Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4757/09.5TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ESCAVAÇÕES
DANO
AUTOR
DONO DA OBRA
PROPRIETÁRIO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
LOCATÁRIO
Data do Acordão: 09/23/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: N.º 2 DO ARTIGO 1348.º DO CC
Sumário: 1. A expressão “autor” usada no n.º 2 do artigo 1348.º do CC, tanto se aplica ao “autor da obra”, se for empreiteiro, como ao “dono da obra”, no sentido de proprietário das obras, ficando ambos vinculados à obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos pela ocorrência de danos, por causa de tais obras e ainda que tenham sido tomadas todas as precauções julgadas/tidas por necessárias.
2. A expressão “proprietário” constante do n.º 2 deste preceito também abrange, por interpretação extensiva, o dono do estabelecimento comercial instalado no prédio afectado pelas escavações no prédio contíguo, porque, não obstante este seja considerado como um possuidor em nome alheio relativamente à coisa locada, goza do direito a exigir do lesante (seja o locador ou um terceiro) uma indemnização pelo prejuízo causado pela perturbação do respectivo gozo, faculdade que lhe é reconhecida pelo disposto nos artigos 1037.º, n.º 2; 1277.º e 1284.º, n.º 1, todos do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            A... Lda. (adiante A.), com sede na (...), em Leiria, veio instaurar a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra Lda (adiante 1ª R.), com sede na (...), em Leiria, C... S.A. com sede em (...)., em Leiria (adiante 2ª R.), e Massa Insolvente da firma B... Lda., representada por Dr. D... com domicílio na (...), Benedita, pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de 17 349,26 euros a título de danos ocorridos no interior do armazém, de 2 955 euros pela privação do uso do barracão destruído de Abril de 2009 a Agosto de 2009, a disponibilizarem um espaço para armazém com 60 m2, livre e devoluto de pessoas e bens, dentro da cidade de Leiria e num raio de 100 m. do estabelecimento da A. comparticipando esta com a quantia de 158, 52 euros e respectivas actualizações anuais na proporção desta quantia, durando a disponibilização de tal imóvel enquanto a A. não comunicar aos RR. que já não necessita do mesmo, e de pagarem 591 euros mensais a título de indemnização por privação de uso do armazém desde a data da citação até efetiva entrega de um novo armazém como peticionado anteriormente, e subsidiariamente, em relação ao pedido de disponibilização do espaço, deverão ser condenados a pagar à A., para além da quantia aí referida a quantia de 53 781 euros a título de indemnização pela privação de uso do armazém por parte da A..

Para tanto alega que a 8 de Setembro de 2003, em consequência de obras de construção que a 1ª R. executava em edifício confinante, contratada pela 2ª R., o armazém da A., de área total 60 m2, ruiu uma vez que a 1ª R. não efetuou trabalhos de escoramento nem outros cuidados exigíveis, o que motivou a extinção do arrendamento de duração ilimitada que esta tinha para com E.... Da derrocada resultaram prejuízos para a A. decorrentes de muitos dos bens e equipamentos do seu interior terem ficado danificados e no montante de €17 349,26, da privação do uso do referido armazém, do facto de não encontrar outro espaço sob arrendamento nas mesmas condições pois pagava €158,52 de renda numa zona central de Leiria. Sendo certo que a 1ª tomou de arrendamento um espaço de 20m2 sob a renda mensal de €750 e deu o seu uso à A., em 19 de Março de 2009, foi obrigada a fazer entrega à senhoria por virtude de despejo, e desde aquela data a A. viu-se privada de um espaço de armazém onde possa depositar os bens objeto do seu comércio, não podendo fazer “stocks” atrasando assim as obras que lhe são adjudicadas.

Citada veio a 1ª R. requerer incidentalmente intervenção acessória provocada de Companhia de Seguros F....S.A., o que foi admitido.

Citada a 2ª R. veio contestar dizendo que a derrocada não teria ocorrido se o solo não estivesse encharcado de água que provinha de uma torneira existente numa das paredes exteriores do armazém que foi deixada aberta, assumindo que celebrou com a 1ª R. um contrato nos termos do qual esta se obrigou a demolir o edifício existente e a construir um novo, e negou qualquer responsabilidade por o colapso do armazém não ter sido provocado pela obra nem em virtude dela, e no mais impugnou os danos, e por fim, alegou abuso de direito por parte da A., uma vez que a 1ª R. transferira para uma seguradora a responsabilidade civil pelos danos resultantes da construção do edifício que a 2ª R. lhe adjudicara.

 

Replicou a A., dizendo desconhecer a existência de contrato de seguro, e no mais manteve o por si alegado.

