Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1843/17.1T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ADVOGADO
DANO
INDEMNIZAÇÃO
PERDA DE OPORTUNIDADE ( CHANCE) PROCESSUAL
Data do Acordão: 09/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 92, 95 EOA, 563, 798 CC
Sumário: I - Apesar de não haver texto legal que preveja a hipótese de indemnização da perda de oportunidade (chance) processual, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão é a de que “… é “razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado”.

II – O apuramento do dano implica que o tribunal que julga a acção de indemnização leve a cabo um julgamento dentro do julgamento, ou seja, que figure a decisão que provavelmente seria tomada pelo tribunal onde se verificou a perda da oportunidade processual.

III - Os factos que servem de base ao julgamento incidental devem ser alegados e provados por quem se arroga o direito de ser indemnizado pela perda da oportunidade processual, visto que são constitutivos do respectivo direito de indemnização.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do tribunal da Relação de Coimbra

E (…), residente (…) , propôs a presente acção declarativa com processo comum contra C (…), advogado, com domicílio profissional (…) , e E (…), advogado, com domicílio profissional (…) , pedindo a condenação dos réus no pagamento a ela, autora:
1. De uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de quinze mil euros (€ 15 000,00), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação dos réus;
2. De uma indemnização, a título de danos patrimoniais, no montante de quarenta e sete mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e três cêntimos (€ 47 452,43), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação do réu;
3. Dos valores que ela, autora, vier a pagar, a liquidar em execução de sentença.

Com a presente acção, a autora visa efectivar a responsabilidade civil dos réus, enquanto mandatários dela na acção declarativa que correu termos no tribunal judicial da Sertã sob o n.º 324/09.1TBSRT, pelo facto de terem interposto um recurso de apelação contra a sentença proferida nessa acção, que foi desfavorável à ora autora, ré nessa acção, sem que o recurso cumprisse os requisitos legais, o que fez com que não fosse conhecida pelo tribunal da Relação. Com a sua omissão, que a autora reputa violadora dos deveres profissionais dos réus, estes frustraram o direito de a autora obter provimento no recurso, o que lhe causou prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.

Os réus contestaram, pedindo se julgasse improcedente a acção.

Sob a alegação de que a responsabilidade civil emergente da sua actividade profissional estava garantida por contrato de seguro, requereram a intervenção acessória nos autos das respectivas seguradoras, concretamente M (…), SA, X (…) SE, Sucursal em Espanha, cuja correctora era A (…)SA.

As seguradoras foram admitidas a intervir nos autos como partes principais.

A seguradora M (…) apresentou articulado próprio. A sua defesa consistiu em síntese:
1. Na alegação de que caso se concluísse pela efectiva responsabilidade civil do 1.º réu, tal responsabilidade não estava coberta pelo seguro de reforço de capital contratada por ele 1.º réu, pelo que ele não estava isento da franquia contratual prevista no seguro celebrado com a Ordem dos Advogados e que o capital seguro máximo garantido era o de € 150 000,00;
2. Na impugnação dos factos articulados pela autora e na alegação de que não estão reunidos os pressupostos para a responsabilização dos réus.   

A defesa de X (…) SE, Sucursal em Espanha, consistiu em síntese:
1. Na alegação de que era parte ilegítima;
2. Na alegação de que – ainda que assim se não entendesse - o contrato de seguro celebrado entre ela e a Ordem dos Advogados não cobria a responsabilidade civil dos réus em causa nos autos;
3. Na impugnação dos factos alegados na petição e na alegação de que não estavam reunidos os requisitos para responsabilizar civilmente os réus.

No despacho saneador, a ré X (…) SE foi julgada parte legítima.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os réus dos pedidos.

A autora não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse a sentença recorrida e se julgasse procedente a acção intentada por ela contra os apelados, condenando-os em valor a fixar pelo tribunal.

Após convite do ora relator, a autora completou a sua alegação, indicando que os réus deviam ser condenados no montante de € 62 452,43 (sessenta e dois mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e três cêntimos), sendo € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais e € 47 452,43 (quarenta e sete mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e três cêntimos), a título de danos reais e efectivos provocados.

Os fundamentos do recurso consistiram, em resumo, na impugnação da decisão relativa à matéria de facto e na alegação de que as normas que constituíram fundamento jurídico da decisão foram mal interpretadas e aplicadas.

As respostas aos recursos

Na resposta, M (…) sustentou a improcedência do recurso. Na hipótese de a sentença recorrida ser revogada requereu a ampliação do âmbito do recurso, nos termos previstos no artigo 636.º, n.º 1, do CPC, no sentido de ser apreciada e julgada procedente a aplicabilidade da cláusula constante do artigo 3.º alínea b) das condições especiais do contrato de seguro celebrado entre o 1.º réu e a recorrida [contrato de seguro titulado pela apólice n.º 6001591400885/3 através do qual o 1.º réu reforçou o capital seguro previsto no âmbito da apólice de responsabilidade civil base da Ordem dos Advogados e eliminou o valor devido pelos segurados a título de franquia contratual por qualquer eventual sinistro/indemnizável nos termos previstos no contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados] da qual resulta que a ora recorrida não garantia a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da sua actuação.

Por sua vez, na resposta, a seguradora XL (…) Sucursal em Espanha começou por pedir que a autora fosse convidada a aperfeiçoar as conclusões apresentadas. Seguidamente:
1. Pediu que o recurso relativo à decisão da matéria de facto fosse rejeitado dado que a recorrente não indicou qualquer meio de prova que pudesse determinar a alteração do facto enunciado sob a alínea D) e, relativamente ao facto indicado sob a alínea A), limitou-se à alegação genérica das declarações de parte de F (…), além de não reproduzir ou juntar aos autos a transcrição das referidas declarações e, em consequência, não indicar as concretas passagens de gravação nas quais alicerçava o seu recurso e, em face dos quais, o concreto ponto de facto da matéria impugnada que deveria determinar decisão diversa.
2. Ainda que assim se não entendesse, era de manter a decisão relativa à matéria de facto e a decisão de direito. 

