Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
128/12.4TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CAUSA DE PEDIR
ATENDIBILIDADE DE FACTOS NÃO ALEGADOS
RECONHECIMENTO DE DÍVIDA
Data do Acordão: 03/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU – INSTÂNCIA CENTRAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 264.º/3 DO CPC, 615.º/1/D) E 5.º/2/B) DO NCPC E ART. 458.º DO C. CIVIL
Sumário: 1 – A atendibilidade de factos não alegados (prevista nos art. 264.º/3 do CPC e 5.º/2/b) do NCPC) opera e move-se dentro e no limite da causa de pedir (que individualiza o pedido, que conforma o objecto do processo e o que pode ser considerado na apreciação do pedido); ou seja, o que ocorre em audiência só pode ser idoneamente introduzido no processo se estiver dentro da causa de pedir ou, se não estiver, só a elevação de tal ocorrência a nova causa de pedir, nos termos que a lei consente, permite ao juiz tomar em conta tal ocorrência e o seu conteúdo.

2 – Não há, porém, qualquer modificação da causa de pedir se, ressaltando da audiência que os empréstimos identificados/individualizados na PI ocorreram num mais lato lapso temporal, tais esclarecimentos factuais forem introduzidos no processo, sem o acordo das partes, antes do final do julgamento; e, tendo isso sido feito, baseando-se a sentença também em tal factualidade assim introduzida, não ocorre a nulidade da sentença do art. 615.º/1/d) do NCPC.

3 – Quem invoca um direito de crédito e exige o cumprimento da correlativa obrigação, tem que expor a fonte de tal crédito/obrigação; e tem que o fazer ainda que tenha/junte uma declaração subsumível ao art. 458.º do C. Civil, uma vez que este apenas estabelece um regime de “abstracção processual”, ou seja, dispensa o A. da prova da relação fundamental, mas não o dispensa de alegar os factos constitutivos da relação fundamental e que constitui a verdadeira causa de pedir da acção.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A... , viúva, doméstica, residente na Rua (...) , por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de C..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário (hoje, comum), contra B... , com sede na Rua (...) , em Viseu, pedindo que este seja condenado a restituir-lhe, por si e na qualidade de cabeça-de-casal, a quantia de € 43.427,06 (sendo € 38.728,06 de capital e € 4.699,00 de juros vencidos), acrescida dos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que, entre Junho de 2008 e Março de 2009, o falecido C... , marido da autora, emprestou ao R. (de quem era presidente da direcção), a pedido deste, por diversas vezes ao longo desse período, a quantia/capital referido, que deveria ter sido devolvida no prazo de um ano e que, decorrido o mesmo e não obstante a A. ter por diversas vezes instado o R., ainda o não foi, pelo que pede que o R. seja condenado a restituí-la acrescida de juros.

O R. contestou, negando a existência de qualquer empréstimo do falecido C... no lapso temporal invocado; acrescentando que naquele período já o infausto C... padecia de doença prolongada (que o vitimou em 23/04/2009), sendo o Vice-Presidente do R. (K...) que de facto geria o R. e lhe supria as falhas de tesouraria.

Concluiu pela improcedência da acção e pela condenação da A. como litigante de má fé em multa “e em indemnização não inferior a 2500 euros a favor do R.”.

Replicou a A., negando a sua má fé, dizendo que quem assim litiga é o R. e pedindo a sua condenação como litigante de má fé.

Foi proferido despacho saneador – que julgou a instância totalmente regular, estado em que se mantém[1] – e organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa.

Instruído o processo e realizada a audiência – durante a qual foi determinada (a fls.376) a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a eventualidade do tribunal apreciar e conhecer da existência duma promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida; e foi determinado (fls. 468) o aditamento de um novo quesito (o 4º) à base instrutória – o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que concluiu do seguinte modo:

“ (…) julgo parcialmente procedente a presente acção e em consequência:

a) condeno o Réu B...... Clube a restituir à Autora, por si e na qualidade de cabeça de casal, a quantia de €38.728,06, acrescida dos juros, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

b) absolvo o Réu B...... Clube do demais contra si peticionado na presente causa;

c) julgo procedente o pedido de condenação do Réu B...... Clube como litigante de má fé e em consequência condeno o Réu B...... Clube como litigante de má fé, em multa que se fixa no montante correspondente a 11 (onze) UC’s, e em indemnização a favor da Autora A... no montante de € 2.000, nos termos do disposto no artigo 543º, nº 2, do Código de Processo Civil de 2013. (…)”

Inconformado com tal decisão, interpôs o R. recurso de apelação, de facto e de direito, visando a sua revogação e a sua substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes “conclusões”:

A) Perante um requerimento de modificação da causa de pedir apresentado pela Autora o Tribunal ad quo não apreciou tal questão mas, no entanto, conforme despacho Judicial que consta da acta da audiência de julgamento realizada no dia 18 de Fevereiro de 2014 decidiu ampliar a base instrutória ao abrigo do disposto no artigo 264 e 650º, nº 2 al. f) ambos do CPC de 1961 ali passando a incluir novos factos que o próprio despacho judicial classificou como essenciais;

B) Ora, a Autora não requereu uma ampliação da base instrutória nem se pronunciou sobre a mesma – o que requereu foi uma modificação da causa de pedir – e o Réu não se pronunciou sobre tal ampliação da base instrutória – mas sim sobre a requerida modificação da causa de pedir peticionada pela Autora – tudo conforme acta de julgamento realizada no dia 18 de Fevereiro de 2014;

C) Ora, conforme resulta da acta quer Autora quer o Réu não se pronunciaram sob esta matéria, assim, até logo por aqui, por não se ter dado cumprimento aos requisitos do artigo 264 n.º 3 do CPC o Douto Despacho Judicial que ordenou a ampliação da base instrutória violou, por erro na interpretação e aplicação, o disposto no artº 264º, nº3 e 650º, nº 2 al. f) ambos do CPC de 1961;

D) Mas mais, o Douto Tribunal não poderia em qualquer caso ter ampliado a base instrutória nos termos em que o fez dado que dos factos que aditou o que resultou foi na verdade uma alteração à causa de pedir que se encontrava vertida e alegada quer na petição inicial quer na anterior base instrutória;

E) Ou seja, com a ampliação e alteração da base instrutória passou a perguntar-se acerca da existência de um outro e distinto contrato de mútuo que teria ocorrido entre 2005 e Março de 2009 – factos novos e distintos dos alegados pela Autora na Petição Inicial;

F) Ora factos essenciais ou principais são os que constituem pressuposto da aplicação da lei substantiva, isto é, os que integram a causa de pedir, fundando o pedido, constituindo o seu substracto de facto, sendo que a factualidade que foi e constituiu o objecto da ampliação não é nem pode ser reputada de factualidade essencial ou principal dado que não são complementares ou concretizadores de factos essenciais, para os efeitos do n.º 3 do art.º 264º do CPC, entre outros os factos que constituem um elemento parcelar (segmento ou circunstância) de uma causa de pedir complexa, pelo que, em caso algum, podem os factos atendíveis implicar convolação para uma causa de pedir diversa da invocada.

