Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
47/15.2T8FCR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: CLÁUSULA PENAL COMPULSÓRIA
REDUÇÃO
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – F.C.RODRIGO – JUÍZO COMP. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 811º E 812º DO C. CIVIL.
Sumário: I. Tendo as partes convencionado que no caso dos devedores entrarem em incumprimento poderia a 1.ª contraente “considerar vencida toda a dívida e exigir o pagamento imediato de tudo o que lhe fosse devido, acrescido de juros à taxa legal, da quantia de €2.500,00 a título de cláusula penal e da quantia fixada na aludida cláusula terceira”, estamos perante uma cláusula penal exclusivamente compulsória, destinada a pressionar os devedores ao pontual cumprimento do acordo celebrado.

II. Assente que a previsão da aludida penalidade visava forçar os devedores ao cumprimento pontual do acordado, encontra-se a mesma excluída do âmbito de aplicação do convocado art.º 811.º do C. Civil, disposição legal reservada às cláusulas penais de fixação antecipada de indemnização, podendo portando o credor cumular licitamente a quantia fixada com a exigência do pagamento da quantia em dívida e juros de mora vencidos e não prescritos.

III. Arredada a aplicação da disciplina do art.º 811.º, eventual redução equitativa da pena só poderia ser decretada ao abrigo do disposto no art.º 812.º, caso em que teria de ser pedida por aquele a quem aproveita, sendo embora de admitir que a invocação possa ser feita de forma implícita, mediante manifestada discordância com o montante da pena.

IV. Nada tendo dito os embargantes, dada a qualificação que fizeram da cláusula, quanto a eventual excesso do montante da pena, tal omissão constitui obstáculo à ponderação de eventual redução equitativa ao abrigo do art.º 812.º, cuja aplicação, em todo o caso, exige e pressupõe um excesso extraordinário.

Decisão Texto Integral:





Relatório

Por apenso à execução que lhes é movida por F..., SA, para cobrança da quantia de €8.205,05, vieram os executados J... e mulher, I..., deduzir oposição por meio de embargos, aqui tendo invocado a excepção do pagamento da quantia exequenda.

Mais alegaram que tendo sido estipulada uma cláusula penal, tal é incompatível com a liquidação de juros de mora e pedido de condenação dos embargantes no pagamento de encargos, conforme pretende a exequente, do que resulta a nulidade da cláusula por inexistência de qualquer prejuízo a reparar. Acresce que os valores assim reclamados excedem a dívida de capital, sendo certo que a exequente não alega nem prova quaisquer despesas com a cobrança em causa.

Concluíram pela procedência dos embargos, com a consequente extinção da instância executiva ou “caso assim se não entenda, deve ser declarada prescrita a obrigação imputada aos executados, nomeadamente a de juros”.

Notificada a exequente/embargada, contestou nos termos da peça constante de fls. 16 a 23 dos autos, nela tendo impugnado quanto foi alegado pelos executados, acrescentando que para pagamento do remanescente da quantia inscrita no título executivo procedeu o executado marido procedeu à emissão de um cheque titulando o valor de €3.272,93, o qual veio a ser devolvido na compensação por ter sido apresentado fora do prazo legal, sendo certo que a quantia nele inscrita nunca veio a ser paga.

Quanto à cláusula penal, alega ter sido livremente aceite pelas partes, sendo por isso devido o montante a este título reclamado, outro tanto valendo para os juros e despesas de cobrança.

Imputando aos embargantes conduta processual reprovável, por terem alegado em sua defesa facto que bem sabiam não ser verdadeiro, pediu a condenação daqueles como litigantes de má-fé em multa e indemnização a seu favor, a fixar em montante não inferior a 5 Ucs.

Tendo os autos prosseguido para julgamento, teve lugar a respectiva audiência, no início da qual os executados colocaram à disposição da exequente um cheque no valor de €3.232,93, acrescido dos juros vencidos desde 2/4/2011, requerendo que com tal oferta de pagamento fosse declarada extinta a execução, tendo ainda invocado a impropriedade do documento particular dado à execução para servir como título executivo.

A exequente/embargada opôs-se ao requerido, por considerar encontrarem-se em dívida outras quantias, vindo a Mm.ª juíza a proferir douto despacho afirmando que o documento particular dado à execução era válido como título executivo.

Finda a audiência, foi proferida douta sentença que, tendo julgado parcialmente procedente a excepção peremptória da prescrição quanto aos juros vencidos há mais de 5 anos, tendo por referência a data da citação dos executados, julgou os embargos improcedentes quanto ao mais.