No caso de eventual procedência do recurso requereu a ampliação dele, ao abrigo do disposto no artigo 636.º do CPC, no seguinte sentido:
1. Devia ser julgado provado que, em 01-02-2016, os factos em apreço nos autos foram comunicados à ré M (…) conforme resultava do artigo 17.º da contestação da ré M(…) que não foi impugnado por qualquer das partes;
2. Devia ser julgado não provado que a autora decidiu interpor recurso da sentença do tribunal de 1.ª instância pelo que deu instruções ao seu mandatário, o ora réu C (…), para interpor o competente recurso, com base nos depoimentos da autora e de F (…).
3. Devia ser julgada procedente a ilegitimidade substantiva invocada na contestação por força da inaplicabilidade temporal da apólice aos factos dos autos, e em consequência, a ora recorrida absolvida do pedido;
4. Devia ser julgada procedente a excepção invocada na contestação por força da exclusão do pré-conhecimento e, em consequência, a ora recorrida absolvida do pedido.


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso e pelas respostas ao recurso:

O recurso suscita as seguintes questões:
1. Saber se o tribunal a quo errou ao julgar não provadas as alegações de facto enunciadas sob as alíneas A), B) C) e D) e se a prova indicada pela recorrente impõe a alteração da decisão no sentido indicado pela recorrente;
2. Saber se a sentença errou no julgamento de direito.

A resposta ao recurso de X (…) suscita as seguintes questões principais:
1. Saber se a autora deve ser convidada a aperfeiçoar as conclusões
2. Saber se o recurso versando matéria de facto deve ser rejeitado;


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Aperfeiçoamento das conclusões

Do ponto de vista da precedência lógica, a primeira questão que importa solucionar é a de saber se a autora deve ser convidada a aperfeiçoar as conclusões.

A recorrida X (…) SE, Sucursal em Espanha, acusou as conclusões do recurso de serem extensas e de constituírem uma mera repetição dos argumentos utilizados nas alegações que as precedem. Citou o acórdão do STJ de 18.06.2013, proferido no processo n.º 483/08.0TBLNH, publicado em www.dgs.pt, que versou sobre um caso de conclusões longas e confusas, onde não haviam sido discriminadas com facilidade as questões invocadas. Ao fazê-lo, a recorrida aponta no sentido de que as conclusões do presente recurso são complexas e confusas.

Vejamos.

Segundo o n.º 1 do artigo 639.º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

O n.º 3 do mesmo preceito impõe ao relator o dever convidar o relator a corrigir as conclusões quando estas sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2 do mesmo preceito.

É isento de dúvida que as conclusões formuladas pela recorrente não respeitam o que prescreve o n.º 1 do artigo 639.º do CPC sobre o ónus de formular conclusões. Com efeito, ao passo que resulta deste preceito que o recorrente deve terminar a sua alegação com a formulação de proposições sintéticas que indiquem as razões de facto e de direito pelas quais a decisão deve ser alterada ou anulada, a recorrente limitou-se a reproduzir, sob a epígrafe conclusões, o que tinha alegado no corpo da alegação.

Apesar desta desconsideração, por parte da recorrente, do que prescreve o n.º 1 do artigo 639.º do CPC, não se pode dizer, no entender deste tribunal, que as conclusões sejam obscuras ou que revistam uma complexidade tal que não permitem aos recorridos exercer efectivamente o direito ao contraditório ou que não permitam a este tribunal identificar as questões em causa no recurso.

Em consequência, não se convida a recorrente a corrigir as conclusões.

Rejeição do recurso de facto

Do ponto de vista da precedência lógica, a segunda questão que importa solucionar é a relativa à rejeição do recurso de facto.

O quadro legal dos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto é constituído pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil.

 No recurso estão em causa fundamentalmente os ónus previstos na alínea b) do n.º 1 e o previsto na alínea a) do n.º 2.

Segundo a alínea b) do n.º 1, quando impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deve o recorrente especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação, nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Segundo a alínea a), do n.º 2, no caso previsto na alínea b), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder á transcrição dos excertos que considere relevantes.

Alega a recorrida que a recorrente pediu se julgasse provada a matéria da alínea D), mas não indicou o meio ou os meios probatórios que imporiam a alteração da decisão. Quanto à matéria da alínea A) pediu a alteração com base nas declarações prestadas por F (…) produzidas no processo n.º 324/09.1TBSRT, mas não indicou as concretas passagens da gravação nas quais alicerçava o seu recurso e em face das quais o concreto ponto de facto da matéria de facto deveria determinar decisão diversa.

Apreciação do tribunal:

Quanto à alínea D) dos factos julgados não provados

Está em causa a impugnação da decisão de julgar não provado que “o substabelecimento do 1.º ao 2.º réu foi sem o conhecimento ou consentimento da ora autora”.

É de rejeitar o recurso de facto nesta parte, embora por razões diferentes das alegadas pela recorrida.

Não é exacto que a recorrente não tenha indicado qualquer meio de prova que levasse à alteração da decisão. A recorrente indicou as suas próprias declarações, prestadas em audiência, como o atesta a seguinte passagem das alegações: “a apelante em declarações de parte não teve dúvidas em afirmar que não teve conhecimento e como tal não deu o seu consentimento ao referido substabelecimento”.

O que a recorrente não indicou foi a passagem do seu depoimento em que fundava o seu recurso, como prescreve a alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º, nem procedeu à transcrição dessa passagem.

Esta omissão determina a rejeição da impugnação da decisão de julgar não provada a matéria da alínea D) visto a alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC e o facto de as declarações prestadas pela autora na audiência terem sido gravadas. Com efeito, resulta deste preceito que quando o meio probatório indicado como fundamento do erro na apreciação da prova tenha sido gravado é dever do recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação, e, no caso, a recorrente não fez essa indicação, nem sequer procedeu à transcrição das declarações que sustentavam a alegação de erro na apreciação da prova.

Pelo exposto, rejeita-se o recurso de facto na parte em que ele visou a decisão de julgar não provada a matéria da alínea D).

Quanto à alínea A) dos factos julgados não provados.

Está em causa a impugnação da decisão de julgar não provado que “o depoimento do réu F (…) foi bem esclarecedor, no sentido de que o autor pagou o preço de venda dos imóveis e como tal a acção não podia proceder contra esta”.

 Pelas razões a seguir expostas, não há razões para rejeitar a impugnação da decisão. Vejamos.

Segundo a recorrente a prova da matéria da alínea A) resultava das declarações prestadas por F (…) na acção que correu termos n.º 324/09.1TBSRT.

