Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO FRANCISCO SANTOS | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS DANO APRECIÁVEL | ||
Data do Acordão: | 11/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 380.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | I) O dano apreciável que também é requisito do decretamento da suspensão de uma deliberação social é aquele que poderá resultar da execução da deliberação permitida pela demora na obtenção da decisão da acção de que depende a providência. II) O dano apreciável é aquele que não sendo insignificante, irrisório, também não é grave e dificilmente reparável. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
E…, residente na … requereu, com o pedido de inversão do contencioso, que a execução das deliberações tomadas em 13 de Abril de 2021, numa assembleia de sócios da sociedade requerida, G…, Lda, com sede na …, fosse suspensa. Para o efeito alegou, em síntese: Citada, a requerida deduziu oposição, pedindo se julgasse improcedente o procedimento cautelar. Para o efeito alegou, em síntese, que a reunião onde foram tomadas as deliberações impugnadas foi uma reunião de gerentes e não de sócios, e que as decisões nela tomadas, no que diz respeito ao requerente, eram o resultado de uma vontade expressamente manifestada por este aos restantes sócios numa reunião anterior e que, ainda que se entendesse que a reunião em causa foi uma reunião de sócios, não havia fundamento para suspender a respectiva execução. Após a produção da prova foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar e que, em consequência, absolveu a requerida do pedido. As razões da decisão foram em resumo as seguintes: O requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se alterasse a decisão sobre a matéria de facto e se revogasse a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determinasse a procedência da providência cautelar. Para o efeito, impugnou partes da decisão relativa à matéria de facto e alegou, em síntese, que ficara demonstrado que a execução das deliberações causava danos apreciáveis ao requerente e à requerida. A requerida respondeu. Na resposta começou por alegar que o recurso versando a decisão relativa à matéria de facto era de rejeitar, pelo menos em parte, porque não deu cumprimento ao disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC. De seguida sustentou a manutenção da decisão de facto, na parte não afectada pela rejeição, e da decisão de direito, dizendo que não fora demonstrado qualquer prejuízo nem para o requerente nem para a sociedade. Alegou ainda que, por forma a clarificar o posicionamento dos sócios da recorrida, já que a deliberação em crise não era por eles, reconhecida como deliberação social, foi regularmente convocada Assembleia Geral, já realizada em 04.08.2021, por via da qual se veio deliberar sobre assuntos da sociedade, designadamente os em causa nos presentes autos, tudo conforme documento que se junta (nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 651.º do CPC) e cujo teor nesta sede se tem por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos – doc. n.º 1. * (…)
* Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto consideram-se provados e não provados os seguintes factos: Factos provados: Factos não provados: * Descritos os factos, passemos a apreciar as restantes questões suscitadas pelo recurso Como se escreveu acima, a principal questão é a de saber se a decisão recorrida é de substituir por decisão que decrete a providência requerida, ou seja, que decrete a suspensão da execução das seguintes deliberações tomadas na reunião de 13 de Abril de 2021: A sentença sob recurso, apesar de entender que as deliberações eram nulas por não terem sido convocadas regularmente, não decretou a providência por entender que não estava demonstrado um dos seus requisitos essenciais, concretamente, que a execução delas pudesse causar dano apreciável. Este entendimento assentou nas seguintes razões: A recorrente contesta esta justificação com base na seguinte linha argumentativa: A fim de respondermos aos argumentos do recorrente, vejamos os pressupostos da suspensão das deliberações sociais, enunciados no n.º 1 do artigo 380.