G) Pelo que incorreu a douta sentença em nulidade por excesso de pronúncia;

H) Caso assim não se entenda, não se poderá em qualquer caso deixar de considerar que a Douta Sentença violou, por erro na interpretação e aplicação, o disposto no artigo artº. 650º, nº. 2, al. f) e nº. 3 e no artigo 264 ambos do CPCivil na anterior redacção;

I) Depois, conforme resultou da prova produzida em sede de tribunal inexistiu qualquer empréstimo efectuado pelo falecido C... ao Clube, sendo que, conforme resultou da prova produzida nos autos, estamos aqui quando muito, o que não se admite, perante pagamentos a terceiros directamente e com recurso a dinheiro pessoal por parte do falecido C... (substituindo-se ao clube na obrigação desses pagamentos);

J) Daí que havendo a entrega de dinheiro ou de um título a um terceiro para pagamento de uma dívida ou extinção de uma obrigação, se não possa enquadrar o contrato celebrado como sendo um contrato de mútuo ou empréstimo, já que a intenção do falecido C... foi a extinção da obrigação do clube para com a entidade credora, ou seja a desoneração do Clube perante ela, e não propriamente a cedência de dinheiro ao clube ou nas contas bancárias deste;

K) Não obstante o douto tribunal aplicou aqui o regime jurídico aplicável ao contrato de mútuo o que fez, em nosso entendimento, erradamente;

L) Poder-se-á dizer que in casu a causa de pedir da acção assentou num alegado contrato de mútuo e não, como devia, num contrato de mandato ou até numa situação de sub-rogação e que, por isso, não é legítimo lançar mão deste meio para vir a Autora a obter o fim pretendido nesta acção.

M) Ao assim não ter entendido violou a douta sentença, por erro de interpretação e aplicação, do disposto no artigos art. 1157.º , art. 589.º e 591.º e 1142 e seguintes do CC;

N) No documento de fls. 337 a fl. 456 datado de 14 de Maio de 2009 que a sentença diz tratar-se de uma confissão de divida quem a assinou fez constar no seu teor que não considera verdadeira essa mesma alegada divida;

O) Ainda, tal documento foi exarado exactamente com o intuito de extinguir na contabilidade o saldo existente em favor do falecido C... – vide – depoimento da Testemunha M..., Técnico Oficial de Contas do clube ora recorrente, no depoimento prestado nos autos no dia 18 de Fevereiro de 2014, pelas 17h02m, cujo depoimento se encontra transcrito nas alegações e se dá aqui por reproduzido;

P) Mas mais, conforme resulta da confrontação da matéria de facto dada como provada com a data aposta no documento aqui em causa, tal declaração foi outorgada por membros da direcção do Réu já após a morte do C... , alegado credor, ou seja, trata-se de uma declaração que não foi por isso feita perante o titular do direito ou para este, pelo contrário, a declaração foi emitida perante e para uso de terceiros – contabilista;

Q) Ora, o art. 358.º nº 2 do C.Civil apenas confere força probatória plena à confissão extrajudicial que, constando, designadamente, de documento autêntico, for feita à parte contrária; prescrevendo, porém, o nº 4 deste preceito legal, que a confissão judicial feita a terceiro é livremente apreciada pelo tribunal, e era apenas nesses termos que poderia ser valorada;

R) O documento em causa carece ainda de falta de forma legal, nos termos conjugados dos arts 1142.º, 1143.º do C.C., porquanto respeita a uma dívida de valor superior a €20.000,00, sendo que, qualquer documento relativo a qualquer confissão de dívida ou mútuo, só é válido se celebrado por escritura pública;

S) Mas mais, em qualquer caso sempre estariamos perante um documento particular – artigo 373 do CC – sendo que se é um facto que no documento aqui em causa não consta a causa da divida não é menos verdade que a Autora na petição inicial indica e alega expressamente tal causa: a existência de um contrato de mútuo entre o falecido C... e o Clube B...... , ora recorrente, pelo que, ao ter condenado o Réu no pagamento da quantia aqui em causa com base numa alegada confissão de divida incorreu a sentença em nulidade por excesso de pronúncia;

T) Em qualquer caso a douta sentença, violou, por erro de interpretação e aplicação, a sentença o estabelecido nos artigos 358 n.º 2, 1142, 1143, 458 e 373 do CC;

U) Percorrendo a matéria de facto incluída na Base Instrutória verifica-se que foram dados como provados os quesitos 1 e 4 da Base Instrutória, no entanto, atendendo aos meios de prova produzidos nos autos tais factos deveriam ter sido dados como não provados os dois quesitos;

V) Tendo presente o teor dos dois quesitos acima indicados e bem assim a petição inicial da Autora, dúvidas não restam que os factos invocados e ora quesitados, a título de causa de pedir, são subsumíveis ao tipo contratual de mútuo, assim, o douto tribunal só poderia ter dado como provados os quesitos 01 e 04 se na audiência de discussão e julgamento tivesse sido produzida prova quanto à existência de um contrato de mútuo;

W) Acontece que o Réu demonstrou em Tribunal que inexistiu qualquer contrato de mútuo entre as partes;

X) E isto porque antes de mais não se poderia ter dado como provado quer no quesito 01 quer no quesito 02 que o recorrente terá solicitado ao falecido C... um empréstimo, fosse de que montante fosse, não foi feita qualquer prova nos autos neste sentido;

Y) Inexiste qualquer documento junto aos autos no qual o recorrente reconheça ter solicitado um empréstimo monetário ao falecido C... ;

Z) Da prova testemunhal, resultou que os directores do Clube aqui Recorrente desconheciam sequer a existência de um qualquer contrato de mútuo feito entre o falecido C... e o Clube B...... , ora recorrente, ora, se o clube desconhecia a existência de um qualquer mútuo muito menos o terá solicitado;

AA) A testemunha N... que prestou depoimento no dia 15 de Janeiro de 2014, pelas 13h28minutos, confirmou no seu depoimento, a partir dos 2 minutos e 37segundos do mesmo, que desconhecia qualquer empréstimo do falecido C... ao Clube;

BB) Também a testemunha L...... , director do clube há mais de 25 anos, confirmou ao tribunal que desconhecia a existência de qualquer contrato de mútuo entre o falecido C... e o Clube ora recorrente, designadamente ao minuto 3 e 07 segundos do seu depoimento;

CC) O Presidente do Clube, K..., que prestou declarações de parte no dia 5 de Dezembro de 2014, pelas 17h48m, confirmou igualmente que desconhecia a existência de qualquer contrato de mútuo entre o falecido C... sendo que na data dos factos aqui em causa o declarante era vice-presidente da direcção do clube;

DD) Igualmente do depoimento da Testemunha M...... , Técnico Oficial de Contas do clube ora recorrente, depoimento prestado nos autos no dia 18 de Fevereiro de 2014, pelas 17h02m, não decorre que na contabilidade da recorrente conste um qualquer contrato de mútuo entre o falecido C... e o Clube;

EE) Assim, se os directores do clube desconheciam sequer a existência de um contrato de mútuo não se pode aceitar que se tenha dado como provado que o clube tenha solicitado um empréstimo ao falecido C... ;

FF) Registe-se ainda que as testemunhas da Autora não foram capazes de identificar a existência de qualquer contrato de mútuo ou de quantificar montantes ou sequer de situar temporalmente a existência de tal contrato;