Com dispensa da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, em que se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade da R. B... Lda., a nulidade sobre o despacho que admitiu a requerida intervenção provocada de prescrição do direito a que se arroga a autora e seleccionou-se a matéria de facto dada como provada e não provada, sobre que incidiu reclamação da autora e da intervenientes, esta julgada improcedente e a primeira, parcialmente procedente, cf. despacho de fl.s 255 a 257.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 505 a 507, sobre a qual não incidiu qualquer reclamação.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 509 a 521, na qual se decidiu o seguinte:

“Por tudo exposto, decide-se:

a) Condenar a R. B... Lda. na entrega do montante de trinta e dois mil e trezentos quarenta e nove euros e vinte e seis cêntimos acrescida de juros de mora desde a presente data quanto ao montante de quinze mil euros, e no mais desde a citação, tudo à taxa legal, até integral pagamento, absolvendo-se as restantes RR. do pedido.

b) Custas repartidas pela A. e 1ª R., aquela em 3/5 e esta em 2/5;”.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora A... e recurso subordinado a ré B... , recursos, esses, admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 563), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

            Recurso da autora:

I. O Meritíssimo Juiz a quo fez uma errada interpretação do direito ao absolver a R C... S.A. do pedido formulado pela A ora recorrente, considerando que inexistia para a mesma qualquer dever de vigiar a obra por forma a prevenir danos ou efeitos nocivos nos imóveis confinantes (único argumento usado para absolvição)

II. Com efeito, a recorrente alegou todos os pressupostos da obrigação de indemnizar (que configuraram a ação), nomeadamente que foram as obras de escavação e desaterro realizadas a mando da R C... S.A. no prédio de que era proprietário confinante àquele onde a A tinha o armazém tomado de arrendamento para armazenagem de materiais e equipamentos afetos à sua atividade, que causaram a destruição deste e os consequentes danos e prejuízos por ela alegados e peticionados.

III. Alegados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar interessava saber e se os mesmos ficaram provados - aplicando o meritíssimo juiz, de seguida, o direito - sendo certo que este não está sujeito ao direito alegado pelas partes sendo, manifestamente o dever de vigilância um conceito de direito.

IV. Os pressupostos invocados e provados com referência á obrigação de indemnizar dos RR C..., SA fizeram incorrer as mesmas na responsabilidade civil configurada no artigo 1348º nº 2 do Código Civil, bem como na previsão do arti. 493º do Código Civil e também na previsão geral da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana contida no artigo 483º nº 1 do mesmo Código.

V. Com efeito, alegados na P.I. os necessários pressupostos da obrigação de indemnizar foram os correspondentes factos sujeitos a julgamento tendo ficado todos eles provados pelo que os RR C..., S. A. e B... , LDA deveriam ser condenadas solidariamente no pagamento da indemnização fixada nos autos a favor da A e não unicamente a R B... , LDA .

VI. Os factos provados permitem concluir pelo incurso da R, C... , S.A.,na responsabilidade civil configurada no artigo 1348º nº 2 do C. Civil, porquanto esta efetuou obras no prédio vizinho/confinante àquele onde a A possuía o seu armazém, sendo certo que, apesar da prática do ante indicado ato não decorrer de uma atuação culposa, verifica-se, no entanto que esse mesmo facto (licito) é adveniente da sua ação voluntária praticada no prédio confinante aquele onde a A possuía o seu armazém.

VII. Foram as obras executadas pela R B... , LDA, a mando do CO R C... , S.A., que causaram os danos no armazém da A estando estabelecido nos autos o nexo causal entre estas obras e os danos geradores da obrigação de indemnizar por parte desta R.

VIII. A A ora recorrente, não sendo proprietária do prédio confinante com os da R C... S. A. é, no entanto, titular dum direito indemnizatório sobre esta mesma R porquanto ficou estabelecido o nexo causal entre os factos e os danos geradores da obrigação da R, C... de indemnizar a A.

IX. Na verdade foram observados e confirmados os danos no armazém de que a A era possuidora - na qualidade de inquilina - destinado a armazenagem de materiais e equipamentos afetos à sua atividade comercial, nomeadamente aqueles necessários à sua atividade de instalação de canalizações e “stocks” para venda ao público no seu estabelecimento comercial.

X. A pretendida condenação da R C... S. A. integra-se na na previsão do n.º 2 do artigo 1348º do Código Civil, porquanto, como vem sendo entendimento jurisprudencial o titular do direito indemnizatório não é, in casu apenas o proprietário do armazém situado nesse prédio vizinho e destruído pelas escavações das RR, mas igualmente (por interpretação extensiva do indicado normativo) quem tem a qualidade de inquilina desse mesmo armazém, in casu a A ora recorrente que o tinha afeto à prossecução da sua actividade profissional.

XI. Decorre o direito à reparação da A do facto de ser proprietária de um conjunto de bens que se encontravam no armazém e que ficaram danificados bem como do facto de ser titular dum contrato de arrendamento que cessou com os inerentes prejuízos para ela A.

