Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
13/07.1GFCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ABÍLIO RAMALHO
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO
Data do Acordão: 02/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3.º J.º DO T. J. DE COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 411º E 412º CPP
Sumário: Só poderá beneficiar do direito ao prazo especial/alargado de 30 dias conferido pelo n.º 4 do art.º 411.º do CPP, por contraponto ao geral, de 20 dias, definido no n.º 1 do mesmo preceito normativo, o recorrente que eleja como objecto do próprio recurso a reapreciação da prova gravada, e que cumpra a disciplina jurídico-processual estabelecida pelos nºs. 1, 3, als. a) e b) – ou c) –, e 4 do artº 412º CPP, do dito dispositivo 412.º.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

§ 1.º


1 – RM..., (arguido, melhor id.º nos autos, máxime a fls. 741), notificado do acórdão – de Tribunal Colectivo, exarado a fls. 741/765 – que, na sequência de pertinente julgamento, o condenou (entre outros – seus irmãos) à reacção penal conjunta/unitária de 5 (cinco) ANOS e 6 (seis) MESES DE PRISÃO, a título punitivo da co-autoria de 5 (cinco) crimes de furto qualificado (singularmente sancionados com referentes penas de 2 anos e 6 meses de prisão), e de um outro de detenção de arma proibida (sancionado com pena de 1 ano de prisão), dele se manifestou inconformado em ficheiro anexo a mensagem de correio-electrónico (e-mail) por cujo teor – reproduzido e junto a fls. 801/845 – formalizou o respectivo recurso, de cuja motivação – tradutora de propugnação pela pessoal absolvição, em razão de alegada existência de dúvida quanto à assacada co-autoria dos imputados comportamentos e, logo, da concernente violação do princípio processual in dubio pro reo, e, subsidiariamente, pela substancial redução punitiva, por essencial efeito de sustentado benefício do regime especial para jovens delinquentes – extraiu o seguinte quadro-conclusivo (por transcrição):
 1 - O arguido RM...foi condenado pela prática de cinco crimes de furto qualificado e um crime de detenção de arma proibida nos termos dos artigos 203° e 204° nº 2 alínea e) do Código Penal e artigo 86° nº 1 alínea d) com referência ao artigo 2° nº 1 alíneas r), al) e am) e nº 3 alíneas j), i), m) e p) e ao artigo 3° nº 2 alínea a) e artigo 4° da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
2 - O arguido não se conforma com esta condenação, devendo ser absolvido pela prática destes seis crimes.
3 - Da matéria de facto dada como provada nada consta sobre a co-autoria por parte do RM...na prática dos referidos crimes, vejam-se todas as transcrições, efectuadas da prova em Motivação.
4 - O arguido RM...remeteu-se ao silêncio, os agentes da autoridade tecem considerações sobre esta co-autoria e mencionam que ouviram dizer, não podendo ser valorados tais depoimentos nessa parte, e, tendo-o feito o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 356° nº 7, 355° e 343° do Código de Processo Penal.
5 - As restantes testemunhas depuseram sobre o desaparecimento dos seus objectos, a identificação dos mesmos quando recuperados e o desconhecimento total dos(s) autor(es) da prática dos furtos.
6 - A casa onde residem todos os irmãos é uma casa onde também residem mais pessoas, a saber a mãe e a avó dos mesmos.
7 - Em referência à detenção de arma proibida, o arguido RM...não poderá ser condenado pelo facto de tais armas terem sido apreendidos na residência que habita, por um lado porque se tais armas são provenientes de furto, então estamos perante um concurso real entre a prática do crime de furto e o crime de detenção de arma pois um dos elementos tipo que é a detenção ou posse é necessariamente a mesma que o de subtracção e apropriação.
8 - Por outro lado, tais armas e/ou munições foram pelo arguido JB... descritos como sendo de sua pertença, explicando que algumas eram de seu pai, outras adquiriu-as ele, outras encontrou-as, mas referenciou-as sempre como sendo suas.
9 - À falta de qualquer outra prova não pode o tribunal a quo considerar que pelo facto de todas elas se encontrarem em casa de residência de todos eles, basear-se na experiência comum para dar como provado que tais armas eram detidas, possuídas ou de propriedade do arguido RM....
10 - Para estes efeitos é necessário considerar-se que entre a existência desses bens na referida casa e as declarações do arguido JB... em sede de audiência de julgamento, e na ausência de qualquer outro meio probatório terá sempre que concluir pela prática deste crime pelo JB... e nunca pela co-autoria, nessa pratica, pelo RM....
11 - Mas, se dúvidas lhe provocaram as declarações do arguido JB..., restar-lhes-ia a absolvição do arguido RM...pela aplicação do princípio basilar do direito penal in dubio pro reo, tendo-se violado este princípio quando não se o aplicou.
12 - Este mesmo principio in dubio por reo, ter-se-à que aplicar quanto a todos os outros crimes, que o arguido RM...vem condenado pelas mesmas razões já invocadas.
13 - Não obstante todos estes considerandos a manterem-se como provados factos que levem à condenação do arguido RM...pela prática de todos estes crimes, devem V. Exas. Quanto à medida das penas aplicadas a cada um deles, reduzi-las aos mínimos legais e substitui-las pela aplicação de penas de multa, quando a moldura penal o permitir, sob pena de se violarem os princípios da opção por pena não privativa de liberdade em detrimento das penas privativas de liberdade, da adequação dos factos e dúvidas inerentes à participação na co-autoria.
14 - Estão provados nos autos factos que permitem a aplicação do regime especial para jovens delinquentes, devendo este regime ser aplicado ao arguido RM..., sob pena de não o aplicando violarem-se todos os seus normativos, a saber
15 - RM...terá praticado estes factos nos anos de 2006 e 2007, nunca foi condenado pela prática de quaisquer factos ilícitos anteriormente à prática dos constantes nestes autos.
16 - RM...nunca foi advertido judicialmente com qualquer pena para que pudesse perceber que tinha que arrepiar caminho e adequar os seus comportamentos à lei, pelo que não há qualquer reincidência
17 - RM...tinha 18 anos à data da prática dos factos destes autos.
18 - RM...tem à data desta condenação 21 anos.
19 - Decorreram três anos entre a prática destes factos e a respectiva condenação, pelo que, a aplicação à presente data, de 5 anos e meio de prisão, estando tal pena distanciada em três anos da pratica desses factos e, condenando o RM...um jovem, tal encarceramento só pode significar um estigma, uma má influência, uma má interpretação e uma inversão daquilo que se pretende com as penas.
20 - A prevenção especial neste caso concreto exige um ensinamento ao RM..., pelo que a pena terá sempre que ter uma finalidade pedagógica mas em simultâneo uma pena que mostre ao RM...que esta é a derradeira oportunidade que tem de conformar o seu comportamento à vida sociedade e em geral, ao cumprimento das suas regras, impendendo sobre ele a espada da justiça que lá estará para verificar o cumprimento dessa mesma pena e trará as suas consequências se o arguido RM...não cumprir com a mesma.
21 - Em suma devem as molduras penais serem aplicadas no seu limite mínimo por um lado, e por outro, alem desta redução, serem aplicadas ao arguido RM...injunções, associadas ou não a pena de prisão mas sempre suspensa na sua execução ou a aplicação de penas de multa, quando possível associadas a determinados comportamentos que V. Exas. aplicarão.