º do CPC nos seguintes termos: “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”. Resulta do teor do preceito que o requerente, para obter a suspensão da execução de deliberações sociais, tem de justificar a sua qualidade de sócio, mostrar que a deliberação é contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato e que a execução pode causar dano apreciável. No caso não há controvérsia quanto à verificação dos dois primeiros requisitos: a legitimidade do requerente para requerer a providência (legitimidade que lhe advém do facto de ser sócio da requerida, com uma quota correspondente a 10% do capital social); e a invalidade (nulidade) das deliberações. O que está em questão no recurso é a verificação do terceiro requisito, pois enquanto a decisão recorrida entendeu que não se mostrava suficiente fundado o receio de que a execução das deliberações pudesse causar dano apreciável, o recorrente sustenta a posição oposta. Não obstante não estar directamente em questão, no recurso, a interpretação do n.º 1 do artigo 380.º do CPC, no segmento que se refere ao dano apreciável que a execução da deliberação pode causar (à sociedade e/ou aos sócios), importa dizer o seguinte sobre o sentido e o alcance de tal parte do preceito para bem contextualizar a divergência do recorrente em relação à decisão recorrida. O “dano apreciável” que é tido em vista na parte final do n.º 1 do artigo 380.º do CPC é, como resulta inequivocamente da letra do preceito “- … mostrando que essa execução pode causar dano apreciável” – um dano que há-de resultar da execução da deliberação. Visto numa perspectiva de causalidade, o dano há-de ter como causa a execução da deliberação. Porém, o que faz com que o dano seja tomado como fundamento da providência cautelar é a circunstância de a sua concretização surgir com a demora na obtenção da decisão na acção principal, ou seja, na acção de que depende o procedimento cautelar. Socorrendo-nos das palavras de Lobo Xavier, Revista de Legislação e Jurisprudência ano 123º, página 382 [anotação a um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Julho de 1987], “como todas as providências cautelares, a suspensão das deliberações sociais visa premunir contra o periculum in mora (o perigo da demora do processo) o autor da acção de que o procedimento cautelar é dependência”. Ainda segundo o mesmo autor, a circunstância de a sentença que põe termo à acção “não poder sobrevir imediatamente, mas sim no termo de um processo por vezes longo, ou muito longo, é susceptível de frustrar os interesses do demandante, ainda que este obtenha ganho de causa”. Daí que, como escreve o mesmo autor em “Conteúdo de providência de suspensão de deliberações sociais, RDES, Ano XXII, página 215, “não é toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida”. Por outras palavras, “o dano cuja eventualidade pode servir de fundamento à medida cautelar e ao qual se quis referir o artigo 396º, n.º 1, é todo aquele que derive do facto de a eficácia da deliberação ser tomada em conta até á sentença de anulação, ainda que para fins diversos da execução do acto” (página 248). E exemplifica este entendimento com o seguinte caso: “Assim, por ex. a deliberação que amortiza uma quota acarreta para o respectivo titular o prejuízo correspondente à execução da sua participação social, na medida em que tal extinção não seja compensada pelo quantitativo atribuído como contrapartida. Mas o dano que para o titular deriva do retardamento da sentença da anulação do acto – e que há que ter em conta para fundamentar a suspensão e para proceder à ponderação prevista no artigo 397º, n.º 3 – é antes o dano resultante do não exercício dos direitos sociais até ao momento daquela sentença” [nota: os artigos citados – 396.º, n.º 1 e 397.º, n.º 3 - pertencem ao CPC de 1961. Como a redacção deles não diverge da dos que lhe correspondem no CPC actual, respectivamente, artigo 380.º, n.º 1 e 381.º, n.º 3, as considerações tecidas a propósito daquelas normas mantêm a sua actualidade]. No sentido da interpretação que se acaba de expor decidiram, entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 23 de Maio de 1989, CJ, Ano XIV, 1989, Tomo 3º, páginas 206 a 208, o acórdão do STJ de 04-05-2000, processo 00B337, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Abril de 2004, processo n.º 4176/03, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrc e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Fevereiro de 2006, CJ, Ano XXXI, Tomo I/2006, páginas 250 e 251. Para efeitos de suspensão de deliberações sociais, dano apreciável, numa interpretação que pode considerar-se uniforme, é aquele que, não sendo insignificante, nem irrisório, também não pertence à categoria dos danos graves e dificilmente reparáveis [cfr. neste sentido na doutrina, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª edição, volume IV, páginas 92, e na jurisprudência, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Dezembro de 1989, CJ, Ano XIV, 1989, Tomo V, páginas 64 a 66, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de Abril de 2005, CJ, Ano XXXX, Tomo II/2005, páginas 292 e 293, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Julho de 2009, CJ Ano XXXIV, Tomo III/2009, páginas 274 e 275, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 2003, CJ, Ano XXVIII, Tomo III/2003, páginas 186 a 188]. Cabe ao requerente da providência alegar e provar os danos que a execução da deliberação pode causar até que seja proferida decisão definitiva na acção principal. E assim será por referência aos danos alegados e provados que cabe sindicar a legalidade da decisão recorrida. Precise-se, no entanto, como se afirmou no acórdão desta Relação (Coimbra) proferido em 2/4/2019, no processo n.