Embora tais declarações tenham sido gravadas, não era exigível à recorrente que indicasse com exactidão a passagem da gravação em que fundava o seu recurso. Com efeito, quando a alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º diz que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, tem em vista os meios de prova que tenham sido produzidos e gravados no processo onde foi proferida a decisão impugnada, o que não é o caso das declarações de F (…) que, segundo a recorrente, impõem a alteração da decisão de facto. Em relação a declarações gravadas, produzidas noutro processo, mas que sejam invocadas como fundamento do erro na apreciação das provas, o dever do recorrente é o de fazer prova delas através da respectiva transcrição. Foi o que a recorrente fez.

Pelo exposto, não se rejeita o recurso na parte em que visa a decisão de julgar não provada a matéria da alínea A).


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Impugnação da decisão relativa à matéria de facto:

Estão em causa as seguintes alegações de facto:
1. Que o depoimento do réu F (…) foi bem esclarecedor, no sentido que a ora autor pagou o preço da venda dos imóveis e como tal a acção não podia proceder contra esta [alínea A)];
2. Que para cumprimento dos valores a que a autora foi condenada a pagar por sentença judicial, transitada em julgado, já pagou até à presente data, a quantia de 47.452,43€ (quarenta e sete mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e três cêntimos), descriminada da seguinte forma: em 04.05.2016 no auto de penhora 43.132,43€; 30.06.2016 - 270,00€; 30.07.2016 - 270,00€; 30.08.2016 - 270,00€; 30.09.2016 - 270,00€; 30.10.2016 - 270,00€; 30.11.2016 - 270,00€; 30.12.2016 - 270,00€; 30.01.2017 - 270,00€; 30.02.2017 - 270,00€; 30.03.2017 - 270,00€; 30.04.2017 - 270,00€; 30.05.2017 - 270,00€; 30.06.2017 - 270,00€; 30.07.2017 - 270,00€; 30.08.2017 - 270,00€; 30.09.2017 - 270,00€ [alínea B)];
3. Que a autora, ao tomar conhecimento do negligente acompanhamento do seu caso pelos réus, impedida de formular a sua defesa junto do Tribunal Superior, sentiu-se perdida, totalmente desamparada, vencida, descrente e desanimada [alínea C)];

A recorrente pede se julgue provada a matéria da alínea A) com base nas declarações prestadas por F (…) no processo n.º 324/09.1TBSRT, cuja transcrição foi junta com a petição inicial [fls. 114 v.º e 115 do processo físico].

Examinada a transcrição, é isento de dúvida que ela compreende duas passagens em que F (…), réu na acção que correu termos sob o n.º 324/09.1TBSRT no tribunal judicial da Sertã, afirmou que a ora autora pagou o preço da venda dos imóveis, que estava em questão em tal acção. Assim:
1. Na primeira passagem, o aí réu F (…), instado a dizer se a aí também ré E (…) (autora na presente acção) não lhe pagou a ele o preço da venda dos imóveis, respondeu: “… a E(…) pagou em dinheiro tudo o que comprou”.
2. Na segunda passagem, imediatamente a seguir à anterior, o réu F (…) voltou a afirmar sobre a mesma questão: “A E (…) pagou em dinheiro e eu recebi”.

Daqui não se segue que este tribunal esteja vinculado a julgar provada a matéria da alínea A). É que só assim seria se o documento de onde consta a transcrição provasse plenamente que F (…) fez, na realidade, tais declarações, quando o documento em causa não tem tal força probatória.

Na verdade, o documento em causa é um documento particular, cuja autoria pertence a F (…) e E (…).E dizemos que a autoria lhes pertence porque não está assinado por qualquer outra pessoa e porque foi junto ao processo por eles.

Ora, os documentos particulares cuja autoria esteja reconhecida fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil), mas, salvo casos excepcionais que aqui não estão em causa, não provam os factos compreendidos nas declarações [n.º 2 do artigo acima indicado].

Deste modo, o documento prova que os seus autores transcreveram a inquirição que dele consta, mas não prova que o que foi transcrito corresponde, na realidade, ao que foi declarado por F (…), na audiência que teve lugar no processo n.º 324/09.1TBSRT. Nesta última parte, o documento está sujeita à livre apreciação do tribunal [livre apreciação que não significa apreciação arbitrária, antes remete para uma apreciação guiada pela razão, pela lógica e pelas regras da experiência comum].

Fazendo este exercício, este tribunal não encontra razões para pôr em causa a fidelidade da transcrição ao que foi declarado, na audiência da acção n.º 324/09.1TBSRT, por F (….) sobre a questão do pagamento do preço das vendas, pois as declarações transcritas sobre o pagamento do preço dos imóveis está em linha com o facto de F (…) ter declarado nas escrituras de compra e venda dos imóveis que já havia recebido o preço [este último facto colhe-se na matéria declarada provada na acção n.º 324/09.1TBSRT].

Pelo exposto julga-se provado que “as declarações de F (…) foram no sentido de que Edviges pagou o preço da venda dos imóveis”.

É tudo, no entanto, o que resulta do documento ora em apreciação. Dele não resulta que o depoimento foi bem esclarecedor, nem que, com tal depoimento do réu, a acção não podia proceder contra a autora.

A recorrente pede, em segundo lugar, se julgue provado que, “para cumprimento dos valores a que a autora foi condenada a pagar por sentença judicial, transitada em julgado, já pagou até à presente data, a quantia de 47.452,43€ (quarenta e sete mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e três cêntimos), descriminada da seguinte forma: em 04.05.2016, no auto de penhora, 43.132,43€; 30.06.2016 - 270,00€; 30.07.2016 - 270,00€; 30.08.2016 - 270,00€; 30.09.2016 - 270,00€; 30.10.2016 - 270,00€; 30.11.2016 - 270,00€; 30.12.2016 - 270,00€; 30.01.2017 - 270,00€; 30.02.2017 - 270,00€; 30.03.2017 - 270,00€; 30.04.2017 - 270,00€; 30.05.2017 - 270,00€; 30.06.2017 - 270,00€; 30.07.2017 - 270,00€; 30.08.2017 - 270,00€; 30.09.2017 - 270,00€”.

Invoca, como meios de prova demonstrativos dos pagamentos, os documentos apresentados com a petição sob os números 5 e 6 e excertos dos depoimentos das testemunhas (…).

