Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
857/21.1T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DANO APRECIÁVEL
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 380.º DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: I) O dano apreciável que também é requisito do decretamento da suspensão de uma deliberação social é aquele que poderá resultar da execução da deliberação permitida pela demora na obtenção da decisão da acção de que depende a providência.

II) O dano apreciável é aquele que não sendo insignificante, irrisório, também não é grave e dificilmente reparável.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

E…, residente na … requereu, com o pedido de inversão do contencioso, que a execução das deliberações tomadas em 13 de Abril de 2021, numa assembleia de sócios da sociedade requerida, G…, Lda, com sede na …, fosse suspensa.

Para o efeito alegou, em síntese:
1. Que era sócio, gerente e director comercial da requerida; 
2. Que as deliberações foram tomadas numa assembleia não convocada e sem a presença de todos os sócios;
3.  Que um dos sócios (a sociedade I…) votou a favor das deliberações apesar de estar impedido de votar;
4.  Que os sócios votaram a redução da remuneração do requerente sem que tivessem competência para tanto;
5. Que a execução das deliberações prejudicará gravemente a sociedade e o requerente.

Citada, a requerida deduziu oposição, pedindo se julgasse improcedente o procedimento cautelar. Para o efeito alegou, em síntese, que a reunião onde foram tomadas as deliberações impugnadas foi uma reunião de gerentes e não de sócios, e que as decisões nela tomadas, no que diz respeito ao requerente, eram o resultado de uma vontade expressamente manifestada por este aos restantes sócios numa reunião anterior e que, ainda que se entendesse que a reunião em causa foi uma reunião de sócios, não havia fundamento para suspender a respectiva execução.

Após a produção da prova foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar e que, em consequência, absolveu a requerida do pedido.

As razões da decisão foram em resumo as seguintes:
1. Que as deliberações eram nulas por os procedimentos legais para a convocação da reunião de sócios não terem sido cumpridos;
2. Que não ficara demonstrado que a execução das deliberações causasse um dano apreciável ao requerente ou à requerida. 

O requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se alterasse a decisão sobre a matéria de facto e se revogasse a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determinasse a procedência da providência cautelar. Para o efeito, impugnou partes da decisão relativa à matéria de facto e alegou, em síntese, que ficara demonstrado que a execução das deliberações causava danos apreciáveis ao requerente e à requerida.

A requerida respondeu. Na resposta começou por alegar que o recurso versando a decisão relativa à matéria de facto era de rejeitar, pelo menos em parte, porque não deu cumprimento ao disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC.

De seguida sustentou a manutenção da decisão de facto, na parte não afectada pela rejeição, e da decisão de direito, dizendo que não fora demonstrado qualquer prejuízo nem para o requerente nem para a sociedade.

Alegou ainda que, por forma a clarificar o posicionamento dos sócios da recorrida, já que a deliberação em crise não era por eles, reconhecida como deliberação social, foi regularmente convocada Assembleia Geral, já realizada em 04.08.2021, por via da qual se veio deliberar sobre assuntos da sociedade, designadamente os em causa nos presentes autos, tudo conforme documento que se junta (nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 651.º do CPC) e cujo teor nesta sede se tem por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos – doc. n.º 1.


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(…)