XII. Radica assim o direito de indemnização formulado pela A recorrente, fundamentalmente, no disposto no artigo 1348.º do Código por estar provado que a R C... era possuidora de um prédio adjacente com o terreno onde se encontrava instalado o edifício de que a A era possuidora e que, em virtude das obras de escavação e desterro efectuadas naquele seu terreno, esse armazém que a A tinha arrendado para prossecução da sua actividade comercial ruiu por completo impossibilitando, para sempre, a A de ai prosseguir a finalidade de uso para o qual o vinha usando e fruindo e causando-lhe danos irreparáveis em bens e equipamentos que esta ai tinha armazenados.

XIII. Ainda que assim não se entenda, i.e., que não seja integrado o deferimento da pretensão da A, ora recorrente na previsão do artigo 1348º do Código Civil e dai derivando a responsabilidade indemnizatória da R C..., LDA, sempre, ficaram provados todos os requisitos do artigo 483º do Código Civil concretamente a ilicitude/culpa não só pelo perigo que comportava a atividade desenvolvida pelas RR mas também pela omissão do dever do cuidado que o risco inerente à execução dos trabalhos de escavação e desaterro efetuados, impunha e que as RR não tiveram.

XIV. È assim manifesto que se impõem também a condenação da R C..., SA, na entrega á A do montante de trinta e dois mil e trezentos quarenta e nove euros e vinte e seis cêntimos acrescida de juros de mora desde a presente data (data da sentença) quanto ao montante de quinze mil euros, e no mais desde a citação, tudo à taxa legal, até integral pagamento e não a condenação apenas da R CONSTRUÇÕES, LDA.

XV. O respeitado tribunal fez uma errada e desconforme aplicação do direito, violando, entre outros os artigos 1348º 493º e 483º nº 1 todos do Código Civil. Termos em que e no que mais que por V. Exas. será doutamente suprido, se pede se revogue a douta decisão, no sentido da condenação da R C... S.A. na entrega á recorrente de trinta e dois mil e trezentos quarenta e nove euros e vinte e seis cêntimos acrescida de juros de mora desde a data da douta sentença em 1ª instância quanto ao montante de quinze mil euros, e no mais desde a citação, tudo à taxa legal, até integral pagamento, pois só assim se fará.

JUSTIÇA.

Recurso da ré B...

1 – A decisão que condena a apelante a pagar à A... , Ldª a quantia de € 17.349,26, a título de dano emergente, contraria os factos considerados provados;

2 – Na verdade, segundo a decisão da matéria de facto relativamente aos factos 3º e 5º da base instrutória, o valor dos bens existentes no imóvel que ruiu e daqueles que foi possível recuperar, variava entre um mínimo e um valor máximo que foi determinado;

3 – Existindo essa variação, o tribunal recorrido não podia ter condenado a apelante a pagar uma indemnização calculada segundo os valores mais elevados que foram apurados e idêntica à que a apelada pediu que lhe fosse paga;

4 – Perante a indeterminação do valor do prejuízo, a sentença devia ter condenado a apelante no pagamento de indemnização que viesse a ser liquidada, tal como prevê o art.º 609º do Cód. Proc. Civil, ou a pagar-lhe uma indemnização correspondente à variação mínima dos valores que considerou provados, ou, finalmente, fazendo uso do previsto no art.º 566º/3, do Código Civil, fixava equitativamente um valor dentro dos limites que tivesse apurado;

5 – Ao optar pela condenação pelos valores máximos dos intervalos que considerou provados, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 615º/1/c) e 609º do Cód. Proc. Civil e 566º/3 do Cód. Civil.

6 – A sentença proferida fixou também € 15.000,00, o valor do dano da privação do uso do locado;

7 – O prejuízo em questão foi considerado pela apelada com base na expectativa que tinha na manutenção do arrendamento;

8 – Sucede, porém, que o arrendamento em questão, porque celebrado separadamente do local onde a A... , Ldª exercia e exerce a sua actividade, não estava sujeito ao regime da renovação automática, independentemente da vontade da senhoria em o fazer cessar.

9 – Sendo precária a sua posição de inquilina e incerta a duração efectivado arrendamento, a apelada não podia contar com a sua perpetuidade.

10 – Além da cessação do contrato de arrendamento, por caducidade, operado pela sua proprietária, a apelada não sofreu outro dano pela perda do locado;

11 - Deste modo, considerando que a apelante proporcionou à apelada, de 8 de Setembro de 2003 a 19 de Março de 2009, um espaço para substituição do armazém que ruiu, deve

considerar-se ser essa vantagem compensadora da cessação do contrato de arrendamento, não sendo fixado nenhuma indemnização suplementar ou, no limite, ser reduzido o valor arbitrado por ser manifestamente excessivo, atento o que se expôs.

12 – Nesta parte a sentença violou o disposto no art.º 483º do Cód. Civil.

Termos em que – e com o douto suprimento de V. Excias - deve ser dado provimento ao recurso, reduzindo-se o valor da indemnização pelo dano emergente ou relegando-se a sua fixação para posterior liquidação, e revogando-se a sentença proferida na parte em que condena a recorrente no pagamento de uma indemnização pela perda do uso do locado, com o que se fará a costumada

JUSTIÇA!

            Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.    

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            Recurso da autora

A. Se a 2.º ré, C... , SA, também deve ser condenada a pagar à autora a indemnização fixada na sentença recorrida, com base no disposto no n.º 2 do artigo 1348.º, do Código Civil;

Recurso da ré B...

B. Montante da indemnização a atribuir à autora a título de danos emergentes e privação do uso do locado.

           

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

a) A A. é uma sociedade comercial que exerce a sua atividade na área da instalação e reparação de canalizações, compra e venda de materiais e equipamentos afectos a esta actividade, tendo sido constituída a 26 de setembro de 1975; a 1ª R. B... exerce a atividade de construção civil; a 2ª R. C... S.A. exerce a sua atividade na área de construção, ampliação, transformação e restauro de edifícios. (als. a) a c) dos factos assentes)

b) A R. B... foi declarada insolvente, tendo o respetivo processo sido encerrado por insuficiência da massa insolvente por decisão transitada em julgado a 2 de março de 2010. (al. d) dos factos assentes)

c) A R. B... acordou com a companhia de seguros “ F...” “contrato de seguro” com o n.º 9301/87183/93 e que garantia a responsabilidade civil de construção civil até ao montante de €250 000. (al. e) dos factos assentes)

d) Em 8 de setembro de 2003 a R. B... comunicou à F... a existência de um “sinistro” na Rua Y... em Leiria. (al. f) dos factos assentes)

e) A A. não apresentou junto da F... qualquer reclamação ou exigiu qualquer pagamento. (al. g) dos factos assentes)

f) Para armazenagem de materiais e equipamentos afetos à sua atividade comercial, nomeadamente aqueles necessários à sua atividade de instalação de canalizações e “stocks” para venda ao público no seu estabelecimento comercial, a A. dispunha de um armazém sito na Av. X..., em Leiria, composto de rés-do-chão e 1º andar, o qual ruiu por completo a 8 de setembro de 2003. (al. h) e al. m) dos factos assentes)

g) Tal armazém havia sido cedido por acordo a que as partes designaram “contrato de arrendamento” celebrado pela A. em 23 de outubro de 1986 com G.... (al. i) dos factos assentes)

h) G..., por carta datada de 14 de outubro de 2003, informou a A. da extinção do acordo entre ambas celebrado, decorrente da destruição do armazém com efeitos a partir da data de 8 de setembro de 2003. (al. j) dos factos assentes)

i) A A. em agosto de 2003 pagava mensalmente pela cedência do armazém a quantia de €158,52. (al. l) dos factos assentes)

j) A 8 de setembro de 2003, a 1ª R. B... efetuava a pedido da 2ª R. C... S. A. a demolição de um edifício propriedade da 2ª, situado entre a R. Y... e Av. X... em Leiria e após proceder-se-ia à construção de um novo edifício para a 2ª R.. (al. n) e al. o) dos factos assentes)

k) O armazém usado pela A. situava-se num plano superior àquele onde a 1ª R. executa as obras de demolição escavações e desaterro, tendentes à construção do novo edifício da 2ª R.. (al. p) dos factos assentes)

l) Após o referido em m), a 1ª R. acordou com G... a cedência de u espaço com cerca de 20 m2 no rés-do-chão do prédio sito na R. Y..., em Leiria, pelo valor mensal de €750, tendo a A. passado a ocupar tal espaço, e no dia 19 de março de 2009 e na sequência de uma execução para entrega de coisa certa, foi efetuado termo de entrega a G... daquele imóvel (al. q) e al. r) dos factos assentes)

m) O armazém aludido em f) tinha a área de cerca de 30 m2 em cada piso. (1º)

n) A ruína do armazém ocorreu em virtude de a 1ª R. não ter efetuado os necessários trabalhos de escoramento. (2º)

o) À data da derrocada do armazém a A. tinha armazenado bens com o valor que se situa num mínimo de €22 695,08 a €23 826,40. (3º)

p) Tendo sido recuperados bens que tinham o valor que se situa entre 6 477,14 euros e de 5% menos desse valor. (4º e 5º)

q) O valor mensal que a A. vinha liquidando sobre o armazém em causa, era à data da derrocada substancialmente abaixo o valor de mercado para armazéns semelhantes àquele e situados na mesma zona onde este se encontrava localizado. (6º)

r) Desde 19 de março de 2009 que a A. se vê privada de um espaço de armazém onde possa depositar os bens objeto do seu comércio, tendo absoluta necessidade de ter um armazém com características semelhantes ao destruído para prossecução do seu objeto social, e desde aquela data tem os seus bens em duas garagens emprestadas para esse efeito noutro local e em diferente zona, tendo deixado de fazer “stocks”, e sempre que precisa de fazer instalações de canalização por vezes tem de comprar na hora aos fornecedores, ficando sujeita à disponibilidade de entrega desses bens, acontecendo por vezes terem de enviar um estafeta à concorrência para adquirir tais produtos ao mesmo preço que o vendem ao cliente com o único objetivo de não o perderem. (7º a 11º e 15º)

