Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6863/11.7TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO IMPUGNANTE
INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 640º, Nº 2, AL. A) DO NCPC; 120º E 121º DO CIRE.
Sumário: I – A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, da indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso – art.º 640º, nº 2, a), do Novo C. Processo Civil.

II - A transcrição das passagens dos depoimentos que o recorrente considere relevantes para a modificação pretendida, resultando da lei como uma faculdade que lhe é concedida, não configura uma alternativa à obrigatoriedade de indicação exacta das passagens da gravação.

III - O art.º 120º do CIRE prevê, em termos gerais, a possibilidade de serem resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados pela insolvente dentro de um determinado período que antecede o início do processo de insolvência.

IV - O art.º 121º do CIRE, sob o título resolução incondicional, tipifica determinados actos praticados pela insolvente que podem ser resolvidos em benefício da massa.

V - Tendo em consideração que o início do processo de insolvência ocorreu em 22 de Dezembro de 2011, verifica-se que, relativamente ao contrato de dação em pagamento do prédio hipotecado para pagamento da dívida garantida pela hipoteca, celebrado em 23 de Novembro de 2011, entre a Insolvente e J..., o mesmo preenche a previsão da alínea f) do nº 1 do art.º 121º do CIRE, dado que a dação em pagamento é um meio de extinção de obrigações - art.º 837º do C. Civil -, verificou-se nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência e extinguiu uma obrigação que se vencia após essa data.

VI – Tendo uma constituição da hipoteca sido outorgada no período estipulado no nº 1 do art.º 120º do CIRE, presume-se inilidivelmente prejudicial à massa nos termos das disposições conjugadas do nº 3 do art.º 120º, e alínea e) do nº 1 do art.º 121º do CIRE, dado que estamos perante a constituição de uma garantia real.

VII - Mas para que possa ocorrer a resolução deste negócio jurídico é ainda necessário demonstrar a má-fé do beneficiário da hipoteca, conforme exige o nº 4 do art.º 120º do CIRE, não se verificando neste caso a presunção da má-fé estabelecida neste mesmo artigo, dado que o beneficiário da hipoteca, apesar de ser amigo dos sócios-gerentes da Insolvente, não pode ser considerado “pessoa especialmente relacionada com o insolvente”, dado não se enquadrar em nenhuma das situações tipificadas no art.º 49º, nº 2, do CIRE.

Decisão Texto Integral:


Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A Autora Massa Insolvente de X..., Lda, repre­sentada pelo Administrador de Insolvência, veio, por apenso ao processo de insolvên­cia, nos termos do disposto no art.º 120º do CIRE intentar acção de resolução em benefício da massa insolvente contra J... e M..., pedindo que se declare resolvido em benefício da massa insolvente o negócio que identifica na petição inicial.

Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese:

- No dia 06 de Abril de 2011 os legais representantes da Insolvente confes­saram-se devedores aos Réus da quantia de € 40.000,00, decorrente de dívida da sociedade por eles representada e em garantia dessa dívida constituíram hipoteca sobre o prédio urbano identificado no artigo 21º da petição inicial.

- Em 21.11.2011, a Insolvente deu a J... o referido prédio para pagamento da dívida de € 40.000,00.

- O título de dação em cumprimento representa a antecipação, em cerca de 5 meses da data da liquidação da dívida em causa, uma vez que a Insolvente só se encontrava obrigada a proceder ao pagamento em Abril de 2012.

- Ora, apenas um mês antes de se apresentar à insolvência e num momento em que era já evidente a inevitabilidade de tal apresentação, a Insolvente resolveu beneficiar, em exclusivo, um dos que se apresentariam como seus credores, encontrando-se assim preenchida a alínea f) do artigo 221º do CIRE.

- Paralelamente, o prédio em causa encontra-se administrativamente avaliado em € 42.007,93, podendo assim alcançar um valor de mercado próximo dos 100.000,00€, sendo também notória a disparidade entre o montante dos créditos reclamados e o valor do património apurado.

- A quantia de € 40.000,00 nunca foi entregue à Insolvente bem sabendo os Réus que aquela já se debatia com dificuldades do ponto de vista económico-financeiro.

- O primeiro Réu era amigo de longa data dos sócios gerentes da Insolvente pelo que pelo menos desde 2009 que conhecia a situação de debilidade económica com que se deparava a insolvente.

- À data do negócio o primeiro Réu agiu de má-fé.

Regularmente citados, os então Réus contestaram, alegando em síntese:

 - O prazo de pagamento da quantia constante do título de hipoteca era “até um ano” a contar dessa data e não de um ano, pelo que não houve qualquer antecipação de pagamento.