§ 2.º


Realizado o pertinente exame preliminar, em conformidade com o estatuído no n.º 6, al. b), do art.º 417.º do CPP, o desembargador-relator rejeitou o recurso, por concernente[1] decisão-sumária (exarada a fls. 935/941), por extemporaneidade, em razão da ajuizada inaplicabilidade ao caso do utilizado prazo alargado/especial de 30 (trinta) dias prevenido no n.º 4 do art.º 411.º do CPP, por inverificação dos respectivos pressupostos – fundada pretensão de reapreciação, nos termos e limites legais, da prova gravada –, bem como da invalidade do meio utilizado para a manifestação da vontade/motivação recursória – correio-electrónico – em razão da própria (do relator) interpretação da dimensão normativa resultante da conjugação dos arts. 103.º, n.º 1, do C. P. Penal; 150.º, ns. 1 e 2 (est’último subsidiariamente aplicável ao processo criminal, por força da estatuição do art.º 4.º do CPP), e 138.º-A, do C. P. Civil, (nas versões decorrentes do DL n.º 303/2007, de 24/08); e 1.º, al. a), e 2.º, da Portaria n.º 114/2008, de 06/02, (regulamentadora do citado art.º 138.º-A, do C. P. Civil, quer na redacção original, quer na que sucessivamente lhe foi introduzida pelas Portarias ns. 457/2008, de 20/06, 1538/2008, de 30/12, e 195-A/2010, de 08/04).