s) Na manhã de segunda-feira, 8 de setembro, ao iniciarem o trabalho, o pessoal ao serviço das B... constatou a existência de águas no solo (23º)

t) Tais águas surgiam da zona do talude confinante com o imóvel onde se situava o armazém usado pela A., tendo sido verificado que essa água provinha de uma torneira, que estava aberta, existente numa das paredes exteriores ao armazém, e que se infiltrava no solo. (24º a 26º)

u) O solo que se situava abaixo da Av. X... era todo ele constituído por pedra e sempre que teve de ser intervencionado, ter sido necessário usar martelo pneumático com apoio de uma máquina giratória. (34º)

v) Não houve qualquer escoramento que efetuasse a contenção das terras que se situavam abaixo deste edifício na sua parte traseira, que eram terras soltas, apenas compactadas pelo peso do armazém e da própria terra. (35º)

w) A R. B... , ao efetuar o desaterro e afundar o solo junto à zona de confrontação com o armazém da A. provocaram um esboroar dessas terras, abrindo um buraco por debaxo do armazém em causa, desprendendo as terras e tirando toda a sustentatibilidade ao armazém. (36º)

x) Apesar da queda dessa “burra de terras”, indicada B... Lda. não efetuou qualquer proteção ao armazém, não efetuando qualquer escoramento, contenção ou outra operação da mesma natureza, o que se impunha fosse executado de imediato. (37º)

           

Recurso da autora

A. Se a 2.ª ré, C... , SA, também deve ser condenada a pagar à autora a indemnização fixada na sentença recorrida, com base no disposto no n.º 2 do artigo 1348.º do Código Civil.

Na sentença recorrida considerou-se que sobre a ré B... , L.da impendia a obrigação de indemnizar a autora pelos danos ali quantificados, em virtude de se ter dado como provado que esta procedeu a obras de escavação num prédio contíguo aquele em que se localizava o armazém da autora, sem ter efectuado os necessários escoramentos com vista à contenção das terras que se situavam abaixo daquele em que se localizava o dito armazém, em consequência do que se “esboroaram” as terras na zona de confrontação dos dois mencionados terrenos, desprendendo-se as terras, ficando o armazém sem sustentabilidade, sem que a ré B... tivesse adoptado quaisquer condutas com vista a evitá-lo, o que, tudo, ocasionou o desmoronamento/desabamento do referido armazém.

E a condenação de tal ré assentou no facto de esta levar a cabo uma actividade perigosa, o que implicava, por parte desta, a demonstração de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os ocorridos danos, em conformidade com o disposto no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, o que não se verificou, tendo-se, ao invés, concluído que esta agiu culposamente no processo que originou os danos reclamados pela autora, em consequência do que veio esta ré a ser condenada a indemnizar a autora pelos danos por esta sofridos, em consequência da conduta de tal ré.

Nesta parte, a sentença recorrida não foi objecto de recurso, pelo que assente está a obrigação por parte da ré B... em indemnizar a autora.

Insurgindo-se esta quanto à sentença recorrida, na parte em que é absolvida de tal pedido a 2.ª ré C... , SA, sendo seu entendimento que esta deve, igualmente, ser condenada em tal pedido, na qualidade de dona da obra, sendo irrelevante o facto de a ter dado de empreitada à 1.ª ré, com base no disposto no n.º 2 do artigo 1348.º do Código Civil, por ser ali de incluir, também, por interpretação extensiva, o dono de estabelecimento comercial instalado em prédio contíguo aquele em que se levaram a cabo escavações causadoras da sua ruína.

Na sentença recorrida, foi a 2.ª ré C... , SA absolvida de tal pedido com a seguinte fundamentação:

“Evidente e clara é a improcedência relativa à 2ª R ( C... - S.A.) porquanto inexiste qualquer dever de “vigiar a obra por forma a prevenir danos ou efeitos nocivos nos imóveis confinantes” (artigo 55 da p.i.). Não há, em face de terceiros, um dever de vigilância fundado no contrato de empreitada que ambas RR. celebraram, atenta a relatividade que emerge das relações jurídicas obrigacionais.”.

Ora, cf. artigo 1348.º, do Código Civil:

“O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terras” (n.º 1);

“Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias” (n.º 2).

Qualquer das faculdades referidas no n.º 1 do preceito ora citado mais não é do que o corolário do conteúdo de gozo pleno e exclusivo do direito de propriedade, consagrado no artigo 1305.º do Código Civil, mas conformado pelos limites da própria lei e com observância das restrições por esta impostas, como resulta da sua parte final.