- O título de hipoteca foi emitido porque os Réus entregaram à Insolvente a quantia de € 30.000,00 (através de cheque) e € 10.000,00 (por transferência bancária).

- Porque a Insolvente se encontrava em dificuldades financeiras, os seus sócios gerentes recorreram a empréstimos, numa tentativa de acautelar o futuro e a sustentabilidade da empresa.

- Os Réus concederam o empréstimo na tentativa de apoiar a tesouraria do mutuário sendo que o valor mutuado corresponde ao valor patrimonial do bem.

Concluem pela improcedência da acção.

No despacho saneador a Autora foi julgada parte ilegítima relativamente aos pedidos subsidiários formulados.

Já após o início do julgamento chegou aos autos o conhecimento do óbito do Réu J..., vindo a ser proferida sentença, no incidente deduzido para o efeito, em 12.1.2015, que julgou habilitados herdeiros daquele M..., J... e M...

Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos:

 Em face do exposto, julgo a presente acção integralmente procedente e, em consequência, declaro resolvi­dos em benefício da massa os negócios identificados nos pontos E) e F) e, consequentemente, deverão os réus entregar à autora o imóvel identificado em E) e esta última entregar-lhes a quantia de 40.000,00€ (quarenta mil euros).

Determino ainda o cancelamento dos registos que incidam sobre o imóvel em causa e consequentes dos re­feridos negócios.

Inconformados com a decisão interpuseram recurso a Autora e os 2º e 3º Réus, formulando as seguintes conclusões, respectivamente:

Recurso da Autora

...

Recurso dos Réus:

...

A Autora apresentou resposta, defendendo a extemporaneidade do recurso; de que ao mesmo, caso seja admitido, só pode ser fixado efeito meramente devolu­tivo; o incumprimento do ónus imposto pelo art.º 640º do C. P. Civil, pugnando a final pela confirmação da decisão recorrida.

Foi proferido despacho que não admitiu o recurso interposto pelos Réus, tendo o mesmo sido admitido na sequência da decisão de reclamação proferida neste tribunal, decisão essa que também lhe fixou o efeito meramente devolutivo, restando assim prejudicadas as questões referentes a esta matéria colocadas pela Autora na sua resposta àquele recurso.

1. Do objecto do recurso

1.1. Da impugnação da matéria de facto

A Autora na sua resposta também defende a rejeição do recurso dos Réus na parte respeitante à decisão da matéria de facto, alegando que os recorrentes não deram cumprimento ao ónus constante do art.º 640º do C. P. Civil, pois não indicam com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, indicando somente o início e o termo do depoimento que convocam para o efeito, exigência que não é excluída pela transcrição de excertos do depoimento.

Vejamos:

Os Réus recorrentes pretendem que após reapreciação do depoimento prestado pela testemunha F... sejam julgados não provados os factos que foram julgados provados sob as alíneas I) e J), procedendo a excertos desse depoimento que não localizam no depoimento em causa, limitando-se a indicar a hora do início e fim da totalidade do mesmo.

Dispõe o art.º 640º do Novo C. P. Civil:

1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente  julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o se­guinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 — O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.

Da leitura das alegações do recurso interposto resulta manifesta a discor­dância dos Réus quanto a pontos concretos da matéria de facto julgada provada, pontos esses que identificam, dando, desse modo, satisfação à exigência contida no nº 1, a) do artigo acima transcrito.

No que respeita à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – al. b) do nº 1 – os Recor­rentes no corpo da suas alegações invocam o depoimentos da testemunha F..., transcrevendo excertos do depoimento, mencio­nando somente a duração total da totalidade do mesmo, ou seja, limitando-se a assinalar o seu início e fim, sem menção da localização dos trechos que em seu entender apresentam relevância para o efeito pretendido

Os Recorrentes ao invocarem, do modo como o fazem, o depoimento que, na sua perspectiva, têm virtualidade para modificar a decisão da matéria de facto, não deram satisfação à exigência contida naquela alínea b).

Limitaram-se a indicar as horas de início e fim do depoimento da testemunha que identifica, sem menção da localização na gravação dos trechos que em seu entender apresentam relevância para o efeito pretendido.

A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, da indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso – art.º 640º, n.º 2, a), do Novo C. Processo Civil.

A transcrição das passagens dos depoimentos que o recorrente considere relevantes para a modificação pretendida, resultando da lei como uma faculdade que lhe é concedida, não configura uma alternativa à obrigatoriedade de indicação exacta das passagens da gravação.