º 8510/18.7T8CBR, publicado em www.dgsi.pt, que embora “o dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tenha que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto (como a requerida refere na sua conclusão 29) – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados” [acórdão no qual o ora relator interveio como adjunto]. Tendo presente esta interpretação do n.º 1 do artigo 380.º do CPC e os factos julgados provados, é de afirmar que não valem contra a sentença os argumentos do recorrente. Em primeiro lugar, não vale contra a sentença a alegação de que sob os artigos 26.º, 27.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º e 35.º do requerimento inicial, o requerente alegou factos relativos aos prejuízos resultantes da execução da deliberação enquanto não for proferida decisão definitiva na acção principal. Com efeito, tais artigos serviram, no essencial, para o requerente expor as razões de facto e de direito pelas quais entendia que a 1.º deliberação tomada em 13-04-2021 era anulável ao abrigo do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das Comerciais e que o voto da I… a favor de tal decisão violava o n.º 1 do artigo 251.º do CSC. Concretizando: Já os artigos 59.º, 60.º, 61.º e 62.º do requerimento inicial compreendem, na realidade, a alegação dos factos que, segundo o requerente, configuravam prejuízos decorrentes da execução das deliberações enquanto se aguardasse pela decisão definitiva, concretamente: Sucede que não se provaram estas alegações. Em primeiro lugar, em matéria de danos resultantes da execução das deliberações, o que se poderia dizer é que, no caso de ser cumprida a deliberação no sentido de o ora requerente passar a usufruir o mesmo salário dos restantes sócios, ele sofreria um prejuízo até fosse proferida decisão definitiva na acção principal, mas esse prejuízo consistia apenas na redução mensal da sua remuneração em € 1 000,00. Com efeito, como bem observou a sentença, a outra redução da remuneração mensal, no montante de € 1 100 euros, não é consequência da execução das deliberações tomadas em 13-04-2021. É fruto da decisão tomada em 18 de Janeiro de 2021, por todos os sócios da requerida. Sucede que a deliberação no sentido de o ora requerente passar a usufruir o mesmo salário dos restantes sócios não está a ser cumprida, pois provou-se que a requerida procedeu à reposição salarial no vencimento do requerente e continuou a pagar-lhe a remuneração mensal sem o corte mil euros deliberado em 13 de Abril de 2021. Em segundo lugar, ainda que a I… estivesse impedida de votar as deliberações em causa [designadamente as tomadas sobre a concentração da área comercial da G…no grupo I… e sobre o envio dos orçamentos e à atribuição de uma percentagem de 10% nos moldes que fossem entregues na G…] por se encontrar em situação de conflito de interesses com a requerida, a consequência seria tão só a nulidade do voto dela. É certo que não é de excluir a hipótese de a deliberação aprovada com um voto nulo prejudicar a sociedade ou os outros sócios. Porém, como resulta do exposto acima, não basta, para suspender a execução de uma deliberação, a hipótese de a execução dela causar danos. É necessário, de acordo com a regra enunciada na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 368.º do CPC, que se mostre suficientemente fundado o receio de a execução causar dano apreciável enquanto o requerente aguarda pela decisão definitiva da acção principal. E o receio será suficientemente fundado quando assentar em factos. Quando o dano for uma hipótese, uma suposição ou conjectura, como sucede no caso, a providência não é de decretar. * Decisão: Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida. * Responsabilidade quanto a custas: Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de o recorrente ter ficado vencido no recurso, condena-se o recorrente nas custas do recurso. Coimbra, 9 de Novembro de 2021
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