Está em causa saber se, em relação à condenação em dinheiro sofrida na acção que correu termos sob o n.º 324/09.1TBSRT, a autora já pagou os montantes acima indicados.

Reapreciada esta prova, a convicção a que chegou este tribunal não difere da do tribunal a quo.

O documento n.º 5 [fls. 256 a 258 frente do processo físico] compreende a cópia dos seguintes documentos extraídos do processo de execução n.º 596/04.8TBSRT que corre termos na comarca de Castelo Branco: 1) notificação a F (…)para deduzir oposição à penhora dos bens identificados no auto de penhora anexo; 2) auto de penhora.

Nenhum destes documentos faz menção aos pagamentos alegados pela autora.

O único ponto de contacto que há entre os pagamentos alegados e os documentos é constituído pelo facto de o auto de penhora se referir à penhora do crédito que a executada H (…)detém no âmbito do processo n.º 324/09.1TBSRT sobre F (…) [e não sobre a ora autora) e de o valor do crédito ser de € 43 132,42, que é coincidente com o valor de um dos alegados pagamentos.

Quanto ao documento n.º 6 [fls. 258 v.º do processo físico], ele é constituído por declaração, atribuída a I (…) de que, na qualidade de exequente no processo de execução n.º 596/04.8TBSRT que decorria no tribunal judicial da comarca de Castelo Branco recebeu, em 4 de Maio de 2016, de E (…) a quantia de € 43 132,43, acrescida de € 270,00 mensais durante os meses de Junho de 2016 a Setembro de 2017, inclusive, tendo recebido a quantia de € 47 452,13, proveniente da penhora de créditos no processo n.º 324/09.1TBSRT, em que é exequente Hortense de Oliveira Duque.

Visto o disposto no já citado n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil e o facto de o documento em causa ser de natureza particular, ele (documento) prova plenamente apenas que I (…) fez a declaração que dele consta. Ele não prova que, na realidade, o declarante recebeu de E (…) as quantias aí indicadas.

No caso, há boas razões para não dar crédito ao que foi declarado no documento. Por um lado, instado em audiência a dizer se tinha recebido da ora autora os 43 mil euros referidos na declaração, o alegado beneficiário do pagamento, I (...) , negou, por mais de uma vez, o recebimento de tal quantia. Por outro lao, a pessoa que no documento figura como pagadora (a autora, ora recorrente) também não confirmou o alegado pagamento.

Se estas duas pessoas não corroboraram o alegado pagamento da quantia de € 43 132,43, a decisão que se impõe, à luz do que é razoável, é a de julgar não provada a respectiva alegação.

Quanto ao pagamento da quantia de 270 euros, por mês, também referida no documento, é verdade que ele foi reafirmado, em audiência, pela autora e pelas testemunhas (…).

Apesar de as declarações da autora e das testemunhas, este tribunal ficou com sérias dúvidas sobre a realidade destes pagamentos e com mais dúvidas ficou da relação deles com a condenação em dinheiro da ora autora no processo que correu termos sob o n.º 324/09.1TBSRT.

Este tribunal ficou com sérias dúvidas sobre a realidade destes pagamentos porque não há o mais leve sinal, de natureza objectiva, designadamente recibos de quitação, de tais pagamentos.

Este tribunal ficou ainda com mais dúvidas da relação deles com a condenação em dinheiro da ora autora no processo que correu termos sob o n.º 324/09.1TBSRT pelo seguinte.

Em primeiro lugar, a testemunha (…) relacionou o pagamento mensal de 270 euros com a satisfação da dívida que estava a ser executada no processo n.º 596/04.8TBSRT e nesse processo a ora autora não é executada.  

Em segundo lugar, a autora não soube explicar, na realidade, o alegado pagamento mensal de 270 euros a I (…). Com efeito, num primeiro momento disse que estava a pagar 270 euros a I (…) porque “ele facilitou-me em emprestar o dinheiro para pagar a quantia da penhora [minuto 5:04 da inquirição]. Num outro passo, instada a dizer para que é que tinha pedido dinheiro emprestado respondeu: “para pagar, já não me recordo aí….” Num outro momento disse que pediu dinheiro emprestado para pagar 43 e tal mil euros “à H (…)” [isto é, à autora da acção n.º 324/09.1TBSRT]. Porém, em momento anterior, instada a dizer se tinha pago à H (…) respondeu que não [minuto 6:52 da inquirição]. Noutro passo já disse que quem sabia dos assuntos dos pagamentos era “o F (…)” [testemunha] porque “ele é que tratou isto tudo e eu não tratei nada disso”. E instada a dizer quem é que tinha pedido o dinheiro, se tinha sido ela ou F (…), respondeu: “deve ter sido o F (…) em meu nome. Eu pedi o dinheiro, mas o F (…) é que tratou dessas coisas todas, eu não tratei nada disso, eu tinha que pagar 270 euros todos os meses”.

Pelo exposto, mantém-se a decisão de julgar não provada a matéria da alínea B).

Por fim, a recorrente impugna a decisão de julgar não provado que “a autora, ao tomar conhecimento do negligente comportamento do seu caso pelos réus, impedida de formular a defesa junto do tribunal superior, sentiu-se perdida, totalmente desamparada, vencida, descrente e desanimada”.

A recorrente vê a prova da veracidade desta alegação no depoimento da testemunha (…).

Reapreciada a prova a convicção deste tribunal não difere da do tribunal a quo.

Em primeiro lugar, o que a testemunha A (…) afirmou foi que a autora [que era amiga da sua mulher e que ia com frequência a casa dela] queixava-se que estava a pagar uma dívida que lhe não pertencia e que tinha sido um engano do advogado ao contestar a acção. Instado a dizer se a autora estava indignada, a testemunha, repetindo o que dissera anteriormente, respondeu que ela estava indignada por estar a pagar “uma coisa que não lhe pertencia pagar, que tinha sido culpa do advogado…”.

Ora, uma coisa é a autora estar indignada com o facto de estar a pagar uma dívida que, segundo ela, não tem obrigação de pagar. Coisa diferente é saber se a autora sentiu-se perdida, totalmente desamparada, vencida, descrente e desanimada, quando soube que “estava impedida de formular a sua defesa junto do tribunal superior”. Sobre esta questão, a testemunha não disse nada.