Inconformados, apelaram os embargantes e, tendo desenvolvido nas suas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes conclusões:

...

Indicando como violadas as disposições legais contidas nos art.ºs 523.º, 595.º, 770.º, 798.º, 805.º, 806.º, 811.º, 857.º e 861.º, todos dos CC, e art.º 615 n.º 1, als b) e c) do CPC, requerem a final a revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que dê integral provimento aos embargos, julgando extinta a execução.

*

Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões nele suscitadas e de que cumpre conhecer:
i.  indagar da existência da alegada contradição entre os factos provados e o facto não provado, e da existência quanto a este erro de julgamento;
ii. determinar se a obrigação exequenda se encontra extinta pelo pagamento ou novação;
iii. decidir da validade da cláusula penal.

*

...

Os apelantes, conforme se infere das disposições legais que indicam como tendo sido infringidas, configuram tal alegada contradição como vício da sentença previsto nas als. b) e c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. Mas sem rigor o fazem.

Observa-se, antes de mais, que a oposição considerada no art.º 615.º, nº 1, c) do NCPC (a invocação da al. b), surgindo como despropositada e não justificada não será objecto de apreciação) e que inquina a sentença, pressupõe a existência de uma real contradição entre o dispositivo e os respectivos fundamentos.

Conforme se entendia à luz do CPC cessante, entendimento que mantém plena actualidade, a nulidade em causa “...pressupõe um erro lógico na ponta final da argumentação jurídica: os fundamentos invocados apontam num sentido, e, inesperadamente, contra a conclusão decisória que dos mesmos, e dentro da linha de raciocínio adoptada, se esperava, veio-se a optar afinal pela solução adversa[1]. Já a circunstância de se darem como provados factos que se contradigam, podendo traduzir uma errada decisão de facto, conduzindo a eventual erro na aplicação do direito, não integra contudo a oposição de que trata a alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, consubstanciando antes um vício do julgamento de facto.”.
Por outro lado, a contradição que se aponte à decisão proferida sobre a matéria de facto, supõe, em princípio, verificar-se uma colisão entre determinados factos dados como assentes, de forma que o conteúdo de um seja de todo inconciliável com o conteúdo de outro. Já a eventual contradição entre factos provados e factualidade julgada não provada não assumirá, em princípio, qualquer relevância, uma vez que um facto dado como não demonstrado nenhum juízo permitirá formular sobre os factos a indagar, tudo se passando como se não tivesse sido alegado[2].

No caso em apreço, para lá de estar em confronto um facto provado e não provado, o que impede qualquer contradição relevante, a verdade é que inexiste qualquer colisão, havendo que atentar também no facto assente em 3., que dá a conhecer ter sido o aludido cheque devolvido na compensação com a menção de que foi apresentado a pagamento fora do prazo legal. Tendo o cheque sido devolvido, com a consequência de não ter sido recebida a quantia nele inscrita, lógica a resposta de não provado ao alegado pagamento integral.

Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença, não se verificando, do mesmo passo, qualquer contradição entre os enunciados factos.

*

Os recorrentes impugnam ainda a decisão proferida sobre a matéria de facto em discussão, pretendendo que se dê como provado que os executados liquidaram na íntegra as prestações acordadas, indicando para tanto o depoimento de parte do executado marido, que alegam não ter sido infirmado pelos testemunhos prestados e que, nessa medida, deverão ser reapreciados.

Pois bem, sendo certo que sobre os embargantes recaía o ónus da prova do invocado pagamento (cf. art.º 342,º, n.º 2 entada do CC), basta atentar na assentada que ficou a constar da acta para concluir pelo infundado da pretensão modificativa formulada nesta sede de recurso, uma vez que o embargante marido, alegando embora ter tomado conhecimento da recusa de pagamento do cheque em momento muito posterior à sua devolução, não deixou de confessar-se devedor da quantia nele inscrita. Inútil seria, pois, proceder à audição de quaisquer testemunhos com a finalidade de concluir que não contrariam a alegação dos embargantes no sentido de que procederam ao pagamento da totalidade da quantia constante do título executivo, isto por duas ordens de razões essenciais: primeiro, importando aos embargantes a prova do facto positivo pagamento, eventuais testemunhos omissos a este respeito não seriam suficientes para que o mesmo fosse julgado provado; depois, e decisivamente, porque o próprio embargante marido reconheceu que tal pagamento integral não foi feito, o que o cheque devolvido cujo original se encontra agora a fls. 63, corrobora.

Improcede, pois, a impugnação dirigida à matéria de facto.

*

II. Fundamentação

De facto

Imodificada, é a seguinte a factualidade a atender, tal como nos chega da 1.ª instância:

De direito

ii. Da novação

Os embargantes insistem que a obrigação exequenda se encontra extinta, desta feita por ter ocorrido assunção de dívida e novação. Se bem compreendemos a alegação, a obrigação do pagamento do remanescente em dívida à data da emissão do cheque teria sido assumido pela sociedade emitente e a emissão do título traduziria a vontade de substituir a dívida antiga por uma nova, com a consequente extinção da primeira e liberação dos ora apelantes.

A este respeito dir-se-á liminarmente que estamos perante matéria nova, não invocada e, por isso, não apreciada na decisão recorrida, sendo certo que os embargantes estavam obrigados a deduzir toda a defesa na petição de embargos. A inobservância deste ónus de concentração importa a preclusão dos fundamentos que não tenham sido oportunamente alegados, estando portanto vedado aos embargantes a sua invocação em sede de alegações.

Não obstante, e muito brevemente, dir-se-á que a obrigação exequenda não se mostra extinta por novação.

Assim, e antes de mais, mesmo admitindo que ao emitir o cheque a que se reportam os autos para pagar uma dívida dos embargantes a sociedade sacadora tenha adoptado um comportamento concludente no sentido da sua assunção, a verdade é que, conforme os recorrentes não deixam de reconhecer, inexiste declaração expressa da credora embargante no sentido de desonerar os primitivos devedores, que continuaram por isso vinculados ao cumprimento da obrigação (cf. art.º 595.º, n.º 2 do CC)[3] No que respeita à novação, sendo modo de extinção das obrigações, pode ser objectiva, quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga (cf. art.º 857.º) ou subjectiva, o que ocorre quando, para o que aqui releva, um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor (art.º 858.º), sendo certo que a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.

Ora, no caso vertente, falece claramente esta manifestação de vontade (animus novandi) no sentido da contracção de uma nova obrigação, tanto bastando para arredar a novação. Face à factualidade apurada, tendemos mesmo a considerar que a entrega do cheque em causa configurou antes uma “datio pro solvendo”, visando os executados com a entrega do cheque facilitar à recorrida a realização do seu direito de crédito. Daí que, recusado o pagamento do cheque, se mantenha a dívida[4] Improcede, pois, este fundamento recursivo.

iii. Da cláusula penal

Persistem ainda os embargantes na invocação da nulidade da cláusula penal, estribando-se em diversos argumentos, a saber: a embargada pretende cobrar juros, cláusula penal e encargos de cobrança, valores superiores à dívida de capital; não alega qualquer prejuízo que justifique a cobrança da cláusula penal, até porque reclama juros e despesas com cobrança, sendo certo que não fez prova de quaisquer despesas a este título efectuadas; o disposto no n.º 3 do art.º 811.º sempre obstaria à cobrança de tais quantias.

Nos termos do artigo 810.º, n.º1, “as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal”.

Não obstante a definição legal, está hoje ultrapassada a tese da dupla função e natureza mista da cláusula penal, aceitando-se pacificamente a existência de várias penas convencionais, consoante a finalidade visada pelas partes e cada uma delas com a sua específica função. Haverá assim que indagar se estamos perante uma cláusula de simples fixação antecipada do montante indemnizatório -a prevista no art.º 810.º, n.º 1[5]- ou se trata antes de uma cláusula penal de índole exclusivamente compulsória, cujo escopo não é já estabelecer a indemnização devida ao contraente fiel em consequência do inadimplemento da contraparte, mas antes forçar o cumprimento através da ameaça de uma pena que acresce à execução específica ou à indemnização a que houver lugar.

Pode ainda suceder que as partes, ao estipularem a pena, tenham tido em vista constituir uma ameaça sobre o devedor, impelindo-o a cumprir, prevendo todavia que, fracassado este objectivo prioritário, a pena passe a constituir, ela mesma, uma prestação apta a satisfazer o interesse do credor, que gozaria assim da faculdade de exigir do devedor, em alternativa à prestação originariamente fixada, a prestação acessória (ou seja, a pena)[6]. Neste caso, estaremos perante uma cláusula penal em sentido estrito[7], legitimada pelo princípio da autonomia da vontade e consequente liberdade de auto vinculação das partes.

Não estando em causa a validade e eficácia do acordo celebrado entre exequente e executados, ambas as partes se encontram por ele vinculadas, encontrando-se obrigadas ao seu cumprimento pontual (no sentido de cumprimento integral ou “ponto por ponto”), conforme resulta do disposto no art.º 406.º, n.º 1 do CC, aqui se incluindo as cláusulas 3.ª e 5.ª agora em discussão.

