Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
416/09.TBLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA INÊS MOURA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
SOLO APTO PARA OUTROS FINS
AVALIAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
REFORMATIO IN PEJUS
Data do Acordão: 01/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - LAMEGO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 23, 24, 25, 27 CEXP., DL Nº 794/76 DE 5/11, ART.635 CPC
Sumário: 1. Para que o solo possa ser considerado apto para construção, integrado na previsão do artº 25 nº 2 al. a) do CE, é necessário que o prédio expropriado disponha das infrestrutruras aí previstas. Quando as infraestruturas de abastecimento de água, energia eléctrica e saneamento apenas existem no aglomerado urbano próximo do prédio expropriado, não pode dizer-se que este está directamente servido por tais infraestruturas, para efeitos da previsão da norma mencionada.

2. Deve interpretar-se o conceito de núcleo urbano no sentido de aglomerado urbano nos termos previstos no artº 62 do Decreto Lei 794/76 de 5 de Novembro, de acordo com o qual o núcleo urbano ou aglomerado urbano é constituído pelo núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente, com vias públicas pavimentadas, servido por rede de abastecimento domiciliário de água e drenagem de esgotos, cujo perímetro é definido pelos pontos distanciados 50 metros das vias públicas onde terminem as infraestruturas urbanísticas.

3. O artº 27 nº 3 do C.E. não impõe o recurso ao rendimento efectivo para efeitos de avaliação do prédio, antes dá como alternativa que a avaliação se faça com base neste ou com base no rendimento possível.

4.A decisão arbitral constitui uma verdadeira decisão judicial proveniente de um tribunal arbitral necessário, aplicando-se por isso ao recurso que incide sobre a mesma o regime dos recursos estabelecido no Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações.

5. Se ambas as partes interpõem recurso, pondo em causa o valor indemnizatório da parcela expropriada a que chegou a decisão arbitral em ambas as vertentes- valor do solo e benfeitorias- impedem que sobre tal questão se forme caso julgado, colocando a mesma à reavaliação do tribunal.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, é expropriante a Águas de Trás-Os-Montes e Alto Douro, S.A. e expropriados Herdeiros de A (…) e esposa C (…), sendo ainda interveniente, na qualidade de arrendatário, AS (…).

Os mesmos reportam-se ao despacho de declaração de expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, publicado no D.R. n.º 57, II série, de 20 de Março de 2008, das parcelas n.ºs 265.1 e 265.2, a destacar do prédio situado no lugar da Costa, freguesia de Pretarouca, concelho de Lamego, inscrito na matriz predial rústica sob o nº 13-B, e descrito na CRP de Lamego sob o nº 52/170389, com a área de 15.874,00m2.

Vieram os Herdeiros de A (…) e Outros e, bem assim, a entidade expropriante interpor recurso da decisão arbitral que fixou como montante de indemnização a quantia de €61.041,50 sendo € 35.716,50 do valor da parcela e € 25.325,00 das benfeitorias e que avaliou o encargo autónomo de arrendamento em €7.129,65 de que é titular AS (…), quantias estas depositadas à ordem do tribunal.

A entidade expropriante tomou posse administrativa da parcela expropriada, em 13.05.2008.

Foi proferido despacho a adjudicar a propriedade à entidade expropriante, da parcela supra identificada, livre de quaisquer ónus e encargos, ao abrigo do artigo 51º, n.º 5 da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.

Os Expropriados e Outro alegaram, no seu recurso, em síntese, que as parcelas expropriadas deveriam ter merecido a classificação de solo “apto para construção”, pois que, para além de deverem considerar-se dentro do aglomerado urbano de Pretarouca, pois que dista do centro apenas 300m, dispõem de acesso rodoviário pavimentado a betuminoso, dispõem de infra-estruturas básicas como acesso rodoviário pavimentado, rede de abastecimento de água, rede de energia eléctrica, rede de saneamento, rede de telefone, de rede de águas pluviais, assim bastantes para se considerar a potencialidade edificativa do solo; acresce que o PDM de Lamego não exclui valências construtivas nas áreas de ocupação condicionada, tendo sido ignorado que junto das parcelas existem construções implantadas, e que o PDM permite para além da construção de habitações outras tipologias, nomeadamente a edificação de equipamentos de interesse municipal. Mas, ainda que assim não se entendesse, na avaliação deveriam ter sido tomadas em conta as possibilidades edificativas das mesmas, bem assim, as funcionalidades funcionais do terreno; as produções, preços, encargos e taxa de capitalização encontram-se infundamentados; os valores atribuídos são manifestamente inferiores aos correntes e de mercado. Por fim, a decisão arbitral padece de omissões quanto a prejuízos decorrentes de diferenças de rendas, investimento e reposição da actividade, da plantação existente à data da DUP e sistema de rega existente. Concluem, dizendo que deve ser fixada uma indemnização muito superior à arbitrada quer para os Expropriados, quer para o Interessado (arrendatário).

A entidade expropriante alega, para tanto e em síntese, que, o valor a que chegaram os árbitros não teve em consideração o arrendamento que incidia sobre a parcela, pelo que, auferindo o proprietário um rendimento anual pelo arrendamento da propriedade, não faz sentido estar a determinar o seu valor com base no seu rendimento possível. Por outro lado, o valor do solo apto para outros fins deveria ter sido calculado a partir das declarações ou correcções efectuadas aos valores declarados, de transacções e avaliações fiscais de prédios semelhantes e só na ausência desses elementos é que se deve fazer uso de outras metodologias. No que concerne ao contrato de arrendamento e à indemnização do arrendatário, o facto de a parcela expropriada estar arrendada, introduz algumas alterações à forma de calcular as indemnizações; deve atender-se ao valor da renda paga e não ao rendimento da exploração agrícola, e ao valor que o proprietário deixa de auferir por esse facto. Quanto às benfeitorias, não deve ser considerado o muro de suporte. Entende a entidade expropriante, que a indemnização a arbitrar deve ser fixada no total em €33.852,00.