Em segundo lugar, as declarações da autora apontam no sentido de que ela estava alheada do que fora decidido na acção. Com efeito, instada a dizer se falou com o advogado para recorrer, disse que não, que não estava a par disso e que quem estava a par era F (…), que ele é que falava com o Dr.º (…)(o ora 1.º réu). Noutro passo disse: “eu não sei de nada, não fazia contactos com o Sr. Dr. C (…), não sei nada dessas coisas”.

Este alheamento da autora em relação ao que fora decidido e a ausência de contactos com o advogado não é compatível com a veracidade da matéria ora em apreciação.

Pelo exposto, mantém-se a decisão do tribunal a quo.


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Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Os réus são advogados e exercem a advocacia como profissão.
2. A autora foi ré numa acção judicial que lhe foi movida por H (…), no Tribunal Judicial da Sertã, com o n.º 324/09.1TBSRT, no ano de 2009.
3. Nessa acção, alegava-se que a ora autora adquiriu ficticiamente vários prédios a outros réus, a S (…) Lda., e a F (…).
4. Nessa acção, foi formulado o seguinte pedido contra a ora autora: “Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente e os réus solidariamente condenados a reconhecer que os negócios celebrados através das referidas escrituras de 21.10.2003 e 31.03.2004 (ora juntas aos autos) são SIMULADOS e, em consequência, NULOS nos termos dos artigos 240.º e 286.º do Código Civil e que, para além disso, a escritura de 31.03.2004 é ANULÁVEL por a ora autora não ter consentido a mesma, anulabilidade esta que expressamente se invoca nos termos do artigo 287.º do referido Código. Mais devem os réus, em consequência de tal NULIDADE e ANULABILIDADE (neste caso apenas a escritura de 31.03.2004), ser solidariamente condenados, nos termos do artigo 289.º do mesmo Código, a restituir todos os imóveis identificados naquelas escrituras aos respectivos patrimónios (no caso da escritura de 21.10.2003, à F (…) LDA.) ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor real correspondente a determinar em eventual liquidação de sentença, após a competente avaliação judicial. Devem ainda os réus ser solidariamente condenados, a pagar à ora autora, nos termos dos já referidos artigos e ainda ao abrigo dos artigos 483.º e 497.º do referido Código, o valor dos descontos que, desde Abril de 2007, a ora autora tem suportado no seu vencimento e que, com referência ao mês de Junho de 2009, perfazem já 33.662,99€, acrescidos dos respectivos juros legais desde o final de cada um dos meses em que a autora vem sendo desapossada dessa sua parte do vencimento e, bem assim, todos os descontos que a autora tiver ainda que suportar no seu vencimento até à altura em que os mesmos cessem, sempre acrescidos dos respectivos juros desde o final de cada um dos meses em que, tais descontos, se efectivarem”.
5. A autora constituiu seu mandatário, no referido processo, o ora 1.º réu, o advogado C (…).
6. No âmbito do referido processo, o tribunal, em 31.03.2013, proferiu sentença, tendo condenado a então ré E (…), ou seja, a ora autora, nos seguintes termos: “…julgar parcialmente procedente e provada a presente acção intentada por H (…) contra F (…), E (…) e F (…)Lda. em função do que condeno os réus: “- a reconhecer que os negócios celebrados através de escrituras datadas de 21.10.2003 e 31.03.2004, juntas aos autos, são simulados e, como tal, nulos; a restituir todos os imóveis identificados naquelas escrituras aos respectivos patrimónios, ou, se a restituição em espécie não se mostrar possível, o valor correspondente a determinar em eventual liquidação de sentença, após a competente avaliação judicial; a pagar à autora metade do valor dos descontos que esta, desde Abril de 2007, tem suportado no seu vencimento e que corresponde ao montante de 33.735,15€, a que acrescerão metade dos descontos entretanto ocorridos e dos que ocorrem até que cessem os mesmos e correspondentes juros desse o final de cada um dos meses em que tais descontos se efectivarem”.
7. A autora E (…) deu instruções ao Réu C (…) para interpor recurso da sentença de 1.ª instância que a condenou.
8. O réu C (…) substabeleceu os poderes que lhe foram conferidos pela ora autora, com reserva, ao réu E (…)
9. Na sequência do recurso interposto, o tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão a “julgar procedente a apelação e anular o julgamento, na parte afectada pela deficiência do registo fonográfico, determinando a repetição da prova quanto ao depoimento de parte do Réu F (…)”.
10.  O Tribunal da Sertã, após repetição da audição do depoimento de F (…), na audiência de julgamento, proferiu sentença e manteve a sua decisão.
11.  A autora decidiu interpor recurso da sentença do Tribunal de 1.ª instância, pelo que deu instruções ao seu mandatário, o ora réu C (…), para interpor o competente recurso.
12.  O réu C (…), com base no substabelecimento emitido, não obstante ter sido com reserva, decidiu pedir ao réu E (…) para apresentar novo recurso, em representação da ora autora.
13.  O réu E (…), que assinou as alegações de recurso, em representação da autora, escreveu o seguinte: “… e E (…), Réus nos autos em epígrafe, vem dar por integralmente reproduzidas as alegações de facto e de direito, bem como os fundamentos de Recurso por si já apresentado, bem como requerer a junção aos autos da transcrição das declarações do Réu em julgamento”.
14.  O Tribunal da Relação de Coimbra não conheceu o recurso com o seguinte fundamento: “Como o despacho de admissibilidade de recurso não é vinculativo (art. 641.º, n.º5 do Código de Processo Civil), a falta de alegações e conclusões implica o não conhecimento do recurso (art. 655.º do Código do Processo Civil)”.
15.  O réu C (…) em representação da ora autora, ainda reclamou do acórdão para o Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra.
16.  O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu julgar improcedente a reclamação e confirmar o despacho recorrido.
17.  Os réus C (…) e E (…) ainda decidiram interpor recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra para o Supremo Tribunal de Justiça.
18.  O Supremo Tribunal de Justiça decidiu: “…negar a revista dos Réus, confirmando, inteiramente, o acórdão recorrido”.
19.  Corre termos neste Tribunal uns autos de execução de sentença nos próprios autos com o n.º 324/09.1TBSRT.1, em que figura como exequente H (…) e executados a ora autora e outros, cujo título executivo é formado pela sentença acima mencionada.
20. Pende neste mesmo juízo central, juízo cível e juiz, o processo de execução comum nº 596/04.8TBSRT instaurado, em 28.10.2004, pela “C (…), S.A.” contra: - “F (…) Lda”, F (…), H (…) e N (…).
21. Posteriormente, este crédito exequendo foi cedido a “I (…) BV” que, por sua vez, o cedeu ao seu actual detentor, I (…) prosseguindo este, naquela execução comum, na mesma qualidade de exequente que detinham os anteriores titulares daquele crédito.
22. Nesses autos foi penhorado a 15.04.2016 “Crédito que executada H (…), detém no âmbito do processo nº 324/09.1TBSRT.C2.S1, a correr os seus termos no Tribunal da Comarca de Castelo Branco – Inst. Central, Secção Cível – J2”.
23. Constando das observações do requerimento executivo: “O crédito penhorado decorre, tal como indicado pela parte exequente, de sentença transitada em julgado em 10/01/2016, em que o executado F (…) foi condenado a pagar à executada H (…) a quantia de 36.652,43 euros, acrescida de juros e de descontos entretanto ocorridos, o que à data de 29/03/2010, apresenta o valor total de 43.132,43 euros, sem prejuízo dos juros vencidos e vincendos a liquidar”.
24.  O 1.º réu recorreu da sentença proferida em 02.04.2014 no processo n.º 324/09.1TBSRT em 09.05.2014.
25.  E foi notificado em 23.01.2015 do despacho proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que rejeitou o recurso por não terem sido cumpridas as formalidades legais na apresentação das alegações.
26. E no cumprimento de tal despacho, o 1.º réu apresentou requerimento datado de 02.02.2015 a pugnar pela admissibilidade do recurso interposto.
27. Com data de início a 1 de Janeiro de 2014, foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional entre a M (…), S.A., e a Ordem dos Advogados de Portugal, através do qual foram transferidos, até 31.12.2017, para a Seguradora ora Interveniente, nos termos e limites expressamente previstos na correspondente apólice de seguro, os riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor).
28.  Tal apólice de seguro n.º (…) teve por objectivo garantir aos segurados “… a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais, causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido (a) pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados”.
29.  Em 27.02.2015, foi pelo 1.º réu, Dr.º C (…), subscrita uma proposta de seguro de reforço de capital, pela qual o réu advogado manifestou a sua intenção de aumentar em € 150 000,00, o capital seguro previsto no âmbito da apólice de RC profissional base da Ordem dos Advogados (apólice n.º (…)), a qual esteve em vigor até 27.02.2018.
30.  Pretendendo o 1.º réu, igualmente, eliminar o valor devido pelos segurados a título de franquia contratual por qualquer eventual sinistro coberto/ indemnizável nos termos previstos no contrato de seguro titulado pela apólice (…).
31. Com data de início às 0:00h do dia 1 de Janeiro de 2018 e termo às 0:00h do dia 1 de Janeiro de 2019, foi celebrado entre a Ordem dos Advogados e a interveniente “X (…) SE”, Sucursal em Espanha”, um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, Ramo de responsabilidade civil, titulado pela Apólice n.º (…)
32.  Através do Contrato de Seguro contratado junto da Interveniente segura a «Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00€ por sinistro)», com um limite de € 150.000,00 por sinistro (…)», entre outros riscos e foi, ainda, acordada a franquia de € 5.000,00 por sinistro.
33. As declarações de F (…) foram no sentido de que E (…) pagou o preço da venda dos imóveis.