As restrições previstas no artigo 1348.º acima transcrito constituem “restrições de índole preventiva destinadas a afastar o perigo de prejuízos para os prédios vizinhos”, como o refere M. Henrique Mesquita, in Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, edição policopiada, Coimbra, 1967, a pág.s 145 e 146.

Com as mesmas visa-se evitar que em virtude, designadamente, de escavações, se prive um prédio vizinho do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terras e, imputando ao autor das mesmas, ainda que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias, a obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos, pelos danos de que venham a padecer com as obras feitas.

Daí que, cf. P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista E Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a pág.s 182 e 183, se considere que “os prejuízos para o prédio vizinho tanto podem resultar do desmoronamento dum muro ou duma parede, construída na linha divisória, como da deslocação de terras.”

E “Mesmo que tenham sido tomadas as precauções consideradas necessárias para evitar os danos, o autor da obra é responsável pelo prejuízo que vier a causar. Também neste caso se não exige culpa do responsável. É mais uma das numerosas hipóteses típicas de acto lícito que obriga o agente a reparar os danos causados.”.

Como, igualmente, se refere no Acórdão do STJ, de 13/04/2010, Processo 109/2002.C1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj, no artigo 1348.º CC, consagra-se “um caso de responsabilidade delitual ou extracontratual, pela prática de actos lícitos, como sejam a faculdade de o proprietário abrir no seu prédio poços, ou minas ou fazer escavações, estando obrigado a adoptar as medidas eficazes para evitar danos nos prédios vizinhos, sob pena de os indemnizar, até mesmo quando, tendo adoptado medidas idóneas à prevenção de danos, eles tenham ocorrido.

Trata-se, portanto, de um dos preceitos em que, excepcionalmente, se responsabiliza o autor de um facto lícito prescindindo da culpa.”.

No mesmo sentido, se pronunciou o mesmo Tribunal, em Acórdão de 18/03/2004, Processo 04B658, disponível no mesmo sítio do anterior e de 28 de Maio de 1996, in CJ, STJ, 1996, Tomo II, pág.s 91 a 93.

E como neste Aresto por último referido se menciona, a expressão “autor” usada no n.º 2 do artigo 1348.º do CC, tanto se aplica ao “autor da obra”, se for empreiteiro, como ao “dono da obra”, no sentido de proprietário das obras, ficando ambos vinculados à obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos pela ocorrência de danos, por causa de tais obras e ainda que tenham sido tomadas todas as precauções julgadas/tidas por necessárias.

Ali se acrescentando que a obrigação decorrente do dono da obra em vigiar a actividade levada a cabo pelo empreiteiro, decorrente do disposto no artigo 1209.º do CC, constitui tão só uma faculdade do dono da obra, visando apenas as relações contratuais existentes entre este e o empreiteiro e tendo como principal escopo a ocultação de vícios de difícil verificação no momento da entrega da obra, mas que nada tem que ver com as relações com terceiros ocasionadas por causa de tais obras.

Nele se concluindo que defender o contrário equivaleria a uma “exoneração unilateral da responsabilidade do dono da obra face a terceiros vizinhos, pela simples via da celebração de um contrato de empreitada com quem quer que fosse, sem a menor atenção às qualidades e meios do empreiteiro (porventura incompetente e desconhecedor das regras da arte, quiçá negligente, quem sabe se insolvente), caso em que os vizinhos lesados poderiam ser colocados em situações altamente embaraçosas”.

Entendimento, este, que tem vindo a ser uniformemente acolhido pela jurisprudência do STJ, como se pode ver, a título de exemplo, no seu Acórdão de 10/07/2012, Processo 1916/10.1TBBRG.G1.S1, disponível no respectivo sítio da dgsi e no qual se referem inúmeros outros Arestos no mesmo sentido.

Efectivamente, o nosso STJ tem vindo a decidir, uniforme e reiteradamente que a expressão “autor das obras” usada no preceito em referência, abarca o respectivo proprietário, independentemente do modo como as obras são feitas: através de terceiro mediante a outorga de contrato de empreitada ou por administração directa.

Para tal argumenta-se que as obras causadoras do dano aos proprietários dos prédios vizinhos são feitas no interesse exclusivo do respectivo proprietário, por isso, independentemente de serem levadas a cabo por sua iniciativa ou através de um terceiro, ainda que mediante contrato de empreitada, mantém-se a responsabilidade objectiva do proprietário do prédio onde são realizadas tais obras, nos moldes previstos no n.º 2 do artigo 1348.º do Código Civil.

Pelo que, sob este prisma, não pode prevalecer a decisão recorrida, sendo, assim, de responsabilizar, igualmente, a 2.ª ré C... , SA, pelos danos sofridos pela autora, em consequência das obras levadas a cabo sob ordem daquela ré.

Mas será que o facto de a autora não ser proprietária do prédio confinante àquele onde foram efectuadas as escavações, mas apenas locatária do armazém destruído, afasta a responsabilidade prevista no artigo 1348.º do Código Civil?