            Foram nomeados os peritos para proceder à avaliação da parcela a expropriar, os quais, após terem prestado compromisso, vieram apresentar os resultados de tal avaliação. Concluiram quatro dos cinco peritos pelo valor global de indemnização de € 67.092,14, sendo € 65.242,14 do valor da parcela e € 1.850,00 das benfeitorias; quanto à indemnização autónoma quantificaram-na em € 17.025,05; o perito indicado pelos expropriados atribuiu ao solo o valor de € 86.512,30, às benfeitorias o valor de € 26.350,00 e quantificou a avaliação autónoma em € 18.849,00.

As partes foram notificadas para alegar e quer a entidade expropriante, quer os Expropriados vieram fazê-lo.

Os expropriados alegaram, em suma, defendendo diferente classificação do solo e consequentemente os valores das indemnizações a atribuir aos expropriados e ao arrendatário.

A entidade expropriante defendeu que os valores indicados pelos Srs. Peritos devem ser substancialmente inferiores, baseando-se em métodos e critérios distintos dos utilizados por aqueles.

Foi proferida sentença que julgou improcedentes os recursos interpostos fixando em € 67.092,14 (€ 65.242,14 pelo valor do solo e o montante de €1.850,00 pelas benfeitorias) o montante da indemnização a atribuir aos expropriados Herdeiros de A (…) e esposa C (…); € 17.025,05, na parte respeitante ao denominado “encargo autónomo” relativo ao arrendamento do prédio, a atribuir a AS (…); determinou a actualização do montante da indemnização atribuída, desde a data da declaração de utilidade pública até ao trânsito em julgado da sentença de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, com exclusão da habitação.

Não se conformando com esta decisão vêm os expropriados interpor recurso para este tribunal, pedindo a revogação da sentença proferida, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

(…)

II. Questões a decidir

Tendo em conta o objecto dos recursos delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões - artº 635 nº 4 e artº 639 nº 1 a 3 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- artº 608 nº 2 in fine.

- da avaliação do solo;

- da avaliação das benfeitorias;

- da avaliação do encargo autónomo, constituído pelo arrendamento.

III. Fundamentação de facto

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

1.Por despacho publicado no D.R. n.º 243, II série, de 19 de Outubro de 2001, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela n.º 265.1 e 265.2, com a área total de 15.874,00 m2, sita no lugar da Costa, freguesia de Pretarouca, concelho de Lamego freguesia de Valdigem, concelho de Lamego.

2. Em 28 de Abril de 2008 foi realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”.

3. A entidade expropriante tomou posse administrativa em 13.05.2008.

4. Foi realizada a arbitragem da parcela supra identificada.

5. No Acórdão Arbitral e respectivo laudo dos árbitros foram fixadas: a quantia de €61.041,50 a título de justa indemnização a atribuir aos expropriados, e a quantia de €7.129,65, a título de encargo autónomo pelo arrendamento de que é titular AS (…), quantias estas depositadas à ordem deste tribunal.

6. Foi proferida, em 10.11.2010, decisão de adjudicação da propriedade da parcela referida, livre de quaisquer ónus e encargos à entidade expropriante.

7. Nessa sequência, veio a entidade expropriante apresentar recurso da decisão arbitral.

8. Trata-se de uma expropriação total de um prédio rústico inscrito na matriz predial rústica com o nº 13º-B e descrito na CRP de Lamego sob o nº 52/170389.

9. Em 03.07.2012 vieram os Srs. peritos apresentar o relatório da avaliação, sendo que os peritos nomeados pelo Tribunal e o perito indicado pela expropriada concluíram no sentido de se atribuir o montante de €65.242,14 pelo valor do solo, classificando-o como “solo apto para construção”, e o montante de €1.850,00 pelas benfeitorias, num total de €67.092,14; e na parte respeitante ao denominado “encargo autónomo” relativo ao arrendamento do prédio, atribuíram o montante de €17.025,05.

10. E o perito indicado pelos expropriados, concordando, com os demais peritos, com a avaliação para a área de solo para outros fins, discordou quanto à taxa de capitalização a aplicar ao rendimento fundiário e o cálculo de parte das benfeitorias, concluindo pelo montante a atribuir de €86.512,30, no que respeita ao valor do solo; pelo quantia de €26.350,00 no tocante às benfeitorias; assim num total de €112.862,30; e quanto à avaliação autónoma concluiu pelo valor de €18.849,16.

11. À data da v.a.p.r.m. a parcela em causa:

» tinha as seguintes confrontações:

- o prédio mãe confrontava de norte e sul com os mesmos proprietários, de nascente não identificados e de poente com Rio Balsemão; a parcela 265.1, confrontava de norte com os mesmos proprietários, de sul e nascente com caminho público e de poente com Rio Balsemão; a parcela 265.2 de norte com caminho público e com os mesmos proprietários, de sul com os mesmos proprietários e de nascente e poente com caminho público;

» apresentava boa aptidão para culturas arvenses de regadio, dispondo de água de rega que provém de uma nascente existente no prédio, reforçada pela água captada no prédio vizinho, pertencente ao mesmo proprietário;

» o solo encontrava-se ocupado parcialmente por uma plantação de morangueiros;

» o prédio foi objecto de contrato de arrendamento celebrado a 1 de Janeiro de 2005, com AS (…), pelo prazo de 10 anos, renovável por períodos sucessivos de um ano, pela renda anual de 500 euros; tendo este ficado, à data da DUP, privado de um ano de investimento feito para instalação do morangal.

» as duas parcelas confinavam com um arruamento público que lhes dava acesso numa extensão de 80m no caso da parcela 265.1 e 170m no caso da parcela 265.2.