GG) Mas mais, a Testemunha M...... , Técnico Oficial de Contas do clube ora recorrente, no depoimento prestado nos autos no dia 18 de Fevereiro de 2014, pelas 17h02m, confirmou ao Tribunal, a partir do minuto 51 e 10 segundos do depoimento, que o saldo positivo constante da contabilidade do Clube B...... em favor do falecido C... foi construído com base em documentação e declarações levadas e dadas pelo próprio C... junto da contabilidade – depoimento que se encontra transcrito e que se dá aqui por reproduzido;

HH) Já aos 23minutos e 50 segundos do seu depoimento confirmou esta mesma testemunha, uma vez mais, que era o falecido C... que lhe levavas as facturas dos fornecedores do clube e dizia que tinha sido ele a liquidar as mesmas;

II) A mesma testemunha também aos 60 minutos e 18 segundos do seu depoimento confirmou que era o falecido C... que inscrevia nos documentos que levava para a contabilidade que o próprio teria pago tais contas do clube;

JJ) Ainda, por volta da 1h13m30segundos do depoimento volta a referir tal testemunha que o saldo positivo constante da contabilidade do Clube B...... em favor do falecido C... foi construído com base em documentação e declarações levadas e dadas pelo próprio C... ;

KK) Ou seja, do depoimento do contabilista resulta que o falecido C... entregava na contabilidade facturas e recibos emitidos por fornecedores e credores do Clube B...... dando a indicação aos serviços de contabilidade do Clube que tinha sido ele pessoalmente a liquidar directamente junto dos credores do Clube os montantes constantes de tais documentos e a contabilidade lançava os montantes constantes de tais documentos na conta corrente do falecido C... – método através do qual se terá chegado ao avultado montante aqui em causa nos autos;

LL) Resulta do depoimento da acima referida testemunha que o falecido C... terá entregue dinheiro a credor de terceiro para pagamento de dívida deste pelo que do depoimento desta testemunha, conjugado com a prova documental junta aos autos, designadamente os extractos de contabilidade do recorrente a fls.__, é manifesta a prova da não existência de qualquer contrato de mútuo entre as partes;

MM) A própria sentença reconhece, em versão que igualmente não se aceita, que o que aconteceu foi o pagamento por parte do falecido C... de dividas do Clube perante credores;

NN) Havendo a entrega de dinheiro ou de um título a um terceiro para pagamento de uma dívida ou extinção de uma obrigação, se não possa enquadrar o contrato celebrado como sendo um contrato de mútuo ou empréstimo, já que a intenção dos contraentes foi a extinção da obrigação do devedor, o aqui clube, para com a entidade credora, ou seja a desoneração do clube perante ela, e não propriamente um empréstimo de dinheiro;

OO) Podemos estar aqui numa situação de sub-rogação, sendo que a vontade de sub-rogar, para ser eficaz, teria de ser expressamente manifestada (art. 589.º e 591.º do CC) ou até no âmbito de um contrato de mandato mas nunca no âmbito de um contrato de mandato;

PP) No caso de entrega de título ou dinheiro a credor de terceiro, para pagamento de dívida deste, não há contrato de mútuo, por ter havido a intenção de extinção de obrigação desse terceiro, poder-se-á dizer que a causa de pedir da acção assentou num alegado contrato de mútuo e não num contrato de mandato, e que, por isso, não é legítimo lançar mão deste meio para vir o A. a obter o fim pretendido nesta acção.

QQ) Desta forma, não se tendo provado a existência de qualquer contrato de mútuo mas de um outro e distinto contrato não poderia a douta sentença ter dado como provados os quesitos 01 e 04 da base instrutória;

RR) Uma questão é discutir a existência ou não de uma dívida outra questão é saber se essa divida provém de um contrato de mútuo e o que se pergunta nos quesitos é se o falecido C... emprestou dinheiro ao Clube, ora, de toda a prova documental e testemunhal não resulta verificada a existência de um contrato de mútuo, pelo contrário, provou-se que a alegada divida, a existir, não teve por base nenhum contrato de mútuo;

SS) Por outro lado, mesmo que o documento datado de 14 de Maio de 2014 consubstanciasse uma declaração de divida nos termos do 458 do CC, sem indicação da causa da divida, a verdade é que a Autora identificou e alegou na petição a causa para a suposta divida: contrato de mútuo celebrado entre o falecido C... e o Clube ora recorrente;

TT) A causa de pedir nos presentes autos é a alegada existência de um contrato de mútuo –contrato de mútuo cuja existência não se provou - e não pode o tribunal em qualquer caso dar como provados os quesitos 01 e 04 com base na suposta declaração de divida aqui em causa nem condenar o Réu sob pena de estarmos perante uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia;

UU) E isto porque nessa eventualidade a sentença estaria a invocar como razão de decidir ou uma causa ou facto jurídico essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

VV) Do exposto, por terem sido dados como provados, o recorrente considera assim incorrectamente julgados os pontos 1 e 4 por erro na sua apreciação pois do processo constam todos os meios de prova que determinariam uma decisão distinta e a sua inclusão nos factos não provados;

Não foi apresentada qualquer resposta.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do apelante – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este tribunal.

No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados; constando assim do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, pelo que e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[2].

Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém – salienta-se e enfatiza-se, para que não haja quaisquer equívocos interpretativos sobre o que se acabou de dizer – não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correcção de pontuais, concretas e excepcionais erros de julgamento; efectivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a actividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efectuada na 1.ª Instância).

Efectuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos aos autos e ouvido o registo, efectuado em CD, das 3 sessões de julgamento – antecipamos desde já que, concordando embora com a maior parte do raciocínio e análise crítica expostas na decisão a quo, entendemos, em face da prova produzida, que os mesmos não podem conduzir às rotundas respostas positivas que foram dadas[3].

Vejamos:

São apenas três os quesitos[4] cujas respostas são colocadas em crise, porém, em substância, vendo bem, é toda a factualidade do litígio que é colocada em crise.

Diz-se/pergunta-se em tais 3 quesitos o seguinte:

1.º: “Entre Junho de 2008 e Março de 2009, C... emprestou ao réu, a pedido deste, por diversas vezes ao longo desse período, a quantia de € 3.227,50?”

2.º: “Aquela quantia deveria ter sido devolvida a C... , no prazo máximo de um ano?”

4.º: “De 2005 a Março de 2009, C... emprestou ao réu, a pedido deste, e ao longo desse período, a quantia de € 38.728,06?”

Está pois colocado em crise, com a impugnação da decisão de facto, todo o invocado empréstimo – na sua existência, no seu montante e no momento temporal em que ocorreu – do falecido C... ao R. B...... ; e isto é, indiscutivelmente, todo o litígio.

E indo imediatamente à substância da impugnação – ou seja, indo directamente à avaliação dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, munidos do exigível sentido crítico e analítico e usando de meridiana perspicácia, argúcia e experiência – impõe-se começar por afirmar que a prova testemunhal apresentada pelas partes foi, sem excepção, duma fragilidade e debilidade completas.

Dispensamo-nos de aqui relatar os depoimentos testemunhais, que a decisão a quo faz de fls. 605 a 609 e com que concordamos, limitando-nos tão só, em jeito de síntese, a deixar aqui dito:

 - que o melhor que se obteve das testemunhas da A. foram meras e vagas generalidades como: “sobre o empréstimo não sei ao certo”; “constou na altura que o Sr. C... tinha emprestado dinheiro”; “não sei de verbas”; “não sei como o Sr. C... punha lá o dinheiro”; “ouvia dizer que ele (o Sr. C... ) estava a auxiliar o B...... ”; “se meteu muito ou pouco não sei”.