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Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto consideram-se provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados:
1. O requerente é sócio, gerente e director comercial de G… LDA., que se dedica ao fabrico de moldes para plástico, maquinação, desenho, planeamento e programação CAD/CAM (desenho assistido por computador/maquinação assistida por computador) e comercialização, importação e exportação de moldes.
2. Com o requerente compuseram a sociedade, de raiz, P…, A…, S…, V… e T…, Limitada, todos os sócios com função de gerência.
3. Actualmente, o capital da sociedade é de 350 000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros), em que os Sócios P…, A…, S…, V…, o requerente têm participações de 10 %, e a sócia I…, tem uma participação de 50 %.
4. Como gerente, as suas funções são: o cumprimento do plano estratégico da empresa de acordo com o seu desenvolvimento e/ou crescimento sustentável, por forma a assegurar o desenvolvimento e continuidade do negócio.
5. E as suas principais responsabilidades são:
· Assegurar a representação legal da empresa para os devidos efeitos;
· Garantir o cumprimento da legislação aplicável à empresa e demais regulamentações existentes na área de atuação, nas suas diversas vertentes (fiscais, laborais, comerciais entre outras);
· Assegurar que a gestão da G… se realize de acordo com a estratégia definida, em concordância com os princípios, valores e resultados esperados da mesma;
· Garantir a existência de uma cultura organizacional nomeadamente através da Missão, Visão, Valores e Política da qualidade e IDI;
· Assumir a liderança e o compromisso em relação ao sistema de gestão da qualidade e inovação e no que se refere ao foco no cliente, assegurando que estes se refletem na gestão da empresa;
· Garantir a existência das condições necessárias à gestão da empresa (financeiros, logísticos, humanos e outros inerentes ao funcionamento da empresa);
· Assegurar o desenvolvimento da empresa aos diferentes níveis, tecnologia, segmentos de mercado, processos de produção e outras vertentes que impliquem o crescimento sustentável da G….
6. Como Director Geral tinha as seguintes funções: coordenar e apoiar todas as áreas, tanto na gestão dos recursos necessários ao adequado funcionamento de cada uma como na comunicação entre elas, cumprindo e velando pelo cumprimento dos procedimentos definidos no sistema de gestão e demais regras internas, assegurando a obtenção de resultados dentro dos parâmetros exigidos pela organização.
7. Em que as suas principais responsabilidades são:
· Velar para que a gestão geral da empresa seja realizada de acordo com a cultura da empresa das políticas definidas pela Gerência;
· Assegurar o cumprimento dos objetivos operacionais de toda a empresa para período em referência;
· Assegurar a coordenação, a articulação, a comunicação e o apoio cada um dos responsáveis de área, em termos de organização, resolução de problemas, formação e de recursos de outra natureza que sejam necessários providenciar para um adequado funcionamento;
· Velar pela aplicação dos procedimentos estabelecidos e dos processos internos definidos nomeadamente no que se refere ao sistema da qualidade e inovação;
· Assegurar os níveis de satisfação e de motivação das equipas, através da implementação de políticas e práticas de promoção de um clima organizacional adequado à realidade G…;
· Assegurar o cumprimento dos procedimentos internos no âmbito do ambiente, saúde, higiene e segurança no trabalho.
8. O superior hierárquico do requerente é a gerência da Requerida.
9. Pelas suas duas funções o Requerente aufere a quantia mensal líquida de 5000,00 € (isto sem termos em conta a redução salarial resultante da deliberação de 18 de Janeiro de 2021).
10. O Requerente recebeu, no dia 12 de Abril, “email” com marcação da reunião para o dia 13 de Abril às 14h30, constando do mesmo o seguinte: “Para darmos continuidade à futura estratégia para a G…, agradecia que todos os sócios confirmassem a vossa disponibilidade para uma reunião no próximo dia 13 ou 15 de Abril às 14h30 na G…”.
11. Nesse mesmo dia o Requerente enviou e-mail com a indicação que não lhe seria possível comparecer na primeira data.