» apresentava ainda:

- muro de contenção do Rio Balsemão, de pedra aparelhada, com 2,50m de altura livre, numa extensão de 120,00m;

- muro de suporte de pedra alinhada à mão no limite da parcela 265.1 com altura média de 1,50m, numa extensão de 70,00m;

- muro de suporte de pedra alinhada à mão no limite da parcela 265.2 com altura média de 1,50m, numa extensão de 170,00m;

- muro de suporte de pedra, com 1,00m de altura, na parcela 265.2, numa extensão de 100,00m;

- vedação na parcela 265.1 de rede ovelheira, suportada em prumos de madeira tratada, junto á estrada, numa extensão de 80,00m;

- vedação da parcela 265.2 de rede ovelheira, suportada em prumos de madeira tratada, junto à estrada, numa extensão de 170,00m;

- nascente com galeria de mina de cerca de 100,00m de extensão, de boca tratada com as dimensões de 1,80x 1,00m dotada de pequena represa construída em terra;

- 30 arenques de amieiros (na margem do Rio Balsemão) de média dimensão.

12. Ao nível das áreas envolventes as parcelas situam-se a menos de 300m do centro do aglomerado de Pretarouca, sendo a envolvente maioritariamente agrícola.

13. No que respeita ao Plano Director Municipal (PDM) de Lamego, vigente á data da DUP, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 46/94 e publicado no DR nº 143, 1ª séria B de 23.06.1994, o solo da parcela 265.1 com cerca de 6.562m2, descritos na matriz e confirmados por medição sobre PC, estão situados em zona classificada como “área de salvaguarda – Reserva Agrícola Nacional”, e o solo da parcela 265.2 com cerca de 9.312m2, descritos na matriz e confirmados por medição sobre PC, estão situados em zona classificada como “Área de Ocupação Condicionada”.

14. A parcela em causa não é servida directamente por todas as infra-estruturas enunciadas no C.E., não se integra em núcleo urbano existente, sendo periférica a esse perímetro, não tem capacidade construtiva nos termos do PDM de Lamego e do Regime da RAN, nem possui licenças de construção.

15. O prédio é atravessado por caminho público, dividindo-o em duas partes autónomas, dando origem a prédios distintos, com áreas inferiores a 10.000,00m2.

16. AS (…) teve o custo de instalação do morangal de €20.723,51, tendo explorado o prédio dois anos (até à data da DUP – 2008).

17. Instalou equipamento de rega.

IV. Razões de Direito

- da avaliação do solo.

A respeito desta questão podemos considerar outras sub-questões individualizadamente, tendo em conta o recurso apresentado por cada uma das partes, havendo assim que ponderar:

- Do recurso dos expropriados: se o solo deve ser classificado como solo apto para construção; se a taxa de capitalização não deve ultrapassar os 3%; se não deve ter lugar o corte de 15% na produtividade.

- Do recurso da expropriante: se havendo rendimento anual efectivo é com base nesse rendimento que deve ser avaliado o terreno e não com base em rendimento possível hipotético; se a taxa de capitalização deve ser de 5%.

Vejamos em primeiro lugar a questão da classificação do solo.

A este respeito, entendeu a sentença recorrida que, tendo por base os requisitos legais para a classificação do solo e a factualidade dada como provada quanto à caracterização da parcela expropriada, ser de considerar o solo expropriado, na sua totalidade como solo apto para outros fins, sendo essa a posição assumida por todos os peritos.

Pretendem os Recorrentes expropriados que o prédio dispõe das infraestruturas previstas na al. a) do nº 2 do artº 25 do C.E. e que mesmo a não dispor de todas, tem de entender-se que se integra no núcleo urbano existente.

Para a avaliação desta questão, importa ter em conta os critérios legais que devem orientar a fixação da indemnização.

Na realização da expropriação, a justa indemnização aparece como contrapartida daquela, conforme prevê, desde logo, o artº 1º do Código das Expropriações, estabelecendo os artº 23 e 24 deste código o modo como a mesma deve ser fixada.

            Dentro do quadro estabelecido no artº 23 e considerando os critérios que devem presidir à fixação da justa indemnização, verifica-se que o prejuízo do expropriado deve medir-se pelo valor real e corrente dos bens, e não pelas despesas que haja de suportar para obter a substituição da coisa expropriada por outra equivalente. A justa indemnização há-de repor no património do expropriado o valor dos bens de que ele ficará privado. Esse valor corresponderá ao preço que um comprador prudente, em condições normais de mercado, pagaria pela coisa, para a continuar a aplicar ao fim a que estava destinado.

            Para encontrar o valor real e corrente do bem expropriado, há-de atender-se ao seu valor actual, aferido pelo seu rendimento real e efectivo, e não pelo valor irreal, hipotético e futuro. Esse valor corresponderá ao valor de mercado, atribuindo-se ao expropriado o valor efectivo do bem, à semelhança do fenómeno da “sub-rogação pelo correspondente em dinheiro”- vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, in. CJ 1998, tomo IV, pág. 217ss.

Para efeitos do cálculo da indemnização, logo a primeira questão que se põe é a da classificação dos solos, conforme previsto no artº 25 nº 1 do C. Expropriações, que classifica o solo em apto para a construção ou para outro fins, especificando o nº 2 deste artigo os elementos a considerar para a classificação do solo apto para construção. Estes requisitos não são cumulativos, bastando que se verifique um deles para que a parcela assim possa ser classificada, sendo que é por exclusão de partes que se determina qual é o solo para outros fins, de acordo com o nº 3 deste artigo.

Especificamente o nº 2 do artº 25 estabelece que se considera solo apto para construção:

“a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações neles existentes ou a construir;

b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas, referidas na alínea anterior, mas que se integra em núcleo urbano existente;

c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);

d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artº 10º.

Finalmente há que ter em conta o disposto nos artº 26 e 27 do C.E. que respectivamente estabelecem os critérios para o cálculo do valor do solo apto para construção e apto para outros fins.

Quanto aos critérios necessários para a classificação do solo como apto para construção, vejamos, em primeiro lugar a situação do prédio com referência às infraestruturas que o servem, tendo a este respeito considerado a sentença recorrida que: “A parcela em causa não é servida directamente por todas as infra-estruturas enunciadas no C.E., não se integra em núcleo urbano existente, sendo periférica a esse perímetro, não tem capacidade construtiva nos termos do PDM de Lamego e do Regime da RAN, nem possui licenças de construção.”