Factos considerados não provados:
1. Que para cumprimento dos valores a que a autora foi condenada a pagar por sentença judicial, transitada em julgado, já pagou até à presente data, a quantia de 47.452,43€ (quarenta e sete mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e quarenta e três cêntimos), descriminada da seguinte forma: em 04.05.2016 no auto de penhora 43.132,43€; 30.06.2016 - 270,00€; 30.07.2016 - 270,00€; 30.08.2016 - 270,00€; 30.09.2016 - 270,00€; 30.10.2016 - 270,00€; 30.11.2016 - 270,00€; 30.12.2016 - 270,00€; 30.01.2017 - 270,00€; 30.02.2017 - 270,00€; 30.03.2017 - 270,00€; 30.04.2017 - 270,00€; 30.05.2017 - 270,00€; 30.06.2017 - 270,00€; 30.07.2017 - 270,00€; 30.08.2017 - 270,00€; 30.09.2017 - 270,00€.
2. Que a autora, ao tomar conhecimento do negligente acompanhamento do seu caso pelos Réus, impedida de formular a sua defesa junto do Tribunal Superior, sentiu-se perdida, totalmente desamparada, vencida, descrente e desanimada.
3. Que o substabelecimento do 1.º réu ao 2.º réu foi sem o conhecimento ou consentimento da ora autora.


*

Descritos os factos passemos à resolução das questões suscitadas pelo recurso.

Na origem do presente litígio está a relação de mandato estabelecida entre a autora e o 1.º réu no âmbito da acção declarativa que correu termos sob o n.º 324/09.1TBSRT, na qual a ora autora figurava aí como ré. Está em causa concretamente o facto de o segundo réu, a quem o 1.º substabeleceu os poderes que lhe foram conferidos pela ora autora, ter interposto recurso da sentença proferida em tal acção sem apresentar alegações e conclusões, o que levou a que o tribunal da Relação não conhecesse do objecto do recurso. Segundo a recorrente, ao terem interposto o recurso sem juntarem alegações e conclusões, os réus violaram os seus deveres profissionais e frustraram o direito que ela tinha de obter a procedência do recurso. A frustração deste direito causou-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais.

O tribunal a quo, entendendo que estava em causa uma acção de responsabilidade civil de advogado e que o ilícito contratual que era imputado aos réus era constituído pelo facto de eles terem interposto um recurso sem apresentação de alegações e conclusões, resolveu a questão à luz da chamada perda de oportunidade (chance), concretamente perda da oportunidade de ver revertida a condenação por um tribunal superior. A sentença entendeu que não havia lugar a indemnização com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:
1. Que a mera perda de oportunidade [chance] não constituía só por si dano indemnizável;
2. Que a autora carecia de alegar em que medida é que seria altamente expectável que, apreciado, o recurso seria favorável á autora.
3. Que a autora não demonstrou “as razões que justificariam o recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença da 1.ª instância e por isso não era possível formular um juízo sobre a seriedade, consistência e plausibilidade da oportunidade que diz ter perdido;
4. Que não bastava alegar que o depoimento da testemunha F (…) foi esclarecedor, quando não se mostrou minimamente credível;
5. Que não podia perfilar-se qualquer patrimonial.