Cremos que não!

Efectivamente, como defendido no Acórdão do STJ, de 18/03/2004, Processo n.º 04B658 e em Acórdão desta Relação, de 19/10/2010, Processo n.º 1198/07.2TBFIG.C1, ambos disponíveis no respectivo sítio da dgsi, a expressão “proprietário” constante do n.º 2 deste preceito também abrange, por interpretação extensiva (permitida pelo disposto no artigo 11.º do CC), o dono do estabelecimento comercial instalado no prédio afectado pelas escavações no prédio contíguo, porque, não obstante este seja considerado como um possuidor em nome alheio relativamente à coisa locada, goza do direito a exigir do lesante (seja o locador ou um terceiro) uma indemnização pelo prejuízo causado pela perturbação do respectivo gozo, faculdade que lhe é reconhecida pelo disposto nos artigos 1037.º, n.º 2; 1277.º e 1284.º, n.º 1, todos do Código Civil.

Assim e acolhendo as fundamentações ali expendidas, consideramos que na previsão do artigo 1348.º, n.º 2, do CC, também cabe a indemnização devida ao titular de direito ao arrendamento de estabelecimento comercial.

Retornando à factualidade dada como apurada nos autos, designadamente a relatada nas alíneas o) e v) a x), dos respectivos factos tidos como provados, conclui-se que a derrocada do armazém da autora se ficou a dever à inexistência de trabalhos de escoramento, com vista à contenção das terras que se situavam abaixo do edifício onde se localizava o armazém, o que provocou o surgimento de um buraco por baixo do dito armazém, em face do “esboroar” das terras que aí se encontravam, tirando sustentabilidade ao armazém, acabando este por ruir.

Face a tal factualidade, tal como referido na sentença recorrida, é forçoso concluir que não foram tomadas, quer por parte da empreiteira, quer da dona da obra, quaisquer precauções com vista a evitar a eminente ruína do armazém sobre o qual a autora era titular do direito ao arrendamento.

Efectivamente, ao invés, resultou provado que foi a inexistência de escoramento que provocou a queda das terras que sustentavam o referido armazém e apesar dessa queda de terras ser evidente (cf. alínea w), nada foi feito no sentido de evitar ou minorar o eminente desabamento das terras do terreno onde se localizava o armazém e por consequência da ruína/desmoronamento de tal armazém.

Consequentemente, resultam demonstrados os pressupostos contidos no n.º 2 do artigo 1348.º CC para que ambas as rés (e, por isso, também, a 2.ª ré C... , L.da) sejam obrigadas a indemnizar a autora pelos danos para esta advindos em consequência do desabamento do armazém de que era locatária.

Pelo que, quanto a esta questão, procede o recurso interposto, não podendo, em consequência, subsistir a decisão recorrida, na parte em que absolveu do pedido a ré C... , L.da.

Recurso da ré B... , L.da

B. Montante da indemnização a atribuir à autora a título de danos emergentes e privação do uso do locado.

No que a este recurso concerne, a recorrente B... , L.da, defende que a indemnização devida a título de danos emergentes (bens existentes no armazém e que ficaram destruídos ou deteriorados por causa da derrocada daquele), não pode ser fixada na quantia que foi estipulada na sentença recorrida, em virtude da matéria constante das alíneas o) e p) dos respectivos factos provados, por se basear nos valores máximos ali referidos, antes se impondo, na sua óptica, o recurso à liquidação, nos termos do disposto no artigo 609.º, do nCPC; a sua condenação com base nos valores mínimos considerados provados ou, por último, com base na equidade.

Relativamente à indemnização pela privação do uso do locado, defende que a mesma não é devida, por não ser expectável que o respectivo arrendamento se mantivesse indefinidamente; que a cessação por caducidade se ficou a dever a acto da senhoria e não se demonstrou a existência de outros danos, para além da perda do locado, como perda da clientela, para além de que, durante certo período, lhe facultou outro espaço para armazém.

Na sentença em apreciação, no que concerne aos prejuízos decorrentes da destruição/deterioração dos bens que se encontravam no armazém, fixou-se uma indemnização no montante de 17.349,26 € e a de 15.000,00 € pela perda do locado, subdividida esta pela quantia de 9.000,00 €, por referência ao quantitativo da renda que era paga pela autora e 6.000,00 €, correspondente aos incómodos, perdas de eficiência da comercialização e danos reflexos na existência da própria sociedade, aqui autora.

No que se refere ao quantum da indemnização relativa à destruição ou deterioração dos bens que se encontravam no armazém locado, cf. alíneas o) e p) dos factos provados, deu-se por assente que no armazém locado se encontravam armazenados bens com um valor que se situa num mínimo de 22.695,08€ a 23.826,40€, tendo sido recuperados bens cujo valor se situa entre 6.477,14 € e de menos 5% desse valor.