Contesta o Recorrente que o prédio não seja servido pelas infraestruturas previstas na al. a) do nº 2 do artº 25 do C.E. e que não esteja dentro do aglomerado urbano.

Vejamos os que nos dizem a este propósito os elementos constantes dos autos.

A considerar o relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam que se encontra junto aos autos a fls. 20 ss. e que nos dá conta do seguinte: “Trata-se da expropriação total de um prédio rústico (…) com uma área total de (6.562m2 + 9.312m2=) 15.874m2. O prédio mãe, tendo por base a informação contida na PC, detém as seguintes confrontações: Norte: mesmos proprietários, Sul: mesmos proprietários, Nascente: não identificados; Poente: rio Balsemão. (…) o prédio mãe de onde são destacadas as duas parcelas, é atravessado por uma via que liga o centro do aglomerado urbano de Petrarouca à zona onde actualmente está situada a Junta de Freguesia e onde se situa o seu campo de jogos. (…) o solo das duas parcelas confina com um arruamento público que lhes dá acesso (…) este arruamento, de 6 m de largura, encontra-se pavimentado a betuminoso, sem passeios, dotado nos limites das parcelas, de rede de abastecimento de água, de rede de saneamento, de rede de distribuição de energia eléctrica e de rede telefónica. (…) as parcelas situam-se a menos de 300 m do centro do aglomerado de Petrarouca.

Temos ainda o relatório de arbitragem, a fls. 247 ss. dos autos que repete a confrontação do prédio expropriado que consta do auto de vistoria, fazendo referência também à carta de ordenamento do Plano Director Municipal de Lamego e a indicação da parte das parcelas que estão integradas em Área de Salvaguarda- Reserva Agrícola Nacional e em Área de Ocupação Condicionada. Refere ainda que as parcelas se situavam a menos de 300 m do centro urbano de Petrarouca e que este aglomerado encontra-se servido por arruamentos pavimentados, embora não dotados de passeios, de rede de abastecimento de água, de rede de saneamento ligada a fossa, de rede de distribuição de energia eléctrica de baixa tensão, de sistema de drenagem de águas pluviais e de rede telefónica. Conclui o relatório de arbitragem que “não estando a parcela abrangida por nenhuma das alíneas mencionadas no nº 2 do artº 25 da Lei 168/99 de 18 de Setembro (CE), o terreno é classificado como solo apto para outros fins, nos termos do nº 3 do referido artigo”. Das respostas aos quesitos apresentadas consta que as parcelas expropriadas, individualmente consideradas, confrontam com a via pública; à pergunta de quais as infra-estruturas que servem os imóveis existentes na zona envolvente, é respondido que os imóveis apenas dispunham de acesso por caminho público, sem ser pavimentado, em calçada ou betuminoso.

Por seu turno, os elementos que constam do relatório pericial, dizem-nos que se trata de um prédio rústico, dispondo de água para rega que provém de uma nascente existente no prédio, reforçada pela água captada no prédio vizinho, pertencente ao mesmo proprietário; confina com um arruamento público, sendo a envolvente maioritariamente agrícola e situa-se a menos de 300 metros do contro do aglomerado urbano de Petrarouca; uma das parcelas está situada em zona classificada como Reserva Agrícola Nacional e a outra como Área de Ocupação Condicionada. A envolvente urbana mais próxima é cerca de 200 metros a sul; nos terrenos imediatamente contínuos não existem habitações; as parcelas confinavam com arruamento público pavimentado a betuminoso e só nos seus limites existia rede de abastecimento de água, rede de saneamento, rede de distribuição de energia electrica e telefónica.

Concluem também os Srs. Peritos que a parcela em causa não se enquadra em nenhuma das alíneas do artº 25 porquanto não é servida directamente por todas as infraestruturas aí previstas, não se integra em núcleo urbano existente sendo periférica a esse perímetro, não tem capacidade construtiva nos termos do PDM de Lamego e do Regime RAN, nem possuindo licença de construção, classificando-o de forma unânime como solo apto para outros fins.

Da avaliação de todos estes elementos, já se vê que não pode dar-se razão aos Recorrentes, quando pretendem que as parcelas expropriadas dispõem de todas as infraestruturas previstas na al. a) do nº 2 do artº 25, constatando-se que apenas dispõem de acesso rodoviário, pelo caminho público que as atravessa. É que as restantes infraestruturas, abastecimento de água, energia eléctrica e saneamento apenas existem no aglomerado urbano próximo, nos limites do prédio expropriado, não se encontrando este directamente servido por tais infraestruturas. A interpretação extensiva que os Recorrentes pretendem para a norma mencionada, no sentido de entender que basta a possibilidade do prédio vir a ser servido por tais infraestruturas, não se afigura adequada- no limite, tal verifica-se em relação a qualquer prédio. Somos de entender que o artº 25 nº 2 al. a) do CE exige como requisito que o prédio expropriado disponha efectivamente de tais infrestrutruras para, apenas por isso, poder ser classificado como apto para construção, o que não se verifica no caso concreto.

Por outro lado, também não pode dizer-se, que o prédio se integra no núcleo urbano existente, antes se verificando, tal como concluído no relatório da perícia, que fica na sua periferia, ainda que a menos de 300 metros daquele, sendo a envolvente maioritariamente agrícola.

Diz-nos Salvador da Costa, in. Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, pág. 166 que deve interpretar-se o conceito de núcleo urbano no sentido de aglomerado urbano, densificado no Decreto Lei 794/76 de 5 de Novembro, relativo ao regime jurídico da política de solos. Assim, de acordo com o artº 62 deste diploma, o núcleo urbano ou aglomerado urbano é constituído pelo núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente, com vias públicas pavimentadas, servido por rede de abastecimento domiciliário de água e drenagem de esgotos, cujo perímetro é definido pelos pontos distanciados 50 metros das vias públicas onde terminem as infraestruturas urbanísticas.