A recorrente censurou com base na seguinte linha argumentativa:
1. Que os réus ao apresentarem as alegações de recurso de forma deficiente e inviabilizaram a posição da ora apelante, frustrando-se o seu direito de chance, pelo que violaram o artigo 92.º, n.º 2, do EOA;
2. Que a impossibilidade de ver invertida a decisão judicial da 1.ª instância resultou directamente da acção dos apelados;
3. Que os apelados estão obrigados a indemnizar a autora nos termos do artigo 483.º do Código Civil;
4. Que os apelados agiram com culpa grosseira;
5. Que houve culpa no domínio da responsabilidade contratual por violação do dever de diligência a que os apelados estavam obrigados;
6. Que os apelados estavam obrigados solidariamente a indemnizar a autora nos termos do artigo 562.º do CC;
7. Que a autora não teria sido condenada se não fosse a conduta dos réus, que impediram a apreciação do recurso pelo tribunal superior.

Pelas razões a seguir expostas, o recurso não procede.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que este tribunal concorda com a alegação da recorrente segundo a qual o segundo réu não actuou com a diligência devida quando, ao interpor o 2.º recurso de apelação contra a sentença condenatória proferida na acção n.º 324/09.1TBSRT, deu por integralmente reproduzidas as alegações de facto e de direito, bem como os fundamentos do recurso apresentado anteriormente e requereu a junção aos autos da transcrição das declarações do réu (F (…)) em julgamento.

Vejamos.

Ao interpor o recurso, o 2.º réu agiu como mandatário da aqui autora, ré na acção acima identificada.

Apesar de o mandatário forense não assumir a obrigação de obter vencimento na causa ou no recurso [a obrigação do mandatário não é uma obrigação de resultado mas uma obrigação de meios], quem exerce o mandato forense tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológica e o dever de “estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade” [artigo 92.º, n.º 2, e 95.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro de 2005, em vigor ao tempo em que o 2.º réu interpôs o recurso].

Se o n.º 2 do artigo 637.º do CPC diz que o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, se o n.º 1 do artigo 639.º do mesmo diploma impõe ao recorrente o dever apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão e se a alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º ainda do mesmo diploma estabelece que o requerimento é indeferido quando não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, é de concluir que quem interpõe um recurso sem alegações e conclusões não trata com zelo tal questão nem defende os legítimos interesses do cliente.

Daí que, não tendo o 2.º réu interposto o recurso de apelação com observância dos requisitos formais previstos na lei, é de afirmar, com o devido respeito que nos merece o mandato do 2.º réu, que este não tratou com zelo a questão da interposição do recurso nem defendeu os interesses da recorrente, a aqui autora.

Em segundo lugar também se concorda com a alegação da recorrente segundo a qual o facto de o 2.º réu ter interposto o recurso sem apresentar alegações e conclusões fez perder a possibilidade de o recurso ser conhecido. E sem o conhecimento do recurso pelo tribunal da Relação, ficou inviabilizada a possibilidade de alteração da decisão recorrida. Pode, assim, dizer-se que a omissão do 2.º réu, consistente na interposição do recurso sem a alegação e as conclusões, privou a ora autora da hipótese de alterar a decisão proferida em primeira instância em sentido que lhe fosse favorável, decisão que a havia condenado a restituir vários imóveis à autora de tal acção e que a havia condenado a pagar à aí autora a quantia de € 33 662,99, acrescida de outras quantias.

Com o que não se concorda é com a alegação de que os réus, pelo facto de privarem a ora autora da possibilidade de alterarem a sentença condenatória proferida na acção n.º 324/09.1TBSRT, constituíram-se na obrigação de a indemnizarem. Esta alegação labora no pressuposto de que a condenação sofrida pela ora autora em 1.ª instância não teria acontecido se o recurso tivesse sido conhecido pelo tribunal da Relação.

Esta alegação remete-nos para a questão da indemnização por incumprimento contratual e para a questão da indemnização da perda de oportunidade (chance) processual).

Sobre a indemnização por incumprimento contratual cabe dizer o seguinte.

Segundo o artigo 798.º do Código Civil, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

Como escreve Inocêncio Galvão Teles, “para que o devedor se constitua em responsabilidade não basta que deixe de cumprir culposamente a obrigação. É necessário, ainda, que o credor tenha sofrido prejuízos; que ao acto ilícito e à culpa acresça este outro elemento. Não obstante o comportamento reprovável ou censurável do devedor, nada o credor pode pretender se desse comportamento não lhe advierem danos. A responsabilidade civil, incluindo a obrigacional, traduz-se na obrigação de indemnizar, ou seja, de reparar prejuízos, e, portanto, sem estes, não existe” [Direito das Obrigações 7.ª Edição, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, página 373].

Segue-se do exposto que o facto de os réus não terem agido com a devida diligência na interposição do recurso de apelação não os constituiu sem mais na obrigação de indemnizar a autora. Esta obrigação dependia ainda da prova de que a autora sofreu prejuízos e da prova de que os não teria sofrido se não fosse o incumprimento (artigo 563.º do Código Civil).

Em matéria de prejuízos, a autora invocou, como prejuízo directo e imediato, a perda da oportunidade (chance) de alterar a decisão judicial condenatória proferida na acção n.º 324/09.1TBSRT em sentido favorável a si e, como prejuízos mediatos, subsequentes, a instabilidade emocional permanente e o pagamento da quantia de € 47 452,43 em que foi condenada na mencionada acção.

Produzida a prova, a autora, ora recorrente, não provou nem os alegados pagamentos nem que “se sentiu perdida, totalmente desamparada, vencida, descrente e desanimada, quando soube que o tribunal da Relação não iria conhecer do objecto do recurso”.