Prevendo para o caso de incumprimento do acordo celebrado, ficou estipulado que seriam da inteira responsabilidade dos 2.º e 3.º contraentes todas as despesas judiciais e extra-judiciais em que a 1.ª contraente houvesse de incorrer “para garantia e cobrança dos seus créditos, incluindo as administrativas e as relativas aos advogados e solicitadores”, tendo as partes aceitado fixá-las no montante de €1000,00 (vide cláusula 3.ª), podendo ainda a mesma 1.ª contraente “considerar vencida toda a dívida e exigir o pagamento imediato de tudo o que lhe fosse devido, acrescido de juros à taxa legal, da quantia de €2.500,00 a título de cláusula penal e da quantia fixada na aludida cláusula terceira” (cf. o teor da cláusula 5.ª).

Face ao teor do assim clausulado, afigura-se, no que respeita às despesas em que a apelada houvesse de incorrer para cobrança ou garantia do seu crédito, estarmos perante uma cláusula penal indemnizatória ou de liquidação prévia do dano, daqui decorrendo que, feita pela apelante a prova do incumprimento, dispensada está da demonstração da existência dos prejuízos ou do seu montante, sendo certo, porém, que nenhuma outra quantia poderá reclamar para reparação de eventual dano excedente (cf. art.º 811.º/2).

Já no que respeita ao montante de €2.500,00 fixados na cláusula 5.ª, considerando que as partes previram e aceitaram que fosse devido para além da quantia que à data se encontrasse em dívida, juros de mora e encargos já referidos, afigura-se não suscitar particulares dificuldades a sua qualificação como cláusula penal exclusivamente compulsória, destinada portanto a pressionar os aqui embargantes ao pontual cumprimento do acordo celebrado. Com efeito, não faria sentido, parece, estando em causa uma obrigação pecuniária principal cujo montante à data ascendia a €14.000,00, a credora aceitar a fixação de uma cláusula penal indemnizatória ou de liquidação prévia do dano no valor de apenas €2.500,00.

Assente pois que a previsão da aludida penalidade visava forçar os devedores ao cumprimento pontual do acordado, encontra-se a mesma excluída do âmbito de aplicação do convocado art.º 811.º, disposição legal reservada às cláusulas penais de fixação antecipada de indemnização, podendo portando cumular-se licitamente com a exigência do pagamento da quantia em dívida e juro de mora vencidos e não prescritos (cf., neste sentido, com citação de doutrina, aresto do TRP de 3 de Março de 2016, proferido no processo 11709/15.4T8PRT.P1, também disponível em www.dgsi.pt).

Arredada a aplicação do pelos embargantes invocado art.º 811.º, eventual redução equitativa da pena só poderia ser decretada ao abrigo do disposto no preceito imediato. Todavia, sendo ao que cremos pacífico, que a doutrina fixada neste art.º 812.º, enquanto “norma que encerra um princípio de alcance geral, destinado a corrigir excessos ou abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual, ao nível da fixação das consequências do não cumprimento das obrigações”[8], é aplicável a todas as espécies de penas convencionais e não apenas às previstas no art.º 810.º, já não existe consenso quanto à possibilidade dessa redução ter lugar oficiosamente.

Tendo a referida norma a natureza de ordem pública, parece que a solução que melhor acolhia tal natureza seria a da regra da oficiosidade[9]. No entanto, não é esta a posição prevalecente. Com efeito, ser uma norma de ordem pública significa que não pode ser afastada pelo acordo das partes, daqui não decorrendo necessariamente a legitimação da intervenção oficiosa do tribunal; depois, e essencialmente, tratando-se de uma norma de tutela do devedor, não deve prescindir da sua invocação por aquele a quem aproveita[10].

Sendo este o entendimento que se perfilha e tem por correcto, e mesmo admitindo que a invocação possa ser feita de forma implícita, mediante manifestada discordância com o montante da pena por banda do contraente onerado, a verdade é que no caso em apreço os embargantes, tendo centrado a sua defesa na invocação da inexistência de prejuízos a indemnizar, tendo ainda alegado que a indemnização pedida “excede o valor do prejuízo resultante da obrigação principal”, em ordem a desencadear a aplicação do n.º 3 do art.º 811.º, pelo que a este Tribunal está vedado apreciar eventual redução equitativa ao abrigo do art.º 812.º, sendo portanto de manter o montante fixado[11].

Na sua derradeira conclusão alegam os embargantes que não se constituíram em mora, uma vez que não ocorreu “interpelação ao cumprimento da obrigação do pagamento do cheque, devolvido sem culpa dos executados”.