Ora, já se vê que, em face desta noção, o prédio expropriado fica na periferia do núcleo urbano, não se encontrando integrado no mesmo, o que é a exigência da al. b) do nº 2 do artº 25 do C.E.

Finalmente, além do mais, os instrumentos de gestão territorial que constituem o PDM de Lamego e o regime da Reserva Agrícola Nacional retiram ao terreno capacidade construtiva, em face da sua dimensão, não cumprindo as condições que permitem a construção, sendo certo que não existe nenhum projecto de construção ou alvará de loteamento para o prédio. Não pode assim dizer-se que as parcelas do prédio expropriado estão destinadas a adquirir as características descritas na al. a), de acordo com os instrumentos de gestão territorial, não se encontrando preenchida a previsão das al. c) e d) do nº 2 do artº 25 do C.E.

Conclui-se, em face do exposto, que não merece censura a sentença recorrida quando classifica o solo do prédio expropriado como “solo apto para outros fins”, classificação aliás que foi proposta por unanimidade quer dos árbitros, quer dos peritos.

 Vejamos agora a questão da taxa de capitalização considerada para a avaliação do terreno, que ambas as partes contestam, pugnando os expropriados para que a mesma não seja superior a 3% e a expropriante para que a mesma se fixe em 5%.

No que se refere ao valor do solo, a sentença recorrida remete para o valor encontrado por quatro dos cinco peritos, no relatório que apresentam com o seu laudo maioritário, não fazendo qualquer apreciação crítica ao mesmo, referindo apenas genericamente que se encontra bem fundamentado e obedece aos critérios estabelecidos na lei, concluindo que os montantes indemnizatórios aí fixados são adequados, proporcionais e justos. Adere assim, à taxa de capitalização aí considerada que foi a de 4%.

Referem os expropriados que a taxa de capitalização usual e corrente para os terrenos agrícolas é de 3% e que os peritos não fundamentam a taxa de 4% a que chegaram. Por seu turno, a expropriante refere que a taxa de capitalização deve fixar-se nos 5% ou 6%.

A lei não refere o modo de determinação da taxa de capitalização, que é considerada a propósito dos elementos a que deve atender-se para a fixação do valor do solo apto para outros fins e mencionados no artº 27 nº 3 do C.E. Aí se diz que, no caso de não ser possível aplicar o critério estabelecido no nº 1, por falta de elementos, o valor do solo apto para outros fins deve ser calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.

Diz-nos Salvador da Costa, in. ob. cit., pág. 200: “Este normativo sugere, na avaliação do solo em causa, a utilização do método analítico ou de capitalização de rendimento, por via do qual se determina o valor do capital a partir do rendimento que ele produz, ou seja, através da sua avaliação e capitalização. (…) Neste método de avaliação releva essencialmente a respectiva taxa de capitalização, tendente à conversão instrumental do rendimento líquido anual do prédio no valor deste, que a perícia tem considerado variar entre três e cinco por cento.” Acrescenta a pág. 202: “A lei não estabelece o modo de determinação da referida taxa de capitalização a partir dos elementos acima referidos. Todavia, a avaliação da propriedade rustica destinada ao fim normal envolve a consideração da periodicidade anual ou multi-anual com que se repetem as produções e se obtêm os rendimentos, a durabilidade destes, ou seja, a sua temporalidade ou perpetuidade, bem como a sua variabilidade, isto é, se são constantes ou variáveis.

Os Srs. Peritos, no relatório que apresentam, contrariamente ao que referem os Recorrentes expropriados, fundamentam a taxa de capitalização de 4% que apontam como a correcta. Fazem-no quando respondem como é calculada a taxa de capitalização, a fls. 553 do seu relatório, onde consta o seguinte: a taxa de capitalização ou actualização pode ser entendida como uma taxa de rendibilidade expectável anual bruta real, sendo por isso, no caso de uma exploração agrícola, directamente dependente do tipo de cultura, rendimentos de produção, condições climáticas da região onde se insere, tipo de produção dominante na região e condições de comercialização das produções. (…) Assim, a definição desta taxa no âmbito da perícia, teve por base uma ponderação das condições e aptidões agrícolas do prédio e envolvente, condições de mercado para comercialização das produções e valores praticados. (…) Na prática, a definição do valor desta taxa variará principalmente em função do risco inerente, já que a taxa base que remunera a imobilização de capital, é mais ou menos estável e a inflação, nos modelos usualmente aplicados, para o caso dos terrenos agroflorestais, não é tida em consideração pelo facto de se pressupor preços constantes. Tendo em conta os factores explicitados, que influenciam na definição da taxa de actualização, os peritos consideram a taxa de 4% como a taxa adequada ao presente caso.”

É certo que a avaliação dos peritos, constituindo uma verdadeira prova pericial, o seu resultado está sujeito à livre apreciação do tribunal, de acordo com o disposto no artº 389º do C.Civil.

            Contudo, o laudo dos peritos, ainda que possa ser, naturalmente, apreciado de uma forma crítica pelo tribunal é determinante para a fixação da indemnização, pelos conhecimentos técnicos que nele são expressos por pessoas habilitadas para o efeito.

No caso em presença, quatro dos cinco peritos, com exclusão apenas do perito nomeado por indicação da expropriada, consideram ajustada ao caso a taxa de capitalização de 4%, na avaliação que, em concreto, fazem das circunstâncias do terreno, capacidade produtiva, preço de venda e encargos e como não pode deixar de ser da conjuntura económica. Os peritos encontram-se familiarizados com os valores das propriedades e com a sua capacidade produtiva e sabem avaliar o capital investido ponderando a conjuntura económica e financeira, nomeadamente as taxas de juro praticadas, sendo o valor encontrado próximo da média da remuneração do capital à data da DUP.