Quanto à alegada perda da oportunidade processual, é isento de dúvida, como já se escreveu, que o facto de o segundo réu ter interposto o recurso sem observância dos requisitos legais fez perder à autora a hipótese de ver alterada a decisão proferida em primeira instância em sentido que lhe fosse favorável, decisão que, repete-se, a havia condenado a restituir vários imóveis e a pagar à autora dessa acção a quantia de € 33 662,99, acrescida de outras quantias.

Sobre a questão da indemnização da perda de oportunidade (chance) processual cabe dizer o seguinte.

Em primeiro lugar que não há texto legal que preveja a hipótese de indemnização de tal perda.

Em segundo lugar, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão é a de que “… é “razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado” [citam-se, a título de exemplo, o acórdão do STJ proferido em 14 de Março de 2013, no processo n.º 78/09.1TVLSB, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XXI. Tomo I/2013, páginas 155 a 160, o acórdão do STJ proferido em 30/11/2017, no proc. nº 12198/14.6T8LSB.L1.S1, o acórdão do STJ proferido em 17-05-2018, no processo n.º 236/14.7TBLMG e o acórdão do STJ de 5-07-2018, processo n.º 2011/15.2T8PNT, publicados em www.dgsi.pt].

Isto é, socorrendo-nos agora das palavras de Paulo Mota Pinto, “o dano resultante da perda de uma oportunidade processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança que o lesado obteria certo benefício, não fora a oportunidade processual perdida. Para o determinar o tribunal que julga a indemnização deve realizar um julgamento dentro do julgamento, segundo a perspectiva que teria sido adoptado pelo tribunal que apreciaria a acção ou o recurso inviabilizado, sendo esta uma questão de facto [Paulo Mota Pinto, Direito Civil, Estudos, Perda de Chance Processual, Gestlegal, página 795].

Quanto aos factos que servem de base ao julgamento incidental [ou seja ao julgamento dentro do julgamento] devem ser alegados e provados por ele, visto que são constitutivos do direito de indemnização. É o que resulta do n.º 1 do artigo 5.º do CPC e do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.

Tendo presente a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça acima exposta, jurisprudência que se segue, visto o n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil e o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei afirmado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da Republica Portuguesa, é de afirmar que os réus responderiam pela omissão em que incorreram e que determinou o não conhecimento do recurso de apelação, se se pudesse concluir, através do citado julgamento incidental (julgamento dentro do julgamento), com um elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que, na hipótese de o recurso ser conhecido, o tribunal da Relação iria julgá-lo procedente e alteraria a decisão em sentido favorável à ora autora.

Os factos provados não sustentam esta conclusão. Vejamos.

Segundo a recorrente, caso a apelação tivesse sido recebida, o Tribunal da Relação julgá-la-ia com base nas declarações de F (…), pois havia sido com base na não junção de tais declarações que, no 1.º recurso de apelação, o mencionado tribunal anulara o julgamento e ordenara a repetição das declarações do referido F (…).

O que a recorrente alega sobre a anulação do julgamento não é inteiramente exacto. O que se passou foi o seguinte.

Nessa acção, os réus, F (…) e E (…)(ora autora), interpuseram recurso de apelação da sentença condenatória, impugnando vários pontos da decisão relativa à matéria de facto. Entre os meios de prova indicados como fundamento no erro na apreciação das provas figurava o depoimento de parte do réu F (…). Alegaram, no entanto, que a gravação de tal depoimento era inaudível, o que implicava a nulidade da sentença, visto que tal depoimento era crucial para a fundamentação do recurso e para a decisão sobre o erro na apreciação das provas.

O tribunal da Relação verificou que a gravação do depoimento do réu não era perceptível e reconheceu que o conhecimento do que fora declarado era relevante para apreciar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto. E era relevante porque o que foi declarado pelo réu havia servido para formar a convicção do tribunal a quo quanto a algum dos factos impugnados pelos recorrentes. O tribunal da Relação qualificou a deficiência da gravação como nulidade processual e, em consequência, anulou o julgamento, na parte afectada pela deficiência do registo fonográfico, determinando a repetição da prova quanto ao depoimento de parte do réu F (…).

Vê-se, assim, pelo que se acaba de expor, que a repetição do depoimento não tem o significado de uma tomada de posição da Relação sobre o sucesso da alteração da decisão em sentido favorável à autora no segundo recurso de apelação.

No entender deste tribunal, na hipótese de o segundo recurso de apelação ter sido conhecido, é de duvidar seriamente da hipótese de a Relação alterar a matéria de facto com base nas declarações prestadas pelo réu F (…) sobre o pagamento do preço da venda dos imóveis pela ora autora.

É de duvidar seriamente desta hipótese porque o meio de prova que a Relação iria reapreciar – declarações do réu F (…)relativas ao pagamento do preço da venda dos imóveis em questão na mencionada acção - estavam sujeitas à livre apreciação do tribunal, não tendo, pois, qualquer força probatória especial, e eram declarações de alguém que tinha interesse em que se julgasse provado que a também ré nessa acção (autora na presente acção) havia pago o preço relativo à venda dos imóveis, o que era circunstância que afectava a respectiva credibilidade.

Mais: certamente que a veracidade das declarações do réu sobre a questão do pagamento do preço não deixaria de ser apreciada pela Relação à luz da circunstância, mencionado pela decisão recorrida, de não haver existir “qualquer recibo, qualquer cópia de cheque e respectivo depósito bancário ou comprovativo de transferência bancária” e à luz da própria relação pessoal do réu com a ré E (…). É muito provável que, desta apreciação, a credibilidade das declarações do réu saísse muito abalada.   

Segue-se do exposto que, no entender deste tribunal, caso o 2.º recurso de apelação fosse conhecido, é altamente duvidoso que o tribunal da Relação o julgasse procedente.

Assim, tendo em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acima exposta sobre a indemnização da perda de oportunidades processuais não é indemnizável o facto de a ora autora ter perdido a oportunidade de alterar em seu favor, através do mencionado recurso de apelação, a decisão proferida na acção que correu termos sob o n.º 324/09.1TBSRT.     

Em consequência é de manter a decisão recorrida.

Com a manutenção, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelos recorridos para o caso de proceder a presente apelação.


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Visto o disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e no n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a autora ter ficado vencida no recurso, condena-se a autora, recorrente, no pagamento das custas, restritas a custas de parte.

Coimbra, 17 de Setembro de 2019   

Emídio Santos ( Relator )

Catarina Gonçalves

Ferreira Lopes