- que das testemunhas do R. ainda menos se obteve[5], na medida em que todas elas fazem ou fizeram parte dos corpos sociais do R/ B...... e, claramente, procuraram defender a posição do B...... [6], procuraram “contaminar” quaisquer pagamentos ou depósitos efectuados pelo Sr. C... com a alusão a um exercício individualista do mesmo na direcção do B...... , que ele “punha e dispunha”, ficando inclusivamente com o dinheiro vivo das receitas de bilheteira, rifas, etc.

- que a própria filha ( F...... ) e genro (H...) do Sr. C... disseram que não sabiam de valores, nem verdadeiramente dos empréstimos, até terem acesso ao documento de fls. 25 (embora já desconfiassem que o pai e sogro meteu dinheiro ao longo do tempo no B...... , por ter uma paixão pelo B...... [7], por ele ultimamente nunca ter dinheiro e por ter falecido sem património).

Significa isto que, do nosso ponto de vista, a prova relevante produzida quase se circunscreveu ao depoimento testemunhal determinado oficiosamente ( M...... , TOC do B...... desde 2005) e aos documentos que tal TOC trazia consigo e que foram mandados juntar aos autos (fls. 456 a 461).

Esclareceu tal testemunha, de modo sereno e seguro, como as coisas se passavam no tempo do Sr. C... como presidente da direcção do B...... ; designadamente, a origem e o sentido dos documentos de fls. 25 e de fls. 334 a 352[8].

Disse o TOC M...... que foi ele o autor do extracto de conta de fls. 456 a 461[9], extracto que reflectia o saldo devedor do R., segundo a sua contabilidade, para com o Sr. C... ; extracto esse cujos lançamentos têm suporte documental na contabilidade do R. (foram feitos a partir de documentos elegíveis para a contabilidade do R.[10]), mas que, referiu-o também, reflectem os documentos e instruções que o Sr. C... lhe dava, ou seja, referiu-o por mais de uma vez, era o Sr. C... que lhe levava os documentos (facturas, recibos, etc.) e que lhe dizia quais eram os que tinha sido ele/ C... a pagar, pelo que a testemunha, não havendo documento de pagamento (que infirmasse tal informação/instrução do Sr. C... ) e seguindo as instruções do Sr. C... , procedia ao seu lançamento no extracto de conta em causa como crédito do Sr. C... , porém, está implícito (e verbalizou-o), não pôde naturalmente assegurar que tal fosse exactamente como o Sr. C... lhe dizia (como referiu, “a contabilidade só regista” o que lhe trazem e dizem).

É pois indiscutível a fidedignidade do doc. de fls. 25 – que contém o resultado/saldo (€ 38.728,06) do extracto de conta que a testemunha elaborava, no exercício das suas funções de TOC da R. e segundo as instruções do Sr. C... – cujos valores foram aprovados na assembleia do R. que aprovou as contas da época 2008/09.

Assim, em face da já referida fragilidade de toda a restante prova (quer da prova propriamente quer da contraprova), não vemos razões suficientes para – pese embora muito do que foi registado pela testemunha se basear apenas nas instruções do Sr. C... – não considerar como provada a “substância” de todos os lançamentos constantes de fls. 456 a 461,ou seja, os depósitos e os pagamentos de facturas e letras da R. por parte do Sr. C... .

Mas – é o ponto nevrálgico e discutível quer da convicção quer do momento técnico seguinte (consistente em retratar/consolidar a convicção em “respostas a quesitos”) – mais do que isto é que não.

E porquê?

Foi recorrentemente mencionada e censurada, durante a audiência de julgamento, a desorganização e balbúrdia administrativa do B...... [11], porém, importa não perder de vista que o “leader” do B...... , durante tal desorganização e balbúrdia, era o antecessor da A..

Como as coisas foram pacificamente ditas e apresentadas, o Sr. C... era um presidente de direcção que não delegava – que vivia apaixonadamente o Clube – pelo que, verdadeiramente e tendo em vista o que estamos a apreciar, podemos considerar que ele o B...... eram uma e a mesma pessoa.

Assim, a desorganização e balbúrdia administrativa do B...... é algo que, no contexto dos autos e litígio, não pode ser colocado a débito ou a crédito de alguma das partes; dito doutro modo, colocá-las a crédito da A., seria beneficiar o infractor, na medida em que a A. é nos autos/litígio a sucessora do “leader” do B...... durante o tempo da desorganização e balbúrdia[12].

Se o B...... /Sr. C... fosse completamente organizado haveria certamente actas das reuniões mensais da direcção, em que seguramente nalguma delas se teria discutido e deliberado sobre o modo de fazer face às suas dificuldades de tesouraria; só sendo bastante desorganizado – sibi imputet Sr. C... – é que se compreende que não haja nos autos sequer uma única acta das reuniões de direcção.

Mais ainda, a impressão/convicção que ficou foi a de que não haveria sequer reuniões de direcção susceptíveis de registo em acta; a clara impressão/convicção que ficou foi a de que a “substância” subjacente a todos os lançamentos constantes de fls. 456 a 461 foi algo que o Sr. C... sempre decidiu sozinho, consigo próprio, “com os seus botões”.

Não há um único papel/documento, além dos registos contabilísticos do TOC, em que, porventura ao menos a posteriori, se aludisse, na presença de outros membros da direcção, ao que diziam respeito tais montantes; e/ou à ingência da sua disponibilização por parte do Sr. C... .

Em suma, que o Sr. C... pagou ao longo dos anos facturas e letras do clube e que depositou verbas na conta do clube é algo que resulta factualmente dos lançamentos de fls. 456 a 461 e do depoimento do TOC; inclusivamente, em face do registo contabilístico que mandou efectuar, podemos também considerar como suficientemente provado que aspirava a poder ter um dia algum reembolso[13].

Agora dizer/ficcionar que tudo aquilo são/foram empréstimos pedidos pelo R. é um passo que ultrapassa a nossa convicção factual[14].

Esta indiscutivelmente provado que o Sr. C... – dirigente durante longos anos e presidente da direcção do B...... nos 5/6 anos que antecederam a sua morte, ocorrida em 23/04/2009 – “meteu dinheiro” no B...... ; mas meteu-o seguramente por gostar do B...... , por certamente o B...... necessitar e porque ele próprio, como dirigente/presidente, entender que o devia fazer.

É justamente nesta linha de raciocínio que perspectivamos quer o ocorrido nas assembleias do R/ B...... , em que sem discussão se aprovaram contas de exercício em que constava o crédito (o dinheiro metido) do Sr. C... sobre o R/ B...... ; quer a declaração (constante de fls. 456 e 337), datada de 14/05/2009, em que os corpos sociais do R. (que sucederam ao Sr. C... ) declararam:

“Serve o presente documento para validação da dívida que existia à data em nome do anterior Presidente do Clube Sr. C... , que representa a esta data 38.728,06€.

O Sr. C... conheceu em vida a direcção agora empossada e nunca demonstrou querer ser ressarcido deste montante.