12. Consta da acta da reunião de 13 de Abril de 2021 e com a presença de L…, EP…, S…, M…, JT…, N…, P… e V…a seguinte deliberação: 1. Perante a actual situação comercial da G… foi apresentada a solução de concentrar esta área no grupo I…, ficando da responsabilidade do N…. Na G… ficará o A… na área comercial na parte da orçamentação, os orçamentos serão enviados para a I… para serem validados antes de serem enviados aos clientes. A I… ficará com uma percentagem de 10%0 nos moldes que sejam entregues na G…. Nos moldes que entrem na G… através de pedidos de orçamento diretamente na empresa não existirá nenhuma percentagem para a I…. 2. Entretanto foi abordado a distribuição dos sócios pelas áreas da empresa da seguinte forma: O EP… ficará responsável pela área de Montagem e Acabamentos. O S… ficará responsável pela área do Fabrico dos moldes. O P… ficará responsável pela área das compras e por fazer a coordenação da produção. Enquanto não houver uma situação definitiva em relação ao V…, ficará com a responsabilidade atual. Enquanto não houver uma situação definitiva em relação ao E…, ficará responsável pela área do Projeto. Devido ao atual momento financeiro da G… vão-se manter os salários dos sócios gerentes conforme a Ata da Direção geral do dia 18 de Janeiro de 2021, passando o E… a usufruir o mesmo salário que os restantes sócios. Este ponto entra já em vigor no atual mês de Abril. Ficou decidido pelos sócios gerentes presentes nesta reunião que a mudança na área comercial e a passagem do E… para a área de Projeto se inicia a partir de 02 de Maio de 2021. Todos os votos foram aprovados pelos presentes, com o voto contra do JT….
13. Resulta do relatório de gestão da requerida que a mesma teve em 2018 um resultado antes de imposto de 727 457,07, em 2019 de -182 351,86 e em 2020 de -1057 617,50.
14. Em 31.03.2021, foi realizada reunião entre a Gerência da G… e a sócia I… tendo como ponto único: “Viabilidade Futura da G…” e teve a presença, de um lado, na sua qualidade de gerentes da Requerida, o Requerente (E…), S…, P…, EP… e V… e, do outro lado, os sócios da empresa I… (a sócia maioritária da Requerida) N…, JM…, JT… e L….
15. No âmbito da referida Reunião os sócios singulares e gerentes da G… (aqui requerida) foram auscultados / questionados sobre a disponibilidade e motivação para a continuidade da empresa, sendo que S…, P… e EP… manifestaram vontade de continuar com o projecto da G…, o sócio V… manifestou vontade em sair da empresa (requerida) por motivos de saúde.
16. O Requerente, na reunião de 31 de Março, manifestou como primeira vontade / opção, a saída da G…, havendo ainda possibilidade de continuação se os sócios assim o entenderem.
17. No ponto 4. da acta de Reunião referida em 14, fez-se constar que iriam ser efectuadas reuniões entre N… e JM… (do lado da sócia I…) e os demais gerentes e sócios singulares da G…  S…, P… e EP… para se começar a auscultar as equipas e começar a reorganizar a empresa.
18. Em acta de reunião datada de 07.04.2021 com a presença de S…, P… , EP…, N… e JM… foi decidido: “Enquanto não houver uma situação definitiva relativa aos sócios E… e V…, o V… ficará com a responsabilidade actual e o E… passará a ser o responsável da área do Projecto.”
19. Resulta do ponto 6) da mencionada acta que: “devido ao actual momento financeiro da G… vão-se manter os salários dos sócios-gerentes conforme a acta de direcção geral do dia 18 de Janeiro de 2021, passando o E… a usufruir o mesmo salário que os restantes sócios.
20. A acta da reunião de 7 de Abril foi comunicada (e este tomou conhecimento da mesma) por email datado de 12 e Abri de 2021.
21. Resulta do ponto 3 da acta de reunião de 18.01.2021 em que esteve presente o aqui requerente o seguinte: Ordenado dos Sócios – Ficou decidido que perante a situação económica actual da empresa, os salários dos sócios irão reduzir 1100.00€ no salário líquido, que irá ser descontado no Seguro Lusitânia PPL.
22. No que concerne à redução salarial resultante da deliberação tomada na reunião de 13 de Abril de 2021 a requerida não executou a mencionada deliberação tendo procedido à regularização/reposição salarial da diferença salarial no vencimento do requerente que havia sido objecto de redução na acta de reunião de 13.04.2021, por forma a que o mesmo retome a remuneração mensal que foi acordada entre todos os gerentes na Reunião da Direcção Geral de 18.01.2021.
23. As relações entre os sócios na sociedade têm vindo a deteriorar-se.

