendo a atividade por si desenvolvida orientada e organizada pela demandada.

Tanto basta para que seja manifesta a existência de subordinação jurídica.

Ademais, é evidente o sinalagma obrigacional – como contrapartida da atividade prestada, o A. recebia mensalmente uma retribuição.

Destarte, em face do contexto factual dado como assente, consideramos que a A. logrou provar o preenchimento dos requisitos integradores da definição de contrato de trabalho.

Não merece, pois, censura a sentença recorrida ao haver concluído que o negócio jurídico celebrado em 01/04/2001 deve ser qualificado como contrato de trabalho, ainda que seguindo um percurso legislativo, e salvaguardado o devido respeito, que não perfilhamos (muito embora, seja do nosso conhecimento que a Relação de Lisboa tem defendido entendimento semelhante ao que foi desenvolvido na sentença recorrida - cfr. Acórdãos de 02/11/2015, P. 4113/10.2TTLSB.L1-4 e de 21/11/2012, P.3805/11.3TTLSB.L1-4).

Posto isto, importa apreciar a decisão do tribunal a quo quanto à existência de um despedimento ilícito, uma vez que o apelante não se conforma com tal decisão, o que manifesta em sede de recurso.

Desde já referimos que subscrevemos inteiramente a análise da questão realizada pelo tribunal de 1ª instância.

Sobre a matéria, escreveu-se na sentença recorrida:

«Após este parêntesis, chegados à conclusão que, em 01/04/2001, foi celebrado, entre as partes um contrato de trabalho, importa, agora, aferir da validade do mesmo.

Por esta altura, encontravam-se em vigor o Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17 de Julho que definiu o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, o Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho que, tal como o primeiro dos diplomas, proibia o estabelecimento de relações laborais entre o Estado e o trabalhador, mediante a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado e bem assim o Decreto-Lei nº 409/91, de 17 de Outubro que tornou extensivo à Administração Local o regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro.

Ponderando o lapso de tempo em que vigorou a relação laboral estabelecida entre autora e ré (desde 1 de abril de 2001 até 1 de dezembro de 2014, data em que a empregadora teve a iniciativa de fazer cessar o vínculo em causa, nos termos que contam dos pontos 12., 16. e 18. da matéria de facto provada) constata-se, no que releva para o caso em apreciação, que a matéria atinente à constituição, modificação e extinção da relação laboral na Administração Pública foi regulada pelos já seguintes diplomas:

i) Decreto-Lei nº 427/89, de 07.12, alterado pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17.07 (posteriormente revogado pela Lei nº 12-A/2008, de 27.02) e Decreto-Lei nº 409/91, de 17.10;

ii) Decretos-Leis nºs 64-A/89, de 27.02 e 184/89, de 02.06;

iii) Lei nº 23/2004, de 22.06.

De acordo com o estatuído no artigo 9º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho (que aprovou os princípios gerais sobre salários e gestão de pessoal na função pública) e com o disposto nos artigos 14º e 43º, número 1 do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro (que veio desenvolver e regulamentar os princípios a que obedece a relação jurídica de emprego na Administração Pública), não era admissível, à data em que foi celebrado, entre o autor e a ré, o aludido contrato, a contratação por tempo indeterminado pela Administração Pública

Por outro lado, como flui da matéria de facto provada, a contratação em causa também não foi precedida do exigível processo de seleção de candidatos e publicidade, condicionalismo que não foi ultrapassado com a entrada em vigor, no entretanto verificada (em 22.07.2004), da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, pese embora as significativas alterações que introduziu à contratação individual de trabalho pela Administração Pública, maxime ao nível da contratação sem termo, que passou a ser possível, desde que preenchidos os requisitos exigidos para o efeito.

Estabelece o artigo 2º da citada Lei nº 23/2004, de 22 de Junho que «Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas coletivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respetiva legislação especial, com as especialidades constantes da presente lei» (nº 1) e que «O contrato de trabalho com pessoas coletivas públicas não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito público» (nº 2), de harmonia com o disposto no artigo 5º «A celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado no âmbito da presente lei deve ser precedida de um processo de seleção que obedece aos seguintes princípios:

a) Publicitação da oferta de trabalho;

b) Garantia de igualdade de condições e oportunidades;

c) Decisão de contratação fundamentada em critérios objetivos de seleção» (nº 1).

De acordo com o artigo 8º, «Os contratos de trabalho celebrados por pessoas coletivas públicas estão sujeitos à forma escrita» (nº 1), deles devendo constar, entre outras indicações, o processo de seleção adotado [nº 2, alínea f)], por via do disposto no número 3 do mesmo preceito, a não redução a escrito do contrato de trabalho (ou a falta das indicações constantes das alíneas a), b) e c) do número anterior) determina a sua nulidade.