Considera-se por isso não haver censura a fazer quando, para o cálculo do valor do terreno, é adoptada a taxa de capitalização de 4%, em conformidade com o apontado pela maioria dos Srs. Peritos.

Insurgem-se ainda os Recorrentes expropriados contra o corte de 15% na produtividade que foi considerado, com influência no valor do terreno encontrado, pugnando pela desconsideração de tal factor. Alegam que tal dedução não tem base de sustentação.

No cálculo do valor do solo apto para outros fins, o artº 27 nº 3 do C.E., na falta dos critérios estabelecidos no nº 1, manda atender, entre outros elementos, ao rendimento efectivo ou possível do prédio à data da DUP.

O rendimento de um prédio não se confunde com os valores de produção, não havendo, em regra, inteira coincidência entre o rendimento que pode ser obtido de um determinado prédio e os valores da produção desenvolvida; basta verificar que uma parte da produção pode perder-se e não dar origem a qualquer rendimento.

Para a cultura de morangueiro que foi considerada, foi ponderado que cerca de 15% da produção média anual não é comercializada, por defeitos dos frutos, com doenças, pragas, etc. ou seja, há previsivelmente uma parte da produção, no caso 15%, que não dá origem a qualquer rendimento.

A actividade produtiva agrícola contém riscos, e os valores de produção não são, por norma, idênticos aos valores de comercialização, sendo estes que representam o rendimento a ter em conta.

Os peritos, em razão dos seus conhecimentos técnicos, sabem da forma como se processa a actividade agrícola, não se encontrando por isso razão para se pôr em causa a avaliação que eles fazem a propósito da percentagem da produção que, por diversas razões, não se “transforma” em rendimento, não se vendo por isso censura a fazer à percentagem considerada.

Finalmente, ainda com referência ao valor do solo fixado, insurge-se a Recorrente expropriante no seu recurso, contra o facto de não ter sido considerado o rendimento anual efectivo, que no caso existe, concluindo que é com base nesse rendimento que deve ser avaliado o terreno e não com base em rendimento possível hipotético do mesmo.

Tendo em conta que a parcela expropriada se insere na categoria de “solo apto para outros fins”, há que ponderar o que dispõe o artº 27 do C.E. Não havendo os elementos previstos nos nº 1 e 2, importa recorrer ao nº 3 que nos diz que: “… o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.”

Os peritos optaram por avaliar o prédio expropriado recorrendo aos seus rendimentos possíveis e não ao rendimento efectivo, actual à data da DUP.

No caso, o prédio apresenta para os seus proprietários um rendimento efectivo que lhes é facultado pelo valor da renda anual estabelecida no âmbito de contrato de arrendamento celebrado.

Contudo, o artº 27 nº 3 do C.E., contrariamente ao que pretende a Recorrente expropriante, não impõe o recurso ao rendimento efectivo para efeitos de avaliação do prédio, antes dá como alternativa que a avaliação se faça com base neste ou com base no rendimento possível, sendo certo, além do mais, que as restantes condições previstas no artigo em questão, como a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes também devem ser ponderadas, tal como outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo.

Os peritos quando efectuam a avaliação, podem ponderar qual dos rendimentos, o efectivo ou o possível, é mais adequado e justo à situação.

A este respeito, diz-nos também Salvador da Costa, in. ob. cit. pág. 198: “Temos pois que o cálculo do valor da indemnização do solo apto para outros fins, que não a construção, deve basear-se no respectivo rendimento efectivo e possível, ou seja, o que nele se produz e o que, dada a sua natureza, é susceptível de produzir.”

Na situação em presença os peritos optaram por considerar o rendimento possível, o que foi seguido pela sentença recorrida, sem que tal traduza qualquer irregularidade ao definido no artº 27 do C.E., contrariamente ao que pretende a Recorrente.

Por tudo o que fica exposto, conclui-se que não merece censura o valor do solo fixado na sentença recorrida.

- da avaliação das benfeitorias.

Alegam os Recorrentes expropriados que o valor das benfeitorias atribuído no acórdão arbitral já foi aceite pela expropriante, havendo violação do caso julgado, não aceitando também que algumas benfeitorias não tenham sido avaliadas autonomamente.

Sobre esta mesma questão vem a Recorrente expropriante dizer que não devem ser consideradas como benfeitorias aquelas que se integram na capacidade produtiva do prédio, tal como os muros de suporte.

A sentença sob recurso, também sob este aspecto, escudou-se no relatório dos peritos, que avaliaram as benfeitorias em € 1.850,00 atribuindo tal montante.

O relatório dos árbitros entendeu adequada a indemnização total de € 61.041,50 sendo € 35.716,00 do valor do terreno e € 25.325,00 pelas benfeitorias.

Vêm os Recorrentes expropriados dizer que no recurso por si interposto a Expropriante veio aceitar um valor de € 6.412,50 pelas benfeitorias, devendo pelo menos esse valor ser considerado sob pena de violação do caso julgado e da proibição da reformatio in pejus.

Vejamos se assim é.

Tem vindo a ser entendido na jurisprudência, de forma praticamente pacífica e unânime, que a decisão arbitral constitui uma verdadeira decisão judicial proveniente de um tribunal arbitral necessário, aplicando-se por isso ao recurso que incide sobre a mesma o regime dos recursos estabelecido no Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações, vd. neste sentido, Salvador da Costa, in. Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, pág. 301. Concordamos na íntegra com esta posição e com as razões que a fundamentam e bem expressas, designadamente, no Acórdão deste Tribunal de 02/10/2012, in. www.dgsi.pt às quais se adere na íntegra, e que nos diz: “Mas não deve haver qualquer equívoco quanto à natureza da decisão dos árbitros: esta constitui uma verdadeira decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário, e a sua impugnação, i.e., o pedido da sua reapreciação dirigido ao tribunal judicial constitui, verdadeira e materialmente, um recurso ordinário: realmente a impugnação do acórdão arbitral outra coisa não é que o pedido de reponderação de uma decisão não transitada, dirigida a um tribunal supra-ordenado, fundado na ilegalidade da decisão e visando revogá-la e substituí-la por outra mais favorável ao recorrente. E recurso a que são aplicáveis, devidamente reconformadas, as normas do CPC que regulam essa forma de impugnação da decisão judicial. Em boa e sã doutrina, não se deve, realmente, confundir o perito com o árbitro: o primeiro capta e dá parecer sobre factos observados; o segundo profere verdadeiro julgamento sobre matéria de facto ou de facto e de direito. O árbitro julga; o perito é simplesmente um meio de aquisição da prova. (…) O acórdão dos árbitros, no processo de expropriação, constitui, na verdade, materialmente, uma verdadeira decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário.”

