Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1952/10.8T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV AVEIRO JGIC JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.306, 323, 325, 326, 498 CC, 385, 408, 485 CPC
Sumário: 1. Para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito, podendo verificar-se num acto preparatório (procedimento cautelar), devendo o acto do titular do direito exprimir, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito.

2. No âmbito dos procedimentos cautelares, verificar-se-á a interrupção do prazo prescricional sempre que ao requerido seja dada a possibilidade de se opor ao decretamento da providência ou nos casos em que lhe é dado conhecimento da providência decretada.

3. Quando não tenha sido ouvido antecipadamente (devido à dispensa do contraditório ou à inviabilidade da citação pessoal) apenas tem de ser notificada ao requerido a decisão que tenha julgado total ou parcialmente procedente a pretensão cautelar.

4. No caso do arresto, o efeito interruptivo produz-se com a notificação do despacho que decreta o arresto (que ordena a sua efectivação) – a interrupção não se inicia com a apresentação em juízo da pretensão do credor mas no momento em que o devedor tem ou devia ter conhecimento (oficial) daquela pretensão.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A (…), S. A., propôs na Comarca do Baixo Vouga (Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro) a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra J (…), pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 170 810,45 e juros vincendos desde a citação, como indemnização pelos danos patrimoniais resultantes da actuação do Réu descrita na petição inicial (p. i.).

Alegou, em síntese, que ficou prejudicada em consequência da acção, julgada improcedente, que lhe foi movida pelo Réu e que correu termos sob o n.º 56/03.4TBVGS, na qual este pretendeu obter a invalidade (por via da simulação) da aquisição pela A. de 36 lotes de terreno para construção, pois ficou então impedida de negociar os lotes e teve de pagar juros pelo empréstimo bancário com que se financiou.

O Réu invocou na contestação a excepção (peremptória) da prescrição do direito à indemnização, aduzindo, designadamente, que, pretendendo a A., exercitar aquele direito por factos relativos a responsabilidade civil extra-contratual, deveria tê-lo feito no prazo de três anos a contar do momento em que tomou conhecimento da sua existência [o que, in casu, ocorreu a 03.02.2003, data a que reportou o início dos danos em causa, nos autos de acção 56/03.4TBVGS ou, se assim não se entender, quando a Ré ali apresentou articulado, isto é, a 06.3.2003, ou, subsidiariamente, a 11.4.2006, em que caducou o registo da acção e cessou o facto impeditivo da venda dos lotes do qual a A. faz emergir os danos cuja indemnização aqui peticiona], prazo há muito transcorrido, com a consequente prescrição do direito.

Replicando, disse a A. que a questão subjacente à acção cuja propositura deu origem aos danos que aqui invoca apenas ficou decidida por acórdão proferido pela Relação de Coimbra a 04.10.2007 e só aí ficou definitivamente esclarecido não ter existido a simulação invocada pelo aqui Réu (ali A.); considerando o prazo do trânsito em julgado desse acórdão, os três anos previstos no art.º 498º, n.º 1, Código Civil (CC), teriam decorrido até 17.10.2010; porém, a 01.10.2010, instaurou o procedimento cautelar apenso de arresto, indeferido por despacho de 26.10.2010, procedimento que produziu a prescrição por via do disposto no art.º 323º, do CC, uma vez que, na sequência daquele despacho de indeferimento, o A. apresentou a acção no prazo previsto no art.º 476º, do Código de Processo Civil (CPC), pelo que a data de propositura desta acção deve considerar-se como a da propositura do aludido procedimento cautelar.

No despacho saneador julgou-se procedente a excepção de prescrição, absolvendo-se o Réu do pedido.

A referida decisão ficou assim fundamentada:

Dispõe o art.º 498º, n.º1, CC que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a partir do momento em que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe assiste.

Ora, a aqui A. rebela-se – por se considerar lesada – contra a propositura da acção pelo R., no Tribunal de Vagos, a qual correu termos sob o n.º 56/03.4TBVGS, e na qual este pretendeu obter a invalidade (nulidade por via da simulação) da aquisição pela A. de 36 lotes de terreno para construção. Impedida de negociar os lotes e pagando juros pelo empréstimo bancário com que se financiou, e tendo aquela acção sido julgada improcedente, julga-se a A. com direito a ser indemnizada pelo Réu, ali demandante.