Deste modo, não basta ao recorrente atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas, para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especifica­ção impostos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 640º do Novo C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova, de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto, que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.

No caso em apreço as Recorrentes limitaram-se, no que concerne aos fac­tos acima identificados, a requerer a análise de um depoimento, cujo autor identifi­cam, sem cumprirem o ónus de especi­ficação imposto pelo nº 2, a) do art.º 640º do Novo C. P. Civil, ou seja, não indicando as passa­gens exactas da gravação em que fundam a sua impugnação, sendo certo que tendo a mesma sido efectuada digitalmente, no sistema H@bilus Media Studio, conforme da acta consta, tal era possível.

Assim, considerando que as alegações dos Réus Recorrentes não dão satisfação às mencionadas exigências legais, nos termos expostos rejeita-se o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto provada.

1.2. Das questões a decidir

Encontrando-se o objecto dos recursos delimitados pelas conclusões das ale­gações apresentadas pelos Recorrentes, cumpre conhecer das seguintes questões:

- A sentença é nula por ambiguidade e obscuridade?

- A Autora não tem o direito de resolver os negócios jurídicos impugna­dos?

- A sentença não pode determinar a restituição aos Réus da quantia de € 40.000,00?

2. Os factos

Os factos provados são os seguintes:

...

3. O direito aplicável

3.1. Do recurso interposto pelos Réus

3.1.1. Da nulidade da sentença

Os Recorrentes invocaram que a sentença é nula por “subsistir alguma ambiguidade e obscuridade”.

Na verdade, nos termos do art.º 615º, nº 1, c), do C. P. Civil, uma sentença é nula quando em razão de alguma ambiguidade ou obscuridade a mesma seja ininteligível.

Contudo, os Recorrentes não só não alegam que a sentença recorrida resulte ininteligível em resultado das invocadas ambiguidade e obscuridade, como não indicam onde concretamente residem tais vícios.

Não se encontrando minimamente fundamentado este argumento, deve o mesmo ser rejeitado.

3.1.2. Do direito de resolução

A sentença recorrida reconheceu o direito de resolução invocado pela Autora, com fundamento no disposto nos art.º 120º e 121º, n.º 1, f), do CIRE.

Os Recorrentes alegam que não se verificam os pressupostos exigidos por estes preceitos para a resolução dos negócios jurídicos celebrados pela Insolvente.

Os negócios cuja resolução foi pedida são os seguintes:

- negócio unilateral de constituição de hipoteca sobre prédio urbano outorgado pela sociedade Insolvente a favor de J..., para garantia de dívida, celebrado em 6 de Abril de 2011;

- contrato de dação em pagamento do prédio hipotecado para pagamento da dívida garantida pela hipoteca, celebrado entre a Insolvente e J... em 23 de Novembro de 2011.

O art.º 120º do CIRE prevê, em termos gerais, a possibilidade de serem resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados pela insolvente dentro de um determinado período que antecede o início do processo de insolvência.

O art.º 121º do CIRE, sob o título resolução incondicional, tipifica determinados actos praticados pela insolvente que podem ser resolvidos em benefício da massa. 

Tendo em consideração que o início do processo de insolvência ocorreu em 22 de Dezembro de 2011, verifica-se que, relativamente ao contrato de dação em pagamento do prédio hipotecado para pagamento da dívida garantida pela hipoteca, celebrado em 23 de Novembro de 2011, entre a Insolvente e J..., o mesmo preenche a previsão da alínea f) do nº 1 do art.º 121º do CIRE, dado que a dação em pagamento é um meio de extinção de obrigações - art.º 837º do C. Civil -, verificou-se nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência e extinguiu uma obrigação que se vencia após essa data.

Já o negócio de constituição de hipoteca sobre prédio urbano outorgado pela sociedade Insolvente a favor de J..., para garantia de dívida, celebrado em 6 de Abril de 2011, não integra qualquer das situações previstas nas diferentes alíneas do art.º 121º, nº 1, do CIRE, uma vez que, revelando o «Título de hipoteca unilateral», outorgado em 06 de Abril de 2011, ao definir o prazo de pagamento, que a mesma foi constituída simultaneamente com a obrigação garantida, o que é confirmado pela prova da entrega da quantia mutuada na mesma data em que foi constituída a hipoteca, tal acto ocorreu em período anterior ao que consta da alínea e) do nº 1 do referido art.º 121º do CIRE – 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência.

Contudo, há que verificar se a constituição da hipoteca não está abrangida pelas regras gerais da resolução em benefício da massa insolvente previstas no art.º 120º do CIRE.