Factos não provados:
a) Que a execução da deliberação da reunião de 13 de Abril traduz-se para o requerente numa redução de 5 000,00€ para 2 900,00€, com privação de um rendimento mensal de 2 100,00 € e anual de 29 400,00 €.
b) Resultando da perda desse rendimento é uma diminuição acentuada do nível de vida económico do Requerente, a procedência no futuro da acção principal não permitirá a reparação integral dos danos entretanto sofridos traduzidos na diminuição acentuada do nível de vida económico e na perturbação grave da saúde e do equilíbrio psíquico do Requente.
c) A própria posição do requerente perante funcionários, clientes, fornecedores, parceiros e todos os que se relacionem com a sociedade ficará irremediavelmente afectada por este afastamento da vida societária.
d) Bem como a sociedade verá a sua liberdade negocial afectada porquanto uma concorrente sua passará a comandar os seus destinos a seu bel prazer;
e) Que a acta da reunião de 31 de Março foi elaborada pelo requerente.


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Descritos os factos, passemos a apreciar as restantes questões suscitadas pelo recurso

Como se escreveu acima, a principal questão é a de saber se a decisão recorrida é de substituir por decisão que decrete a providência requerida, ou seja, que decrete a suspensão da execução das seguintes deliberações tomadas na reunião de 13 de Abril de 2021:
1. Da que deliberou que a área comercial da G… ficaria concentrada no grupo I…, que os orçamentos seriam enviados para a I… para serem validados antes de serem enviados aos clientes e que a I…ficaria com uma percentagem de 10% nos moldes que fossem entregues na G…;
2. Da que deliberou que ora recorrente passaria a usufruir o mesmo salário dos testantes sócios.

A sentença sob recurso, apesar de entender que as deliberações eram nulas por não terem sido convocadas regularmente, não decretou a providência por entender que não estava demonstrado um dos seus requisitos essenciais, concretamente, que a execução delas pudesse causar dano apreciável. Este entendimento assentou nas seguintes razões:
1. Dava por boa a alegação da requerida de que não iria dar execução às decisões tomadas na reunião de 13 de Abril;
2. Em relação ao ponto 1 da deliberação, nada havia sido concretamente alegado ou demonstrado relativamente a um dano apreciável para a sociedade e para o requerente;
3. Em relação à redução da remuneração, não estava provado o dano apreciável; por outro lado estava provado que a requerida não executou a mencionada deliberação, tendo procedido à regularização/reposição salarial da diferença salarial no vencimento do requerimento que havia sido objecto de redução na acta da reunião de 13-04-2021, por forma a que o mesmo retomasse a remuneração mensal que havia sido acordado entre todos os gerentes na reunião de 18 de Janeiro, ou seja, o requerente encontra-se a auferir mais 1 100 euros líquidos que os restantes sócios em resultado da diferenciação das suas funções.

A recorrente contesta esta justificação com base na seguinte linha argumentativa:
1. Que para o decretamento da providência não era exigível a produção de danos irreparáveis em consequência da execução da deliberação, sendo suficiente a possibilidade da produção de um dano apreciável, que tanto poderia ser de natureza patrimonial como moral, independentemente de se reflectir no sócio ou na sociedade;
2. Que para ser verificar o dano apreciável era exigível a verificação de factos objectivos que demonstrassem a existência de um dano;
3. Que o requerente alegou tais factos no requerimento inicial, a saber nos artigos 26.º, 27.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 59.º, 60.º, 61.º e 62.º do requerimento inicial, mas o tribunal não os teve em consideração;
4. Que uma deliberação tomada em conflito de interesses, a ser provada, como estava, conduzia à conclusão de serem significativos os prejuízos decorrentes desse conflito de interesses que era, no caso, a perda de autonomia da sociedade em negociar, uma vez que a I…, ao validar esses orçamentos, iria fazê-lo no seu próprio interesse.