No presente caso, o autor foi contratado por tempo indeterminado não tendo, como legalmente se impunha, sido tal contratação reduzida a escrito, para além de que, tanto quanto decorre dos autos (e era, de facto, ao autor que incumbia o ónus de alegação, nos termos do número 1 do artigo 342º do Código Civil), não se mostra cumprido o processo de concurso, seleção e a existência de um quadro de pessoal para o efeito em vista e bem assim a observância da limitação desse mesmo quadro de pessoal, impostos pelos artigos 5º e 7º da mencionada Lei nº 23/2004, de 22 de Junho.

Assim, o contrato de trabalho de 1 de abril de 2001, celebrado entre o autor e a ré, estava ferido de nulidade, quer face ao disposto no artigo 220º, quer perante o estatuído no 294º do Código Civil, que prescreve que «os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei», o que não sucede no caso vertente.

E, sendo assim, impõe-se então rematar que, persistindo a nulidade do dito contrato de trabalho, celebrado e mantido ao longo de anos, com patente violação de normas de carácter imperativo, não há viabilidade da sua convalidação, ao abrigo do disposto no artigo 125º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro (legislação em vigor à data em que cessou de facto a relação laboral entre autora e ré) e que, no número 1, prevê a possibilidade de convalidação do contrato inválido quando, durante a sua execução, cesse a causa de invalidade.

Assente que fica este aspeto, importa ora ter presente que, sendo a nulidade do negócio jurídico suscetível de ser invocada, a todo o tempo, por qualquer interessado e podendo ser oficiosamente declarada pelo tribunal (artigo 286º do Código Civil) e possuindo, em termos gerais, efeito retroativo [de sorte que, por via dela, há lugar à restituição de tudo quanto tiver sido prestado ou, quando tal não resultar possível, do valor correspondente (artigo 289º, número 1 do Código Civil )], estabeleceu-se, no artigo 122º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009 um regime especial em termos de consequências decorrentes da nulidade ou invalidade do contrato de trabalho que tenha sido efetivamente executado entre as partes, prescrevendo o normativo em causa que «O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado»; regime especial, esse, que, por efeito de uma ficção legal de plena validade do contrato de trabalho efetivamente celebrado enquanto ele esteve em execução, tem como resultado que, ficcionando-se tal validade, a licitude da respetiva cessação só poderá ocorrer quando for possível concluir que ela se verificou com observância das normas legais que a preveem.

Assim, de harmonia com o estatuído no artigo 123º, número 1 do Código do Trabalho, «Ao facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação de contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato», o que significa que «… a regra de que o contrato trabalho inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, abrange os próprios atos extintivos até que a nulidade seja declarada e o contrato anulado».

No caso dos autos a ré, em 30-11-2014 e no documento datado de 1-12-2014, declarou, através de ato administrativo, a nulidade do supra referido “contrato de tarefa” e, ainda, que o A. a partir daquela data deixava de laborar imediatamente ao serviço da União de Freguesias de B... .

As diversas comunicações transmitidas pelos representantes da R. que têm em comum informar este que a partir de 1 de Dezembro de 2014 deixaria de pertencer aos quadros de pessoal da R. traduzem uma vontade séria e inequívoca de rutura da relação laboral que esta mantinha com o A.

Desta materialidade, contida nos pontos 8. e seguintes, 12., 16. e 18. da matéria de facto provada, resulta que a ré colocou um final à relação contratual que mantinha com o autor, escudando-se na, pretensa, nulidade do contrato de tarefa celebrado em 01/10/2000 e alegando a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.

Ora, recuperando as considerações supra tecidas a este respeito, vemos que este contrato há muito que tinha cessado os seus efeitos, atenta a verificação do seu termo resolutivo em 31/03/2001, não tendo esta alegação qualquer suporte jurídico; por outro lado a, alegada, impossibilidade absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber, a ocorrer, não era superveniente, mas sim originária, pois que os vícios a que atrás nos referimos, e que inquinavam a validade do negócio, acompanhavam-no desde a sua génese.

Na verdade, e como decorre da matéria de facto provada, independentemente da (in)validade deste contrato de tarefa, facto é que, ele terminou em março de 2001, pela verificação do termo resolutivo estalecido contratualmente entre as partes, pelo que, para o efeito que ora nos ocupa, é irrelevante tecer considerações acerca da validade do mesmo.

A relação contratual que subsistia em 30/11/2014 era a que decorria do contrato, este sim de trabalho, verbalmente celebrado entre autor e ré em abril de 2001.

Ora, de acordo com o preceituado no artigo 340º do Código do Trabalho de 2009, para além de outras, constituem modalidades de cessação do contrato de trabalho a caducidade, a revogação, a resolução, a denúncia.

No âmbito da supra mencionada ficção legal de validade da contratação em causa, a forma adequada e lícita para a ré empregadora fazê-la cessar seria através de resolução, mediante despedimento por facto imputável à autora trabalhadora, a apurar em sede de processo disciplinar.