§ 3.º


Invocando o direito conferido pelo n.º 8 do citado art.º 417.º do CPP, dela o id.º arguido/recorrente reclamou para a conferência, em peça processual (junta a fls. 947/949, nesta sede identicamente tida por reproduzida nos respectivos dizeres) cuja substância essencialmente corporiza:

1 – Contraposição afirmativa da reunião dos condicionalismos do direito ao referido prazo especial de interposição recursória, em função, tanto quanto se alcança da sua confusa justificação, de suposta formulação de pretensão do reexame de toda a prova:
   «[…] o recorrente em suas conclusões refere expressamente matéria de fato que deve ser analisada para ser ou não valorada e é da análise dessa matéria de fato que conclui pela absolvição e admite que dessa valoração dúvidas surjam tendo aí necessariamente que invocar o princípio in dúbio pró reo.
Aliás distingue nas suas conclusões a matéria de fato dada como provada em cada crime que pretende ver analisada (vide 4,5,6,7,8,9,10).
A verdade é que o recorrente para poder concluir que há falta de prova para a respectiva condenação, teve obrigatoriamente que ouvir toda a prova e oferecê-la a V. Excelências em sede de motivação e só com a sua análise completa se percebe que há ou não total ausência de prova e esse é um desiderato de V. Excelências.
[…]
Também à mesma semelhança cabe mencionar que quando se refere que violou-se o regime especial para jovens delinquentes ao não ser aplicado a este arguido, referenciam-se os fatos que deveriam ter levado a outra Decisão (vide 15, 16,17,18 e 19), fatos existentes nos autos e que não foram valorados. Também aqui teve que remeter-se para a Motivação onde esses fatos não constam e deviam constar.
Por fim o recorrente em sua motivação a fls. 36 a 42 escreve as suas razões de ciência de fato que levaria à inversão do direito aplicado, sumariando-as nas suas conclusões que apesar de delimitarem o objecto do recurso ter-se-ão que completar com o alegado em motivação.

[…]»;

2 – E divergente postura opinativa da sua Ex.ma signatária (mandatária/defensora) quanto à utilização do correio-electrónico:
 – «[…] não me parece que esta remessa por correio electrónico tenha sido contrária à lei, bons costumes ou usos, ou sequer, tenha relevante importância que não permita que um recurso onde se questiona matéria de fato que levou à condenação de pessoa ao cumprimento de pena de prisão efectiva não possa ser apreciado.».


II – FUNDAMENTAÇÃO

II.A

– Elucidário –


1 – Como é do presumível conhecimento de qualquer operador judiciário[2], o instituto recursório, enquanto procedimento de estrito controlo da observância da pertinente legalidade – vigente no ordenamento jurídico nacional – na realização/produção do acto de julgar e decidir doutro órgão judiciário, verdadeira ferramenta jurídico-processual exclusivamente vocacionada à expurgação/correcção de concretos e relevantes vícios jurídicos e/ou de específicas ilegalidades de que, porventura, enferme o sindicado acto decisório de competente julgador, sobre que incida – remédio para importantes e concernentes males jurídicos –, não comportando qualquer finalidade ou virtualidade de conveniente busca e quiçá arbitrária sobreposição/substituição de divergentes sensibilidades sobre a questão em litígio[3], e, logo, de desautorização do órgão julgador[4], confere ao respectivo sujeito-interessado a incumbência da efectiva materialização, no segmento motivacional do próprio recurso e, resumidamente, no referente quadro-conclusivo – delimitador do objecto e âmbito do manifestado dissídio –, do ónus de específica e precisa inventariação dos defeitos jurídico-decisórios cuja reparação impetre, bem como dos meios e/ou bases legais condicionantes/determinativos da propugnada solução[5], sempre com escrupulosa/rigorosa observância das regras formais postuladas pelos ns. 1, 2, 3 e 4, máxime, do art.º 412.º do C. P. Penal.