A fim de respondermos aos argumentos do recorrente, vejamos os pressupostos da suspensão das deliberações sociais, enunciados no n.º 1 do artigo 380.º do CPC nos seguintes termos: “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável”.

Resulta do teor do preceito que o requerente, para obter a suspensão da execução de deliberações sociais, tem de justificar a sua qualidade de sócio, mostrar que a deliberação é contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato e que a execução pode causar dano apreciável.

No caso não há controvérsia quanto à verificação dos dois primeiros requisitos: a legitimidade do requerente para requerer a providência (legitimidade que lhe advém do facto de ser sócio da requerida, com uma quota correspondente a 10% do capital social); e a invalidade (nulidade) das deliberações.

O que está em questão no recurso é a verificação do terceiro requisito, pois enquanto a decisão recorrida entendeu que não se mostrava suficiente fundado o receio de que a execução das deliberações pudesse causar dano apreciável, o recorrente sustenta a posição oposta.

Não obstante não estar directamente em questão, no recurso, a interpretação do n.º 1 do artigo 380.º do CPC, no segmento que se refere ao dano apreciável que a execução da deliberação pode causar (à sociedade e/ou aos sócios), importa dizer o seguinte sobre o sentido e o alcance de tal parte do preceito para bem contextualizar a divergência do recorrente em relação à decisão recorrida.

O “dano apreciável” que é tido em vista na parte final do n.º 1 do artigo 380.º do CPC é, como resulta inequivocamente da letra do preceito “- … mostrando que essa execução pode causar dano apreciável” – um dano que há-de resultar da execução da deliberação. Visto numa perspectiva de causalidade, o dano há-de ter como causa a execução da deliberação.

Porém, o que faz com que o dano seja tomado como fundamento da providência cautelar é a circunstância de a sua concretização surgir com a demora na obtenção da decisão na acção principal, ou seja, na acção de que depende o procedimento cautelar. Socorrendo-nos das palavras de Lobo Xavier, Revista de Legislação e Jurisprudência ano 123º, página 382 [anotação a um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Julho de 1987], “como todas as providências cautelares, a suspensão das deliberações sociais visa premunir contra o periculum in mora (o perigo da demora do processo) o autor da acção de que o procedimento cautelar é dependência”. Ainda segundo o mesmo autor, a circunstância de a sentença que põe termo à acção “não poder sobrevir imediatamente, mas sim no termo de um processo por vezes longo, ou muito longo, é susceptível de frustrar os interesses do demandante, ainda que este obtenha ganho de causa”. Daí que, como escreve o mesmo autor em “Conteúdo de providência de suspensão de deliberações sociais, RDES, Ano XXII, página 215, “não é toda e qualquer possibilidade de prejuízos que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida”. Por outras palavras, “o dano cuja eventualidade pode servir de fundamento à medida cautelar e ao qual se quis referir o artigo 396º, n.º 1, é todo aquele que derive do facto de a eficácia da deliberação ser tomada em conta até á sentença de anulação, ainda que para fins diversos da execução do acto” (página 248). E exemplifica este entendimento com o seguinte caso: “Assim, por ex. a deliberação que amortiza uma quota acarreta para o respectivo titular o prejuízo correspondente à execução da sua participação social, na medida em que tal extinção não seja compensada pelo quantitativo atribuído como contrapartida. Mas o dano que para o titular deriva do retardamento da sentença da anulação do acto – e que há que ter em conta para fundamentar a suspensão e para proceder à ponderação prevista no artigo 397º, n.º 3 – é antes o dano resultante do não exercício dos direitos sociais até ao momento daquela sentença” [nota: os artigos citados – 396.º, n.º 1 e 397.º, n.º 3 - pertencem ao CPC de 1961. Como a redacção deles não diverge da dos que lhe correspondem no CPC actual, respectivamente, artigo 380.º, n.º 1 e 381.º, n.º 3, as considerações tecidas a propósito daquelas normas mantêm a sua actualidade].