Encontra-se presente toda a direcção que entretanto tomou posse e que declaram em unanimidade não ser verdadeira esta dívida, pelo que a consideram extinta”,

Como explicou o actual presidente da direcção do R. ( K...), tal declaração teve em vista “limpar” da contabilidade do B...... tal saldo devedor; explicação aliás corroborada pelo TOC, que (recusando embora a paternidade de tal conteúdo declarativo), com base em tal declaração, assim procedeu.

Como quirógrafo – deixando para a sede própria a análise da sua força substantiva/vinculativa – não briga o texto de tal documento com a nossa convicção supra referida; bem pelo contrário, uma vez que os corpos sociais dizem que o Sr. C... “meteu” aquela verba e que a dívida existia[15], mas também dizem, a final, que (embora a dívida venha na contabilidade do tempo do Sr. C... ) não era nem é para pagar e que a “consideram extinta”[16].

Concluindo, de toda esta convicção, que vimos de expor, irradiam, necessariamente, para os quesitos colocados em crise pelo R./apelante as seguintes respostas restritivas e explicativas (resposta em que nos limitamos a dar como provados os factos “nus” e crus” que aconteceram, evitando antecipar/condicionar toda e qualquer qualificação jurídica):

Quesitos 1.º e 2.º: Provado, apenas que, entre Junho de 2008 e Março de 2009, C... procedeu a dois depósitos na conta do BPI do réu no montante global de € 2.300,00[17] e ao pagamento de três facturas do réu montante global € 1.427,50; tendo mandado registar tudo, tendo em vista o seu reembolso, numa conta de devedores (em seu nome) da contabilidade do réu e tendo obtido, em tal lapso temporal, o reembolso de € 500,00.

Quesito 4.º: Provado apenas que, de 2005 a Março de 2009, C... procedeu, por 13 vezes, a depósitos na conta bancária do R. e no “caixa” do réu, no montante global de € 15.910,00[18], e ao pagamento de facturas e reforma de letras do réu, tudo – depósitos, pagamentos e reformas – no montante global de € 32.417,97[19]; tendo mandado registar, tendo em vista o seu reembolso, todos os montantes parcelares numa conta de devedores (em seu nome) da contabilidade do réu e tendo obtido, em tal lapso temporal, o reembolso de € 700,00.

É quanto há a dizer e concluir sobre o recurso de facto, que assim procede, parcialmente, nos termos que acabam de ser referidos e estabelecidos.

*

III – Fundamentação de Facto

Os factos são os seguintes:

1- Em 23-04-2009, faleceu em Coração de Jesus, Viseu, C... , no estado civil de casado, sob o regime da comunhão geral de bens com a autora, (alínea A dos Factos Assentes).

2- O falecido não fez testamento nem qualquer outra disposição de última vontade (alínea B dos Factos Assentes).

3-Para além da sua viúva, ora autora, C... deixou a suceder-lhe os seus filhos D... , nascido em 10-12-1953, E... , nascido em 5-11-1954, F... , nascido em 7-01-1961, G... , nascido em 29-11-1962, F... , nascida em 6-03-1974, não havendo quem com eles concorra à sucessão, (alínea C dos Factos Assentes).

4-A autora é a cabeça de casal da herança aberta por óbito de C... , (alínea D dos Factos Assentes).

5 – C... à data do seu falecimento era presidente da direcção do R/ B...... .

6 - Entre Junho de 2008 e Março de 2009, C... procedeu a dois depósitos na conta do BPI do réu no montante global de € 2.300,00 e ao pagamento de três facturas do réu montante global € 1.427,50; tendo mandado registar tudo, tendo em vista o seu reembolso, numa conta de devedores (em seu nome) da contabilidade do réu e tendo obtido, em tal lapso temporal, o reembolso de € 500,00.

7 - De 2005 a Março de 2009, C... procedeu, por 13 vezes, a depósitos na conta bancária do R. e no “caixa” do réu, no montante global de € 15.910,00, e ao pagamento de facturas e reforma de letras do réu, tudo – depósitos, pagamentos e reformas – no montante global de € 32.417,97; tendo mandado registar, tendo em vista o seu reembolso, todos os montantes parcelares numa conta de devedores (em seu nome) da contabilidade do réu e tendo obtido, em tal lapso temporal, o reembolso de € 700,00.

8 – A Direcção do réu, em 14/05/09, elaborou e assinou a seguinte declaração:

 “Serve o presente documento para validação da dívida que existia à data em nome do anterior Presidente do Clube Sr. C... , que representa a esta data € 38.728,06.

O Sr. C... conheceu em vida a direcção agora empossada e nunca demonstrou querer ser ressarcido deste montante.

Encontra-se presente toda a direcção que entretanto tomou posse e que declaram em unanimidade não ser verdadeira esta dívida, pelo que a consideram extinta”,

*

IV – Fundamentação de Direito

Podemos dizer que, no caso, à já estabelecida procedência parcial do recurso de facto, se segue – estando no recurso de facto em causa, como se referiu, toda a factualidade do litígio – a procedência parcial do recurso de direito.

Pelo seguinte:

Na origem dos autos está um mútuo que, segundo a A/apelada, o seu falecido marido fez ao R./ B...... quando era o presidente da sua direcção.

O mútuo é, na noção legal oferecida pelo art. 1142º do CC, “o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.

Assim, para se estar perante um tal contrato, têm o dinheiro ou a coisa fungível de ser emprestados com o objectivo de atribuir tão só o seu uso, devendo ser restituídos em género, qualidade e quantidade.

Significa isto que quando o Sr. C... procedeu ao pagamento de facturas e ao pagamento/reforma de letras do R/ B...... não efectuou qualquer mútuo ao R/ B...... .

Não estamos a querer dizer que tais pagamentos do Sr. C... – extinguindo obrigações do R/ B...... – não geraram um crédito (do Sr. C... ) sobre o R/ B...... ; mas apenas a querer dizer que tais pagamentos não são juridicamente configuráveis como mútuo, pelo que, tendo os autos como única causa de pedir a relação de mútuo, não pode aqui o crédito assim gerado (com tais pagamentos) ser concedido à A/apelada com base noutro e diverso recorte jurídico[20].

Tão pouco estamos a querer dizer que não pode haver, nas relações internas (entre o devedor e o terceiro que cumpre), um contrato de mutuo[21] sempre que alguém paga uma obrigação alheia, porém, no caso, em face da informalidade com que tudo decorria, não se tendo provado nem que o R/ B...... solicitou tais pagamentos nem que as verbas em causa hajam estado à disponibilidade do R/ B...... , somos levados a concluir que o pagamento de facturas e o pagamento/reforma de letras do R/ B...... não configuram qualquer mútuo ao R/ B...... .

Diversamente, quanto aos montantes depositados – quanto aos € 2.300,00 referidos nas respostas ao item 1º e 2.º da base instrutória e quanto aos € 15.910,00 (em que estão incluídos os anteriores € 2.300,00) referidos na resposta ao item 4.º da base instrutória – entendemos que o provado é juridicamente configurável como mútuo.

O mútuo, sendo um contrato, é por definição um acordo formado por duas ou mais declarações que produzem para as partes efeitos jurídicos conforme ao significado do acordo obtido; o que, sendo embora assim, não impede que se possa considerar que o Sr. C... , em tais depósitos, agiu simultaneamente na qualidade de parte e na qualidade de representante orgânico do R/ B...... .