Porém, como já se reparou, tal não aconteceu e, como assim, a cessação unilateralmente assumida pela ré empregadora configura a forma de despedimento ilícito, nos termos do disposto no artigo 381º do Código do Trabalho.»

Não poderemos deixar de concordar e aderir aos fundamentos transcritos.

A relação laboral celebrada entre os intervenientes processuais em 2 de abril de 2001, estava sujeita ao regime estabelecido no Decreto-Lei nº 427/89, de 7/12 (alterado pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17/7), que definiu a constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública. Tal regime aplicava-se à Administração Local, nos termos do preceituado no artigo 1º do Decreto-Lei nº 409/91, de 17/10, pelo que a R. é estava sujeita a tal regime.

De harmonia com o preceituado no artigo 14º do diploma legal aplicável, a relação jurídica de emprego na Administração Pública apenas poderia revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento ou contrato a termo certo. A celebração de contratos de trabalho a termo incerto não era admissível, assim como não era possível a conversão do contrato a termo em contrato sem termo (cfr. artigo 18º, nº4).

Logo, pelos motivos explanados na fundamentação da decisão recorrida, o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre as partes processuais é nulo por ter sido celebrado contra disposições legais imperativas.

Posteriormente, foi publicada em 22 de junho de 2004, a Lei nº23/2004, que entrou em vigor 30 dias após a data da sua publicação, que veio definir o Regime Jurídico do contrato de trabalho na esfera das pessoas coletivas públicas, cuja aplicação se estendeu à Administração Regional, Autónoma e Local (cfr. artigo 1º, nº5).

Este diploma, apesar de conter a admissibilidade, genérica, da celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado, sujeita tais contratos à observância de determinadas formalidades, desde logo, a existência de um prévio processo de seleção de candidatos, subordinados aos princípios da publicação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades, com fundamentação da decisão de contratação em critérios objetivos (artigo 5º) e a exigência de forma escrita (artigo 8º, nº1).

Ora, dos autos não resulta que tenha ocorrido qualquer processo de recrutamento e seleção com vista à contratação do A. por tempo indeterminado e que o negócio jurídico que se aprecia tenha sido celebrado por escrito, sendo certo que ao demandante cabia o ónus de alegar e provar a observância de todas as formalidades exigidas pela Lei nº 23/2004 para a celebração de contratos de trabalho por tempo indeterminado.

Como tal, não é possível convalidar (cfr. artigo 125º do Código do Trabalho) o negócio jurídico celebrado que foi corretamente considerado nulo.

A invalidade do contrato de trabalho tem um regime específico previsto no Código do Trabalho: artigos 121º a 125º.

Tal regime foi aplicado pelo tribunal de 1ª instância nos termos da fundamentação supra transcrita.

Assim, aplicando-se-lhe as normas da cessação do contrato de trabalho ao facto extintivo ocorrido antes da declaração da sua nulidade, nos termos previstos pelo nº1 do artigo 123º do mencionado compêndio legal, mostra-se manifesto, face à factualidade descrita nos pontos 18 e 19, que a R. emitiu uma declaração inequívoca de fazer cessar o contrato, sem a instauração de prévio procedimento disciplinar, consubstanciando tal conduta um despedimento ilícito, de harmonia com o disposto no artigo 381º, alínea c) do Código do Trabalho, (neste sentido, cfr. acórdãos do STJ de 22/9/11, Processo 528/08.04TTSTR.E1.S1; de 26/11/08, Processo 1982/08.S1; de 28/4/10, Processo 413/08.OTTCBR.C1.S1;, e de 3/6/09, Processo nº 622/09).

Finalmente, refere o apelante que o A. não tem direito a receber os montantes em que a R. foi condenada.

Contudo, não lhe assiste razão, pois, face ao despedimento ilícito, o A. tem direito a receber os salários intercalares vencidos desde 30 dias antes da propositura da ação, bem como a indemnização substitutiva da reintegração. Neste sentido, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/04/2010, Processo 250/13.0TTCBR.C1 e da Relação de Coimbra, de 15/12/2010, P. 435/09.3TTCBR.C1., remetendo-se para os fundamentos no mesmo expostos

Concluindo, a sentença recorrida não merece qualquer reparo, pelo que o recurso se mostra improcedente.


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A finalizar, resta apenas esclarecer que as questões submetidas à apreciação deste tribunal são somente as que foram suscitadas no recurso, sendo, pois, irrelevante qualquer questão nova suscitada na resposta ao parecer do Ministério Público, designadamente a questão da incompetência material do tribunal, que, aliás, já foi apreciada no despacho saneador proferido nos autos, sem qualquer reação processual da R., no prazo legal para o efeito.

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VI. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

(Em conformidade com o disposto no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)

Coimbra, 4 de fevereiro de 2016


 (Paula Maria Videira do Paço)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)