Parece-nos inequívoco, pois, que o momento a partir do qual o lesado – a A. – teve conhecimento do direito que lhe assiste é o da data do trânsito em julgado da decisão final que resolveu aquele litígio.

As datas apontadas pelo Réu como ´dies a quo´ não são de atender porquanto, nessas alturas, estava ainda a A. impedida de saber qual o desfecho final da acção. Considere-se que o mesmo lhe era desfavorável e já a A. não teria o fundamento que agora invoca para propôr contra o Réu acção de responsabilidade civil. Assim, só quando soube que a decisão lhe era favorável, em definitivo, é que a A. teve conhecimento do direito que lhe assistia. Antes disso, não pode dizer-se que o tinha porque a decisão poderia ser-lhe desfavorável e, se o fosse, não teria esse direito. Pelo que, antes da decisão, a A. estava na incerteza quanto ao seu direito.

Ora, o Acórdão final da Relação de Coimbra que resolveu aquele litígio em definitivo transitou em julgado a 19.10.2007 e a presente acção foi instaurada a 12.11.2010, isto é, depois do prazo de três anos previsto no art.º 498º, n.º1, do Código Civil.

Transcorrido aquele prazo importa verificar se, porventura, o mesmo se terá interrompido.

A interrupção exprime um facto contrário à inércia ou negligência do titular do direito em exercê-lo atempadamente e, a partir do acto interruptivo, começa a contar-se novo prazo (art.º 326º CC).

As causas de interrupção encontram-se previstas nos art.ºs 323º e 325º Código Civil.

Deste modo a prescrição interrompe-se pelo exercício judicial do direito e com a citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de o exercer. Trata-se, assim, de mais um dos efeitos próprios da citação, momento a partir do qual se inicia a instância, quanto aos demandados, a acrescer aos exemplificados no art.º 481º, do CPC.

O art.º 323º, n.º 1, do Código de Processo Civil, considera que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação que ocorra em qualquer processo a que o acto pertence.

Quer isto dizer que, se se considera para estes efeitos processo uma notificação judicial avulsa (como sucede com o Ac. de Uniformização de Jurisprudência de 26.3.98, no Proc. 97519, em www.dgsi.pt), também à providência prévia à acção cautelar quadra aquele efeito.

Por outra parte, o n.º 2 do mesmo art.º 323º contém uma ficção de citação: se esta não ocorrer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida.

O que aqui sucedeu foi que a A. instaurou arresto como preliminar à acção ordinária e, tivesse tal arresto sido deferido, a prescrição tinha-se por interrompida nos cinco dias posteriores à sua propositura (a providência cautelar foi apresentada a 01.10.2010).

Todavia, o arresto foi julgado improcedente por falta de verificação das respectivas condições de procedência.

Sucedeu aqui algo semelhante ao que anteriormente ocorria e ainda ocorre - nos poucos casos em que a lei o prevê - com indeferimento liminar da petição inicial.

Aí, o A. pode renovar a instância, no prazo de 10 dias, nos termos do art.º 476º, do Código de Processo Civil, e a acção considera-se proposta na data anterior, mas isso tem apenas efeitos no caso de impedimento da caducidade (art.º 331º, n.º 1, do Código Civil), pois “já no que respeita à interrupção da prescrição no termo do prazo de 5 dias posterior à propositura da acção, não pode considerar-se ocorrida, nos termos do art.º 323º, n.º 2, do Código Civil, uma vez que o atraso na citação é imputável ao autor” (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anot. 2º Vol., pág. 251).

Como se vê, para efeitos de ficção da citação interruptiva da prescrição cinco dias após a propositura da acção, não pode considerar-se o disposto no art.º 476º, do Código de Processo Civil, porque este é um remédio processual que a lei confere ao A. que, por culpa sua, viu a petição anterior ser rejeitada.

O arresto não foi decretado por não estarem reunidas as condições para a sua procedência e a reunião destas era ónus da A..

Logo, falece o requisito de não ser por culpa sua que a citação se não efectivou naquele prazo de cinco dias.

Ademais, ainda que se assim fosse, sempre se verifica in casu que a A. não apresentou a petição inicial destes autos nos 10 dias posteriores à notificação da decisão que julgou improcedente o arresto, porquanto esta lhe foi notificada em acta a 26.10.2010 (fls. 193 dos autos apensos) e a petição inicial destes autos deu entrada a 13.11.2010.”

Inconformada e continuando a pugnar pela improcedência da referida excepção da prescrição e o prosseguimento da acção, a A. interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

1ª - O acórdão que serve de fundamento à presente acção, transitou, de facto, aos 19.10.2007, pelo que, caso não tivesse ocorrido facto interruptivo, o direito da recorrente a efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Réu, na sequência da acção n.º 56/03.4TBVGS, teria prescrito no mesmo dia e mês de 2010.

2ª - A petição inicial dos presentes autos deu entrada em 12.11.2010.

3ª - Aos 01.10.2010, a A. fez distribuir procedimento cautelar de arresto contra o Réu, a que foi atribuído o n.º 1683/10.9T2AVR, e que correu seus termos no Juiz 3 do Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro.

4ª - Tal procedimento viria a ser julgado improcedente, por decisão de 26.10.2010.

5ª - Tal procedimento, revela a intenção da A. exercer o direito que julga ter sobre o Réu, pelo que não pode deixar de se considerar facto interruptivo do prazo prescricional.

6ª - Sendo irrelevante o facto de o Réu não ter sido citado.

7ª - Esta não citação ocorreu por razões processuais (ter sido pedido o arresto sem audição prévia do requerido), pelo que se encontra preenchido o condicionalismo do n.º 2 do art.º 323º, do CC.

8ª - O requerido deveria ter sido notificado da decisão que indeferiu tal providência e, esta notificação, preenche o condicionalismo do n.º 4 da mesma norma legal.

9ª - Para efeitos do disposto naqueles normativos, o que conta é a intenção de o lesado exercer o seu direito, a qual deve manifestar judicialmente.

10ª - A decisão recorrida viola o disposto nos art.º 323º, n.ºs 1, 2 e 4 e 498º, n.º 1, do CC.

O Réu respondeu à alegação de recurso e concluiu pela sua improcedência.

Os autos voltaram à 1ª instância para fixação do valor da causa (fls. 294 e 299).

            Atento o referido acervo conclusivo [delimitativo do objecto do recurso - art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do CPC, na redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8][1], coloca-se, sobretudo, a questão de saber se para a interrupção do prazo da prescrição (causa de interrupção do prazo de prescrição) releva a data da instauração do procedimento cautelar de arresto ou apenas a data da notificação à parte contrária da decisão nele proferida.


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II. 1. Para a decisão do recurso importa considerar todo o circunstancialismo fáctico supra referido, destacando-se[2]:

a) O Réu J (…) instaurou a acção n.º 56/03.4TBVGS decidida, em recurso, por acórdão desta Relação de 02.10.2007 (que confirmou o decidido em 1ª instância), transitado em julgado a 19.10.2007 e cujo desfecho (improcedência) fundamentou a pretensão deduzida na presente acção.

b) Que foi proposta em 12.11.2010.

c) Como preliminar da acção, a 01.10.2010, a A. instaurou procedimento cautelar de arresto contra o Réu, a que foi atribuído o n.º 1683/10.9T2AVR e correu seus termos no Juízo (3) de Grande Instância Cível de Aveiro.

d) E que foi julgado improcedente por decisão de 26.10.2010.

2. A nossa lei prevê a regra de que todos os direitos estão sujeitos a prescrição e admite a distinção entre prescrição e caducidade, ao dispor, designadamente, que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298º, n.º 1, do CC); quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (n.º 2, do mesmo art.º).

            Não importando aqui considerar as diferenças de regime entre os referidos institutos, dir-se-á ainda que a prescrição extintiva dirige-se fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade e, diversamente da caducidade, parte, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo e que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto, ao passo que, na caducidade, só o aspecto objectivo da certeza e segurança é tomado em conta.[3]

            3. A causa de pedir trazida para os presentes autos assenta na imputada prática de factos ilícitos por parte do Réu, dos quais teriam resultado para a A. os danos patrimoniais referidos na p. i. e que esta pretende ver indemnizados em sede de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana.