2 – A realização de tal encargo haverá, ademais, de ser particularmente exigente quando o afrontado julgado tiver sido produzido por órgão colegial (tribunal de júri ou tribunal colectivo) – como no caso em apreço –, em razão da evidente insindicabilidade do processo interno de formação da respectiva resolução, por natureza abstracto-normativa, impessoal e supra-individual, relativamente à vontade de cada um dos respectivos membros, cuja pessoal opinião naturalmente se diluirá no acto deliberativo, e cujo resultado haverá – acrítica e secretamente – que resultar (no âmbito do processo penal) do sufrágio previsto e disciplinado nos arts. 365.º, máxime ns. 3, 4 e 5, 367.º, 368.º e 369.º, designadamente, do C. P. Penal, em lógica decorrência, pois, do cômputo dos votos obtidos na pertinente deliberação sobre cada questão decidenda, que, óbvia e potencialmente, bem poderá condicionar solução distinta da eventualmente propugnada por algum dos individuais julgadores, [rigorosamente vinculados ao dever de absoluto sigilo – quer sobre a própria opinião, quer quanto a qualquer espécie de debate acerca do sentido decisório das questões sub judice –, sob pena de incursão em responsabilização disciplinar e criminal, por violação de segredo de justiça, (cfr. citado art.º 367.º)].

Daí que, como é bom-de-ver, assumindo, a final, o sentido deliberativo estrita natureza jurídico-normativa, apenas será passível de discussão e/ou censura jurídica em sede de recurso se, e na precisa medida, em que inequivocamente se demonstreou oficiosamente se observeque objectivamente extravasou dos limites interpretativos das normas legais/constitucionais que pertinam e/ou rejam sobre as questões a que se reporte.

Aliás, tal legal inescrutabilidade dos condicionalismos internos do processo de formação da abstracta vontade colegial, e, logo, por óbvia consequência, a incontornável incensurabilidade jurídica da decorrente deliberação, apresenta-se particularmente reforçada (blindada) no que concerne à escolha e/ou determinação da espécie e medida da sanção a aplicar a qualquer sujeito-arguido, em função da estatuição normativa ínsita no n.º 3 do art.º 369.º do C. P. Penal[6], que, prevenindo divergentes sensibilidades e opiniões de cada um dos respectivos votantes, a tal propósito, determina que os votos referentes à sanção de maior gravidade se somem aos (votos) favoráveis à de gravidade imediatamente inferior, até se obter atinente maioria (de votos)[7].

         Por conseguinte, qualquer eventual intromissão modificativa do concernente resultado deliberativo, assim soberanamente votado e alcançado, por algum tribunal hierarquicamente superior, com base em mera impressionabilidade e pessoal divergência ponderativo-volitiva, quer tenha sido recursivamente propugnada pelo respectivo interessado, quer o seja oficiosamente, sempre inexoravelmente redundará em inconcessa e arrogante arbitrariedade, de todo legalmente vedada.

         3 – Tal postulada precisão na definição do objecto recursório e na realização dos ónus procedimentais prevenidos e disciplinados no citado art.º 412.º do C. P. Penal relevará, desde logo, à aferição do termo final da oportunidade legal de interposição do recurso – ou, bem-entendido, de apresentação da respectiva motivação quando a manifestação da atinente vontade houver sido noticiada por simples declaração na acta respeitante à audiência em cuja sessão ocorrer a publicação da impugnanda decisão, (permitida pelo n.º 2 do art.º 411.º do mesmo compêndio legal) –, já que só poderá beneficiar do direito ao prazo especial/alargado de 30 (trinta) dias conferido pelo n.º 4 do art.º 411.º do CPP, por contraponto ao geral, de 20 (vinte) dias, definido no n.º 1 do mesmo preceito normativo, o recorrente que eleja como objecto do próprio recurso a reapreciação da prova gravada, e que, obviamente, para tanto, cumpra escrupulosamente a apertada disciplina jurídico-processual estabelecida pelos ns. 1, 3, als. a) e b) – ou c) –, e 4, do dito dispositivo 412.º, pela precisa especificação dos pontos-de-facto tidos por incorrectamente julgados, e, bem assim, pela selecção e indicação das concretas passagens das gravações dos meios probatórios declarativo-testemunhais ao caso pertinentes cujo conteúdo reúna, por si próprio, aptidão jurídico-impositiva de decisão diversa da produzida, e cuja força informativa ou ilustrativa da realidade houvesse, supostamente, sido ilegalmente relevada/desconsiderada ou valorada/desvalorizada.