No sentido da interpretação que se acaba de expor decidiram, entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 23 de Maio de 1989, CJ, Ano XIV, 1989, Tomo 3º, páginas 206 a 208, o acórdão do STJ de 04-05-2000, processo 00B337, publicado no sítio http://www.dgsi.pt/jstj, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Abril de 2004, processo n.º 4176/03, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrc e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Fevereiro de 2006, CJ, Ano XXXI, Tomo I/2006, páginas 250 e 251.

Para efeitos de suspensão de deliberações sociais, dano apreciável, numa interpretação que pode considerar-se uniforme, é aquele que, não sendo insignificante, nem irrisório, também não pertence à categoria dos danos graves e dificilmente reparáveis [cfr. neste sentido na doutrina, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª edição, volume IV, páginas 92, e na jurisprudência, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Dezembro de 1989, CJ, Ano XIV, 1989, Tomo V, páginas 64 a 66, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de Abril de 2005, CJ, Ano XXXX, Tomo II/2005, páginas 292 e 293, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Julho de 2009, CJ Ano XXXIV, Tomo III/2009, páginas 274 e 275, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Junho de 2003, CJ, Ano XXVIII, Tomo III/2003, páginas 186 a 188].

Cabe ao requerente da providência alegar e provar os danos que a execução da deliberação pode causar até que seja proferida decisão definitiva na acção principal. E assim será por referência aos danos alegados e provados que cabe sindicar a legalidade da decisão recorrida. Precise-se, no entanto, como se afirmou no acórdão desta Relação (Coimbra) proferido em 2/4/2019, no processo n.º 8510/18.7T8CBR, publicado em www.dgsi.pt, que embora “o dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tenha que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto (como a requerida refere na sua conclusão 29) – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados” [acórdão no qual o ora relator interveio como adjunto].

Tendo presente esta interpretação do n.º 1 do artigo 380.º do CPC e os factos julgados provados, é de afirmar que não valem contra a sentença os argumentos do recorrente.

Em primeiro lugar, não vale contra a sentença a alegação de que sob os artigos 26.º, 27.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º e 35.º do requerimento inicial, o requerente alegou factos relativos aos prejuízos resultantes da execução da deliberação enquanto não for proferida decisão definitiva na acção principal. Com efeito, tais artigos serviram, no essencial, para o requerente expor as razões de facto e de direito pelas quais entendia que a 1.º deliberação tomada em 13-04-2021 era anulável ao abrigo do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das Comerciais e que o voto da I… a favor de tal decisão violava o n.º 1 do artigo 251.º do CSC. Concretizando:
1. No artigo 26.º expôs o que entendia por conflito de interesses entre o sócio e a sociedade para efeitos do artigo 251.º do CSC;
2. No artigo 27.º alegou que a sociedade I… tinha o mesmo objecto social que a requerida e que, por isso exercia, uma actividade concorrente;
3. No artigo 31.º alegou as razões pelas quais o voto da I…, detentora de 50% do capital social da requerida, a favor da deliberação de que a área comercial ficaria concentrada no grupo I… e que os orçamentos seriam enviados para si por forma a serem validados e que ficaria com 10% nos moldes, implicava um conflito de interesses;
4. No artigo 32.º exprimiu incompreensão pela atribuição da percentagem de 10% nos moldes, quando, com a justificação do momento financeiro da G…, foram reduzidas as remunerações dos gerentes;
5. No artigo 33.º afirmou, de modo conclusivo, que era nítido que ao votar na deliberação, a I… estava a prejudicar a sociedade requerida;
6. No artigo 34.º afirma, também de modo conclusivo, que através do exercício do direito de voto a I… estava a satisfazer os seus interesses, acumulando vantagens especiais para si, em prejuízo da sociedade requerida e dos outros sócios, incluindo o requerente;
7. No artigo 35.º concluiu que a violação do impedimento de voto gerava a anulabilidade da 1.ª deliberação de 13 de Abril, conforme artigo 58.º, n.º 1, alínea) do CSC, sendo o voto ilícito, por violação do artigo 251.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.