A constituição da hipoteca foi outorgada no período estipulado no nº 1 do art.º 120º do CIRE, e presume-se inilidivelmente prejudicial à massa nos termos das disposições conjugadas do nº 3 do art.º 120º, e alínea e) do nº 1 do art.º 121º do CIRE, dado que estamos perante a constituição de uma garantia real.

Mas para que possa ocorrer a resolução deste negócio jurídico é ainda necessário demonstrar a má-fé do beneficiário da hipoteca, conforme exige o nº 4 do art.º 120º do CIRE, não se verificando neste caso a presunção da má-fé estabelecida neste mesmo artigo, dado que o beneficiário da hipoteca, apesar de ser amigo dos sócios-gerentes da Insolvente, não pode ser considerado “pessoa especialmente relacionada com o insolvente”, dado não se enquadrar em nenhuma das situações tipificadas no art.º 49º, n.º 2, do CIRE.

O art.º 120º, n.º 5, do CIRE, estipula que por má-fé se entende o conhecimento à data do acto de qualquer uma das seguintes circunstâncias:

a) de que o devedor se encontrava em situação de insolvência (de facto);

b) do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

c) do início do processo de insolvência.

Apenas se provou que o beneficiário da hipoteca, desde 2009, por ser amigo dos sócios-gerentes da Insolvente, acompanhou, nessa qualidade, a evolução da Insolvente, sabendo, pelo menos desde essa data que esta se encontrava em situação de debilidade económico-financeira.

Ora, saber que uma sociedade comercial se encontra numa situação de debilidade económico-financeira não é o mesmo que saber que essa sociedade está insolvente de facto ou que está numa situação de insolvência iminente, pelo que não se provaram factos suficientes para se poder concluir pela má-fé do beneficiário da hipoteca, para os efeitos do artigo 120º do CIRE.

Não estando, pois, reunidos todos os pressupostos que permitam resolver o acto de constituição de hipoteca, por faltar a prova da má-fé do seu beneficiário, deve o recurso interposto pelos Réus ser julgado procedente nessa parte, julgando-se improcedente o pedido de resolução do acto de constituição da hipoteca.

                        3.2. Do recurso interposto pela Autora

A Autora interpôs o presente recurso do segmento da sentença que a condenou a entregar aos Réus a quantia de € 40,000,00, defendendo que pese embora os efeitos da resolução assim o impusesse, o disposto na alínea e) do art.º 48º do CIRE, aplicável a este caso, por se ter provado a má-fé do primitivo Réu, importa que o crédito dos Réus seja reconhecido como crédito sobre a insolvência com carácter subordinado, não devendo ser ordenada a restituição dos € 40.000,00 aos Réus.

O objecto deste recurso prende-se com os efeitos da resolução judicial da dação em pagamento, efectuada nos termos do art.º 121.º, f), do CIRE.

O art.º 126º, n.º 1, do CIRE determina que a resolução tem efeitos retroactivos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado.

Sendo o acto em causa uma dação em pagamento de um imóvel devem os Réus restituir à massa o imóvel que foi dado em pagamento, renascendo o crédito que os mesmos têm sobre a Insolvente e que havia sido extinto com essa dação.

Não tendo, em consequência da celebração do contrato de dação em pagamento, sido entregue qualquer quantia à Insolvente, mas apenas sido considerado extinto o seu crédito, não há lugar ao pagamento de qualquer quantia pela massa como efeito da resolução. A resolução, além da obrigação da restituição do imóvel entregue, apenas determina o renascimento do crédito satisfeito com a dação aqui resolvida, não competindo à decisão proferida na presente acção pronunciar-se sobre o modo como esse crédito poderá vir a ser reclamado, por a mesma ser estranha ao objecto da acção, o qual foi configurado pelo pedido formulado e pela causa de pedir que o fundamentou.

Por esta razão, deve o recurso interposto pela Autora ser julgado parcialmente procedente, revogando-se a sentença na parte em que a condenou a pagar € 40.000,00 aos Réus.

Decisão

Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos Réus e pela Autora e, em consequência, altera-se a decisão recorrida, julgando-se a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:

a) declara-se resolvido em benefício da Massa Insolvente o contrato de dação em pagamento referido na alínea F) dos factos provados, condenando-se os Réus a entregar à Autora o imóvel dado em pagamento;

b) determina-se o cancelamento das inscrições efectuadas nos Serviços de Registo Predial com base na dação em pagamento resolvida;

c) absolvem-se os Réus do demais peticionado.

Custas da acção e dos recursos pela Autora e pelos Réus, em igual propor­ção.



Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Maria Domingas Simões

                  Jaime Ferreira