Do acórdão arbitral cabe sempre recurso para o tribunal do lugar da situação dos bens ou da sua maior extensão.

Do acórdão arbitral, prévio a este processo, ambas as partes vieram interpor recurso de tal decisão, por não se conformarem com a mesma.

Nos termos do artº 633 nº 1 do C.P.C.: “Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável.” Por seu turno, o artº 635 do C.P.C., com a epígrafe: “Delimitação subjectiva e objectiva do recurso”, dispõe no seu nº 5, que: “os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.”

Esta norma vem excluir a reformatio in pejus, no pressuposto que o julgamento do recurso não pode agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que se ele não tivesse recorrido- vd. neste sentido, Prof. Alberto dos Reis, in. Código do Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 311.

Assim sendo, a parte decisória não recorrida torna-se estável, não podendo a posição da Recorrente ser agravada, devido ao recurso por si interposto, adquirindo a força e autoridade de caso julgado, atenta a proibição constante do princípio da reformatio in pejus, sendo certo que, de acordo com o disposto no artº 635 nº 4 do C.P.C. o recorrente pode restringir o objecto inicial do recurso nas conclusões da alegação que apresenta.

Verifica-se que no recurso que a Expropriante interpõe da decisão arbitral, pondo em causa a avaliação feita pelos peritos, a mesma conclui que o valor da indemnização total a favor do proprietário deve ser a de € 10.057,00 sendo € 5.457,00 do terreno e € 4.600,00 das benfeitorias e a favor do arrendatário o de € 6.708 sendo € 1.813,00 de benfeitorias; vem também a mesma dizer que não devem ser avaliadas autonomamente as benfeitorias que já contribuem para a capacidade produtiva do prédio.

A Expropriante, no recurso que interpõe da decisão arbitral para o tribunal, não restringe o objecto do recurso a uma parte da mesma, não havendo nenhuma “parte da decisão não recorrida” para efeitos do previsto no artº 635 nº 5 do C.P.C. A Recorrente requer que seja fixado um montante indemnizatório inferior ao definido pelos árbitros, pondo em causa o valor indemnizatório a que os mesmos chegaram em ambos os parâmetros avaliados (valor do solo e benfeitorias).

Por outro lado, também os Expropriados não se conformaram com o montante indemnizatório fixado, interpondo recurso da decisão arbitral proferida, pondo em causa quer o valor do solo encontrado, quer os valores considerados para as benfeitorias. Nesta medida, não pode dizer-se que houve “uma parte” da decisão arbitral que tenha transitado em julgado

São as partes (ambas) que ao interpor recurso, pondo em causa o valor indemnizatório da parcela expropriada a que chegou a decisão arbitral em ambas as vertentes- valor do solo e benfeitorias- impedem que sobre tal questão se forme caso julgado, colocando a mesma à reavaliação do tribunal.

Verifica-se até que a indemnização devida aos proprietários, contabilizada no processo como justa, pela expropriação, ascende à quantia de €67.092,14 enquanto que a indemnização atribuída pelo acórdão arbitral foi a de € 61.041,50. No total, o valor indemnizatório atribuído na sentença foi superior ao do acórdão arbitral. Daqui decorre, desde logo, que os Recorrentes expropriados ficaram beneficiados e não prejudicados pelo facto de terem interposto recurso daquele acórdão arbitral, sendo agora fixado um valor indemnizatório superior, ainda que o valor das benfeitorias tenha sido avaliado pelo tribunal a quo em montante inferior àquele que foi encontrado pelos árbitros, considerando o recurso da parte contrária.

Em face do exposto, já se vê que a decisão do tribunal a quo não viola o disposto no artº 635 nº 5 do C.P.C. não tendo sido restringido o objecto do recurso a uma parte da decisão arbitral e não havendo nenhuma “parte da decisão não recorrida” para efeitos do previsto na norma mencionada, sobre a qual se tenha formado caso julgado.

Os Recorrentes expropriados não aceitam também que algumas benfeitorias não tenham sido avaliadas autonomamente. Sobre esta mesma questão vem a Recorrente expropriante dizer que não devem ser consideradas como benfeitorias aquelas que se integram na capacidade produtiva do prédio, tal como os muros de suporte.

No seu relatório pericial, os três peritos indicados pelo tribunal e o indicado pela expropriante referem quanto às benfeitorias, que algumas delas não serão valorizadas autonomamente, por fazerem parte integrante da estrutura produtiva, já se encontrando reportadas essas mais valias na capacidade produtiva atribuída ao solo, o que foi acolhido pela sentença recorrida.

Em primeiro lugar, importa referir que não se percebe, nesta parte, o teor do recurso da Expropriante, quando invoca que não devem ser consideradas como benfeitorias aquelas que se integram na capacidade produtiva do prédio, tal como os muros de suporte. É que, essa foi precisamente a posição que veio a ser acolhida na sentença sob recurso, não podendo por isso haver qualquer discordância com a mesma neste aspecto.

Já os Recorrentes expropriados não aceitam que não se efectue tal avaliação de forma autónoma. Verifica-se, no entanto, que os mesmos, nas suas alegações de recurso não apresentam qualquer razão para a sua discordância, nem a fundamentam, limitando-se a referir: “Quanto às demais benfeitorias julgamos não ser de aceitar os argumentos, de resto conclusivos, dos Peritos e do Tribunal e Expropriante no que contende à sua não avaliação.”