Mas – é a questão – em face de toda a informalidade administrativa do R./ B...... e sendo só uma a pessoa a intervir, onde é que estão as duas declarações emitidas? Quais são os sinais que permitem reconhecer a emissão das duas declarações?

A nosso ver, tais sinais (tácitos, cfr. 217.º/1 do CC) são o depósito das quantias em causa por parte do Sr. C... na conta e “caixa” do R/ B...... e, por outro lado, o lançamento de tais quantias, como depósitos, na contabilidade do R/ B...... .

Temos pois, assim perspectivados, que os factos espelham negócios/mútuos consigo mesmo, no montante de € 2.300,00, entre Junho de 2008 e Março de 2009, e no montante de € 15.910,00, de 2005 a Março de 2009.

Negócios/mútuos cuja invalidade, formal, é ab initio aceite pela A.; embora se deva dizer que tal invalidade, formal, é apreciada negócio a negócio (e de acordo com o art. 1143º do CC, na redacção – DL 343/98 – vigente no momento dos factos, só os superiores a € 2.000,00 exigiam documento assinado) e que certamente a “maior” invalidade (a infectar todos os negócios/mútuos) estará na violação dos estatutos do R. que por certo não dão ao seu presidente poderes para celebrar negócios de mútuo a seu “belo prazer” e consigo mesmo.

Assim, sendo nulos os mútuos celebrado entre o Sr. C... e o R/ B...... , deve este, de acordo e por força do art. 289º/1 do CC, restituir à A., na estrita qualidade em que a mesma intervém, a quantia global que foi emprestada e que ainda não restituiu, isto é, descontando os € 700,00, deve restituir € 15.210,00[22]; e não apenas os € 1.800,00 (€ 2.300,00 - € 500,00) que foram emprestados no lapso temporal (Junho de 2008 a Março de 2009) referido na PI.

A circunstância de parte da quantia haver sido emprestada antes de Junho de 2008 (entre 2005 e Junho de 2008) não impede tal condenação/restituição, ou seja, não padece a inerente condenação da nulidade do art. 615.º/1/d) e consistente em basear-se em causa de pedir não invocada pela A..

Pelo seguinte:

Entende-se por causa de pedir, é pacífico, “o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido[23]; querendo-se com isto dizer que o A deve fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito invocado, não bastando a indicação da relação jurídica abstracta[24], querendo-se com isto dizer que não corresponde ao cumprimento do ónus de exposição/alegação dos factos que servem de fundamento à pretensão a simples referência a conceitos legais ou a afirmação de certas conclusões sem o suporte e enquadramento em factos subjacentes.

Era assim no CPC e continua a ser no NCPC; embora se possa dizer, em linguagem actualizada, que a causa de pedir corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido.

Em suma, a A. tinha que descrever/individualizar/identificar facticamente o(s) contrato(s) de mútuo do qual a dívida do R/ B...... emerge; observando o ónus da substanciação.

E foi isto que a A/apelada fez no limiar da suficiência; ou seja, não o fez completamente bem, uma vez que situou temporalmente os pretensos empréstimos entre Junho de 2008 e Março de 2009, quando os mesmos já vinham de 2005 e porventura até de antes de 2005, porém, o que alegou/invocou é/foi suficiente para o R. poder identificar e individualizar os pretensos empréstimos em causa.

Não se ignora que a causa de pedir conforma/delimita o objecto do processo (e o que pode ser considerado na apreciação do pedido) e que tal limite não é preterido ou postergado pelo que se dispunha e dispõe na lei processual sobre a atendibilidade dos factos não alegados.

A propósito, dizia-se no art. 264.º/3 do CPC de 1961 (reforma de 95/96) que, se no decorrer da audiência fosse referido (designadamente por um perito ou uma testemunha) um facto principal que as partes não tinham alegado nos articulados (e que, portanto, não fazia parte da BI), mas que vinha completar ou corrigir factos por ela alegados, o juiz podia/devia convidar a parte a quem o facto aproveitasse a alegá-lo ainda (manifestando a vontade de dele se aproveitar), sem prejuízo de a parte o poder também fazer por sua própria iniciativa; dizendo-se no NCPC mais ou menos o mesmo, quanto à consideração dos factos complementares ou concretizadores que ressaltem da instrução da causa (art. 5.º/2/b)), exigindo a lógica do esquema processual derivado do princípio do dispositivo e do princípio do contraditório que a parte a quem os factos aproveitam os introduza como matéria da causa, mediante a manifestação, equivalente a uma alegação, da vontade de deles se aproveitar[25].

Ou seja, sendo os factos não alegados atendíveis apenas e só dentro da causa de pedir invocada, o que ocorre em audiência só pode ser idoneamente introduzido no processo se estiver dentro da causa de pedir ou, doutro modo, se não estiver, só a (prévia ou simultânea) elevação da ocorrência a nova causa de pedir (subsidiária ou substitutiva da primeira), nos termos que a lei consente, permite ao juiz tomar em conta tal ocorrência e o seu conteúdo.

Só que – é o ponto – quando, como é o caso, se esclarece, concretiza, rectifica, amplia a data dos empréstimos está-se ainda dentro da causa de pedir cujo núcleo primordial foi alegado na PI pela A..

Tudo isto para dizer que, a nosso ver, o tribunal podia, no final do julgamento (fls. 467 e 468), aditar um quesito (o 4.º) a situar o lapso temporal dos empréstimos entre 2005 e Março de 2009[26], quando, na PI, a A. havia alegado que os mesmos ocorreram apenas entre Junho de 2008 e Março de 2009.

Tal factualidade surgiu/ressaltou da audiência e podia ser atendível por ser uma exacta pormenorização da causa de pedir invocada; por, no contexto dos factos, as datas dos invocados empréstimos não serem essenciais para a identificação e individualização dos mesmos.

Em linguagem mais trivial, a causa da pedir delineada na PI, em termos essenciais/nucleares, são os invocados e pretensos empréstimos que compõem e perfazem o montante de € 38.728,06 referido no documento de fls. 25; e ao aditar-se o quesito 4.º não se saiu de tais invocados e pretensos empréstimos que compõem e perfazem o montante de € 38.728,06.

O que significa, em síntese, que não verifica a invocada, nas alegações recursivas, nulidade da sentença do art. 615.º/1/d) do NCPC, por o tribunal ter apreciado o pedido e baseado a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo A. nem introduzida idoneamente nos autos.

Daí que, repete-se, o R/ B...... possa/deva ser condenado a restituir € 15.210,00.

Mas não mais (designadamente, a totalidade da quantia referida na resposta ao quesito 7.º), uma vez que, também se refere[27], a declaração constante do ponto 8 dos factos provados não é configurável ou subsumível ao art. 458.º do C. Civil; e, ainda que o fosse, não redundaria, no caso concreto, em qualquer vantagem para a A..

Diz-se, é certo, em tal declaração que “ existia uma dívida à data em nome do anterior Presidente do Clube Sr. C... [no montante de] € 38.728,06; porém, não se fica por aqui tal declaração, acrescentando-se que “o Sr. C... conheceu em vida a direcção agora empossada e nunca demonstrou querer ser ressarcido deste montante” “e que declaram não ser verdadeira esta dívida, pelo que a consideram extinta”.

Ou seja, o sentido global de tal declaração não é, como se diz no art. 458.º do C. Civil, de “prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida”; bem ao invés, o que se faz é (com ou sem fundamento, é outra e diversa questão) exactamente o contrário: negar a dívida.