Como se depreende de fl.s 518 Parágrafo 12, fixou-se a este título o montante de 17.349,26 €, ou seja, consideraram-se os valores máximos constantes das referidas alíneas o) e p).

Nada nos autos nos permite concluir que tais valores são os correctos, pois que, de igual forma, o poderão ser os mínimos, caso em que o montante indemnizatório será diferente.

Como última ratio, preceitua o artigo 566.º, n.º 3, do CC, que em caso de não poder ser averiguado o valor exacto dos danos, deverá o julgador recorrer a critérios de equidade, dentro dos limites que tiver por provados.

O recurso à equidade, nesta fase, evita maiores delongas processuais (sendo de ter em atenção que os presentes autos já pendem em juízo desde o ano de 2009) e, por outro lado, em face da factualidade tida por provada, os limites a ter em consideração no caso em apreço são bastante próximos (a diferença entre o mínimo e o seu máximo cifra-se em cerca de 1.100,00 €), pelo que a fixação da pretendida indemnização, nos termos definidos no preceito em referência, possibilita que a mesma não seja arbitrária, atento os limites apurados, os quais, por isso, nos permitem aferir, com grande dose de certeza, um critério definidor de tal quantitativo, qual seja o de, salomonicamente, “partir a meio” tal diferença.

Precisando, atenta a já assinalada curta diferença entre os limites, mínimo e máximo, dados por provados, relativamente ao valor dos bens destruídos e o valor dos que foram recuperados e atendendo a critérios de equidade, nos termos expostos, fixa-se, a este título, a quantia de 16.750,00 €.

No que se refere à indemnização pela perda do uso do locado, o Tribunal recorrido recorreu à equidade para fixar o respectivo montante.

Pensamos que o fez bem.

Não se pode olvidar que cf. resulta da alínea q) dos factos provados, a renda que a autora pagava se situava substancialmente abaixo do valor de mercado, tendo por referência o objecto locado e a zona onde se situava.

Em consequência da privação do locado, a autora passou a ter os constrangimentos à sua actividade comercial melhor descritos em r), sendo que a ré só lhe disponibilizou um local para armazém entre a data do sinistro e 19 de Março de 2009 (cf. alínea l).

Esta indemnização assenta na privação do locado e tem de ter-se por referência a concreta situação real em que se encontrava a autora antes da lesão e aquela em que se encontra actualmente, como se não existissem danos – cf. artigo 566.º, n.º 2, do CC.

Assim, carecem de relevância as considerações tecidas pela ora recorrente quanto à validade ou expectativa da manutenção do arrendamento, não podendo aqui entrar-se em linha de conta com situações hipotéticas nem suposições.

O que releva e tem de ser atendido é que, à data da lesão, a autora era titular de um contrato de arrendamento que tinha por objecto aquele armazém e deve ser quantificada segundo a teoria da diferença plasmada no preceito ora por último citado.

O que equivale a dizer que a autora dispunha daquele locado, mediante o pagamento daquela renda, pelo que nos parece adequado e equitativo que seja compensada pelos prejuízos decorrentes da perda do locado, por referência ao quantitativo correspondente à renda que pagava, sob pena de se cair na pura arbitrariedade (assim o seria, sem dúvidas, se fosse a locadora a pretender ser indemnizada – ver para esta hipótese o Acórdão do STJ, de 06/12/2012, Processo 3529/04.0TBMTS.P1.S1).

Assim, é de manter a indemnização fixada, neste segmento.

E o mesmo se diga relativamente à quantia de 6.000,00 € referente aos incómodos e perdas de eficiência na actividade comercial, por banda da autora, descritas na al. r).

Em face da factualidade apurada nos autos e recorrendo, mais uma vez à equidade, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, reputa-se, como justa, adequada e equitativa, a indemnização a este título fixada.

            Pelo que, se mantém, na íntegra, a indemnização atribuída à autora, a título de privação do uso do locado.

            Consequentemente, no que a esta questão respeita, procede, parcialmente, o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que fixou a indemnização a título de danos emergentes, que se fixa na quantia de 16.750,00 €, mantendo-a quanto à indemnização fixada a título da privação do uso do locado.

            Nestes termos se decide:      

a) – Julgar procedente o recurso de apelação interposto pela autora A... , L.da, em função do que se revoga a decisão recorrida, na parte em que absolveu a 2.ª ré, C... , L.da, do pedido, substituindo-se a mesma por outra que condena a ré C... , L.da, a pagar à autora a indemnização ora fixada e;

b) – Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré B... , L.da, condenando-se, em conformidade, as rés B... , L.da e C... , L.da, a pagarem à autora a quantia de 16.750,00 € (dezasseis mil setecentos e cinquenta euros), relativa à indemnização por danos emergentes e a quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros), respeitante à indemnização pela perda do uso do locado.

Custas por apelante e apeladas, na proporção do vencimento, em ambas as instâncias.

            Coimbra, 23 de Setembro de 2014.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves