Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6540/12.1TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
FALTA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
INCUMPRIMENTO
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 5º JUÍZO CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 24 Nº 1 E 27º Nº 1 AL. B) DO CIRE
Sumário: I – Em conformidade com o disposto no art. 27º, nº 1, alínea b), do CIRE, a falta de junção dos documentos enunciados no art. 24º, nº 1, do mesmo diploma e a falta de justificação dessa omissão, de acordo com o disposto no nº 2, alínea b), deste art. 24º, conduz ao indeferimento liminar da petição (quando esta é apresentada pelo devedor), se essa falta persistir na sequência da notificação a que alude o art. 27º, nº 1, alínea b).

II – O mesmo não acontece (necessariamente) quando tais documentos são apresentados mas não cumprem os requisitos legais; nestes casos, só se justificará o indeferimento liminar da petição quando as falhas ou deficiências forem substancialmente graves e de molde a poderem ser equiparadas à falta dos documentos e isso apenas acontecerá quando os documentos, tal como foram apresentados, não possuem a aptidão necessária para cumprir minimamente os objectivos e as finalidades que visam alcançar.

III – Assim sendo, não há lugar ao indeferimento liminar da petição quando as falhas ou deficiências dos documentos apresentados são de natureza formal e sem relevância bastante para comprometer a sua função e utilidade, podendo ser facilmente colmatadas com o desenrolar do processo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... & Filhos, Ldª, com sede na Rua ... , Leiria, veio apresentar-se à insolvência, alegando, em suma, que: dedica-se ao comércio e indústria de bebidas nacionais e estrangeiras; dada a crise que assola a economia nacional associada a uma redução generalizada do consumo nos estabelecimentos da restauração, vários clientes da Requerente encerraram os seus estabelecimentos e deixaram de cumprir atempadamente; esse facto, associado ao aumento dos custos inerentes à logística suportada pela Requerente, veio a determinar um súbito desequilíbrio financeiro, tendo já entrado em incumprimento junto dos seus funcionários no passado mês de Dezembro e junto dos fornecedores, ascendendo o seu passivo ao valor aproximado de 213.000,00€, encontrando-se em situação de insolvência.

Identificando os seus gerentes e os cinco maiores credores, junta ainda diversos documentos e elementos.

Recebida a petição, foi proferido despacho com o seguinte teor:

Não junta a requerente (ao contrário do que refere) as relações de credores e de bens a que aludem as alíneas a) e e) do art. 24º, nº 1, do CIRE, com as especificações nela constantes.

Assim, notifique-a para, em 5 dias, suprir as omissões apontadas, sob pena de indeferimento (cfr. art. 27º, nº 1, al. b) do CIRE).

Na sequência dessa notificação, a Requerente veio juntar aos autos a relação de credores e listagem do activo imobilizado, onde constam os seus bens.

Foi então proferido novo despacho com o seguinte teor:

O documento junto a fls. 222 e ss do pp não obedece às especificações constantes da alínea e) do n.º 1 do artigo 24.º do CIRE no que tange à relação de bens, pelo que renovo o despacho de fls. 216 do pp, no segmento assinalado e sob idêntica cominação e prazo.

A Requerente veio juntar nova relação de bens móveis sujeitos a registo, tendo sido, então, proferido o seguinte despacho:

Sem prejuízo da antecedente informação, verifica-se que o documento junto pela requerente a fls. 232 e ss continua a não cumprir com as especificações estabelecidas no artigo 24.º, n.º 1, alínea e) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pese embora dupla notificação para o efeito, ambas sob expressa cominação de indeferimento liminar (fls. 216 e 230 do pp).

Face ao exposto, na sequência dos sobreditos despachos e da cominação aí efectuada, indefiro liminarmente o requerimento inicial.

Valor: o indicado pela requerente.

Custas pela requerente (artigo 446.º do Código de Processo Civil ex vi 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

Registe, notifique e publicite (artigo 27.º, n.º 2 do CIRE).

Inconformada com essa decisão, a Requerente veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1ª - A Requerente alegou factos bastantes e suficientes para ser decretada a sua insolvência;

2ª - Juntou, além da prova por confissão, documentos relativos aos exercícios contabilísticos, bem como a listagem de credores, devidamente identificados e os montantes das dívidas;

3ª - Juntou, ainda, a listagem do seu imobilizado a reflectir o seu acervo patrimonial de bens móveis não sujeitos a registo;

4ª - Anexou a listagem dos veículos que compõem a sua frota automóvel com cópia dos documentos de identificação;

5ª - Não existem motivos para indeferimento liminar, a listagem considerada em falta pelo Tribunal a quo não constitui um dos documentos essenciais para o decretamento da insolvência.

Aliás,

6ª - A listagem de bens prevista na alínea e) do nº 1 do art. 24º do CIRE trata-se de um acto instrumental à apreensão de bens a realizar posteriormente pelo Sr. Administrador Judicial.

7ª - O Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação e aplicação das normas legais previstas nos arts. 20º, 24º e 27º do CIRE.

Assim, conclui, deve ser alterada a decisão e ser decretada a insolvência.


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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a petição inicial deve ou não ser liminarmente indeferida em virtude a relação apresentada pela Requerente/Apelante – relação a que se reporta o art. 24º, nº 1, alínea e) do CIRE – não conter todas as especificações exigidas por lei.


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III.

Como já referimos, o requerimento inicial foi liminarmente indeferido em virtude de a relação de bens que a Requerente juntou aos autos não cumprir as especificações previstas no art. 24º, nº 1, alínea e) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1].

E o que nos é pedido – no presente recurso – é que avaliemos a bondade dessa decisão e a sua conformidade com as disposições legais aplicáveis.

Analisemos, pois, a questão.

De acordo com o disposto no art. 24º, nº 1, o devedor, quando seja o requerente, deve juntar com a petição inicial os documentos aí mencionados, devendo juntar, designadamente, a “relação de bens que o devedor detenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade, e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do seu valor actual” (cfr. alínea e) da norma citada); em alternativa – como dispõe o nº 2, alínea b), da citada norma – deverá o devedor justificar a não apresentação ou a não conformidade de alguns desses documentos.

Por outro lado, o art. 27º, ao regular a apreciação liminar desse requerimento, dispõe que o juiz:

a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente;

 b) Concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instrui-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada”.

Parece claro que os documentos a que alude o nº 1 do citado art. 24º não são imprescindíveis para o prosseguimento de processo de insolvência, até porque, como decorre da alínea b) do nº 2, foi expressamente admitida a possibilidade de o processo prosseguir sem esses documentos, bastando, para o efeito, que o requerente justifique a sua não apresentação.

De qualquer forma, e não nos cabendo fazer quaisquer juízos sobre as opções legislativas, a verdade é que se exigiu claramente – sob pena de indeferimento – que o devedor juntasse aqueles documentos ou que, pelo menos, justificasse a sua não apresentação. Com efeito, o citado art. 27º, nº 1, alínea b), determina, clara e expressamente, que a falta de junção daqueles documentos e a falta de justificação para essa omissão, conduzirá ao indeferimento liminar se essa falta persistir na sequência da notificação que, para o efeito, for dirigida ao requerente em cumprimento de despacho de aperfeiçoamento que, nos termos da norma citada, deverá ser proferido.

De facto, não acompanhamos o entendimento da Apelante quando refere – citando um Acórdão da Relação de Guimarães – que a falta desses documentos só poderá conduzir ao indeferimento do requerimento inicial quando tais documentos sejam essenciais ao prosseguimento do processo, dizendo, em suma, que o indeferimento liminar apenas poderá ocorrer caso se verifique a situação prevista na alínea a) do nº 1 do art. 27º.

Com efeito, concorde-se ou não com a opção do legislador, não é isso que decorre da norma em apreciação, onde, claramente, se encontram previstas duas situações em que deverá ocorrer o indeferimento liminar: na primeira situação – prevista na alínea a) e reportada aos casos em que o pedido é manifestamente improcedente ou aos casos em que ocorrem excepções dilatórias insupríveis e que, como tal, não são susceptíveis de sanação – o indeferimento liminar é imediato; a segunda situação reporta-se aos casos em que ocorrem vícios sanáveis da petição (por estarem em causa excepções dilatórias que podem ser supridas ou sanadas, designadamente, por carecer a petição de requisitos legais ou por não vir acompanhada dos documentos que hajam de instrui-la), caso em que o indeferimento liminar não é imediato e apenas ocorre quando o vício persistir depois de o requerente ser notificado para o corrigir.

De resto, nem se compreenderia muito bem qual o alcance da alínea b) se, afinal, o indeferimento liminar apenas pudesse ocorrer na situação prevista na alínea a), sendo certo que, ao contrário do que acontece na situação prevista na alínea b), a alínea a) apenas se reporta a vícios insupríveis (ou seja, os vícios que são susceptíveis de ser sanados ou resolvidos e que, por isso mesmo, não reclamam qualquer despacho de aperfeiçoamento).

Ora, quando a alínea b) se refere aos documentos que hajam de instruir a petição, está a referir-se claramente, e sem qualquer ressalva, aos documentos a que alude o art. 24º (nos casos em que o requerente é o devedor) e dispõe clara e expressamente que a concessão de prazo para juntar esses documentos é feita sob pena de indeferimento e, portanto, parece-nos claro que a falta de junção desses documentos dentro do aludido prazo ou a falta de justificação para tal omissão não poderão deixar de implicar o indeferimento da petição[2]. Refira-se, aliás, que, como decorre do art. 30º, nº 2, a mera circunstância de o devedor não juntar com a oposição a lista dos cinco maiores credores implica (claramente) o não recebimento da oposição, o que evidencia o propósito do legislador de sancionar de forma radical o devedor (não admitindo a sua petição ou a sua oposição) se o mesmo não juntar determinados documentos, ainda que estes não sejam absolutamente necessários ao imediato prosseguimento dos autos e ainda que pudessem ser apresentados em momento posterior ou substituídos por qualquer outro meio probatório.

 No caso sub júdice, a Requerente, tendo sido notificada – ao abrigo do citado art. 27º, nº 1, b) – para juntar a relação de bens a que alude a alínea e) do nº 1 do art. 24º, veio juntar tal relação, sendo que o requerimento inicial acabou por ser indeferido por se ter considerado que essa relação não cumpria com as especificações legais. Ou seja, não está aqui em causa a falta de junção de qualquer um dos documentos mencionados na norma citada, mas sim a circunstância de o documento apresentado não respeitar integralmente a imposição legal.

Ora, sendo certo que a falta de junção daqueles documentos conduz ao indeferimento liminar do requerimento inicial, resta saber se será essa também a solução a dar aos casos em que os documentos são apresentados mas não satisfazem – ou não satisfazem inteiramente – a imposição legal.

O indeferimento liminar do requerimento está, por norma, reservado para os casos em que não estão reunidos os pressupostos básicos e essenciais para que a pretensão formulada venha a merecer acolhimento, como acontece nos casos em que o pedido é manifestamente improcedente ou nos casos em que ocorrem excepções dilatórias que, não sendo sanadas, impedem o regular prosseguimento da instância.

Como já referimos, os documentos que são enunciados no nº 1 do art. 24º não serão, por regra, absolutamente necessários ao prosseguimento do processo – e tanto é assim que o legislador permitiu que o processo prosseguisse desde que o requerente justificasse a falta da sua apresentação – e destinam-se sobretudo a facilitar a actividade do administrador da insolvência e a facilitar – tornando mais célere – a apreciação de diversas questões que têm que ser analisadas ao longo do processo e que sempre exigiriam tais documentos. Assim sendo, a falta de junção desses documentos não teria, em princípio, relevância bastante para indeferir o requerimento inicial, até porque tais documentos sempre poderão vir a ser juntos em momento posterior[3]. Mas não foi essa a opção do legislador, já que, como dissemos, o que resulta da lei é a que a falta de junção desses documentos conduzirá ao indeferimento liminar da petição, se não for justificada.

Mas, se essa foi a clara opção do legislador no que toca à falta de junção desses documentos, a verdade é que nada de concreto se diz relativamente aos casos em que tais documentos são juntos mas não cumprem inteiramente os requisitos legais.

Ora, nesta situação, ponderando a importância atribuída pelo legislador à efectiva junção (logo no início do processo) desses documentos, mas ponderando também que o indeferimento liminar apenas se justifica em casos objectivamente graves, não poderemos deixar de concluir que as deficiências daqueles documentos (por não cumprirem os requisitos legais) apenas poderão conduzir ao indeferimento liminar quando forem substancialmente graves e de molde a poderem ser equiparadas à falta de junção desses documentos. Assim, as deficiências ou falhas desses documentos justificarão o indeferimento liminar quando, por força delas, tais documentos não tiverem a idoneidade necessária para cumprir minimamente os objectivos e as finalidades que visam alcançar; já não se justificará tal indeferimento quando estão em causa deficiências de natureza formal ou deficiências que não têm a relevância bastante para comprometer a função dos documentos em causa ou que poderão ser facilmente colmatadas com o desenvolvimento do processo.

Vejamos o que se passa no caso sub júdice.

Está aqui em causa a relação de bens a que alude a alínea e) do nº 1 do art. 24º que, nos termos da previsão legal, corresponde à relação de bens que o devedor detenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade, e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados da identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do seu valor actual.

Em cumprimento do referido preceito legal, a Requerente começou por juntar aos autos a listagem do seu imobilizado, onde constavam os seus bens. Tal listagem identificava os bens e mencionava o respectivo valor.

Porque, segundo despacho proferido nos autos, aquela relação não obedecia às especificações constantes da alínea e), a Requerente veio juntar nova relação referente aos bens sujeitos a registo, identificando esses bens, indicando o valor de aquisição e a estimativa do valor actual, anexando ainda os títulos de registo de propriedade.

Considerou, não obstante, o despacho recorrido que tal relação continuava a não cumprir com as especificações constantes da referida alínea e) e, por isso, indeferiu liminarmente o requerimento inicial.

Importa dizer, desde já, que o despacho recorrido não disse e não esclareceu quais as concretas especificações que estavam em falta e que conduziram ao indeferimento liminar.

A verdade é que não encontramos qualquer anomalia na relação de bens referente aos bens móveis sujeitos a registo, pois que tal relação identifica os bens, menciona o valor de aquisição, indica a estimativa do valor actual, refere que tais bens estão registados em nome da Requerente, sem ónus e encargos associados e vem acompanhada dos documentos que contêm os dados de identificação registral. Parece, portanto, que tal relação contém todos os elementos que são exigidos no art. 24º, nº 1, alínea e), ressalvando a indicação do lugar onde se encontram (falha que não terá grande relevância, pois que, ao que tudo indica, estarão na posse da Requerente e, portanto, estarão nas suas instalações ou em circulação).

No que diz respeito aos demais bens, a Requerente juntou a listagem do seu imobilizado e, embora se possa dizer que esta listagem não corresponderá exactamente à relação exigida por lei, a verdade é que a mesma contém a identificação e a natureza dos bens, bem como o valor pelo qual constam do activo e, portanto, não nos parece que ela seja inapta para alcançar os objectivos pretendidos pelo legislador e que, como tal, possa e deva ser equiparada à falta de junção de qualquer relação, para efeitos de determinar o indeferimento liminar da petição.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda[4], a relação de bens em causa “…releva, sobretudo, para simplificar a apreensão para a massa e a decisão sobre o destino dos contratos em curso, tendo em atenção o que se determina nos arts. 81º, nº 1, 149º e 150º, bem como nos arts. 102º e seguintes”.

Não tendo sido relacionados quaisquer bens que a Requerente detenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade (devendo, assim, concluir-se que todos os bens são propriedade da Requerente e que não são objecto de qualquer contrato cujo destino deva ser objecto de análise nos presentes autos), a relação em causa relevará, essencialmente, para simplificar a apreensão dos bens para a massa e, estando os bens devidamente identificados na relação apresentada, não nos parece que deva concluir-se que a mesma não tem idoneidade e utilidade para esse efeito. A mera circunstância de as relações apresentadas não indicarem a localização dos bens ou a circunstância de a relação apresentada relativamente aos bens não sujeitos a registo indicar apenas o valor inscrito no activo, sem discriminar o valor de aquisição e a estimativa do valor actual (e não detectamos outras irregularidades) correspondem apenas a meras irregularidades, sem grande relevância e facilmente ultrapassáveis e que não assumem a gravidade bastante para justificar o indeferimento liminar da petição.

Revoga-se, pois, a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, com a declaração de insolvência se nada mais obstar a tal.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Em conformidade com o disposto no art. 27º, nº 1, alínea b), do CIRE, a falta de junção dos documentos enunciados no art. 24º, nº 1, do mesmo diploma e a falta de justificação dessa omissão, de acordo com o disposto no nº 2, alínea b), deste art. 24º, conduz ao indeferimento liminar da petição (quando esta é apresentada pelo devedor), se essa falta persistir na sequência da notificação a que alude o art. 27º, nº 1, alínea b).

II – O mesmo não acontece (necessariamente) quando tais documentos são apresentados mas não cumprem os requisitos legais; nestes casos, só se justificará o indeferimento liminar da petição quando as falhas ou deficiências forem substancialmente graves e de molde a poderem ser equiparadas à falta dos documentos e isso apenas acontecerá quando os documentos, tal como foram apresentados, não possuem a aptidão necessária para cumprir minimamente os objectivos e as finalidades que visam alcançar.

III – Assim sendo, não há lugar ao indeferimento liminar da petição quando as falhas ou deficiências dos documentos apresentados são de natureza formal e sem relevância bastante para comprometer a sua função e utilidade, podendo ser facilmente colmatadas com o desenrolar do processo. 


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IV.
Pelo exposto, concedendo-se provimento ao presente recurso, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, com a declaração de insolvência, se nada mais a tal obstar.
Sem custas.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Diploma a que se reportam as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem.
[2] Neste sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, págs. 152, 153, 162 e 163.
[3] Cfr. em sentido semelhante Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit. pág. 153.
[4] Ob. cit, pág. 155.