Daí que, não podendo tal declaração subsumir-se materialmente ao art. 458º do C.C., tenha valido e sido usada (na reapreciação da decisão de facto) como mero quirógrafo da relação causal/subjacente[28], na estrita medida em que os factos constitutivos foram alegados/expostos pela A.; não beneficiando, consequentemente, do regime de “abstracção processual” do art. 458.º do C. C. e da presunção/dispensa de prova afirmada pelo art. 458º do CC, o que, naturalmente, implicou para a A. o ónus, não só de invocar, mas também de provar, os factos constitutivos da relação fundamental que constitui a verdadeira causa de pedir da acção.

Mas, mais, ainda que a declaração em causa fosse/seja subsumível ao art. 458.º do C. Civil, tal não substituía/dispensava a A. da alegação da fonte/causa do seu crédito; sendo que o que a tal propósito foi alegado, repete-se, foram tão só empréstimos.

Quem se dirige ao tribunal (a exigir o cumprimento dum direito de crédito)[29] tem que expor a fonte/causa de tal crédito e os negócios unilaterais – que é o que a referida declaração é – não valem como fonte autónoma de obrigações, ou melhor, a declaração/negócio unilateral só é reconhecida como fonte autónoma de obrigações nos casos especialmente previstos na lei, como é o caso do testamento, dos títulos de crédito, da procuração e da promessa pública do art. 459.º do C. Civil.

Como regra, para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação, fora dos casos em que a obrigação nasce directamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor; é o chamado “princípio do contrato”, que significa que só a convenção bilateral, no domínio das obrigações assentes sobre a vontade das pessoas, pode (em regra e fora das situações excepcionais referidas) criar o vínculo obrigacional.

Princípio/regra este de que o art. 458.º não se desvia.

Efectivamente, a promessa de cumprimento e o reconhecimento de dívida previstos no art. 458.º não constituem a fonte autónoma duma obrigação.

Criam, insiste-se, tão só a presunção de existência duma relação negocial/fundamental (a que o art. 458.º se refere explicitamente), sendo esta a verdadeira fonte da obrigação, razão por que se inverte o ónus da prova, mas apenas o ónus da prova, ou seja, o art. 458º do C. Civil apenas dispensa o credor do ónus de provar a relação fundamental subjacente ao negócio unilateral aí previsto, mas já não do ónus de alegar tal relação.

“Sendo que a inversão do ónus da prova não dispensa do ónus de alegação e que o autor tem de alegar, na petição inicial, a causa de pedir, o credor que, tendo embora em seu poder um documento em que o devedor reconhece uma dívida ou promete cumpri-la sem indicar o facto que a constituiu, contra ele propuser uma acção, deverá alegar o facto constitutivo do direito de crédito – o que é confirmado pela exigência de forma do art. 458º, n.º 2, do CC, que pressupõe o conhecimento da relação fundamental – e daí que a prova da inexistência de relação causal válida, a cargo o devedor/demandado se tenha de fazer apenas relativamente à causa que tiver sido invocada pelo credor, e não a qualquer possível causa constitutiva do direito unilateralmente reconhecido pelo devedor”[30].

Significa isto[31] que quem pretende demandar quem reconheceu unilateralmente um débito não pode limitar-se a juntar aos autos o documento particular que corporiza o acto de reconhecimento unilateral da relação causal anteriormente existente entre as partes, devendo no articulado respectivo identificar tal relação causal, alegando os seus factos essenciais constitutivos – embora, por via da dispensa de prova, contida no art. 458º do CC, esteja dispensado de provar tal factualidade, cumprindo ao demandado demonstrar que essa concreta causa constitutiva, invocada pelo credor, afinal não existe em termos juridicamente válidos (se o demandado/declarante provar que tal relação não existe, a obrigação “dissipa-se”, não lhe servindo de suporte bastante nem a promessa de cumprimento nem o reconhecimento da dívida)[32].

Em suma, ainda que a declaração (referida no ponto 8 dos factos provados) fosse subsumível ao art. 458.º do C. Civil (e já dissemos que o não é), sucede, como se acaba de referir, que o 458.º C. Civil apenas estabelece um regime de “abstracção processual”, ou seja, dispensava a A. da prova da relação fundamental, mas não a dispensava de alegar os factos constitutivos da relação fundamental, alegação esta que constitui, sempre, a verdadeira causa de pedir da acção; pelo que tal declaração, caso fosse subsumível ao art. 458.º do C. Civil, apenas dispensava a A. de provar as fontes/causas (empréstimos) que ela própria tivesse alegado; dito doutro modo, talvez mais claro, caso tal declaração fosse subsumível ao art. 458.º do C. Civil, estaria demonstrado no processo que as fontes/causas (empréstimos) alegadas pela A. como causa de pedir eram de apenas € 15.910,00 (ao que havia que descontar a restituição de € 700,00), dizendo respeito o restante montante a uma fonte/causa diferente da (empréstimos) que foi invocada como causa de pedir.

Daí que tenhamos iniciado a questão a dizer que a declaração constante do ponto 8 dos factos provados, ainda que configurável ou subsumível ao art. 458.º do C. Civil, não traz/traria, no caso concreto, uma qualquer vantagem para a A..

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Procede pois, nos termos expostos, a apelação, cumprindo revogar, em consonância com o exposto, a sentença recorrida; revogação extensiva à condenação do R. como litigante de má fé, para o que é suficiente dizer que, sendo demandado por empréstimos de € 38.728,06 e sendo condenado por empréstimos “consigo mesmo” (do seu anterior presidente da direcção com ele próprio, como antecessor/marido da A.) que estavam (com excepção de € 2.300,00) imperfeitamente delineados no tempo, não merece ser considerado litigante de má fé.

*

V – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, substituindo-se a mesma pela condenação do Réu B...... Clube a restituir à Autora, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido C... , a quantia de € 15.210,00, acrescida dos juros, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento; absolvendo-se o Réu B...... Clube do demais contra si peticionado e, ainda, da condenação que lhe foi imposta como litigante de má fé.

Custas em ambas as instâncias por A. e R. na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente.

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Coimbra, 10/03/2015

 (Barateiro Martins)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] É muito duvidoso que a A. possua, desacompanhada dos seus 5 filhos (identificados no facto 3), legitimidade para a propositura da presente acção, ou seja, é muito duvidoso que estejamos perante a hipótese do art. 2089.º do C. Civil (e não perante a situação prevista no art. 2091.º do C. Civil); em todo o caso, pese embora a legitimidade ser de conhecimento oficioso, havendo a possibilidade teórica prevista no art. 2089.º do C. Civil, não a suscitamos.
[2] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 154 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 254.
[3] Maxime, aos 1.º e 4.º quesitos.
[4] O tribunal a quo fixou a decisão de facto respondendo aos quesitos que haviam sido elaborados; o recorrente seguiu tal “método” na impugnação e nós vamos fazer do mesmo modo na reapreciação. Esclarecendo ainda que a impugnação da resposta ao quesito 1.º traz acoplada a impugnação da resposta ao quesito 2.º.
[5] Embora o I... não tivesse como negar a interpelação que a acta da assembleia (a perguntar à Direcção se a dívida do Sr. C... era real) de fls. 274 lhe atribui; e o L... haja admitido que se falava nos cafés, depois da morte do Sr. C... , da dívida.
[6] Sem pingo de “amor próprio”, uma vez que vieram dizer que eram meros fantoches nos corpos sociais; v. g., o J... disse que era/é Presidente do Conselho Fiscal “só por assinatura”; o N...... , tesoureiro, ao longo de anos, enquanto trabalhava em Cabo Verde, disse, tranquilamente e como se falasse dum heterónomo, que tal estava mal, que não concordava com tal situação, que o tesoureiro não podia estar em Cabo Verde.