O artº 28 do C.E. estabelece a forma de cálculo do valor de edifícios ou construções e das respectivas áreas de implantação e logradouros, prevendo, logo no seu nº 1 que estão em causa os edifícios ou construções com autonomia económica.

Ora, a partir do momento em que estão em causa construções existentes no prédio expropriado que se integram na própria capacidade produtiva do prédio, carecendo de autonomia económica, já se vê que as mesmas não devem ser valorizadas de per si. Outra coisa seria estar a valorizar duplamente cada uma dessas estruturas. Tal não significa, no entanto, que tais estruturas não tenham sido valorizadas, pelo contrário, tal como referem os Srs. Peritos as mesmas foram valorizadas mas no cálculo da capacidade produtiva do prédio e não autonomamente.

Conclui-se, pelo exposto, que é de manter o valor indemnizatório atribuído pela decisão recorrida a título de benfeitorias.

- da avaliação do encargo autónomo, constituído pelo arrendamento.

A sentença recorrida fixou em € 17.025,05 a avaliação do encargo autónomo, remetendo mais uma vez, sem qualquer apreciação crítica, para o relatório dos peritos.

A propósito desta avaliação, vêm os Expropriados referir que tem de ser considerado o prazo de 6 anos e 9 meses que faltava para o fim do contrato de arrendamento e não apenas os 6 anos que foram tidos em conta na atribuição da indemnização ao arrendatário.

A respeito da avaliação autónoma, consideraram os Srs. Peritos indicados pelo Tribunal e pela expropriante, atribuir um total de € 17.025,05 de indemnização repartido da seguinte forma: € 2.432,15 a título de frutos pendentes do ano 2008 e € 14.592,90 de perca de rendimento até terminus do contrato (6 x 2.432,15), posição esta que veio a ser sufragada pelo tribunal recorrido.

Com interesse para esta questão, importa ter em conta que, conforme resultou provado, o prédio foi objecto de contrato de arrendamento celebrado a 1 de Janeiro de 2005, com AS (…), pelo prazo de 10 anos, renovável por períodos sucessivos de um ano, pela renda anual de 500 euros; o interessado explorava um morangal, tendo a entidade administrativa tomado posse do terreno em Maio de 2008.

É verdade, que até ao fim do contrato de arrendamento faltavam não só os 6 anos considerados autónomamente, mas também os restantes meses do ano de 2008. Contudo, o que se verifica a propósito da indemnização fixada é que foi considerado de forma individualizada, para o resto do ano de 2008, o valor dos frutos pendentes desse ano, no montante de € 2.432,15 com referência à colheita prevista para esse mesmo ano. Daí só ter sido ponderada a perda de rendimentos pelo período de 6 anos, até ao fim do contrato de arrendamento, no valor de € 2.432,15 por cada ano.

Constata-se que os frutos pendentes da colheita de 2008 correspondem ao rendimento que o interessado poderia obter durante o resto desse ano, tendo-lhe sido atribuída indemnização por esse prejuízo. Assim, não pode, naturalmente, voltar a considerar-se a perda do rendimento para esse ano, como se fez para os restantes anos, sob pena de se estar a indemnizar duas vezes o mesmo prejuízo. Aliás, da forma como a avaliação que foi feita, terá até resultado um benefício para o arrendatário, já que viu pelos restantes meses do ano de 2008 ser-lhe atribuída um indemnização equivalente àquela que foi fixada para cada ano de arrendamento.

Com referência à avaliação do encargo autónomo, vem também a expropriante vem dizer que ao rendimento anual líquido do arrendatário deve ser deduzido o valor da renda anual por ele pago.

Constata-se, no entanto, que só pode tratar-se de um lapso a expropriante vir suscitar esta questão. É que o valor da renda foi efectivamente considerado como um encargo, quando da determinação do rendimento do arrendatário. No quadro apresentado no relatório pericial, a fls. 545 dos autos, consta no cálculo do rendimento anual do interessado e levado a “custos” a renda anual de € 500,00. Carece assim de fundamento esta questão suscitada.

V. Sumário:

1. Para que o solo possa ser considerado apto para construção, integrado na previsão do artº 25 nº 2 al. a) do CE, é necessário que o prédio expropriado disponha das infrestrutruras aí previstas. Quando as infraestruturas de abastecimento de água, energia eléctrica e saneamento apenas existem no aglomerado urbano próximo do prédio expropriado, não pode dizer-se que este está directamente servido por tais infraestruturas, para efeitos da previsão da norma mencionada.

2. Deve interpretar-se o conceito de núcleo urbano no sentido de aglomerado urbano nos termos previstos no artº 62 do Decreto Lei 794/76 de 5 de Novembro, de acordo com o qual o núcleo urbano ou aglomerado urbano é constituído pelo núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente, com vias públicas pavimentadas, servido por rede de abastecimento domiciliário de água e drenagem de esgotos, cujo perímetro é definido pelos pontos distanciados 50 metros das vias públicas onde terminem as infraestruturas urbanísticas.

3. O artº 27 nº 3 do C.E. não impõe o recurso ao rendimento efectivo para efeitos de avaliação do prédio, antes dá como alternativa que a avaliação se faça com base neste ou com base no rendimento possível.

4. Se ambas as partes interpõem recurso, pondo em causa o valor indemnizatório da parcela expropriada a que chegou a decisão arbitral em ambas as vertentes- valor do solo e benfeitorias- impedem que sobre tal questão se forme caso julgado, colocando a mesma à reavaliação do tribunal.

VI. Decisão:

Em face do exposto, julgam-se os recursos interpostos totalmente improcedentes, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Notifique.

                                                           *

                                               Coimbra, 13 de Janeiro de 2015

           

                                               Maria Inês Moura (relatora)

                                                Luís Cravo (1º adjunto)

                                               Carvalho Martins (2ºadjunto)