II.B

– Avaliação –


1 – Ora, como se observou no reclamado despacho do relator, cruzando o referenciado acto recursório com tal disciplina legal, logo axiomaticamente se realiza o incontornável ajuizamento do incabimento do referido prazo especial de 30 (trinta) dias, a cujo direito o id.º arguido se arrogou, já que, percorrendo o quadro-conclusivo da respectiva motivação – aliás manifestamente impreciso e marginal ao ordenamento legal do convocado instituto recursório –, não se descortina qualquer pretensão de específico reexame dalgum particularizado e registado (gravado) conteúdo informativo-probatório com virtual/alegada idoneidade modificativa de qualquer seleccionado ponto-de-facto tido por adquirido pelo colégio julgador, em inevitável conformidade com tais regras jurídico-processuais firmadas nos ns. 1, 3, als. a) e b), e 4, do C. P. Penal.

Para além da deficiência técnica como também vêm suscitadas, as apontadas corrupções do julgado com eventual/hipotética repercussão na estabilização do juízo factual meramente atinem a pretensas invalidades probatórias [como os criticados depoimentos de elementos policiais, (vd. 4.ª conclusão)], ou a lobrigada violação do princípio in dubio pro reo, (vd. 9.ª, 10.ª, 11.ª e 12.ª conclusões), que, pela própria natureza, como é juridicamente evidente, e constitui de há muito entendimento jurisprudencial perfeitamente consolidado, sempre se haveriam que revelar no/do próprio texto do atinente documento (acórdão), resultando, designadamente, do que, a propósito, houver sido explicado no segmento dedicado à respectiva fundamentação, particularmente a inultrapassável dúvida razoável no espírito dos competentes julgadores – associada àquele princípio (in dubio pro reo) –, que, pela própria intangível/íntima natureza, de todo se não alcança como se pudesse revelar doutro modo que não da própria justificação do processo de formação da respectiva convicção, [vide, máxime, arts. 374.º, n.º 2, 379.º, ns. 1, al. a), e 2, e 410.º, n.º 2, do CPP, e, exemplificativamente, a nível jurisprudencial, o Ac. do STJ de 14/07/2010 (relatado pelo Ex.mo conselheiro Raul Borges), consultável em http://www.gde.mj.pt/jstj.].

2 – Por conseguinte, apresentando-se como apodicticamente inverificado o pressuposto enunciado no n.º 4 do art.º 411.º do C. P. Penal, e considerando que o sindicado acórdão foi depositado em 21/01/2010, (vd. termo de fls. 768), o termo final do prazo legal, geral, de 20 (vinte) dias, previsto no n.º 1, al. b), do mesmo preceito normativo, que à interposição do recurso do id.º arguido incontornavelmente corresponderia, fixou-se, inequivocamente, em 10 de Fevereiro de 2010, quarta-feira.

3 – Como assim, havendo a respectiva manifestação de vontade sido noticiada em juízo – por correio-electrónico – apenas em 19/02/2010, muito para além, pois, do limite final do referido prazo, ter-se-á, axiomaticamente, que concluir pela respectiva extemporaneidade e, decorrentemente, pela preclusão do inerente direito, como resulta da dimensão normativa decorrente da interpretação dos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, do C. P. Penal; 144.º, ns. 1 e 2, e 145.º, n.º 3, do C. P. Civil; e 122.º, ns. 1 e 3, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/01.

4 – Tanto basta, pois, ao reconhecimento do trânsito-em-julgado do questionado acórdão aquando da manifestação da vontade recursória – independentemente da validade jurídica do respectivo meio –, e à consequente improcedência da reclamação da questionada decisão-sumária.


III – DISPOSITIVO


Destarte, o órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra delibera:

1 – A improcedência da avalianda reclamação e, consequentemente, a declaração da ocorrência do trânsito-em-julgado do questionado acórdão (do Tribunal Colectivo) condenatório do id.º arguido RM... em 10 de Fevereiro de 2010.

2 – A sua condenação ao pagamento da sanção pecuniária equivalente a 3 (três) UC, a título de taxa de justiça, pelo decaimento na reclamação, (cfr. normativos 513.º, n.º 1, do CPP; 82.º e 84.º, do Código das Custas Judiciais, ainda aplicável ao caso sub judice, por força do estatuído no art.º 27.º, n.º 1, do D.L. n.º 34/2008, de 26/02).


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Acórdão elaborado pelo relator, primeiro signatário, (cfr. art.º 94.º, n.º 2, do C. P. Penal).

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Coimbra, 16 de Fevereiro de 2011.