[7] A filha (F..... ) no final do seu depoimento, queixando-se da ingratidão das pessoas, diz mesmo: “o meu pai deu coisas ao B...... ” e “o meu pai era o maior e agora é o mau da fita”; embora se suspeite que deixou de ser o “maior” e que passou a “mau da fita” por causa desta acção.
[8] Extracto (na parte antes junta) que tanta polémica tinham dado quando do depoimento de parte do actual presidente do B...... ( K...).
[9] Cujas duas primeiras folhas repetem fls. 334, 335 e 337 e cujo montante final é igual ao que consta do documento/resumo de fls. 25 (que resume os valores em dívida apresentados à assembleia em que o B...... apresentou as contas de 2008/09).
[10] Foi questionado, um a um, sobre os lançamentos de fls. 456 a 461 e deu explicações compreensíveis sobre cada um deles.

[11] As 2 horas, 13 minutos e 14 segundos do depoimento de parte do actual do presidente do B...... foram na sua maior parte sobre isso; o actual presidente foi dizendo que agora, desde que é presidente, não é assim (como os documentos de fls. 393 e ss o parecem atestar), mas de “pouco lhe valeu”.
[12] E é justamente no centro de tal desorganização e balbúrdia que o litígio se coloca.
[13] Dito doutro modo, a tese doação não faz grande sentido; embora seja verdade que a situação se foi continuamente avolumando, ao longo de 5 anos, sem que tenha sido noticiado que o Sr. C... (em vida, naturalmente) alguma vez haja feito menção de diminuir a sua “exposição” no R. (ao longo dos anos, só foi reembolsado duas vezes: uma em € 200 e outra em € 500); ou que haja tomado, como presidente da direcção, medidas de gestão para o B...... lograr o superavit imprescindível ao seu reembolso.
[14] Não estamos a dizer que não são, mas apenas a dizer que hesitamos na qualificação factual de tudo aquilo.

[15] E a dívida, para existir, não tem que ter empréstimos necessariamente como fonte (não é relevante, mas até nos deparamos, entre os lançamentos, com pagamentos de facturas da firma – “ C... & C... ” – do Sr. C... ).

[16] Não estamos, evidentemente, a coonestar tal modo de extinção de dívidas, mas apenas a procurar interpretar o sentido global de tal declaração.
[17] (€ 1.300,00 + € 1.000,00) = € 2.300,00.
[18] (€ 500,00 + € 1.500,00 + € 500,00 + € 700,00 + € 750,00 + € 1.800,00 + € 3.500,00 + € 1800,00 + € 500,00 + € 1.060,00 + € 500,00 + € 500,00 + € 1.300,00 + € 1.000,00) = € 15.910,00.
[19] € 32.417,97 e não € 38.728,06 (ou melhor, sem o reembolso de € 700,00, seriam € 39.428,06), uma vez que, como se pode ver de fls. 461, o extracto de conta abre logo com € 7.010,09; e nem o TOC foi perguntado (e deu explicações) sobre os lançamentos que deram origem a tais € 7.010,09, nem, acima de tudo, temos que certo que tais lançamentos (os que deram origem a tais € 7.010,09) tenham ocorrido no ano de 2005 (e o quesito que foi aditado pergunta “de 2005 a Março de 2009”).

[20] Não se vislumbrando o interesse próprio do Sr. C... na satisfação dos créditos (“interesse próprio” com o sentido que lhe é dado pelo art. 592.º/1 do C. Civil), não será certamente configurável a sub-rogação legal; pelo que, quando muito, só será configurável o instituto (subsidiário) do enriquecimento sem causa.
[21] Tanto mais que hoje não se contesta a admissibilidade duma modalidade consensual (ao lado do contrato real quoad constitutionem contemplado na lei) de mútuo.

[22] Ao que acrescem, é claro, os juros; embora a obrigação de restituir decorrente dos efeitos da nulidade não se efectue de acordo e nos termos do enriquecimento sem causa (uma vez que na redacção final do art. 289º do CC não foi acolhida a solução proposta pelo Prof. Vaz Serra), são devidos juros desde a citação para a acção, com fundamento no facto de em tal data ter cessado a boa-fé do mutuário (art. 481º/a) do CPC =art. 564.º/a) do NCPC e 1271º e 212º/2, ambos do CC); correspondendo assim os juros aos frutos civis da coisa (dinheiro emprestado) que o mutuário mantém, após a citação, em seu poder.
[23] Antunes Varela, Manual de Processo, pág. 234.

[24] Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil, Vol. I, pág. 204 e ss., local em que explica as diferenças entre a teoria da individualização e da substanciação (esta última consagrada, desde 1939, no nosso C. P. C.).
[25] O juiz também pode oficiosamente introduzi-los, mas antes da elaboração da sentença, uma vez que tem que dar às partes a possibilidade de sobre os mesmos se pronunciar.
[26] Entendeu-se – do que discordamos, em face do disposto no art. 5.º/1 da Lei 41/2003 – não ser ao julgamento (iniciado em Dez de 2013) aplicável o NCPC; discordância que, resulta do referido, não tem qualquer relevo para a questão, uma vez que a solução é a mesma em ambos os códigos, ou seja, em ambos, a nosso ver, podia/pode haver actuação oficiosa do tribunal e tinha/tem que ser concedido o exercício do contraditório.
[27] E refere-se em virtude da notificação efectuada pelo tribunal a fls. 376 e do que sobre o tema se diz na sentença recorrida.
[28] A parte de tal declaração que é confessória (1.º §) é/foi apreciada livremente (art. 361.º do C. Civil), tendo presente a “indivisibilidade” de que fala o art. 360.º do C. Civil.

[29] Seguimos de perto o que expusemos no acórdão de 20/01/2015, proferido na apelação n.º 138599/13.2YIPRT.C1
[30] Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, pág. 390.

[31] Defendido, entre outros nos seguintes Acórdãos do STJ: de 07/07/2010, proferido pelo STJ no P. 373/08.7TBOAZ-A.P1.S1; de 15/09/2011 (Relator Granja da Fonseca); e de 07/05/2014 (Relator Lopes do Rego)

[32] Orientação esta que parece a mais proporcional e equilibrada; uma vez que admitir que o credor nada precisa de alegar como modo de identificar a relação causal subjacente é fazer impender sobre os ombros do demandado um ónus desproporcionado, traduzido em ter de ser ele a afastar a relevância de qualquer possível facto constitutivo dessa relação, ou seja, teria que ser ele a ter de identificar qual era, afinal, essa relação subjacente ao acto unilateral de reconhecimento, indicando a causa concreta dessa obrigação e questionando a sua existência ou validade jurídica, bastando ao A. (o que também seria desproporcionado) impugnar a individualização da causa pelo devedor para que pudesse subsistir a eficácia da declaração recognitiva.