            O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (…) [art.º 498º, n.º 1, do CC], salvo se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, sendo então este o aplicável [n.º 3, do mesmo art.], enquadrando-se o caso em análise naquela primeira situação.

O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (art.º 306º, n.º 1, 1ª parte, do CC).

A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. É equiparado à citação ou notificação (…) qualquer [outro] meio judicial pelo qual se dá conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido [art.º 323º, n.ºs 1, 2 e 4, do CC].

São, assim, requisitos cumulativos desse meio de interrupção da prescrição: a prática de acto, num processo de qualquer natureza; ser esse acto adequado a exprimir a intenção de exercício do direito pelo seu titular, e a comunicação ao devedor do mesmo acto por citação ou notificação judicial.

O meio normal de expressão directa da intenção de exercício do direito é a propositura de acção em que se pede a condenação do devedor no pagamento da prestação ou no reconhecimento do direito ou a formulação do pedido por via reconvencional, e, como meios indirectos, têm sido indicados os de pedido de intervenção do devedor na causa, de chamamento de garantes, de reclamação de créditos em execução ou falência, de exercício da compensação no processo, de dedução de acusação em processo criminal ou de intervenção nesse processo como assistente, pois esses actos são praticados também com a intenção de exercer o respectivo direito.[4]

Atendendo aos interesses visados pelo instituto da prescrição – a regra geral é a prescrição dos direitos, destinada a evitar o seu exercício depois de decorrido certo período de tempo –, a sua interrupção reveste carácter excepcional e só é, por isso, admitida em circunstâncias especiais.

4. Em matéria de procedimentos cautelares, sabemos que quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação (art.º 485º, n.º 6, na redacção introduzida pelo DL n.º 38/2003, de 08.3).

No procedimento cautelar de arresto, examinadas as provas produzidas, a providência é decretada, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais (art.º 408º, n.º 1).

5. Perante a factualidade mencionada em II. 1., supra, e o apontado regime jurídico, afigura-se que a recorrente não tem razão.

Para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito, podendo verificar-se num acto preparatório (procedimento cautelar), devendo o acto do titular do direito exprimir, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito.

O facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito; o efeito interruptivo terá lugar quando o obrigado tem ou deve ter conhecimento (oficial) do exercício do direito.

No âmbito dos procedimentos cautelares, verificar-se-á a interrupção do prazo prescricional sempre que ao requerido seja dada a possibilidade de se opor ao decretamento da providência ou nos casos em que lhe é dado conhecimento da providência decretada; quando o requerido não tiver sido ouvido antes de decretada a providência, deve ser notificado da decisão logo que esta se realize (depois de completada a realização da providência requerida; após a total realização material da providência cautelar); quando o requerido não tenha sido ouvido antecipadamente (devido à dispensa do contraditório ou à inviabilidade da citação pessoal) apenas tem de ser notificada ao requerido a decisão que tenha julgado total ou parcialmente procedente a pretensão cautelar (art.º 385º, n.ºs 1, 2, 4 e 6); no caso do arresto, o efeito interruptivo produz-se com a notificação do despacho que decreta o arresto (que ordena a sua efectivação).

A ratio legis dos mencionados preceitos legais exige que os actos interruptivos realizados pelo credor por via judicial só assumam relevância para o devedor quando este toma deles conhecimento; a interrupção só deve ocorrer a partir do momento em que a pretensão do credor é levada ao conhecimento do devedor; a interrupção não deve iniciar-se com a apresentação em juízo da pretensão do credor mas antes no momento em que o devedor tem ou devia ter conhecimento (oficial) daquela pretensão.

Assim, nos casos em que haja notificação é a partir desta que se dá a interrupção.[5]

6. O efeito interruptivo de uma citação ou notificação baseia-se em que, a partir dela, o devedor fica a ter conhecimento do exercício judicial do direito pelo respectivo titular; daí que se justifique atribuir o mesmo efeito a uma notificação judicial avulsa ou a qualquer outro meio judicial pelo qual se dá conhecimento do exercício judicial do direito.[6]

7. A simples instauração do procedimento cautelar de arresto não constituiu por si só facto interruptivo do prazo prescricional, interrupção que apenas se verificaria quando o requerido (Réu) tivesse conhecimento da pretensão deduzida pela requerente (A.).

Sendo relevante e necessária tal notificação e devendo-se verificar a data em que tenha lugar para estabelecer o momento da interrupção, esta apenas poderia ter lugar se a providência tivesse sido parcial ou totalmente decretada, notificando-se o requerido.

Em razão da improcedência do procedimento de arresto, não se impunha levar a cabo tal notificação.

Porém, no caso vertente, independentemente do desfecho do procedimento cautelar de arresto, proferida a decisão a 26.10.2010, ainda que a mesma fosse no sentido do atendimento da pretensão deduzida no procedimento, a notificação que viesse a ter lugar sempre ocorreria já depois de transcorrido o prazo de prescrição do direito que a A. pretendia fazer valer através da presente acção.

Na verdade, a 19.10.2010, completou-se o prazo de prescrição do direito da A.. Esta deveria ter instaurado a acção principal antes dessa data, atenta a previsão do art.º 323º, n.ºs 1 e 2, do CC, ou adoptar qualquer outro procedimento susceptível de em tempo útil levar ao conhecimento do devedor (Réu) o direito que contra ele pretendia fazer valer em juízo, o que não sucedeu, sendo certo que, ao optar pela prévia instauração do procedimento cautelar de arresto, a A. descurou a possibilidade de o requerido/Réu vir a ter conhecimento dos factos em data posterior ao completar daquele prazo prescricional de 3 (três) anos, o que, de facto, veio a acontecer, porquanto o Réu apenas teve esse conhecimento com a citação para os termos da presente acção.

Daí que, com o devido respeito, não se sufrague o entendimento adoptado na decisão sob censura quando se afirma que “tivesse tal arresto sido deferido, a prescrição tinha-se por interrompida nos cinco dias posteriores à sua propositura (…)”, sendo embora óbvio que não ocorreu no caso vertente qualquer desrespeito ao disposto no n.º 2 do art.º 323º, do CC, e que também não se impunha a notificação ao requerido da decisão de indeferimento da providência.[7]

8. Assim, nas circunstâncias de tempo supra referidas e atendendo ao regime jurídico aplicável, a A. deveria ter adoptado precisamente a actuação contrária à que decidiu seguir, intentando de imediato/atempadamente a acção principal e instaurando o arresto de forma incidental e sem prejuízo das cautelas que o caso reclamasse.

Ao seguir o caminho que se deixou exposto veio a dar azo a que o seu pretenso direito devesse ser declarado extinto por prescrição.

Não se mostram violadas quaisquer das disposições legais supra referidas.

Soçobram desta forma as “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, embora, parcialmente, com diferente fundamentação.

Custas pela apelante.


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Fonte Ramos ( Relator )

Carlos Querido

Virgílio Mateus



[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[2] Tais elementos decorrem dos autos, nomeadamente, da certidão de fls. 249.
[3] Vide, nomeadamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 1985, páginas 373 e seguintes e Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1974, páginas 445 e seguintes.
    Cf. ainda, de entre vários, o acórdão do STJ de 09.7.1998, in BMJ, 479º, 572.
[4] Vide Vaz Serra, RLJ, anos 103º, pág. 415, e 112º, pág. 290.
[5] Vide sobre todo este ponto, de entre vários, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, 3ª edição, Coimbra, 1981, pág. 41; Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 288 e seguinte; José Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra Editora, 1953, págs. 153 e seguintes e 171; Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, in BMJ 106º, págs. 189 e 205 e seguintes; José Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 27, 29 e 129 e A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 3ª edição, Almedina, 2004, págs. 196 e 201 e seguinte.
[6] Cf. o acórdão do STJ de 26.3.1998-processo 97A519 (publicado no “site” da dgsi) que uniformizou a jurisprudência da seguinte forma: “A notificação judicial avulsa, pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito, é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do art.º 323 do CC”.
[7] Neste enquadramento, dir-se-á que a situação versada no acórdão do STJ de 02.3.2011, publicado na CJ-STJ, XIX, 1, 106 (referido na alegação de recurso) e a solução propugnada nesse aresto apenas nos dão conta da relevância da notificação nos termos do art.º 229º-A, do CPC, como “meio judicial equiparado à citação ou notificação nos termos do art.º 323º, n.º 4, do CC”.