Os Juízes-desembargadores:

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(Abílio Ramalho, relator)

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[1]  E profusamente explicada, quiçá com excesso de zelo, não consentido pelo n.º 2 do art.º 420.º do CPP!
[2] Inclusive, por óbvias razões, da Ex.ma mandatária/defensora, signatária das enunciadas peças – motivacional e reclamativa.
[3] Aliás, por natureza aleatórias, em razão, designadamente, da própria contingência da distribuição processual.
[4] Malgrado a errónea e generalizada convicção cuja manifestação ainda, estranha e perturbantemente, nesse sentido se continua a observar, particularmente em significativas peças processuais de recurso, como na ora sub judice!
[5] Sem prejuízo, naturalmente, do dever de conhecimento oficioso pelo tribunal superior dalgumas invalidades processuais, em observância do Ac. n.º 7/95 – para fixação de jurisprudência –, do Plenário do STJ, de 19/10/1995, publicado no DR, I-A Série, de 28/12/1995.
[6] […]
3 – Se, na deliberação e votação a que se refere a parte final do número anterior, se manifestarem mais de duas opiniões, os votos favoráveis à sanção de maior gravidade somam-se aos favoráveis à sanção de gravidade imediatamente inferior, até se obter maioria. (com realce do ora relator)
[7] Exemplificando:
a) Tomando por hipótese uma deliberação por tribunal de júri – legalmente composto por 7 (sete) elementos: 3 juízes e 4 jurados, (cfr. art.º 1.º, n.º 1, do DL n.º 387-A/87, de 29/12) –, referente a acto comportamental subsumível ao tipo-de-ilícito de homicídio qualificado, [punível com pena de 12 a 25 anos de prisão, (cfr. art.º 132.º, n.º 1, do C. Penal)]:
– Caso, no fim da respectiva discussão, se apresentem sete distintos votos, de 12, 14, 15, 18, 20, 23 e 25 anos de prisão, a pena a cominar ter-se-á que necessariamente traduzir em 18 (dezoito) anos de prisão – sem qualquer outra discussão ou possibilidade de reparo jurídico, e de referente modificação em sede de recurso, [posto, naturalmente, que o texto do respectivo acórdão bastantemente revele – de forma necessariamente sintética e genérica, por óbvias razões, decorrentes do secretismo das individuais tomadas de posição no âmbito do acto deliberativo – uma razoável correlação lógico-jurídica entre o legal/pressuposto sopesamento pelo órgão julgador (pelos diversos elementos que o integram, bem-entendido) dos normativos norteadores da ideal prossecução das legais finalidades penais (de reprovação e prevenção criminal – especial e geral)], por reporte à factualidade tida por adquirida, e a reacção penal aprovada –, por efeito da imperativa aliança legal dos três votos concernentes à sanção de maior gravidade (de 25, 23 e 20 anos) ao (voto) postulante da pena de 18 anos, de modo a que a respectiva adição perfaça quatro votos de tal valor, já em maioria, pois, relativamente aos outros três, atinentes a penas inferiores (de 15, 14 e 12 anos de prisão).
b) Ou uma outra de tribunal colectivo – composto por 3 (três) juízes, (cfr. arts. 105.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13/01, e 136.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2008, de 28/08) –, referente a acto criminal de roubo qualificado, [punível com pena de 3 a 15 anos de prisão, (cfr. art.º 210.º, n.º 2, do C. Penal)]:
– Caso, da respectiva discussão, resultem três distintos votos punitivos, um para uma pena de 5 anos de prisão, suspensa na respectiva execução, e os dois restantes para penas de 7 anos e 9 meses e de 11 anos de prisão, efectiva, a pena a cominar ter-se-á necessariamente que fixar em 7 anos e 9 meses de prisão, inevitavelmente efectiva – sem qualquer outra discussão ou possibilidade de reparo jurídico, e de referente modificação em recurso, (verificado que seja, claro está, do texto do pertinente acórdão, o mesmo condicionalismo de correlata aceitabilidade/razoabilidade lógico-jurídica) –, por efeito da imperativa aliança legal do voto proponente da sanção de maior gravidade (de 11 anos) ao da de 7 anos e 9 meses de prisão, efectiva, de modo a somar dois votos de tal valor, já em maioria, pois, relativamente ao residual, atinente à propugnada reacção penal de 5 anos de prisão, suspensa na respectiva execução.


(Luís Ramos)