Já os artigos 59.º, 60.º, 61.º e 62.º do requerimento inicial compreendem, na realidade, a alegação dos factos que, segundo o requerente, configuravam prejuízos decorrentes da execução das deliberações enquanto se aguardasse pela decisão definitiva, concretamente:
1. Que a execução das deliberações se traduzia numa redução mensal da sua remuneração mensal de 2 100 euros - 5 000 euros para 2 900 euros – e anual de 29 400 euros;
2. Que a perda desse rendimento implicava uma diminuição acentuada do nível da sua vida económica do requerente e que a procedência da acção não permitiria a reparação integral dos danos entretanto sofridos, traduzidos na diminuição acentuada do nível da sua vida económica e na perturbação grave da saúde e do equilíbrio psíquico do requerente;
3. Que a própria posição do requerente perante funcionários, clientes, fornecedores e parceiros e todos os que se relacionassem com a sociedade ficaria irremediavelmente afectada por este afastamento da vida societária;
4. Que a sociedade via a sua liberdade negocial afectada porquanto uma concorrente sua passaria a comandar os seus destinos a bel prazer.

Sucede que não se provaram estas alegações.

Em primeiro lugar, em matéria de danos resultantes da execução das deliberações, o que se poderia dizer é que, no caso de ser cumprida a deliberação no sentido de o ora requerente passar a usufruir o mesmo salário dos restantes sócios, ele sofreria um prejuízo até fosse proferida decisão definitiva na acção principal, mas esse prejuízo consistia apenas na redução mensal da sua remuneração em € 1 000,00. Com efeito, como bem observou a sentença, a outra redução da remuneração mensal, no montante de € 1 100 euros, não é consequência da execução das deliberações tomadas em 13-04-2021. É fruto da decisão tomada em 18 de Janeiro de 2021, por todos os sócios da requerida.

Sucede que a deliberação no sentido de o ora requerente passar a usufruir o mesmo salário dos restantes sócios não está a ser cumprida, pois provou-se que a requerida procedeu à reposição salarial no vencimento do requerente e continuou a pagar-lhe a remuneração mensal sem o corte mil euros deliberado em 13 de Abril de 2021.

Em segundo lugar, ainda que a I… estivesse impedida de votar as deliberações em causa [designadamente as tomadas sobre a concentração da área comercial da G…no grupo I… e sobre o envio dos orçamentos e à atribuição de uma percentagem de 10% nos moldes que fossem entregues na G…] por se encontrar em situação de conflito de interesses com a requerida, a consequência seria tão só a nulidade do voto dela.

É certo que não é de excluir a hipótese de a deliberação aprovada com um voto nulo prejudicar a sociedade ou os outros sócios. Porém, como resulta do exposto acima, não basta, para suspender a execução de uma deliberação, a hipótese de a execução dela causar danos. É necessário, de acordo com a regra enunciada na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 368.º do CPC, que se mostre suficientemente fundado o receio de a execução causar dano apreciável enquanto o requerente aguarda pela decisão definitiva da acção principal. E o receio será suficientemente fundado quando assentar em factos. Quando o dano for uma hipótese, uma suposição ou conjectura, como sucede no caso, a providência não é de decretar.   


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.


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Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de o recorrente ter ficado vencido no recurso, condena-se o recorrente nas custas do recurso.

Coimbra, 9 de Novembro de 2021