Ao alegarem como descrito, mais uma vez inovadoramente, olvidam os recorrentes que à data em que emitiram o cheque há muito estava vencida a obrigação de pagamento da quantia em dívida, atendendo a que se tratava de obrigação com prazo (certo) e o regime consagrado no art.º 781.º, com a sua consequente constituição em mora, nos termos dos art.ºs 804.º e 805.º. Ademais, embora sem relevância para a decisão, não pode deixar de se assinalar não se encontrar de todo provado que o facto do cheque ter sido apresentado a pagamento fora do prazo legal não seja de imputar, ao invés do que agora alegam, aos próprios embargantes. Vejamos:

A embargada alegou na contestação ter acedido a pedido formulado pelo executado E... no sentido de apresentar o cheque, não na data nele aposta, mas “mais para o meio do mês”, o que foi feito (cf. art.ºs 6.º e 7.º da contestação). Tais factos, entre outros, vieram a ser expressamente aceites como verdadeiros pelo Il. Mandatário dos embargantes no âmbito da audiência de discussão e julgamento, tal como ficou a constar da respectiva acta (cf. fls. 67). E se a tal reconhecimento não pode ser atribuído o valor de confissão, não vinculando portanto as partes, uma vez que não foi feito nos articulados (cf. o disposto nos art.ºs 356.º do CC e 46.º do CPC), não podem os embargantes pretender prevalecer-se do facto contrário, que não se encontra provado.

Atendendo a que também este fundamento recursivo não é de atender, impõe-se julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

III. Decisão

Acordam os juízes da 3.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença apelada.

Custas pelos embargantes.

         


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[1] Cf. Acórdão do STJ de 26/4/95, Acórdãos do STJ, Ano III, 1995, Vol. II, pág. 57 e ss.
[2] Acórdão do STJ, de 20-05-2010 (Revista n.º 2655/04.8TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção), acessível em www.dgsi.pt

[3] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.

[4] Cf. neste sentido e versando caso com semelhanças, Ac. STJ de 4/9/2003, revista 03B3495, acessível em www.dgsi.pt.

[5] Diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
 “Aquela em que as partes, ao estipulá-la, visaram tão-só liquidar antecipadamente, de modo “ne varietur”, o dano futuro” - Prof. Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e indemnização”, Colecção Teses, Almedina, Reimpressão, pág. 601.
[6] A cláusula penal assim estipulada configura uma obrigação com faculdade alternativa do credor – Prof- Pinto Monteiro, ob. cit., pág. 613.
[7] Ob. e autor cit., págs. 18/19 e 609 e seguintes.
[8] Ainda o Prof. Pinto Monteiro, ob. cit., pág. 495 e novamente na pág. 730.
[9] Neste sentido, Ana Prata, “Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual”, Reimpressão, pág. 642, nota 1157 “Constituindo a redutibilidade judicial da pena uma medida com fundamento em princípios de ordem pública, ela deve ser actuada oficiosamente pelo tribunal, com independência, pois, do pedido do devedor”. Neste mesmo sentido, o acórdão desta Relação de Coimbra de 19/1/21, processo n.º 421/03.3 TBAVR.C, acessível em www.dgsi.pt, também citado na sentença recorrida.
[10] Assim, Pinto Monteiro, ob. cit., págs. 735-736, Gravato Morais, “Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em especial”, Almedina 2009, pág. 157, e na jurisprudência, a título exemplificativo, acs. STJ de 12/9/2013, processo n.º 1942/07.8 TBBNV.L1.S1, e de 24/4/2012, processo n.º 605/06.6 TBVRL.P1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. A solicitação do devedor há-de fazer-se por via de acção ou reconvenção ou ainda de defesa por excepção, caso em que terá de ser invocada na contestação (cf. o acórdão de 24/4/2012).
[11] Dir-se-á complementarmente que mesmo a admitir a intervenção do Tribunal não seria caso de proceder à redução da pena convencionada. Com efeito, e conforme alerta o Prof. Calvão da Silva, in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, págs. 272-273: “O controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos; impõe-se, tão só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades de credores, mas, não já, para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultado que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos. Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.”
Cf., em sentido idêntico, vincando o carácter restrito da intervenção do juiz na redução da pena, ainda quando tiver ocorrido cumprimento parcial, acentuando a exigência de que se trate de um excesso extraordinário, acórdãos deste mesmo TRC de 13/2/2015, processo 288/12.4 TTGRD-A.C1, e do TRG de 4/2/2016, processo 284/10-6TTVCT, acessíveis em www.dgsi.pt.